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Capítulo 1


Rafaela olhava a irmã partir sem se dar conta do peso que seria não tê-la pela casa. Ranielle nunca fora uma loba comum, sempre atrás de aprender tudo o que poderia, e, no alto de seus doze anos a irmã caçula já sentia a necessidade de ser parecida com a irmã mais velha. Os olhos dela não tinham o brilho do alfa, mas, também não eram comuns. Cinzentos, o que só poderia significar uma coisa, era uma Atalaia com tendências peregrinas. A cor dos olhos queria dizer muito em seu mundo e ter olhos como os da irmã eram ao mesmo tempo uma bênção e maldição.

Depois que o carro partiu ela se sentia vazia e se distanciou da família, seu objetivo agora era depois da passagem ocorrida cinco anos atrás, ter armas para ajudar no que fosse necessário. Sua inteligência e calma a destacavam dos demais irmãos. Magnus estava agora sempre preocupado e vez em quando ela ouvia os pais sussurrando sobre o desaparecimento de Ranielle. Era sabido que ela estava perdida pelo mundo e apenas a avó deles sabia de seu paradeiro. O incomum, é que ela estivesse ainda focada em acontecimentos passados.

-Muito bem, princesa. – Era como todos no Brasil a chamavam. Ela estava finalizando suas aulas de arquearia, quando ouviu um sussurrar distante, James estava contando ao pai algo sobre aventuras pela Ásia. Não era comum trazerem assuntos assim para a casa.

-Obrigada, Ling. – O professor sul-coreano, o melhor que o dinheiro poderia pagar, estava inconsciente sobre o assunto, já que como humano não possuía as habilidades comuns aos lupinos. – Podemos continuar amanhã?

-Claro, como desejar. Tenha um bom descanso. – Mal sabia ele que agora era hora de ela se dedicar às lutas físicas.

~~

Suada e exausta, eram adjetivos que cabiam bem à situação. Rafaela entrou em seu quarto já rumando para a ducha que tomaria com todo o prazer contido em suas entranhas. A água gelada que tocou seu corpo aliviou a tensão dos músculos cansados, enquanto fitava seu reflexo no Box. Seus cabelos estavam agora abaixo da cintura, seus traços eram delicados demais para ser considerada mortal ou agressiva como a irmã era. E, seu modelo de persistência neste momento estava fora de sua vida por enquanto. Algo que seria resolvido muito em breve, já que decidira assim como ela partir numa busca. Seus 15 anos chegaram com uma demora assustadora.

Depois de limpa e cheirosa, foi procurar a mãe, que provavelmente estava na sala ou na adega escolhendo o vinho para o jantar. Foi na segunda opção que a encontrou... Os três anos depois do desaparecimento da irmã cobraram um preço à aparência da mãe, que parecia ter muito mais que seus pouco mais de 60 anos. Ao invés da vitalidade e energia que Rafaela se lembrava, ela estava sempre com uma expressão preocupada no rosto.

-Mamãe... Podemos conversar?

-Da última vez que ouvi isso, perdi uma filha. Não quer me fazer perder outra, não é?

Por essa resposta ela não esperava. E ficou preocupada se deveria ou não citar sua vontade de viajar para procurar Ranielle.

-Mamãe, temos que encontrá-la!

-Acha que não fizemos tudo a nosso alcance? Ela sempre escapa entre nossos dedos. Se sua avó não fosse mais teimosa que ela, já estaria em casa à essa altura. Mas, me contento em saber que meus outros filhos estão sobre as minhas asas.

-Ela não está perdida como um cachorrinho, é minha irmã, preciso ajudá-la.

-Depois de tudo o que ela estudou e viveu, não quero ser cruel, filha... Mas, a única coisa que você conseguirá nesse momento é atrapalhá-la.

-Eu posso ajudar, estou me tornando uma arqueira excelente. E, consigo lutar.

-Contra humanos, com certeza. Mas, jamais terá a força dela nem seus reflexos ou suas habilidades para fazer o que é necessário. Espero que compreenda nossa decisão de manter você aqui.

-Se a senhora não me permitir ir, terei de fugir.

-Boa sorte com isso.

Frustrada, saiu da adega, voltando para o quarto. Naquele momento em que o desespero por talvez não ver mais a irmã estava dominando seus neurônios, só pode pensar em uma coisa, se tornaria a melhor lutadora e arqueira que o mundo deles já conheceu. E, nada impedia uma lupina determinada.

~~

Um ano depois do episódio, receberam a notícia de que Ranielle finalmente estava bem, tinha conseguido derrotar Encantadora, e, estava devastada pelas perdas, na verdade, uma perda em específico. Todos foram para Portugal, não apenas para celebrar a vitória mas também pela saudade de Ran. No entanto, ao chegarem encontraram o fantasma que ela se lembrava levemente ser sua irmã... os quatro anos cobraram seu peso em seus olhos, ela deveria ter testemunhado muitas atrocidades para estar com aquela expressão perdida nos olhos. O lugar mais comum onde ela era encontrada: próximo da tumba de um dos mortos em batalha.

-Eles faziam um casal bonito, sabe?

Um não-morto com o cabelo loiro e um sorriso fácil a encarava enquanto vigiava a irmã. Era bonito de certa forma, mas, parecia velho demais e com olhos muito cruéis.

-Sou Raoul. Ajudei sua irmã quando ela chegou à Paris mais ou menos dois anos atrás.

-Sim... um dos não-mortos. Conheço bem a raça.

-Desdenhosa, gosto disso. Sua irmã tinha a mesma opinião quando nos conhecemos, e, veja... a ajudei a chegar na vitória e apoiei quando mais ninguém da família acreditou nela.

Como um soco no estômago, Rafaela empalideceu e antes que conseguisse retribuir a afronta, a irmã estava chegando próxima e abraçando o não-morto. Rumando novamente para a casa, ele a colocou na cama. Era como se ela confiasse exclusivamente nele e nos dois lupinos que ajudaram na cruzada. Confusão estava nublando seus pensamentos, ela não conseguia compreender como poderia a irmã preferir aquelas pessoas à própria família.

Com o passar dos dias, Ranielle se abriu mais e mais, voltando a um comportamento quase igual ao de antes da partida. Seus pais demonstravam todo o orgulho por terem colocado ela no mundo e Rafaela se sentia bem, tendo a irmã de volta.

Os treinamentos seguiram, estando em Beirão, conseguia treinar de igual para qualquer outro lupino que por ali estivesse, seus cabelos viviam trançados para não atrapalhar nas práticas, já que ela se recusava a cortá-los e viu que nunca foram impedimentos para que a irmã chutasse os inimigos nas bolas.

-Muito bem, Rafaela, só continue no gingado antes de atacar, a vantagem está no que o inimigo não espera. – Sem dar tempo para ela assimilar as palavras, Fernando, o primo dela, saltou e a prendeu no chão. – Viu? Esteja sempre atenta. Seus reflexos são bons, mas, ainda precisa de concentração na batalha para não perder por nada.

-Alto e claro!

Porém antes de começarem a se atracar, Ran entrou na arena de treinamento e como normalmente, atraiu os olhares de todos para si. Ela não treinava muito pesado desde que descobrira a gestação avançada do filho ou filha, que esperava de seu antigo amante. Todos reverenciavam a alfa, que agia como se fosse qualquer outra pessoa ali, os únicos momentos em que ela vestia o poder de sua coroa era durante os processos do conclave. Ela gostava de liderar O Conselho com Raoul e depois de conviver um pouco mais com ele, Rafaela descobriu que ele era adorável à sua maneira.

Ranielle foi diretamente à Matteo e Carmem, ignorando os demais sem reparar direito em quem eram e depois de alguns cochichos começou a se desarmar enquanto deixava uma faca com cada um deles. Os olhos de Rafaela se arregalaram e tentou avisá-la, já que obviamente mais ninguém ia treinar naquele momento e apenas observavam a cena sem se mover, porém antes que conseguisse sair de perto dele, Fernando a segurou firmemente.

-Ela sabe o que está fazendo, na verdade tenho pena deles. Está prestes a presenciar uma coisa muito rara depois da morte de Louis.

Antes de ela conseguir responder, seu olhar fixou nos movimentos da irmã e na forma como seus olhos adquiriram o tom mais vermelho que o cotidiano. Apesar da barriga já média ela se movia com graciosidade e certeza. A confiança dela no próprio corpo, a união entre seus pensamentos e coordenação motora, fizeram Rafaela entender porque seus inimigos a temiam tanto e seus aliados sentiam tanto orgulho.

Numa série de 4 movimentos precisos ela desarmou Matteo e mesmo de costas dadas à Carmem, seu movimento fluído a desviou por centímetros quando ela passou a faca próximo demais de seu corpo, prendendo sua mão com a própria, girando seu pulso e encarando o estalo.

Sem desculpas, sem receios e sem misericórdia, ela apenas torceu mais e cotovelou o rosto de Carmem, enquanto Matteo se levantando novamente tentou atingi-la no rosto, o que foi impossível já que ela usara a mão segura de Carmem para atirar o corpo dela sobre o dele.

Derrotados e sorridentes, apenas se ajoelharam diante dela.

-Acabar com vocês está ficando a cada dia mais fácil, estão ficando velhos.

Ela se abaixou e os ajudou a se levantar. Os dois não pareciam pesar mais que poucos quilos para ela, no entanto, Rafaela tinha certeza de que eram bem pesados.

-Eu já era velho quando nos conhecemos, Ran. Nenhuma novidade nisso.

-É menina, dê algum crédito à nossa idade e experiência. Devo dizer que desde seu avô não conheci ninguém mais habilidoso.

-Idiotas... – Ranielle de repente observou em volta e estavam todos na arena olhando para os três e não foi necessária nenhuma palavra dela para que voltassem cada um a seus próprios treinos. – Você também, Rafaela. Vi que escolheu um dos melhores para te ajudar.

-Sim, Fernando tem tentado ajudar.

-Você é incrível. Assim como qualquer um de nós. Vai ser uma lupina maravilhosa, basta continuar estudando e fazendo seus exercícios com afinco.

-Espero ser parecida com você um dia. – Dor passou detrás dos olhos de Ranielle, no entanto ela disfarçou e sorriu se retirando.

-Ela nunca vai permitir que seja parecida com ela. – Carmem disse à ela quando a irmã saiu.

-E, porque isso?

-Porque o que ela fez e viu para chegar até aqui, ela não desejaria para uma pessoa que ama tanto.

Dúvidas pairavam a mente de Rafaela, e, quando Fernando a atacou novamente, foi um alvo ainda mais fácil. O que eles tanto queriam dizer com essa resistência de que fosse parecida com a irmã?

~~

Louis nascera, finalmente! Um menino lindo e forte, chorando como um verdadeiro campeão. E estava sendo coroado o príncipe mais lindo do mundo para seus familiares. A avó e a bisavó só faziam mimá-lo, o que deixava Rafaela desconfortável por não ser mais a caçula. Pelo menos agora podia correr livre pelos campos e lutar à vontade, já que ninguém se importava de ela chegar mancando ou sangrando na casa, pelo menos era isso o que ela pensava.

-Não deveria se esgueirar só porque está com o supercílio cortado, sabe? – O adorável e irritante não-morto melhor amigo de sua irmã. Ele parecia passar mais tempo em Beirão do que na Serra da Estrela.

-O que você quer? – Não era apenas o supercílio, seu corpo inteiro estava machucado e contundido, conforme foi avançando os degraus de desenvolvimento, estava a cada dia lutando contra mais oponentes. E seu humor apesar de um pouco melhor com a evolução, ainda não estava dos melhores.

-Só dizer que está fazendo um belo trabalho, Fernando e Mortaz tem elogiado muito seus esforços. Estou impressionado. Realmente acho que essa gana pelo melhor é coisa de família. Lembro de sua irmã quando começamos, especificamente algo que está ignorando.

-Sei, não sou tão forte, má ou habilidosa como ela?

-Não... É todas essas coisas assim como ela, mas, está esquecendo da sua mente. Pelo que ela disse, é a mais inteligente entre os quatro irmãos, não deveria negligenciar isso.

-Mas, eu não...

-É só um conselho.

Taciturno não chegava nem perto de descrever aquele não-morto. Apesar do humor aparente, ele sempre tinha umas tiradas ridículas pra falar com ela. Rafaela estava constantemente irritada com a presença dele. Mas, nada que precisasse ainda ser anunciado a todos. Estava apenas pensando em como sua irmã o aguentara tendo o gênio do cão característico da família Ferreira.

Subindo para seu quarto e depois de um banho morno, conseguiu visualizar os roxos e vermelhos por todo o corpo, amanhã pela manhã não teria nem sinal deles. Mas, se queria realmente ser a melhor, deveria aprender a rebater cada um desses ataques como se sua vida dependesse de cada um desses treinos de batalha.

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