Relato 2 - Start
1584 Words
Mais uma vez despertei por conta do frio.
Olhei no espelho tirando os ruivos cabelos que escondiam meus olhos.
Olhos que todos ficavam comentando por terem uma forte coloração marcante como jade.
Malditos olhos amaldiçoados.
Depois que tive alta, meus tios quiseram comemorar e viajamos para o Brasil.
Estava nervoso.
Meu primos estavam mega animados por conta as praias enquanto meus tios falavam sem parar sobre os eventos quase ritualísticos que existiam ali, como as festas de carnaval que sonhavam em ver pessoalmente; mas algo me dizia para temer.
O clima estava quente e abafado, mas meu corpo estava gelado e isso não era boa coisa.
Levantei sem fazer barulho e pus um casaco sobre o pijama e fui olhar a varanda que dava para um matagal denso e muito bonito, que era separado no hotel por uma parede de bambus. Um verdadeiro bambuzal.
Quanto mais eu olhava aquela beleza exuberante, pior ficava a sensação de que vários olhos me encaravam de volta; e assim me lembrei dos terríveis pesadelos que tinha quando criança:
Lembrei que acordava gritando em algum cômodo da casa com alguém me chacoalhando. tudo era muito real para mim... mas diziam que eu estava sonhando, que era sonambulismo e terror noturno. Culpavam o acidente dos maus pais, e eu ser jovem demais para lidar com aquilo.
Mas eu me lembro perfeitamente, agora sem estar repleto de remédios controlados.
Me lembro de ver uma pessoa do lado da minha cama. De ela tentar arrancar meus olhos, e eu correr e lutar. E assim que alguém acordava com meus gritos ela pulava pela janela.
Ela tentou várias vezes até começarem a me medicar.
Eu fiquei tão dopado que não consegui me mover...
Vi ele entrando no meu quarto pela janela e parando do meu lado e senti sua mão gelada no meu rosto.
Seus olhos vermelhos faiscavam e eu pude ver que entre seus dentes adornavam-se presas afiadas.
Me desesperei por dentro do corpo inerte e mole pelas drogas que fui obrigado a tomar, com muita luta.
Mas ele desfez o sorriso. — Tsk. — Murmurou com nojo ao olhar nos meus olhos. — Está contaminado. Assim não presta. — E assim se foi.
As drogas não me fizeram deixar de ver as coisas que via, mas os fazia me ignorar. Eu não era mais interessante para eles, pois estava contaminado...
Ou essa era a forma de as drogas agirem?
Sem conseguir dormir, resolvi fazer o impensável e ir atrás do que me chamava com tanta força.
Troquei de roupa pois não iria sair de pijamas, e prendi os cabelos que estavam longos de descuido mesmo. Desci as escadas, pois odiava elevadores...
...e me entreti com o ruído que meus tênis surrados faziam, aquele barulho de borracha a cada andar que virava; chegando ao saguão (que era todo em paredes de vidro) estranhei não ter uma viva alma na guarita e o nevoeiro que se estabelecia por sobre a piscina me chamava a atenção.
Um arrepio ruim novamente percorreu meu corpo, uma sensação familiar das piores, como se algo se escondesse no escuro, algo que me desejava de uma forma cruel.
Mas um vento soprou soltando meus cabelos como se tivesse mãos para isso, pois os tinha atado bem apertado; e desta forma pude então ver um homem de pele escura sorrir para mim. Estranhei a ventania forte em um ambiente totalmente fechado como onde estava, e fixei meus olhos sobre a figura:
Este fumava um cachimbo e inundava tudo com sua densa fumaça, mas meus olhos pararam sobre um detalhe impossível de ignorar: o fato dele ter um furo bem na palma de sua mão.
Uma perfuração grande o suficiente para ser vista assim, a distância.
Por incrível que fosse o homem não me punha medo como os demais seres que via em casa, e na verdade assim que o vi ali, uma paz estranha me invadiu; como se agora estivesse tudo bem; como se finalmente estivesse sendo protegido por algo.
Ele ajeita seu barrete vermelho sobre a cabeça e aponta para trás de mim, onde me viro podendo perceber vários olhos me fitando através do bambuzal de forma convidativa.
Olhei uma última vez para o sorridente homem que parecia ser de origem africana que relaxava tranquilo e o cumprimentei mudamente, e só então me dei conta de que lhe faltava uma das pernas, como se esta lhe fosse tirada de forma brutal a muito tempo deixando apenas a cicatriz em sua coxa.
Abri a porta de vidro e me permiti caminhar para o lado externo, senti um arrepio ruim ao ver por canto de olho um jovem também de pele escura me olhar com malícia. Esse igualmente sem uma perna mal tinha vestes trazendo apenas o marcante barrete vermelho em sua cabeça e uma calça ou shorts de um tom semelhante.
Mas pude ver que assim como o mais velho esse ser estava me guardando, mesmo que estivesse a de alguma forma "aprontar" com as pessoas hospedadas ali, senti que estava me guiando e protegendo daquilo que realmente me desejava o mal. Algo que havia esperando todos esses anos para me ver livre dos medicamentos.
Tentei o ignorar, ouvindo sua risada atingir minha nuca, de forma a criar uma memória permanente na minha alma.
Foi então que o vi.
Alto de pele negra, não como uma pessoa; mas como só uma entidade poderia ter.
A fumaça que os demais exalavam por conta de um pito, vinha de seus pulmões e adornava seu corpo esguio de itens dignos de um verdadeiro curandeiro.
Não era humano, jamais foi como os demais pareciam ter sido.
Na verdade parecia tomar uma forma indigena para se assemelhar à figura humana, mas sua forma era evidente que...
Mas me sorriu com dentes de fera, me chamando para mais perto dele como em um encanto que não consegui bloquear mesmo tendo consciência. E desta mesma forma encantada pude compreender o que dizia, mesmo sem saber seu idioma, ele falava em mim.
— Pobre criança perdida. Ave rara que caiu do ninho e pensa que é galinha. — Seu tom era de pesar, transmitindo sabedoria como se me lesse tal como um livro infantil, de tão fácil que era para ele. — Aceitas quem és.
— Daniel! — O berro de minha tia preocupada me faz despertar do transe, e logo me viro olhando para ela, e volto a olhar para ele. Não havia sumido por mágica da conveniência, ainda estava bem ali. Todos eles.
Como ela não o via?
Por que apenas eu via essas coisas?
— Me diz que não tá vendo coisas de novo? Você tá bem meu amor? — Ela me sacode preocupada, e posso ver seus olhos um desespero real em volta de poucas lágrimas.
Olho uma ultima vez, e o ser negro como a noite me faz um gesto cordial.
Sua única perna era completamente diferente dos demais, saindo do centro de seu corpo criando um pé em forma de raízes naturais, como ela poderia não o ver ali?
— Eu só vim caminhar, aproveitar um pouco a noite. Não consegui dormir de calor. — Minto ao retornar com ela para dentro, e ela logicamente encara minha jaqueta percebendo que estava com frio.
— Você sabe que pode me contar tudo meu amor.
Para voltar a ser internado? Ou dopado?
Não obrigado.
— Eu vi um desenho de um homem preto com uma perna só. Fiquei curioso. Sabe o que é? — Comento tentando desconversar.
— Anh. É uma lenda famosa aqui. — Sorri por eu me abrir um pouco. — Evitamos sair no halloween pois você não se sente bem, mas aqui é o dia desta lenda, sabia? Mas sempre achei uma lenda sem graça... não entendo o fascínio dos nativos por ele. Acha que ficou na sua cabeça?
— Provável. — Disse ao retornar com ela ao quarto. Vendo uma jovem parada no corredor ignorando sua existência.
No dia seguinte despertei com as pessoas falando muito.
Me troquei rápido e logo fui ver de que se tratava:
— Uma menina passou mal ontem. — Disse meu tio ao me ver sair do quarto. — Ela teve alergia a algo e os avós acharam que era frescura e colocaram ela para dormir com anti alérgico. — Complementa com um pesar que me faz completar o final sozinho.
Eu vi a menina.
Podia ter evitado?
Era isso que ele queria dizer? Para não ignorar o que vejo...
Ele era real?
Quando fui arrumar minha mala para partir, encontrei ali um cachimbo velho, mas de alguma forma senti que foi me dado como um presente carinhoso. Uma proteção.
Apertei aquilo junto ao peito e coloquei no bolso, desde então o carrego como meu totem particular em forma de um colar que jamais tiro, nem mesmo no banho ou para dormir.
Até hoje quando vejo algo, lembro da serpente em chamas que come olhos e não te vê se fechar seus olhos, e assim os fecho. Afinal foi o que meus pais me ensinaram a muito tempo, a única coisa que me lembro deles... Será que aprenderam com aquele ser?
Nota do autor: Pra quem não sabe o dia do Saci existe e essa imagem ai é de um jogo que nunca viu a luz, amo ela por expressar muito bem a ideologia dos povos indigenas compilados para uma forma artistica. Ve se n da medo!!! kkk Amo! Tem muita coisa implicita dos povos nestes contos, assim como na original que vem como proteção contra as coisas malignas. s2
PS: Os proximos caps são continuos... E contem cenas pesadas DO NADA, priorize o seu limite pois cada um tem o seu. s2
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