Capítulo 2
A água nunca tocou seu corpo, mas Yeva manteve os olhos fechados, sem querer ver qual dos seus atacantes a tinha resgatado apenas para matá-la de uma maneira diferente em seguida. No entanto, ela não sentiu nenhuma mordida, nem mesmo uma picadinha. Abriu apenas um olho, bem devagar, sem realmente querer ver quem a estava segurando, mas com a curiosidade levando a melhor sobre ela mais uma vez.
O que seus olhos encontraram fez com que se arregalassem de surpresa. Quem a segurava, definitivamente, não era nenhuma daquelas pessoas que tentaram atacá-la. Os olhos de seu salvador não tinham nada de prateado. Eram de um tom de azul tão claro que a fizeram pensar em uma manhã ensolarada e esquecer que se encontravam no meio da noite. Os cabelos eram castanhos, ondulados, com um corte despojado meio para o alto que o fazia parecer com um daqueles galãs que admirava pela TV. A camisa roxa justa que ele usava deixava transparecer músculos bem cuidados que envolviam seu peitoral e seus braços. A pele lisa, o queixo quadrado e a boca fina só aumentavam a atração que ele exercia. Por um momento, Yeva esqueceu que estava sendo ataca por seres mitológicos que ela sequer acreditava serem reais.
Como se sua noite não pudesse ficar pior, porém, aquele lapso momentâneo não durou muito. O homem a colocou de pé na lancha e se virou de costas para ela, pronto para enfrentar os vampiros que tinham pulado atrás dela.
"De onde essa lancha surgiu?" era tudo o que passava na cabeça de Yeva naquele momento, pois não tinha ouvido o som do motor com o falatório das pessoas que tentavam atacá-la e com os sons dos passos deles sobre a madeira do píer. Ela quase não conseguiu se concentrar no que ainda estava acontecendo ao seu redor.
Yeva tentou prestar atenção, mas se desequilibrou quando a lancha fez uma curva forte para a direita e acabou batendo com a barriga na borda, segurando-se por pouco antes de quase cair do barco.
— Porra, Smith — gritou o homem que a tinha salvado e que também tinha se desequilibrado com a virada repentina da lancha, mas surpreendentemente ainda conseguiu jogar um dos vampiros por cima dos ombros dentro da água. — Pilota essa coisa devagar.
Yeva, apesar de estar confusa e (ainda) correndo perigo de vida, ficou com água na boca quando ouviu o sotaque do homem que a salvara. Para ela, não tinha nenhum som mais gostoso de ouvir do que um irlandês falando inglês. Ela reconheceria aquelas vogais suaves e as consoantes proeminentes em qualquer lugar do mundo. Se ele já tinha ganhado pontos com sua aparência, aquelas simples palavras irritadas tinham sido um ace.
— Se não gosta do jeito que piloto, então senta aqui você. — Yeva ouviu a voz atrás dela.
Mesmo que não tivesse olhado, ela sabia que o homem que estava no volante não causaria o mesmo efeito que o irlandês tinha causado. Contudo, ela olhou da mesma forma, pois tinha que conhecer aqueles que a protegiam. Definitivamente, o piloto não tinha nada a ver com o irlandês. Ele era careca e tão bombado que parecia um halterofilista.
— Prefiro os sanguessugas — respondeu o outro, pegando um dos vampiros pelo pescoço e forçando-o para a frente, fazendo com que ele caísse entre Yeva e ele, desmaiado. — Novato.
Ele deu um meio sorriso e puxou o vampiro pelo pé, jogando-o pela borda da lancha. Depois, olhou para ela e, antes que dissesse algo, seus olhos percorreram o seu corpo da cabeça aos pés com uma lentidão que parecia que estava despindo-a com os olhos.
Quando voltou a encará-la, seu sorriso tinha passado de convencido para interessado apesar de continuar o mesmo — era o brilho nos seus olhos indicava a diferença.
— Não tinha percebido que era tão gostosa — ele comentou, como se fosse cotidiano falar com uma mulher daquele jeito.
Depois que Yeva soltou um arquejo ao mesmo tempo indignado e excitado, o irlandês foi até o banco ao lado do piloto e sentou-se, falando:
— Temos que voltar pra pegar o Nolan.
— Deixe-o se virar sozinho — respondeu o tal de Smith.
O irlandês bufou e olhou de rabo de olho para o outro.
— Está falando sério? Não quero repetir a maratona de limpeza da última vez. Além disso, ele é bom, mas não é imortal.
— Não é imortal? O que significa não ficar velho e poder viver para sempre?
— Com o tempo isso fica batido e perde a graça. — O irlandês encostou a cabeça no banco. — E nós dois sabemos que não vou deixá-lo para trás.
— Nem mesmo por ela? — perguntou Smith, finalmente virando o rosto na direção de Yeva.
Seu rosto até que era bonito: reto, anguloso, com maçãs proeminentes e olhos azuis da cor do oceano pacífico. No entanto, nem aquele rosto foi capaz de desviar seu gosto para o piloto. Ele ainda estava longe de ser seu tipo ideal.
O irlandês virou o rosto para ela, levantando uma sobrancelha perfeita e dando um sorriso travesso. Inclinou um pouco a cabeça enquanto a observava. Então deu um risinho, piscou para ela com apenas um olho e se virou para a frente de novo.
— Ela estará segura — ele finalmente respondeu.
— Você é um idiota — reclamou Smith, mas começou a virar o barco, indo na direção do pier do qual Yeva tinha caído. — E ele não merece nenhuma consideração.
— Cuidado, Smith — respondeu o outro, colocando um braço por cima do encosto do banco de Smith, uma ameaça silenciosa que fez Smith ficar tenso, endireitando os ombros. — Eu gosto de você e também sei que está do nosso lado, mas garanto que não custaria nada ir atrás de Estela. Posso até gostar disso.
— Não toque na minha mulher. — O aumento no timbre de sua voz foi o suficiente para que Yeva percebesse que ele tinha ficado com medo, além de tenso.
— Então não diga algo que o faça se arrepender. — Pela primeira vez, não havia um traço de sorriso naquela voz maravilhosa e de sotaque perfeito. Aquela ameaça era a sério.
Yeva permaneceu em silêncio, apenas observando os dois. Smith ficava cada vez mais rígido à medida que a lancha voltava para o píer enquanto o outro homem simplesmente relaxava, encostando a cabeça de novo no banco. Ainda que não soubesse o motivo, ela sabia que eles a tinham salvado tanto de ficar se debatendo na água gelada quanto de ser devorada pelos vampiros até a morte.
Colocou a cabeça entre as mãos e ficou olhando para seus joelhos dobrados de lado sobre o chão da pequena embarcação. Que grande confusão a que tinha se metido. Afinal, o que significava tudo aquilo?
Não teve muito tempo para pensar, pois logo chegou às suas narinas o odor metálico tão característico. Levantou a cabeça bem rápido, a tempo de ver um homem empurrar um dos vampiros no peito, lançando-o bem longe na direção dos outros barcos ancorados no píer.
— Humm — murmurou o irlandês, que já estava com a cabeça em pé e observando, atento, a briga que acontecia no píer. — Tem razão, Smith, acho que ele não precisa de ajuda. Podemos fugir se quiser.
— Agora que estamos aqui? — reclamou o homem e continuou pilotando até onde estava acontecendo a luta.
Yeva ficou espantada, imaginando se eles realmente queriam ajudá-la, afinal estavam-na levando de volta para o meio daquelas criaturas.
No entanto, à medida que chegava mais perto, ela prestava mais atenção ao que estava acontecendo. O homem que estava no píer devia ser um pouco mais alto do que o irlandês no barco. Seus cabelos eram de uma cor mais escura e a agilidade de seu corpo era muito similar a de seus oponentes. Além disso, era óbvio que sua força era extrema, dado o fato de que todos os vampiros que ele acertava acabavam voando para longe. Por mais estranho que fosse, Yeva tinha certeza de que aquele homem também era um vampiro, mas, ao contrário dos outros, estava do lado dela.
Ela sabia que devia prestar atenção aos que estavam atacando em grupo para que nenhum deles fosse para cima de si, mas, por algum motivo que ela recusava a atribuir a sua libido, só conseguia focar no lutador solitário. Ele tinha um corpo tão bem formado quanto o do irlandês no barco e seus músculos, aparentes apenas nos braços descobertos pela camisa pólo e nas pernas envoltas por calça jeans, enrijeciam de uma maneira muito sedutora. O mais incrível era que ele lutava contra muitos, mas conseguia desviar com precisão de todos os golpes lançados contra ele e, ao mesmo tempo, atingia todos os seus oponentes.
O barco, então, chegou à beira do cais e Yeva viu o irlandês passar muito rápido ao seu lado, segurando um vampiro que já os tinha notado e começava a atacar. Quando ele jogou o vampiro pela borda do barco, gritou para o outro homem no deque:
— Vamos, Nolan, esses idiotas já estão me cansando.
Nolan, o homem vampiro lutando sozinho no píer, acertou um soco no peito de um de seus opositores e se virou para olhar a lancha. Sem dizer nada, correu e pulou, caindo em pé ao lado de Yeva, que arregalou os olhos. Entretanto, ele não olhou para ela, apenas se virou de volta na direção do porto e ajudou o irlandês a expulsar os vampiros que pulavam na embarcação enquanto Smith dava a volta com a lancha e saía dali apressadamente.
Quando Nolan pegou o último vampiro no ar e o bateu contra a borda da lancha, um golpe que teria quebrado a coluna de qualquer pessoa normal, e depois o jogou para fora, ele finalmente abriu a boca e disse:
— Quem te deixou voltar?
Yeva respirou fundo. A voz dele era ainda mais incrível que a do outro e ele também era irlandês. Sua voz era mais grossa e um pouco rouca, justamente como ela teria imaginado a voz de um vampiro se já tivesse pensado que existia algum. Com certeza, aquele timbre era feito para seduzir as vítimas.
— Eu falei pra ele que deveríamos tê-lo deixado sozinho — gritou Smith de onde estava, ainda pilotando a lancha para longe do porto, de novo.
— Não sei por que está surpreso, Nolan. Você, melhor do que ninguém, deveria saber que eu voltaria para te ajudar.
O que tinha retirado Yeva do meio dos vampiros nem esperou uma resposta, deu as costas para o outro e voltou a se sentar ao lado de Smith.
— Quantas vezes tenho que lhe dizer que não preciso de ajuda? — Nolan perguntou, parado no mesmo lugar, olhando para as costas do outro.
— E quantas vezes eu tenho que responder que eu não ligo? — rebateu ele, encostando a cabeça no banco.
— A segurança dela é mais importante do que me ajudar, Ryan — Nolan estava quase gritando. Parecia realmente irritado e, por entre seus lábios, Yeva podia ver suas presas tão afiadas e brancas quanto a dos outros vampiros que a atacaram.
Ryan levantou a cabeça, suspirou e depois olhou, com um sorriso torto no rosto, para a única mulher naquela embarcação. Piscou para ela, que ficou surpresa, apesar de ele já ter feito o mesmo antes.
— Ela estava segura. Não estava, baby? — perguntou Ryan de bom humor.
— Eu... — Yeva tentou responder, mas foi interrompida por Nolan.
— O que ela sabe de segurança? Estava se expondo mais do que um novilho solto no pasto. Se não tivéssemos chegado a tempo...
— Mas chegamos — disse Ryan, interrompendo a explosão de Nolan. — Ela está bem e a salvo. Nenhum vampiro vai chegar perto dela agora. Bem, exceto por você. De que adianta ficar discutindo?
— Quem são vocês? — Yeva conseguiu encontrar um fio de voz para perguntar. Por mais estranho que fosse e apesar de eles terem salvado sua vida, Yeva não conseguia deixar de se sentir nervosa com os dois homens de sotaque sexy falando sobre ela como se não estivesse presente. Acabou interrompendo a discussão dos dois e atraindo a atenção de todos para si.
Ryan abriu um sorriso inteiro e se levantou, andando até ela, se abaixando e olhando em seus olhos. Com o polegar da mão direita, apontou para o próprio peito.
— Eu sou o mais lindo anjo da guarda que vai conseguir encontrar. — Depois apontou para Smith. — Ele é só o piloto. — Então apontou para Nolan. — Aquele é só o chato do meu irmão vampiro. Para sua sorte, estamos aqui para protegê-la.
— Proteger de quê? — ela perguntou, sem questionar qualquer das informações que ele tinha lhe fornecido. Tudo aquilo lhe parecia bem óbvio devido às circunstâncias.
— Dos sanguessugas — respondeu Ryan, sempre sorrindo.
— Nossa, Ryan, como você é engraçado — disse Smith antes que Yeva pudesse perguntar qualquer outra coisa.
— Explica direito, garoto — falou Nolan, passando pelo casal abaixado no chão e sentando-se no lugar que Ryan ocupara antes, ao lado de Smith.
Ryan fez uma careta, porém manteve o olhar focado em Yeva.
— Quer que explique agora ou prefere chegar em terra firme primeiro? — perguntou com a voz suave.
Ele poderia não ser um vampiro, mas aqueles olhos azuis definitivamente eram capazes de hipnotizar. Yeva não conseguia desviar deles.
— Eu só preciso saber o que está acontecendo — ela respondeu, sem saber, pela primeira vez, se sanava sua curiosidade ou se agradava o homem à sua frente.
Ryan colocou as mãos nos joelhos dela e se aproximou.
— O que está acontecendo é que eeeeeu... Ai, Nolan! — O irmão o puxou pelos cabelos quando ele se aproximou demais.
— Deixe-a em paz — falou Nolan e apontou para o outro lado do barco.
— Que pena. — Ryan fez outra careta, mas obedeceu ao irmão. Nolan era o seu irmão mais velho, porém, ainda mais importante do que isso, Ryan sabia que devia respeitar a moça que acabara de conhecer.
— E quem vai me dizer o que está acontecendo? — Yeva perguntou, sem perceber o que Nolan tinha acabado de fazer.
— Ele não estava te explicando nada, senhorita — respondeu Nolan, olhando para a frente. — Ele iria seduzi-la.
Yeva olhou para Ryan com as sobrancelhas levantadas e ele apenas deu de ombros, virando o pescoço para o lado e observando o rio que eles seguiam. Ela ficou em silêncio. Pelo jeito, ninguém naquela lancha lhe explicaria o motivo pelo qual os vampiros a atacaram ou por que eles três tinham corrido em seu socorro. Ela estava curiosa como sempre, mas não queria se arriscar a quase ser seduzida de novo.
Estava perdendo o jeito? Nem tinha percebido que Ryan se aproximara demais ou que estava tentando seduzi-la. Tudo o que estava em sua mente era a resposta que ele teria dado, eliminando sua dúvida. No entanto, aquilo não aconteceria. Ao menos não até chegarem em terra firme, onde ela se arriscaria a se levantar para não cair na água e perguntaria a um dos outros dois homens.
Foi quando o pensamento lhe deu um murro forte na cabeça: "Não pode se aproximar demais". Estava acontecendo outra vez e ela nem tinha percebido. Certo, a situação não era nada parecida com as outras, mas, ainda assim, o ponto principal era exatamente o mesmo: protegê-la a qualquer custo.
Não podia fingir que não entendia o que eles diziam. Ela gostava de usar aquele subterfúgio, falar em outra língua e fazer de conta que não entendia nada do que falavam ao seu redor. Aquilo a poupava de muitos problemas e explicações e a ajudava de maneiras que poucas pessoas entendiam. Tinha feito uma denúncia de assassinato uma vez, simplesmente porque os assassinos não sabiam que não podiam falar alemão do seu lado.
Olhando, porém, para aqueles homens de cabelos castanhos, com estruturas corporais de dar inveja, ela, de algum jeito, soube que aquela desculpa não teria funcionado. Além disso, já conversara com eles em inglês e tinha certeza de que eles acabariam convencendo-a de se comunicar de forma que eles pudessem entendê-la. Porém, para ter certeza, ela falou alto o suficiente para que os três a ouvissem por cima do barulho do motor:
— Vy pokhishchali menya? — que era o mesmo que perguntar se eles a estavam sequestrando, só que em russo.
A reação conjunta serviu apenas para certificar Yeva de que a tática do "eu não te entendo" nunca funcionaria com aquele trio. Ryan olhou para ela com aquele sorriso convencido que estava em seus lábios desde o primeiro momento em que olhou para ele. Nolan virou o rosto de lado e, mesmo que fosse para o lado de Ryan e ela não pudesse ver seus olhos, Yeva sabia que estavam encostados no canto, observando o máximo que aquela posição permitia. Smith foi o que teve a pior reação à pergunta dela – um resmungo irritado, provavelmente um palavrão que ela não entendeu –, depois se virou para Nolan e falou em inglês mesmo.
— Eu disse que deveríamos tê-la abordado de maneira correta. O que acontece se ela conseguir fugir e der queixa de nós?
— Primeiro — respondeu Nolan, com sua voz rouca e calma, extremamente superior —, ela não vai fugir. Segundo, teria sido impossível chegar perto dela com todos aqueles vampiros pairando ao seu redor e simplesmente não chamar tanta atenção quanto eles. Terceiro, não a estamos sequestrando, apenas salvando, o que resume tudo e com certeza a impedirá de contar a polícia o que aconteceu.
— Além disso — emendou Ryan, voltando a olhar para frente —, ela sabe tão bem quanto nós que ninguém na polícia ou em qualquer organização que a protegeria de um sequestro acreditaria no que acabou de acontecer. O que ela diria? Que foi sequestrada logo depois de ser atacada por vampiros? Se eu nunca os tivesse visto, eu também não acreditaria.
— Tire-nos daqui, Smith, e não precisará se preocupar com mais nada — disse Nolan, fazendo como o irmão e olhando para frente.
— É por causa dessas situações que eu odeio quando vocês aparecem na cidade. Se tem alguém na organização que eu não gosto de encontrar, são vocês dois — resmungou o piloto, dessa vez de uma maneira bem clara para que todos entendessem sem problemas.
Yeva os observou. Talvez o trio não fosse tão unido assim, apesar de achar que os dois irlandeses eram tão ligados quanto qualquer par de irmãos seria. Ela só não fazia ideia de que a ligação deles ia além do sangue.
De repente, teve que torcer o nariz. Não tinha reconhecido ainda pois estavam no meio do rio, com o vento batendo em seu rosto, mas uma pequena brisa que atingiu Nolan antes de atingi-la foi suficiente para que Yeva sentisse seu cheiro, tão característico quanto o dos vampiros no píer. Ele também cheirava a sangue, o que não combinava em nada com sua aparência.
Tentou ser discreta quando abaixou a cabeça, descansando-a no braço e escondendo o nariz de todos os cheiros que pudessem atingi-lo. É claro que o odor nem se comparava com o de vários deles juntos, mas ainda não era algo que ela gostasse. Entretanto, assim como em todas as vezes que sentira aquele odor antes, ela sentia uma forte atração por ele. A necessidade de ajudar e entender impregnava suas veias e fazia com que ela quisesse se aproximar, por mais que soubesse que não deveria.
Além do mais, tinha prometido a si mesma que ficaria longe do que quer que carregasse aquele cheiro e não poderia quebrar sua promessa naquele momento. Aquele odor significava tragédia, dor e morte, além de muitos anos de solidão.
Com toda a certeza, ela estava cansada de ficar sozinha e não seria nenhum sacrifício ficar perto daqueles homens, por mais que desgostasse de seu cheiro, mas ela sabia que tinha algum tipo de maldição. Se os vampiros eram os portadores do odor, então eles eram os responsáveis pelas mortes que acompanharam sua vida. Afinal, por que eles estavam sempre atrás de seus entes queridos?
Levantou a cabeça, observando os homens na lancha e ignorando o vento que batia no seu rosto com o cheiro de Nolan. Ryan tinha dito que eles estavam ali para protegê-la dos vampiros, então eles deveriam saber que estava sendo perseguida e, se sabiam disso, com certeza sabiam o motivo. Mas, talvez, ela também já soubesse. Aquele vampiro oriental tinha dito algo sobre o seu sangue e seu cheiro.
— Seu cheiro atrai uma multidão — o vampiro dissera. Será que o cheiro dela fazia com eles o que o deles fazia com ela? Eles eram atraídos pelo seu odor? Ela também tinha um cheiro específico para eles?
Sentiu uma forte tentação de cheirar a si própria, mas não teria como disfarçar isso, então se controlou o máximo que pôde. Por mais que os homens na lancha estivessem olhando para a frente, ela sabia que bastaria um movimento e teria a atenção deles para si.
Um leve tranco na lancha a alertou de que tinham chegado em terra firme, já que ela estava distraída demais para notar que se aproximaram da costa. Não hesitou nem um segundo para sair da lancha. Ela odiava a água. Bem, não a água em si, mas qualquer porção d'água que fosse suficiente para cobrir o topo de sua cabeça. Fora no mar que presenciara a primeira tragédia de sua vida e aquela, infelizmente, era a única que lembrava detalhadamente.
— Algum problema? — ela ouviu Nolan perguntar e só então percebeu que estava encarando a água do rio.
Virou-se para olhar para o vampiro. O cheiro não a incomodou novamente, pois o vento passava entre eles, indo até eles desde o rio. Mas seus olhos prateados com certeza eram um tormento.
— Estou bem — ela respondeu.
— E agora? — perguntou Smith, parando ao lado de Nolan junto com Ryan.
— Agora vamos para sua casa — respondeu Ryan, colocando as mãos nos bolsos da calça e balançando o corpo pra frente e pra trás, como um boneco de posto. — Estou morrendo de fome. Acha que Estela faria algo especial para mim, Smith?
— Já falei pra ficar longe da minha mulher — reclamou Smith, depois suspirou. — Ela disse que ia deixar a comida pronta e quentinha.
— Ah, perfeito — Ryan exclamou, abrindo um meio sorriso outra vez.
Yeva e Nolan não tinham desviado os olhos um do outro, apesar de estarem incluídos na conversa dos outros dois. Ela porque estava calculando suas chances de fuga, ele porque não deixaria que ela escapasse.
— Não seria saudável fazer o que está pensando — ele finalmente falou, provando, mais uma vez, que não era um cara comum.
— E seria saudável ficar perto de você? — ela perguntou, levantando uma sobrancelha.
Smith ficou olhando de um para o outro enquanto Ryan parava de se balançar e inclinava a cabeça, observando-a.
— Não vou atacá-la — respondeu Nolan. Ele não sorria, ao contrário do irmão que nunca parecia ficar sério de verdade.
— Como posso acreditar em você? É exatamente como eles.
— Não exatamente — disse Ryan, fazendo com que Yeva desviasse seu olhar para ele. — Os vampiros no píer estavam atacando você, querendo sugar o seu sangue. Meu irmão só quer impedir que isso aconteça.
— Se querem mesmo que eu acredite e confie nele, então respondam uma pergunta.
O sorriso de Ryan aumentou como se ele já soubesse que ela diria aquilo. Yeva não se abalou, deveria ser óbvio que ela buscaria respostas, afinal, era a vida dela em jogo.
— O que quer saber? — foi Smith quem perguntou.
— Um dos vampiros no píer disse que o que eles queriam de mim era o meu sangue, algo que lhes era de direito. Por que o meu sangue seria de vocês por direito?
— Vocês? — perguntou Nolan.
— Você é um vampiro. Pelo que eu entendi, ele estava incluindo toda a espécie na afirmativa.
— O que acontece se não respondermos sua pergunta? — Nolan perguntou de novo, obviamente fugindo do assunto.
— Vocês disseram que não estavam me sequestrando, então quer dizer que posso seguir outro caminho a partir de agora — ela respondeu, dando de ombros. Sabia que não faria aquilo, mas também queria respostas.
— E arriscar encontrar outro bando como aquele? — dessa vez, foi Ryan quem perguntou. — Realmente não tem nenhum apreço por sua vida?
— Eu nunca soube como ou por quê, mas esses vampiros me perseguiram por toda a vida e eu saí ilesa de cada um desses encontros. Além do mais, não tenho nada a perder.
Suspirando e parecendo concordar com a argumentação dela, Ryan começou a responder:
— Seu sangue...
— É muito importante para ser discutido em um lugar como esse — Nolan terminou a resposta que Ryan tinha começado, impedindo o irmão de dizer a verdade de uma vez. — Venha conosco e eu lhe darei as respostas que tanto quer.
— De novo está querendo que eu confie em você sem me dar nada em troca — ela falou, fechando as mãos em punhos. Estava começando a ficar com raiva daquele cara.
— Nós salvamos sua vida, gostosa — respondeu Ryan, voltando a se balançar sobre os pés. — Está nos devendo muito mais do que confiança.
— Muito mais?
— Eu estava pensando que você também poderia me dar um beijo em agradecimento, só pra começar — respondeu Ryan com seu sorriso convencido.
Yeva levantou as sobrancelhas, surpresa e indignada com a sugestão dele. "Que descarado!" ela pensou.
— Ai, ai — reclamou Smith, esfregando uma mão na testa. — Garoto pervertido. Por favor, senhorita, ignore as palavras que saem da boca dele.
Ryan deu de ombros e disse:
— Foi só uma sugestão, mas posso pensar em outras coisas.
— Basta que venha conosco — interrompeu Nolan, fazendo o que Smith tinha dito e ignorando Ryan.
É claro que ela não tinha muita escolha. Se não os seguisse, não estaria segura nem teria respostas. Seu instinto, porém, dizia que ir com eles era muito mais perigoso.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro