14 - As Terras Geladas
Betina sentiu um pingo gelado cair bem em cima de sua cabeça. Pela contagem que ela fazia, a estação estava próxima do inverno. O frio naquele país chegava a ser cortante.
A mulher agora um pouco mais magra tinha os cabelos grandes e a expressão era de cansaço e desnutrição. Já havia se passado quanto tempo? 1 ano, 2 anos? Ela já nem sabia mais ao certo. O tempo nas masmorras de Hölle passava lentamente.
A primeira vez que havia chegado ali ela havia sido recepcionada pela rainha em pessoa. Que fez questão de dizer que ela ficaria viva e apodreceria naquele buraco.
As únicas visitas que recebia era da carcereira que trazia a gororoba diária que elas chamavam de comida, que mais parecia uma lavagem e de Helga, que fez questão de dar suas surras diárias. E a rainha Heide, que ainda insistia em um certo pedido para Betina.
Naquele dia em especial não foi diferente. A elegante rainha, de cabelos loiros desceu a escadaria das Masmorras acompanhada de seu fiel cão de guarda, o Caniço. A mulher tinha olhos cor de mel, era alta e magra e tinha uma imponência que não se via em qualquer lugar. O rosto tinha as marcas da idade, embora ainda muito bonito. Heide Schumacher era tudo o que diziam a respeito dela e mais um pouco.
-Querida. - Heide começou a dizer com a voz mansa de uma mãe amorosa.
Betina apenas olhou para a mulher de soslaio.
-Não aja assim meu bem. Não é culpa minha.
Betina apenas a ignorou.
-Já se passou mais de um ano e ainda guarda tanto ressentimento? Apesar de tudo que te fiz?
-Não é um ano. São 15 anos. Ou você se esqueceu da Astrid? - Betina disse com a voz baixa.
-Outra vez? Que saco! Quantas vezes vamos tocar neste assunto? - Heide disse irritada.
-Quantas forem necessárias.
Heide se aproximou da cela. Um buraco literalmente com um pequeno local coberto. O resto da cela era sujeito às intempéries como chuva e sol. Betina estava vestida com uma camisa surrada e uma calça que não estava em suas melhores condições. A sorte é que Betina era resistente se não teria morrido de hipotermia na primeira semana.
-Eu posso tirar você daqui, Betina. Você sabe que posso.
-Você só quer que eu te chame de mamãe e sejamos felizes. - Betina debochou.
-E qual o problema? Éramos felizes.
-Éramos? Eu destruindo tudo pra você?
-Você não aproveita seu potencial! Este dom que você tem é um desperdício! Poderia estar livre, é só fazer o que eu te peço. Ao invés disso, fica aí, apodrecendo. Ou você acha que alguém vem te salvar? Depois de tanto tempo?
-Não ligo.
-Liga sim. E em algum momento irá ceder. Mas, por hora, você exauriu minha paciência. Fique viva, Betina.
Um ano presa. Sozinha. Betina sonhava com o rosto de seus amigos, sonhava com Levi, o grande amor da sua vida. Em como ele estaria, se ainda estava vivo. Era só isso que a fazia viver. Ficaria ali o tempo que fosse necessário, desde que garantisse que seus amigos ficariam vivos.
O navio de Paradis chegou ao Porto de Eisegen Hafen, na capital Eisenhower cerca de 10 dias depois. As terras geladas eram longínquas e cercada de água por todos os lados. O seu território era extenso e sua maior parte coberto de neve.
-Uau. - Connie disse espantando ao ver o porto repleto de pessoas.
A cidade de Eisenhower era bem desenvolvida, grandes prédios, Carros. A vestimenta das pessoas era relativamente mais moderna do que Marley e Paradis.
Mas, a nova Rainha era rigorosa e a nova religião era o que mandava naquele país. Homossexuais eram presos, assim como os chamados Hereges. Mulheres adúlteras, julgadas em praça pública. Mães solteiras, além de outras coisas consideradas profanação. O exército de Vermogen triplicou em 15 anos e o país tornou-se um local fechado e a rainha ditadora governava com mãos de ferro.
A aliança com Marley deu a eles estabilidade e um acordo paz foi estabelecido. Nenhum dos dois países iriam se voltar contra o outro desde que numa possível guerra mundial eles fossem aliados.
Enquanto isso, Heide fortalecia seus exércitos e dava a falsa sensação de proteção a população que com o passar dos anos aceitava cada vez mais a nova realidade.
Veridiana e os companheiros de Paradis caminharam entre a população de Eisenhower discretamente.
-Onde vamos? - Onyankopon perguntou.
-Para a Resistência. - Veridiana respondeu.
A Resistência surgiu da necessidade de liberdade e do direito de ir e vir. Da necessidade de amar sem reservas, da luta por igualdade. A cidade de Eisenhower era dividida em lado alto e lado baixo.
O lado alto, conhecido como o Panteão era onde estava a nobreza e a família Real, os mais afortunados. Lá não havia falta de nada. O lado baixo, conhecido popularmente como Vielas era onde ficavam os pobres, imigrantes. Não havia saneamento básico, as condições eram péssimas e os que ali viviam trabalhavam muitas vezes em troca de comida. E os moradores dali nunca tinham acesso ao lado Alto.
As Vielas iam descendo num tipo de buraco. O Panteão ia ficando para trás como uma miragem a medida que iam entrando no coração de Eisenhower.
-Mas, que lugar esquecido por Deus é este? - Onyankopon perguntou ao ver as pobres almas que se esgueiravam pelas sarjetas.
-Aqui é onde as pessoas que não tem para onde ir vivem. - Veridiana disse se lamentando. - A rainha não se importa com ninguém daqui. Na verdade quer mais que todos morram para que ela não tenha que se preocupar como estes miseráveis.
-Mas, não são todos habitantes de seu país? - Hange perguntou horrorizada.
-Há igualdade em seu país? - Veridiana perguntou.
-Não.
-Aqui também não. - Veridiana cobriu um pouco mais o rosto quando viu os guardas rondando as Vielas.
-Como eles conseguem viver neste lugar imundo? - Jean perguntou ao ver as ruas cada vez mais imundas.
-Não temos muita escolha. Temos que agradecer a Deus por ter comida na mesa no fim do dia. Alguns passam semanas famintos. Comendo restos da nobreza.
-Semanas sem comer? - Sasha disse ainda mais horrorizada.
-Quando estamos com sorte... - Veridiana estreitou os olhos. - É ali...
Veridiana apontou para onde talvez fosse uma escola algum dia.
-Uma escola? - Ygritte perguntou.
-Costumava ser. Hoje em dia serve de abrigo para os necessitados e de hospital para os moribundos.
Veridiana bateu na porta. O olhar de um homem já mais velho com uma grande cicatriz na bochecha surgiu.
-Quem bate a porta? - o homem olhou desconfiado e perguntou.
-Apenas um grupo que busca acalento. Não temos para onde ir, nem para onde voltar.
O homem estreitou os olhos e disse calmamente.
-Então, veio ao lugar certo. Wir sind Teil eines Ganzen...
-Wir sind Drachenblut. Für die Ehre und den Ruhm von Vermogen.
-Für die Ehre und den Ruhm von Vermogen.
O homem destrancou a porta e deu passagem ao grupo.
-Pensei que estivesse morta, Veridiana. - Ele disse sorrindo para a mesma.
-Sou dura na queda, Falke.
-Já percebi. E quem são seus amigos? - ele disse apontando para o grupo.
-É uma história longa.
-Então entre e vamos e tomar um chá. A Taiga está no salão.
A escola era grande, dezenas de salas foram improvisadas como alas de hospital. Taiga era a líder da Resistência e a muito tempo foi uma médica do exército de Vermogen.
A Resistência era composta por pequenos esquadrões e seus dirigentes. Cada um era responsável por um setor.
Falke era o capitão do esquadrão responsável pelo armamento, ainda tinha Schalange, que era responsável pelos medicamentos. Hai era a responsável pela comida distribuída pela resistência. E Manta que era a estrategista de guerra e braço direito de Taiga.
Veridiana entrou no grande salão acompanhando dos "demônios" de Paradis e depois calmamente contou para Falke quem eram seus amigos.
-Os demônios súditos de Ymir? - Falke disse horrorizado.
-Mais respeito! São meus amigos. - Veridiana o advertiu.
-Me perdoem. É o hábito.
-Tudo bem. Estamos ficando acostumados. - Hange disse debochando.
-Falke. Eles vieram para me ajudar com uma missão muito difícil. - Veridiana disse preocupada.
-E o que seria?
-Viemos resgatar a Betina Drachen.
Falke ficou com os olhos arregalados. De repente todos os presentes pararam de fazer o que faziam e se reuniram ao redor deles, incluindo a líder Taiga.
-Betina está aqui? - Taiga perguntou visivelmente preocupada.
-O que tá acontecendo? - Hange sussurrou para Levi.
-Eu não sei...
Veridiana encarou a líder e disse calmamente.
-Betina está presa em Hölle.
-Não pode ser! - Taiga virou-se para Falke. - Então é ela. A prisioneira misteriosa.
-A sangue de Dragão em pessoa! - Falke parecia emocionado.
-Hai! Convoque a Manta. Precisamos nos reunir urgentemente. - Taiga virou-se para Veridiana. - Conte tudo ao Falke. Não importa como nós vamos tirar a Sangue de Dragão de lá.
Hange, Levi e os outros ficaram sem entender nada, enquanto todo o grupo da Resistência se movimentou rapidamente.
-Veridiana, você poderia explicar? - Levi disse cruzando os braços.
-Venham comigo por favor.
Eles acompanharam a Vermongeana até onde era o pátio da escola. Na parede do antigo pátio a pintura de um rosto familiar chamou a atenção de Levi. O rosto delicado de Betina pintado a mão em meio a cores vibrantes. O capitão sentiu o coração apertar ao ver a morena. Já faziam tanto tempo.
-É a... - Ygritte perguntou ao perceber.
-Sim. Betina Drachen. Uma lenda da Resistência. Sangue de Dragão. - Veridiana explicou.
-Uau.
-Ela é importante por aqui. Talvez por isso, a Rainha ainda a mantenha viva.
Falke se aproximou do grupo e deu um longo suspiro.
-Nem acredito que ela esteja aqui... Venham, vou mostrar o quarto de vocês.
Levi ainda ficou mais um tempo olhando a pintura de Betina. Se lembrando de cada detalhe de seu rosto ainda vivo em sua memória como se tivesse sido ontem.
Ygritte e Mikasa iriam dividir o mesmo quarto. A ruiva tentava esconder a emoção de poder ficar tão próxima da morena. Mikasa ainda estava muito preocupada com Eren que havia ficado em Paradis, mas sentia-se melhor em saber que ele estava protegido.
-Você está bem? - Ygritte perguntou ao ver a inquietação de Mikasa.
-Sim. Só... preocupada com o Eren. Eu não devia ter deixado ele sozinho em Paradis.
-Fique tranquila. É melhor do que ele vir até aqui num país estrangeiro e cheio de inimigos.
-Mesmo assim, queria que ele estivesse comigo...
Ygritte sentou-se na cama e ficou olhando para a janela. A noite já havia começado e a lua tingiu o céu de prata.
-Você... parece preocupada. - Mikasa disse para Ygritte.
-Eu... me sinto culpada.
-Por que?
-Betina se sacrificou por mim. Eu... sou um tipo de rainha. Ou algo assim.
-Então, você é importante.
Ygritte ficou pensativa e depois disse.
-Não me sinto rainha. Nem sinto que aqui seja meu lar. Meu povo. Paradis é minha casa e sou uma eldiana como você.
-A responsabilidade vem quando necessário.
-Não sei Mikasa... a História nasceu para ser rainha. Ela sabe o que fazer, como se portar. Eu... não me sinto assim.. me sinto uma usurpadora.
Mikasa sentou-se ao lado dela. A ruiva estremeceu ao ver a morena tão perto e corou o rosto de leve.
-Eu acho que você seria uma rainha incrível.
Ygritte observou a expressão de Mikasa. Era a primeira vez que ela tinha contato com ela longe do Eren e por alguma razão que ela não entendia, Mikasa parecia outra pessoa.
Ela estava hipnotizada pela beleza da morena, não conseguia tirar os olhos dela.
-O que foi? - Mikasa perguntou sorridente.
-Nada... É que você é... muito bonita. - Ygritte disse vermelha.
-Sua boba. Você também é. - Mikasa deu um largo sorriso. - Agora vamos descansar um pouco. Nossos dias serão longos aqui.
Ygritte sentia-se mal. Uma profanação. De todos os homens que ela poderia amar, ela amava Mikasa e não importava o quanto ela lutasse cada dia que passava os sentimentos ficavam mais fortes. E ela não fazia a menor ideia do que ia fazer.
Longe dali, Levi olhava da janela para o luar. Ele estava tão acostumado a esconder seus sentimentos que não conseguia entender o que sentia direito. Ele resolveu andar pela escola a noite, dormir era algo raro em sua vida. O QG da Resistência tinha muitos refugiados, homens, mulheres, idosos, crianças. A maioria vivia ali escondido longe da vista da rainha.
Ele viu de longe o rosto de Betina desenhado na parede do pátio e disse para si mesmo.
-Por que você não me contou? Eu teria feito tudo por você.
-Está no sangue dela. - Uma mulher idosa disse. A velha sentada numa cadeira de rodas faltava uma das pernas. Tinha a expressão séria e o olhar assustador.
-E você, quem é? - Levi perguntou assustado.
-Uma velha. Só isso.
-Não tem nome, velha? - Ele disse meio ríspido.
-Aqui me chamam de Babayaga. O meu nome mesmo eu não me lembro. Já se passou muitos anos desde que eu o ouvi pela última vez.
-O que você disse sobre a Betina?
-Que está no sangue dela. A personalidade, a necessidade de proteger seu povo e as pessoas que amam. Ela ama você, não é?
-...
-Não precisa nem ser muito esperto. E você sem sombra de dúvida a ama perdidamente. Nenhum homem em sã consciência atravessaria o mar até este fim de mundo por uma mulher se não fosse por amor.
Levi ficou um tempo em silêncio. A mulher tinha razão. Amava demais e só sairia dali com ela.
-Tem razão. Talvez eu ame mesmo.
-É um súdito de Ymir não é? - A velha o encarou. Levi não respondeu. - Não faz esta cara. Não vou entregar você para ninguém. Não estamos em melhores condições que vocês.
-Somos culpados por crimes que nem sabemos ao certo.
-Eu sou culpada de fato. E sei de todos os crimes que cometi e de que me arrependo. - a velha por um instante pareceu arrependida.
-Entendo...
A mulher observou o baixinho que não tirava os olhos da pintura. Ela observou a expressão de preocupação.
-Sabia que existe uma profecia? - Ela começou a dizer.
-Não. Obviamente. Tem muitas coisas que não sei.
- Dizem que a salvação das terras geladas vem de uma pessoa com sangue de fogo.
Levi ergueu uma sobrancelha meio desconfiado da velha a sua frente.
-Uma pessoa com sangue de fogo?
-Sim. Sei que parece absurdo, mas, você descende de uma mulher que virava um titã gigante.
-Não duvido de sua crença, só não entendo o que isso tem a ver com a Betina e toda a ideologia de vocês e o sangue de dragão.
-Se estiver com tempo, lhe contarei uma história...
Levi estava desconfiado, mas estava cansado de tantas informações incompletas e histórias mal contadas
-Estou todo ouvidos...
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