.4: Alvo na Mira
A temperatura torna o ambiente insuportavelmente quente. O som das chamas crepitando de maneira furiosa é tudo o que pode ser ouvido. Sentindo uma forte dor no seu ombro esquerdo, Lúcios usa toda a sua força para se erguer e tirar uma viga de madeira que havia caído sobre si e após finalmente concluir o ato, ele olha ao redor, vendo os vários bancos da sua igreja ardendo em chamas, bem como as gravuras em tecidos penduradas nas paredes. Ao som das janelas de vidro estourando devido ao calor intenso, ele fica de pé e cambaleia na direção da porta, arfando quase sem ar, de tanto inalar fumaça.
ㅤㅤㅤㅤ— Lúcios! — uma voz feminina o chama. Ao se virar, ele pode observar uma mulher esbelta, de cabelos loiros e pele clara, mas agora tingida de laranja devido ao incêndio que consome tudo ao seu redor.
ㅤㅤㅤㅤ— Evellyn?! Evellyn!! — o homem exclama sorrindo ao ver a mulher andar rapidamente até ele.
ㅤㅤㅤㅤ— Nós temos que sair daqui. Encontrar os infiéis que puseram fogo na nossa casa e fazê-los pagar — a raiva em sua voz é marcante. Ela ergue sua adaga prateada e começa a caminhar com determinação, segurando a mão direita de Lúcios, o guiando.
ㅤㅤㅤㅤO casal segue até as portas de madeira, mas antes que tivessem a chance de chegarem próximos, a janela do lado direito é atingida por uma garrafa em chamas e o objeto não para, indo na direção dos dois.
ㅤㅤㅤㅤ— Não! — ela grita e usando toda a sua força, Evellyn empurra Lúcios, tirando-o da rota do coquetel molotov. Porém, ela acaba por ser atingida pelo mesmo, tendo seu corpo imediatamente consumido pelo fogo.
ㅤㅤㅤㅤ— EVELLYN!!! — caído próximo dos bancos, Lúcios observa impotente, sua amada se debater e agonizar enquanto o fogo consome seus cabelos e sua pele. Ele se levanta e tenta ir até ela, mas é impedido por um pedaço do teto que começa a desabar.
ㅤㅤㅤㅤA pesada viga de madeira cai entre os dois e faz as chamas se espalharem mais, quase atingindo o casaco que o homem usa. Em desespero, ele já não consegue identificar a mulher em meio ao fogo e começa a chamar pelo seu nome, sem obter nenhuma resposta. Com as lágrimas descendo pelas suas bochechas, ele olha para o chão e vê a adaga que Evellyn segurava, com a lâmina agora vermelha, devido ao calor. Sem hesitar, ele cata a arma, sentindo a palma da sua mão direita queimar, mas isso não o faz soltá-la. Correndo o mais rápido que pode, ele escuta a igreja que construiu junto com sua esposa ruir e adentra rapidamente no quarto à sua direita do altar, que também está em chamas, mas possui uma janela grande o bastante para que o homem corpulento possa se jogar e atravessar o vidro, caindo nos arbustos do lado de fora.
ㅤㅤㅤㅤSentindo um pesar angustiante pela morte de Evellyn, além de dores físicas por todo o corpo, outra coisa que consome Lúcios nesse momento é um profundo ódio, que faz seu sangue ferver mais forte do que qualquer chama que consome a igreja. E isso apenas aumenta, conforme ele escuta as risadas e falas das pessoas em frente à igreja; as pessoas que lhe tiraram tudo.
ㅤㅤㅤㅤ— Isso mesmo! Queimem esse lugar e todos os loucos que estão lá dentro! — vocifera um homem de bigode branco e uma boina marrom.
ㅤㅤㅤㅤ— Acha que todos morreram? — pergunta um jovem usando uma blusa vermelha, de gola "V".
ㅤㅤㅤㅤ— Caso eles não morram aqui, morrerão sendo caçados por nós. Eles vão aprender a não enganarem mais as pessoas — diz uma mulher de meia-idade, usando um lenço amarrado sobre os cabelos grisalhos. Atrás dela, outras cinco pessoas acendem mais coquetéis molotov e os arremessam na direção da igreja.
ㅤㅤㅤㅤDe repente a atenção de todos ali presentes é atraída para a figura imponente de um homem com vestes pretas, saindo da vegetação próxima da igreja, iluminado pelas chamas. Em seu rosto, está estampada a dor e a raiva de uma perca irreparável. Sua mão direita segura a arma que ele irá usar para matar todos os responsáveis.
ㅤㅤㅤㅤ— Olha só... parece que um saiu vivo. Não vai durar muito tempo, babaca — o homem de bigode fala, tirando sua boina, seguida pelo casaco marrom. — Devia ter fugido — ele completa, avançando na direção do sobrevivente.
ㅤㅤㅤㅤLúcios não o espera parado; o que ele faz é também investir contra seu oponente, mas, com uma força descomunal, ele projeta a lâmina quente da adaga contra o queixo do de bigode, fazendo a ponta da mesma sair no topo da sua cabeça. Gritando, Lúcios ergue o corpo do sujeito à alguns centímetros do chão.
ㅤㅤㅤㅤ— Meu Deus, meu Deus!! — um dos homens exclama surpreso, ele pega os coquetéis molotov ateia fogo no pano de um e, mesmo espantado ao ver um assassinato na sua frente, ele arremessa a garrafa de Coca-Cola cheia de álcool.
ㅤㅤㅤㅤLúcios vê o projétil incandescente vir na sua direção e usa o cadáver da sua vítima como escudo. Assim que a garrafa se destrói no corpo inerte, o sobrevivente sente algumas poucas gotas de álcool em chamas alcançarem suas peças de roupa, mas nada que o preocupasse, pois logo as mesmas se apagam sem dificuldade. Ele então joga o corpo em chamas no chão de terra e avança contra os terroristas que queimaram seus bens mais preciosos e tudo o que ele escuta são os gritos das suas vítimas, agonizando em desespero conforme ele os mata quase sem dificuldade.
ㅤㅤㅤㅤQuando o último cadáver é mutilado, toda a areia que estava sobre a estrada agora está coberta por uma enorme poça de sangue e Lúcios se encontra ajoelhado na mesma, com as lágrimas pingando do seu queixo e os olhos fixos na sua igreja ardendo em chamas. Na sua mão direita, está a adaga de Evellyn e o vermelho da mesma agora vem do sangue que também cobre o homem.
ㅤㅤㅤㅤ— Evellyn... minha Evellyn... — ele resmunga, repetindo isso como se fosse um mantra, enquanto encara as altas labaredas. Porém, quando ele olha para uma das janelas destruídas, consegue ver o que parece ser uma silhueta no meio do fogo.
ㅤㅤㅤㅤSeu corpo fica inerte e seu coração dispara. Ele sabe que aquilo é impossível; que aquilo não passa de uma alucinação. Porém, ele quer acreditar. E sabe o que vai precisar fazer a partir desse momento.
ㅤㅤㅤㅤ— Pai, o senhor está bem?
ㅤㅤㅤㅤAs palavras de Karl tiram o líder dos satânicos do seu transe e Lúcios agora se vê novamente na frente da sua igreja, reconstruída mais de uma década após aquela fatídica noite. Ele está usando seu sobretudo vermelho e tudo ao seu redor está coberto de neve, que ajuda a paisagem a mudar drasticamente.
ㅤㅤㅤㅤ— Karl, meu filho. — Lúcios esfrega os olhos com a destra. — Sim, estou bem. Só estava refletindo comigo mesmo.
ㅤㅤㅤㅤ— Ah, sim... eu reuni todos, como o senhor ordenou. Estão ansiosos pelo seu pronunciamento. — Karl mantém suas mãos dentro dos bolsos do seu sobretudo.
ㅤㅤㅤㅤ— Claro, claro. Irei para lá agora mesmo. Têm coisas importantes que quero dizer para os meus filhos... e outras que quero que eles façam. — Lúcios se vira olhando Karl e começa a andar até o prédio de dormitórios, seguido de perto pelo ex-militar. No caminho, ele põe a destra na região onde foi ferido por Millie e seu sangue ferve de raiva ao lembrar daquele dia.
***
O silêncio dentro do auditório do Convento São Edgar é sepulcral. Toda a congregação satânica está reunida novamente, mas diferente da primeira vez, a apreensão que toma de conta dos cultistas é saber o que Lúcios dirá depois de ter se recuperando. O homem que é a figura divina para a maioria está parado no centro do palco, com Karl à sua direita e Elizabeth à esquerda. Ele não mexeu um músculo desde que chegou ali, mas sem que ninguém espere, ele ergue o olhar para a plateia:
ㅤㅤㅤㅤ— Meus filhos, estou muito feliz em poder estar reunido com vocês hoje. Como bem sabem, eu sofri um atentado contra a minha vida, orquestrado pelos mesmos infiéis que vêm nos causando tantos problemas. Eles me encontraram enquanto estava interrogando a menina que capturamos e me feriram para resgatá-la. Porém, graças aos cuidados do Doutor Bart, eu consegui voltar para vocês — Lúcios permanece imóvel enquanto fala, sendo ovacionado pelos seus seguidores, que param assim que ele ergue o punho direito, pedindo silêncio. — O Dr. Bart não me salvou apenas do ataque, mas também de uma tentativa de assassinato que seria feita dentro do nosso reino. Um dos infiéis, disfarçado como um de nós, vitimou Kurt; tentou fazer o mesmo comigo, mas o Doutor o impediu e nesse momento, está o castigando dolorosamente. Os gritos que vocês escutam à noite são apenas um exemplo do que iremos fazer com os outros blasfemadores. Nós já estamos nos encaminhando para essa conclusão. Elizabeth extraiu informações valiosas sobre nossos inimigos: eles estão em uma universidade nos arredores e Karl irá liderar uma expedição com o objetivo de encontrá-los. Passo a palavra para ele agora — Lúcios finaliza seu discurso e dá um passo para trás, ficando do lado de Elizabeth e vendo Karl caminhar para a frente.
ㅤㅤㅤㅤ— É isso mesmo. Como o pai acabou de dizer, a Elizabeth passou a perna no fedelho e conseguiu saber que o grupo dele, e provavelmente os militares, estão baseados numa faculdade. Eu já mapeei a região e temos três faculdades, que é por onde vamos começar. Mas como o inverno tá ferrando tudo, vamos ter que fazer equipes pequenas; quatro pessoas, pra ser melhor. Eu mesmo vou selecionar as pessoas e dizer pra onde cada grupo vai. Nossa missão é simples: encontrar os infiéis. Feito isso, voltamos para nosso reino e planejamos um ataque que irá destruí-los.
ㅤㅤㅤㅤOs satânicos ficam em silêncio, enquanto Karl continua lhes passando as informações sobre o planejamento futuro. Não prestando tanta atenção no ex-militar, Elizabeth passeia com os olhos por todo o interior do auditório, olhando os rostos que não estão cobertos pelos capuzes e lembrando da situação em que Tommy estava, quando conversou com o menino. O cheiro de abuso dentro do quarto, o corpo do menor repleto de machucados, o medo e o pânico estampados em seu rosto. Esses pensamentos só são afastados da sua mente quando ela escuta a voz de Lúcios a chamar.
ㅤㅤㅤㅤ— An? — ela olha para a sua direita, vendo o homem de barba rala lhe encarando.
ㅤㅤㅤㅤ— Parece longe daqui — o homem fala de maneira calma e em tom baixo, para não se sobrepor à voz de Karl, que segue discursando.
ㅤㅤㅤㅤ— Só estou pensando em como vou tratar de alguns dos infiéis. Imaginá-los agonizando me traz paz.
ㅤㅤㅤㅤ— Ah, entendo... também faço isso. A todo momento agora. Principalmente com aqueles que ousaram me ferir.
ㅤㅤㅤㅤ— Esses serão os mais castigados. — Elizabeth baixa a cabeça, podendo ver os punhos de Lúcios fechados com tanta força, que as dobras em suas luvas parecem estar prestes a estourar.
ㅤㅤㅤㅤ— Com certeza serão — diz o líder dos cultistas.
Após a reunião ser encerrada, os satânicos se dispersam, exceto os que Karl chamou para formarem as equipes que irão em busca do esconderijo dos blasfemadores. Estes seguiram direto para o estacionamento do convento, onde os veículos da seita estão guardados — alguns cobertos de neve, que já está sendo limpa. Até mesmo Lúcios os acompanha, mais atrás, observando os doze seguidores que irão sair e se aproxima um pouco de Elizabeth:
ㅤㅤㅤㅤ— Tem certeza que você quer ir? Posso falar com o Karl e mandá-lo escolher outra pessoa.
ㅤㅤㅤㅤ— Não se preocupe, eu quero ir. Preciso me acostumar com missões em campo.
ㅤㅤㅤㅤ— Certo então. Se tudo correr bem, até o final do dia ou o alvorecer do novo, teremos a localização dos infiéis.
ㅤㅤㅤㅤJá no estacionamento, os satânicos começam a se dividir em caminhonetes e Karl entrega mapas para os líderes das duas outras equipes, com os caminhos destacados. Feito isso, ele caminha até uma Chevrolet Colorado vermelha, onde Butch, Elizabeth e um terceiro satânico estão o esperando. Diferente dos outros veículos, esse não possui uma pá na frente, mas em compensação, tem a suspensão mais elevada.
ㅤㅤㅤㅤ— Beleza, nós vamos pra essa aqui. É a mais longe do convento e também a que tem o caminho mais complicado.
ㅤㅤㅤㅤ— De qualquer forma, o caminho que tiver menos neve, deve ser a rota deles — Comenta Butch, recarregando sua SLR.
ㅤㅤㅤㅤ— A linha de pensamento é essa. Mas muitas rotas vêm sendo limpas ultimamente e não é pelo nosso pessoal. Outros grupos ou até mesmo outros militares estão se locomovendo por aí — diz Karl, ejetando o pente da sua AR-15 e verificando se o mesmo está carregado. — E você, Elizabeth, o que acha disso?
ㅤㅤㅤㅤ— Não tenho muito o que pensar sobre. Vamos só fazer o nosso serviço. — a mulher afasta seu sobretudo da cintura, deixando visíveis os cabos de duas facas de combate, ambas com punhais que imitam um soco inglês. Ela puxa as duas e as observa, vendo se estão amoladas.
ㅤㅤㅤㅤ— Então você é a garota das facas? O pessoal comenta que você manda bem com elas — diz o quarto satânico, um homem de cabelo cacheado preto e volumoso, que cobre nuca e testa, quase alcançando os olhos.
ㅤㅤㅤㅤ— "Garota das facas"? — Karl o olha. — sempre achei que o pessoal chamasse ela de esquisita, por nunca falar com ninguém.
ㅤㅤㅤㅤ— Vai se foder, Karl. — Elizabeth guarda suas lâminas sem fazer contato visual com eles então guarda suas lâminas, indo até a porta do passageiro.
ㅤㅤㅤㅤ— Não liga pra ela, Jordan. — o ex-militar observa o outro homem. — Daqui pro fim da viagem, ela se enturma.
ㅤㅤㅤㅤ— Se você tá dizendo. — o satânico chamado Jordan engatilha uma AK-47 preta, enquanto observa seu superior.
ㅤㅤㅤㅤApós todos prepararem suas armas e os veículos, as três equipes deixam a segurança do Convento São Edgar e Lúcios se mantém perto dos portões, sentindo o vento balançar seu sobretudo e bagunçar seu cabelo, deixando sua calvície em evidência. Porém, o líder dos cultistas não liga para isso e mantém os olhos nos veículos que somem em meio às árvores.
ㅤㅤㅤㅤOs três veículos seguem em fileira pela estrada que corta a floresta e vão se dividindo aos poucos, até que sobra apenas a Colorado que Karl dirige, com o aquecedor ligado a pedido de Butch — mas com aceitação de todos. Mesmo com as nuvens se acumulando sobre a região, nenhum floco de neve cai, mas todos ali sabem que uma nevasca se aproxima e, por isso, Karl dirige o mais rápido que pode.
No rádio da Colorado, toca a música "Gangsta's Paradise", do rapper "Coolio". Karl mantém as duas mãos no volante enquanto balança a cabeça no ritmo da música e em alguns momentos, canta o refrão da faixa. Sentada no banco do passageiro, Elizabeth mantém o cotovelo sobre o encosto da porta e apoia a cabeça no punho direito, com os olhos fixos na estrada. No banco de trás, Butch conta as munições que trouxe para a sua SLR, enquanto Jordan está concentrando em ler um livro que trouxe consigo.
ㅤㅤㅤㅤ— Aí, tá conseguindo ler mesmo com a música? — Karl observa o satânico pelo retrovisor.
ㅤㅤㅤㅤ— An? — Jordan levanta a cabeça. — Ah, sim, consigo sim.
ㅤㅤㅤㅤ— Mesmo com o Karl cantando sem afinação nenhuma? — indaga Elizabeth, sem fazer contato visual com ninguém.
ㅤㅤㅤㅤ— A Elizabeth gosta mesmo de você, Karl — Butch fala e sorri, parando sua contagem de munição.
ㅤㅤㅤㅤ— Isso aí é admiração. Mas no fundo, ela gosta pra valer de mim. — o ex-militar diz olhando a loira.
ㅤㅤㅤㅤ— Prefiro me apaixonar por um morto.
ㅤㅤㅤㅤ— Assim você até me ofende, Eliza.
ㅤㅤㅤㅤ— Foi a intenção.
ㅤㅤㅤㅤ— Tá, tá. Vamos falar do que a gente veio fazer aqui, beleza? — diz Butch, os interrompendo e olha Karl. — Qual é mesmo o nome do lugar que a gente tá indo?
ㅤㅤㅤㅤ— Universidade Webber. — ele tira o mapa do painel e o entrega para seu companheiro. — Cento e oitenta quilômetros do convento, cercada por floresta. O pessoal dizia que não ter sons de carros e tal deixava os alunos menos burros. Daí o lugar é meio que auto-suficiente.
ㅤㅤㅤㅤ— Hm... é um lugar bom pra ter gente vivendo — Butch leva a mão ao queixo.
ㅤㅤㅤㅤ— Pois é. Por isso escolhi esse lugar pra gente. Se o esconderijo dos infiéis for lá mesmo, eu que quero achar. Também peguei a caminhonete mais foda, pra fazer isso com estilo — Karl fala com determinação.
ㅤㅤㅤㅤ— E impressionar o Lúcios? — Elizabeth enfim o olha, o questionando.
ㅤㅤㅤㅤ— Ah, sabe como é — ele responde, também a encarando e sorrindo. — Tenho que manter meu posto de braço direito.
ㅤㅤㅤㅤ— Karl, a estrada!! — grita Jordan.
ㅤㅤㅤㅤAssim que o ex-militar olha para a frente, só lhe resta o tempo de xingar o cervo antes que o mesmo seja atingido pela frente da caminhonete. Porém, como o animal — que havia acabado de sair da floresta à direita — estava curvado, ele não subiu no capô. Ao invés disso, ele foi para baixo do veículo e seus chifres se prenderam no veículo, fazendo frear bruscamente.
ㅤㅤㅤㅤ— Puta que pariu! — Karl vocifera e olha para a frente, ajeitando seu cabelo com a destra, mantendo a outra mão no volante.
ㅤㅤㅤㅤ— Pessoal...? — Butch olha para a janela à sua direita.
ㅤㅤㅤㅤOs demais ocupantes também olham na mesma direção e podem ver um verdadeiro estouro da manada, com vários cervos saindo por entre as árvores, desviando da Colorado e atravessando a rodovia. Seus cascos levantam a neve do chão e criam uma pequena nuvem branca de até um metro de altura ao redor da caminhonete. O grupo de quadrúpedes não leva mais que um minuto para desaparecer na outra margem da floresta.
ㅤㅤㅤㅤ— O que raios aconteceu aqui? — pergunta Jordan.
ㅤㅤㅤㅤ— Cara, que se dane. — Karl se solta do cinto de segurança e abre a porta da Colorado. — Me ajuda a tirar o Bambi daqui debaixo.
ㅤㅤㅤㅤ— Não acho uma boa ideia vocês descerem — fala Elizabeth, ainda encarando as árvores.
ㅤㅤㅤㅤ— Quê? — Karl a olha. — Acha que esse veado vai sair sozinho?
ㅤㅤㅤㅤ— Não seu idiota, é que-- — ela mesma corta sua fala assim que vê as primeiras silhuetas escuras emergindo da floresta — Merda!
ㅤㅤㅤㅤ— Ah, mas que filha da putagem! — o homem de sobretudo cinza embarca novamente na caminhonete e gira a chave na ignição, mas o veículo não vai nem para frente e nem para trás, impedido pelo cadáver do cervo. Furioso, Karl bate no volante. — Cacete, Bambi!!
ㅤㅤㅤㅤ— Todo mundo pra fora! — Elizabeth grita abrindo porta do passageiro e desce já puxando suas facas e as segurando firme, golpeando o primeiro sangrento na altura dos olhos, quebrando seu septo com o soco inglês e o fazendo cair no asfalto.
ㅤㅤㅤㅤ— Malditos comedores de bosta do inferno! — Karl desembarca novamente, sacando sua Colt 1911, mirando e disparando contra os infectados mais próximos. Perto dele, Jordan segura a alça da bolsa onde eles trouxeram suprimentos, outras armas e munição; e sua AK-47 com a mão direita.
ㅤㅤㅤㅤ— Vamos pela floresta, têm muitos deles! — Butch alerta, vendo uma grande fileira de sangrentos um do lado do outro, grunhindo e avançando sobre a neve. Com sua SLR, ele abate três dos mortos e dá a volta na caminhonete, junto de Elizabeth.
ㅤㅤㅤㅤ— Se tivesse pegado uma caminhonete com as pás, a merda do cervo não teria se prendido! — a loira fala alto bastante para que todos escutem, enquanto olha Karl.
ㅤㅤㅤㅤ— Eu lá ia saber que a porra de um veado ia se matar na caminho, caralho! — o ex-militar adentra entre as árvores.
ㅤㅤㅤㅤ— Deixem pra discutir isso depois! — Jordan os segue de perto e com Butch em seu encalço, fechando a fila.
ㅤㅤㅤㅤOs sangrentos se mostram em dezenas, todos os cadáveres nos mais variados estágios de decomposição e alguns até parcialmente congelados, mas todos juntos, perseguindo suas presas.
***
— Por que distorcer a história, pai? Não acha que todos deviam saber o que realmente aconteceu naquele píer? — pergunta Bart, terminando de limpar o ferimento de Lúcios.
ㅤㅤㅤㅤ— Essas pessoas me veem como o líder; inabalável, determinado... contar pra eles como isso realmente aconteceu seria desmitificar a imagem que tenho. Fora que eu ainda não engoli aquela humilhação — embora sua voz soe calma, ele está com bastante raiva.
ㅤㅤㅤㅤ— E por que está me contando? — o médico o questiona e fica com a coluna ereta, encarando Lúcios, que se levanta da maca onde estava sentado.
ㅤㅤㅤㅤ— Os médicos possuem um código de ética não? — ele pergunta e caminha até a cadeira onde estão suas blusas.
ㅤㅤㅤㅤBart fica em silêncio, refletindo sobre a fala do seu líder. Ele conhece Lúcios há anos, bem antes do mesmo formar sua seita e, de fato, sabe de muitas coisas envolvendo o passado do líder dos satânicos.
ㅤㅤㅤㅤ— É, sim, nós temos. — ele cruza os braços e o segue com os olhos. — O que pretende fazer com a garota? Imagino que esteja com um desejo de vingança queimando dentro de você.
ㅤㅤㅤㅤ— Não há palavras que possam descrever o que farei com ela... — Lúcios veste sua blusa e olha Bart por cima do ombro.
ㅤㅤㅤㅤ— Pai, meu código de ética permite que eu faça perguntas, já que as respostas irão morrer comigo. Então... por que você trouxe ela pra cá? Melhor ainda, por que a colocou na sua igreja? Você havia dito que ninguém poderia entrar lá sem permissão, mas colocou uma estranha lá dentro.
ㅤㅤㅤㅤ— Com todo respeito, Doutor, eu não quero falar desse assunto agora. — o líder dos cultistas fica de frente para Bart. — Eu não consigo ainda.
ㅤㅤㅤㅤ— Entendo... deve ser algo ainda dramático para você, ou algo que lhe remeta o passado. Um passado triste--
ㅤㅤㅤㅤ— Ok, Bart, pode parar. — ele ergue a mão direita, para interromper o assunto. — Você é um homem inteligente, mas não tente adivinhar meus segredos e nem usar jogos de palavras, pois isso não funciona comigo.
ㅤㅤㅤㅤ— Peço perdão.
ㅤㅤㅤㅤ— Ótimo... seu prisioneiro continua vivo?
ㅤㅤㅤㅤ— Sim, eu ministrei algumas doses de soro e tratei dos ferimentos, pra que não corra nenhum risco de infecção — o médico caminha até a porta da sala onde Jason está sendo mantido, ainda preso à cadeira. — Mas pai, não vejo vantagem em gastar nossos recursos com um infiel.
ㅤㅤㅤㅤLúcios veste seu sobretudo vermelho e sorri de maneira serena, enquanto caminha para a mesma porta. O homem calça seu par de luvas e vê Jason com a cabeça baixa, iluminado apenas por uma luz laranja.
ㅤㅤㅤㅤ— Você irá entender em breve, meu filho. Eu tenho um plano para ele, tudo o que preciso para iniciá-lo é saber a localização do esconderijo dos infiéis.
ㅤㅤㅤㅤ— E enquanto ao garoto? Tommy, se não me engano.
ㅤㅤㅤㅤ— Ah... eu irei usá-lo em ambos os planos. Talvez ela seja o meu trunfo sobre os blasfemadores.
ㅤㅤㅤㅤ— Ambos? Quer dizer então que possui um plano B?
ㅤㅤㅤㅤ— Que tipo de estrategista eu seria se não estivesse preparado para tudo? — ele questiona e o encara.
ㅤㅤㅤㅤ— O que pretende fazer exatamente, pai? — Bart dedica toda a sua atenção para Lúcios.
ㅤㅤㅤㅤ— Você saberá em breve, filho. Quando seus irmãos retornarem das buscas e se obtiverem sucesso, será apenas questão de tempo até a destruição deles.
ㅤㅤㅤㅤ— Bom, então eu vou ver como está a saúde do garoto. Agora que o Kurt não está mais aqui pra torturá-lo, é mais fácil tratar dos ferimentos. — o médico ajusta o óculos em seu rosto e se vira, caminhando até um armário.
ㅤㅤㅤㅤ— Por falar em Kurt, você tratou do corpo? — Lúcios o segue com os olhos.
ㅤㅤㅤㅤ— Foi cremado hoje cedo — ele responde e abre uma das portas, retirando uma bolsa preta, a colocando nas costas.
ㅤㅤㅤㅤ— Ótimo... agora vá ver o garoto. Eu irei voltar aos meus aposentos e quero ser avisado de imediato sempre que alguma das equipes retornar. — o mais velho se dirige até a saída.
ㅤㅤㅤㅤ— Sim, cuidarei para que isso seja feito, pai — Bart responde enquanto olha algumas seringas, rapidamente as guardando em sua bolsa.
Andar sobre uma grossa camada de neve é uma tarefa deveras complicada, principalmente sem o auxílio de um calçado apropriado. Correr então, é quase como tentar atravessar um caminho de lama. É esse o maior obstáculo que os quatro satânicos enfrentam para tentar escapar da horda massiva de infectados que os perseguem. Por sorte, o fato dos mortos serem mais desajeitados lhes dá uma certa vantagem e um tempo de fuga a mais. Karl é o que fica mais adiantado, buscando apoio em árvores e pedras no caminho. Elizabeth tenta o acompanhar, sendo seguida de perto por Butch, deixando Jordan como o mais afastado da fila.
ㅤㅤㅤㅤ— A gente precisa achar um lugar pra esperar eles passarem, ficar andando nisso aqui só vai nos cansar! — diz Butch, olhando para trás e vendo os primeiros sangrentos da horda ainda a uma distância segura.
ㅤㅤㅤㅤ— Você tá com sorte, Butch! Olha ali na frente! — Karl para sobre uma pedra e pode avistar o topo de um silo descendo uma colina à frente, indicando a presença de uma fazenda logo adiante.
ㅤㅤㅤㅤ— Então continua andando! — Elizabeth passa pelo ex-militar, se apressando mais do que antes.
ㅤㅤㅤㅤ— Anda logo, Jordan! — Butch fala, retrocedendo seus passos um pouco e pega a bolsa que estava com seu companheiro, a carregando no ombro.
ㅤㅤㅤㅤO quarteto de satânicos chega na colina e começam a descer pela mesma, tomando cuidado para não caírem e rolarem até a base coberta de neve. Karl é o que melhor consegue se equilibrar, deslizando nas solas das botas enquanto os demais descem sentados, se reunindo e avistando as baixas cercas de madeira que rodeiam uma casa branca de dois andares; um celeiro cuja madeira está velha e ressecada; um grande espaço vazio que provavelmente era dedicado ao plantio e o enorme silo prateado, que agora reflete a cor das nuvens.
ㅤㅤㅤㅤ— Tamo perto! Continuem correndo! — Butch, fica de pé, vendo Karl já sair em disparada.
ㅤㅤㅤㅤ— Puta que pariu... só pode ser sacanagem. — Elizabeth suspira e segue o homem, mesmo depois de ter visto um potencial problema ao olhar para a varanda da residência.
ㅤㅤㅤㅤ— O que foi? — pergunta Jordan, abeirando a loira.
ㅤㅤㅤㅤ— Têm pessoas naquela casa. — ela segue olhando fixamente para o rapaz de cabelo preto que acabou de entrar pela porta da frente.
ㅤㅤㅤㅤAssistindo toda a movimentação de longe, um rapaz com pouco mais de 19 anos, usando um moletom azul escuro e um cachecol cinza, entra correndo em sua casa:
ㅤㅤㅤㅤ—Pai!! Têm quatro pessoas vindo pra cá!
ㅤㅤㅤㅤ— O quê? — um homem de cabelo grisalho e bigode preto fala com espanto e se levanta da mesa onde estava comendo com uma mulher de cabelo castanho e com algumas rugas pelo rosto.
ㅤㅤㅤㅤ— Eles saíram da floresta, parecem estar fugindo de algo — o mais novo acompanha seu pai até uma janela, onde ambos podem ver a aproximação dos desconhecidos.
ㅤㅤㅤㅤ— Merda... fiquem aqui, vou ver o que tá acontecendo.
ㅤㅤㅤㅤO homem então caminha até a antessala da casa e pega um casaco verde junto de um gorro laranja e, pondo a mão em um cesto com alguns guarda-chuvas, ele puxa uma espingarda de cano duplo e os deita, vendo estar com a arma carregada.
ㅤㅤㅤㅤ— Pai, me deixa ir com você, eles estão em maior número. — o rapaz se aproxima, encarando seu pai.
ㅤㅤㅤㅤ— Nem pensar, Chris. Fica aqui com a sua mãe. Eu resolvo isso. — o homem encaixa novamente os canos da arma e sai da casa, sentindo seus pés afundarem na neve assim que deixa a varanda da residência.
ㅤㅤㅤㅤO fazendeiro olha para a sua direita e identifica os quatro estranhos com sobretudos saltarem a cerca e assim que vê o mais próximo deles, vestindo cinza, sacar uma pistola, ele imediatamente ergue a espingarda e a destrava.
ㅤㅤㅤㅤ— Parados, agora!! — ele os observa pararem de correr e pode ver que todos estão armados.
ㅤㅤㅤㅤ— Abaixa a arma, coroa, têm um monte de mortos vindo aí e não tá nos meus planos morrer hoje — Butch ordena e aponta sua SLR na direção do homem.
ㅤㅤㅤㅤ— Saiam da minha propriedade! — vocifera o fazendeiro, olhando para a colina de onde eles desceram e podendo ver os primeiros sangrentos rolarem na neve. — Agora!
ㅤㅤㅤㅤ— Você é surdo, porra?! Deixa a gente entrar logo e talvez depois, a gente te leve pra um lugar melhor do que esse barraco — Karl mantém o mais velho na mira da sua pistola.
ㅤㅤㅤㅤ— Vocês que trouxeram aqueles desgraçados pra minha fazenda, saiam agora e levem eles com vocês!
ㅤㅤㅤㅤ— Ah, que se foda! — o satânico de topete aperta o gatilho da Colt 1911 e o disparo atinge o fazendeiro de bigode na altura do ombro direito. O homem grita pela dor e vira para a direita, mas não sem antes, por espasmo, apertar o gatilho da sua espingarda.
ㅤㅤㅤㅤDa distância em que estava dos quatro invasores, o disparo calibre .12 não se espalha por completo e se mantém concentrado em apenas um alvo, que é Jordan. Os detritos do tiro o atingem no tórax, diafragma e abdômen, o jogando contra a neve. O satânico tenta inutilmente puxar ar para os pulmões, mas ele se afoga aos poucos com seu próprio sangue.
ㅤㅤㅤㅤ— Filho da puta! — agora é Butch quem atira contra o dono da fazenda, disparando três projéteis que o atingem no bíceps e no ombro esquerdos e, por fim, na cabeça, fazendo o cadáver ir ao chão.
ㅤㅤㅤㅤElizabeth, que até então estava quieta, observa fixamente o assassinato frio do homem. A mulher fica brevemente boquiaberta, mas se recompõe para não demonstrar seu choque para Karl e Butch. Todavia, outra voz masculina chama a atenção da loira, principalmente pelo que a mesma profere:
ㅤㅤㅤㅤ— Pai!! — o rapaz que Elizabeth havia visto anteriormente grita enquanto sai pela porta da frente, agora correndo em desespero até o cadáver do homem que Butch acabou de matar.
ㅤㅤㅤㅤ— Vai ver ele agora, garoto! — após identificar rapidamente o jovem, Karl ergue sua Colt e dá um tiro certeiro em sua testa, o matando na hora. Seu corpo ainda se arrasta alguns centímetros na neve após a queda.
ㅤㅤㅤㅤA única mulher do trio cultista se vê paralisada com as duas mortes que presenciou. Mesmo sabendo de todo o histórico que a seita de Lúcios possui; do histórico de Karl e de outros membros, ela nunca os tinha visto em ação, optando sempre por se manter no convento ou realizando tarefas de busca e observações — que era o que ela achava ser essa missão. Ela é arrancada dos seus pensamentos ao sentir a mão de Butch a segurar no braço esquerdo:
ㅤㅤㅤㅤ— Pro celeiro, anda logo!! — o caucasiano exclama enquanto fuzila a mulher com o olhar e em seguida, vira o rosto para a horda de sangrentos, que estão chegando nas cercas.
ㅤㅤㅤㅤ— Mas e o Jordan? — pede a loira.
ㅤㅤㅤㅤ— Já era! — com a espingarda do fazendeiro na canhota, Karl se aproxima do seu companheiro caído e dispara na sua cabeça, o matando de vez e impedindo que ele volte como um canibal. — Vamos pro celeiro de vez, merda!
ㅤㅤㅤㅤOs três então se apressam para chegarem até a construção de madeira velha. Karl rapidamente puxa uma das portas e chama os outros dois para entrarem; Elizabeth vai primeiro, sendo seguida por Butch. O ex-militar adentra o interior frio do celeiro e fecha a porta, rapidamente alcançando uma corrente de ferro que estava pendurada em uma das vigas de madeira, a enrolando nos puxadores e dando alguns nós para manter a passagem fechada.
ㅤㅤㅤㅤ— Pra cima, venham. — Elizabeth é a primeira a ver a escada que leva até o segundo piso repleto de feno.
ㅤㅤㅤㅤButch e Karl chegam até o andar superior e o caucasiano enfim tira a bolsa das costas, a deixando cair sobre o feno. Eles ajeitam os capuzes e começam a limpar a neve que estava em suas roupas, enquanto começam a ouvir os grunhidos ficarem cada vez mais próximos.
ㅤㅤㅤㅤ— Aquele velho idiota... Jordan não merecia morrer daquele jeito — Butch murmura se senta sobre um dos fardos.
ㅤㅤㅤㅤ— É, mas ele também tomou no cu. Quando voltarmos pra casa, eu falo pro Lúcios o que houve — comenta Karl.
ㅤㅤㅤㅤ— E qual vai ser o plano? A gente vai ficar aqui e esperar, pra depois voltarmos pro convento? — pergunta Elizabeth.
ㅤㅤㅤㅤ— Quê? Tá desaprendendo as coisas? — o ex-militar encara Elizabeth. — Sabe como o Lúcios é com quem não cumpre as missões. E ele não vai aliviar só porque somos eu e você.
ㅤㅤㅤㅤ— Sim, sim... você tem razão. — ela suspira, levando as mãos à cabeça e massageando as têmporas. — Então o plano é esperar?
ㅤㅤㅤㅤ— E que outra opção a gente tem? — Karl abre os braços e se senta sobre o feno do piso, arregaçando a manga esquerda e olhando seu relógio. — Oito e trinta e seis... vamos ter sorte se eles se dispersarem ainda de dia. O som dos tiros com certeza não vai ajudar.
ㅤㅤㅤㅤ— Mas foram necessários — diz Butch, encarando o homem de cinza.
ㅤㅤㅤㅤ— E eu disse que não foram? — ele o fuzila com o olhar. — Mas enfim, vamos passar um bom tempo aqui... alguém tem alguma história? Você, Elizabeth. Nunca conta nada sobre você.
ㅤㅤㅤㅤ— Não tem o que ser contado — a loira responde com rispidez, se aproximando de uma claraboia e fica ali parada, abraçando os cotovelos.
ㅤㅤㅤㅤ— Qual é? Sei que você nadava na grana antes disso tudo; era filha de um magnata de Denverport--
ㅤㅤㅤㅤ— Cala a boca! — Elizabeth exclama e se vira, claramente com raiva. — Eu não falo sobre isso. Conta você alguma história de quando matou terroristas no Iraque ou coisa do tipo.
ㅤㅤㅤㅤ— Eu tenho uma — Butch fala e levanta a mão, na intenção de apartar uma possível discussão. — De quando briguei com meu vizinho por causa do cachorro dele ter comido meu jardim.
ㅤㅤㅤㅤ— Nosso repertório tá fraco mesmo... — Karl suspira e apoia os braços sobre os joelhos dobrados, vendo Elizabeth voltar a olhar pela claraboia. — Beleza, conta aí. Depois eu falo minhas histórias sobre o Iraque.
ㅤㅤㅤㅤDo lado de fora, os sangrentos começam a tomar todo o território da fazenda, após derrubarem as cercas com seu próprio peso. Eles alcançam primeiro o cadáver de Jordan, se apressando para devorá-lo, agindo como animais que não comem nada há dias — o que não deixa de ser uma verdade. Em seguida, o fazendeiro é o próximo a virar banquete de morto-vivo, junto de seu filho, assassinado por Karl. Dezenas de braços em putrefação se afundam nos intestinos dos corpos, agarrando órgãos e qualquer pedaço de carne que possam comer. Conforme os canibais conseguem arrancar algo dos cadáveres, eles se afastam para poderem comer sem serem atrapalhados. O odor azedo da carnificina e dos cadáveres ambulantes começa a encher o ambiente.
***
Toda a ornamentação religiosa da igreja onde Lúcios passa seu tempo é iluminada pelas tochas, dando-lhes uma coloração alaranjada. As esculturas esculpidas nas pilastras de madeira e em quadros nas paredes parecem todas olharem para o pequeno palco, onde uma fogueira foi acesa dentro de um caldeirão de ferro preto. Sentado no piso de madeira e com as costas rentes à parede, Lúcios observa a foto que ainda guarda de Evellyn. Seu olhos se enchem de lágrimas ao fitarem o doce e espontâneo sorriso da loira.
ㅤㅤㅤㅤ— Durante anos... — ele murmura, sentindo sua boca tremer. — Eu quis você de volta pra mim. Acreditei que voltaria, mas tudo não passou de uma farsa; uma ilusão que eu mesmo criei... mas isso foi bom. Foi bom, Evellyn. Serviu pra que eu pudesse acordar; serviu pra que eu pudesse finalmente entender o que você queria de mim naquela noite fatídica — ele fala consigo mesmo, desviando o olhar para as chamas, enquanto as memórias retornam para sua mente. — Eu não devo seguir com o seu sonho para esperar a sua volta. Devo seguir com o meu sonho, que foi herdado, para honrar você. Fiquei anos fazendo os seus desejos, suas ambições, não percebendo que agora tudo depende de mim. Mas isso agora está claro...
ㅤㅤㅤㅤLúcios então se curva, cruzando as pernas em formato de índio, ainda segurando a fotografia. Lágrimas percorrem seu rosto e se espalham nos fios brancos da barba. O homem funga enquanto olha uma última vez para a foto, antes de soltá-la dentro do caldeirão em chamas.
ㅤㅤㅤㅤ— Eu sinto tanto a sua falta, Evellyn... mas se eu não me desprender disso, nunca terei a paz necessária para seguir em frente. — o homem respira fundo e depois observa a foto sendo consumida pelo fogo. — Farei isso por nós; por mim. Você vive em mim e a farei se sentir orgulhosa.
ㅤㅤㅤㅤO crepitar das chamas chega a ecoar no vazio da capela, durante os minutos que levam até a fotografia de Evellyn ser reduzida a cinzas. Lúcios torna a se encostar na parede, passando a destra no rosto, afastando as lágrimas que restaram. O líder dos cultistas permanece assim até que o som de batidas nos portões da igreja ecoam por todo o interior, atraindo sua atenção para a voz familiar que fala após abrir uma das pesadas portas:
ㅤㅤㅤㅤ— Pai? Peço permissão para entrar.
ㅤㅤㅤㅤ— Entre, Bart — o homem responde e rapidamente se levanta, pega a tampa de ferro que estava ao lado do caldeirão e o fecha antes que as portas fossem abertas.
ㅤㅤㅤㅤO médico da seita encolhe os ombros ao ser acometido por uma rajada fria de vento, que balança a barra do seu jaleco, junto com a do sobretudo marrom simples, bem diferente dos que os demais integrantes vestem. O homem ajusta o óculos em seu rosto e caminha alguns passos na direção de Lúcios, que está de pé, com as mãos atrás da cintura.
ㅤㅤㅤㅤ— Suponho que sua vinda até aqui seja para me atualizar sobre as equipes de prospecção. — sua postura dele agora tornou a ser a imponente a que todos estão acostumados; deixando completamente de lado o semblante emotivo de antes.
ㅤㅤㅤㅤ— Sim, a primeira equipe retornou. Eles relataram que a Universidade Mayberry estava com os portões derrubados. Ao investigarem alguns prédios, os encontraram dominados por infectados.
ㅤㅤㅤㅤ— Certo... apenas eles retornaram?
ㅤㅤㅤㅤ— Até o momento. A equipe dos irmãos Ronnie está indo para a Universidade Jonas Monroe e a do Karl, para a mais distante; a Webber. Pelos meus cálculos, a dele deve voltar pela parte da noite, isso não tiverem nenhum problema.
ㅤㅤㅤㅤ— Certo, me mantenha informado caso surja alguma atualização. — Lúcios confirma com a cabeça.
ㅤㅤㅤㅤ— Ok. O senhor precisa de algo? — Bart o questiona, fita-o dos pés à cabeça.
ㅤㅤㅤㅤ— Apenas do meu espaço.
ㅤㅤㅤㅤ— Claro, irei me retirar. Com sua licença. — Bart se vira e começa a andar até a saída da igreja.
ㅤㅤㅤㅤLúcios o acompanha com os olhos, pensativo. Após um breve suspiro, ele decide chamá-lo novamente.
ㅤㅤㅤㅤ— Bart, espere.
ㅤㅤㅤㅤDe imediato, o médico para e se vira para seu líder, aguardando o seu pedido.
ㅤㅤㅤㅤ— Tem algo que eu gostaria.
ㅤㅤㅤㅤ— Diga então, pai. Irei providenciar.
ㅤㅤㅤㅤ— Se por acaso, enquanto estiver retornando para seu consultório, você cruzar com alguma mulher, qualquer uma, desde que não seja muito jovem, diga para ela vir aqui. Quero... me deleitar um pouco.
ㅤㅤㅤㅤ— Ah... — Bart o olha com certa surpresa, pois não esperava um pedido assim. — Claro, eu... eu faço isso, pai. Com sua licença. — o homem de sobretudo marrom se vira novamente, agora para enfim sair da igreja, fechando a pesada porta de madeira logo em seguida.
ㅤㅤㅤㅤLúcios abaixa sua cabeça, fechando os olhos, novamente pensativo. Todavia, ele concluí que tomou as decisões corretas e respira fundo, se virando e entrando em um dos quartos da igreja.
***
O som da faca de Karl girando sobre a madeira da parede do celeiro é o único som que os três satânicos escutam dentro do lugar, além dos grunhidos dos infectados que permaneceram nos arredores da fazenda. Pelo relógio do ex-militar, já se passaram sete horas e agora seus ponteiros 15:40 da tarde.
ㅤㅤㅤㅤHá cerca de duas horas, os três conseguiram escutar gritos vindos de dentro da casa e concluíram que havia uma terceira pessoa na família e que agora está morta assim como os outros dois. Sem muitas opções sobre o que fazer, Butch acabou por dormir sobre o feno e Elizabeth se manteve perto da claraboia, ainda observando a disponibilidade das rotas de fuga que mapeou mentalmente. A mulher segue sentada perto da ventana até agora, com a cabeça encostada no batente e limpando suas unhas com a ponta de uma das facas.
ㅤㅤㅤㅤ— Aí.
ㅤㅤㅤㅤA voz de Karl chama a atenção da mulher, mas ela não faz contato visual.
ㅤㅤㅤㅤ— Fala.
ㅤㅤㅤㅤ— Mesmo com a correria de mais cedo, deu pra ver que você ficou meio... em choque. Com as mortes.
ㅤㅤㅤㅤ— O que quer dizer com isso? — ela enfim o encara, mas de soslaio.
ㅤㅤㅤㅤ— Sério que vou ter que explicar? — ele suspira, olhando para a direita, em um ponto qualquer do celeiro. — Você não serve pra essas coisas. O Lúcios te tem como uma preferida sei lá o porquê e sempre te colocou em tarefas simples, bem diferentes dessa.
ㅤㅤㅤㅤ— Você vai questionar o Lúcios agora?
ㅤㅤㅤㅤ— Longe de mim, loira. — Karl torna a lhe encarar. — Só quero saber uma coisa de você: por que pediu pra vir nessa missão, sendo que você não tá preparada ainda?
ㅤㅤㅤㅤ— Como você se prepara pra algo se você não vive esse algo? — Elizabeth agora vira o rosto para ele. — Você já nasceu sabendo lidar com os horrores de uma guerra ou ficou dias deitado numa cama ouvindo os gritos e choros dos inocentes?
ㅤㅤㅤㅤ— Você tem um ponto... mas sei lá, devia ter ido em algo mais leve. — o homem de cinza olha para o feno do piso. — Já matou alguém antes?
ㅤㅤㅤㅤ— Algumas pessoas. Também quase matei um dos soldados quando encurralamos os infiéis em Nolbank.
ㅤㅤㅤㅤ— Tô ligado. — Karl se levanta e caminha até a claraboia, observando os sangrentos se espalhando aos poucos. — Eu não aguento mais ficar aqui. Acho que já dá pra gente sair.
ㅤㅤㅤㅤ— Tem certeza? — Elizabeth também se põe em pé. — Nós ainda vamos ter eles na nossa cola.
ㅤㅤㅤㅤ— Não se a gente voltar pra caminhonete. Eles não vão conseguir subir aquela encosta. Aí a gente tira a porra do veado debaixo do eixo e seguimos pela estrada.
ㅤㅤㅤㅤ— É um bom plano.
ㅤㅤㅤㅤ— É o melhor plano que a gente vai ter — Karl responde e olha para trás, ao escutar os resmungos de Butch.
ㅤㅤㅤㅤ— Vocês podiam planejar mais baixo, sabiam? — o caucasiano esfrega os olhos.
ㅤㅤㅤㅤ— Levanta logo desse feno e pega a bolsa. Vamos cair fora daqui — diz o ex-militar.
ㅤㅤㅤㅤ— Você que manda.
ㅤㅤㅤㅤTodos preparam suas armas antes de se arriscarem do lado de fora: Karl retira sua AR-15 da bolsa de suprimentos, já carregada; Butch troca o pente da sua SRL, mas também pega uma Beretta com silenciador e Elizabeth se arma com uma HK G36C, com uma mira holográfica e silenciador equipados. É Karl quem lhes passa as últimas instruções antes de darem início na fuga. O ex-militar também é o que segue na frente, saindo do celeiro pela claraboia e andando com cuidado sobre o telhado coberto de neve, abrindo uma trilha por onde Elizabeth e Butch o seguem. Os dois veem o satânico de cinza chegar até o teto de um alpendre que serve de cobertura para alguns tonéis e mais fardos de feno velho. A altura de apenas dois metros e meio é o bastante para que eles possam saltar e, com a ajuda da neve fofa no solo, não se machucarem.
ㅤㅤㅤㅤUma vez em meio aos mortos, os três começam a abater os que estão mais próximos, usando suas armas. Os tiros são abafados pelos silenciadores e eles conseguem avançar rapidamente, passando pelos cadáveres brutalmente dilacerados que estão próximos da casa. Felizmente, os grandes espaços entre os sangrentos lhes dão passagem e tempo o suficiente para poderem atravessar a cerca destruída e se afastarem cada vez mais da propriedade.
ㅤㅤㅤㅤ— A primeira parte deu certo, agora é só continuar — fala Butch, olhando por cima do ombro direito e vendo os infectados os seguirem, com seus jeitos desengonçados.
ㅤㅤㅤㅤ— Menos papo e mais correria, ainda não estamos a salvo — Elizabeth toma à dianteira do trio.
ㅤㅤㅤㅤEles não têm dificuldades em subir a pequena encosta coberta por neve pisoteada, chegando até o topo rapidamente. Finalmente em segurança, eles respiram com alívio enquanto recuperam o fôlego e observam os sangrentos logo abaixo, não conseguirem os acompanhar e ficam apenas estendendo os braços para cima, enquanto rosnam vorazmente, como se estivessem furiosos.
ㅤㅤㅤㅤ— Vamos indo. Vai saber se esses bostas não podem subir uns nos outros e chegar aqui — Karl exclama, passando a bandoleira do fuzil pelo ombro e começa a andar até a estrada onde eles estavam antes.
ㅤㅤㅤㅤ— Coitado do Jordan — Butch murmura e o segue.
ㅤㅤㅤㅤ— Ele já tá morto, Butch. Não adianta ficar se lamentando por quem não pode nem ver isso.
ㅤㅤㅤㅤ— Você é sempre assim?
ㅤㅤㅤㅤ— Foco, porra! — a voz de Karl se eleva. — Temos que desatolar uma caminhonete ainda!
ㅤㅤㅤㅤO trio de cultistas segue contra o caminho que fizeram antes, podendo ver a Colorado vermelha no mesmo lugar onde estava e dois reanimados que tentam alcançar o corpo estraçalhado do veado. Sob xingamentos, Karl abate a dupla morta enquanto Butch vai até a caçamba do veículo, de onde tira um pequeno macaco hidráulico e o leva para perto da roda dianteira esquerda. Mesmo a caminhonete tendo a suspensão elevada, a barra de ferro do macaco consegue alcançar e erguer um pouco a carroceria. Feito isso, ele e Karl tiram a neve ao redor com as próprias mãos e se deitam no asfalto gelado, onde começam a retirar o corpo do cervo.
ㅤㅤㅤㅤElizabeth fica andando de um lado para o outro, olhando para as duas margens da floresta de árvores nuas, montando guarda para que nenhum canibal passe despercebido. Ela respira fundo para não mandar Karl ficar calado, já que o ex-militar não para de xingar o cervo. Porém, logo ele passa a comemorar quando finalmente retira o animal.
ㅤㅤㅤㅤ— Aê, porra. Finalmente esse bosta saiu! — ele comemora, chutando a cabeça do cervo — Todo mundo subindo, vamos cair fora.
ㅤㅤㅤㅤ— Finalmente... — Elizabeth murmura e é a primeira a entrar na Colorado, embarcando pela porta do passageiro.
Mesmo com toda a neve na estrada, Karl ainda consegue manter constantes 80 quilômetros por hora. A pressa em chegar logo na Universidade Webber e se certificar de que os infiéis estão ou não baseados no lugar permanece estampada em seu rosto. Nenhuma palavra é trocada entre os três e apenas o som da cabine pôde ser ouvido durante todo o restante da viagem, até que Elizabeth abre o porta-luvas para pegar o mapa da região e o abre, percorrendo o mesmo com os olhos. A loira olha para a frente e enxerga uma placa indicando a rota onde eles estão e começa a procurar pelo mapa, até achar a posição deles no mesmo.
ㅤㅤㅤㅤ— Aí, para — ela fala e olha para Karl. — Estamos há dois quilômetros da faculdade.
ㅤㅤㅤㅤ— E daí? — o ex-militar pergunta, não fazendo contato visual.
ㅤㅤㅤㅤ— Se tiver gente lá, você quer ser visto? É mais seguro a gente seguir a pé. Temos binóculos, podemos observar de longe.
ㅤㅤㅤㅤKarl olha a mulher pelo canto do olho e pisa devagar no freio da Colorado, que começa a perder velocidade. Ele vira o volante para a direita e para a caminhonete no acostamento, desligando-a e tirando a chave da ignição.
ㅤㅤㅤㅤ— Beleza. Vamos seguir essa pista, mas pela floresta.
ㅤㅤㅤㅤO sol já está começando a se pôr, mas a luz do dia ainda se faz presente. As temperaturas também começam a baixar, fazendo as respirações dos três virarem uma fumaça mais densa. Caminhando à frente dos outros dois, Karl ergue o punho direito, parando assim que consegue avistar os muros da Universidade Webber, pouco mais de trinta metros à frente. Ele olha a dupla por cima do ombro e todos se agacham, andando sorrateiramente em busca de um bom ponto de observação.
ㅤㅤㅤㅤ— Ei, ali — é Butch quem fala e aponta para uma grande pedra, coberta por uma camada grossa de neve.
ㅤㅤㅤㅤ— Beleza. Me dá o binóculo aí — ele pede, estendendo a destra para seu companheiro, que põe a bolsa no chão e a abre, pegando o equipamento e lhe entregando.
ㅤㅤㅤㅤO ex-militar segue até o lugar indicado, seguido por Elizabeth. Enquanto a mulher fica de guarda, atenta a qualquer movimentação, Karl sobe na pedra e afasta boa parte da neve, ficando apoiado no joelho esquerdo e buscando a melhor visão da universidade.
ㅤㅤㅤㅤ— E aí? Achou algo? — sussurra Butch, se aproximando logo em seguida, olhando Karl.
ㅤㅤㅤㅤ— É, têm pessoas aqui... — o satânico consegue visualizar três pessoas sobre um adarve atrás do muro, todas armadas com rifles de precisão. Porém, quando ele para em uma mulher, fica observando-a pelas lentes por alguns instantes, até que decide descer.
ㅤㅤㅤㅤ— Ei, têm pessoas. Mas são as que estamos procurando? — pergunta Elizabeth, olhando o homem.
ㅤㅤㅤㅤ— Acertamos na mosca — Karl responde, sorrindo para ela. — Eis a toca dos infiéis, meus companheiros.
ㅤㅤㅤㅤ— Quê? Tem certeza disso? — pede Butch.
ㅤㅤㅤㅤ— Eu vi a mulher que me interrompeu quando eu ia deixar a cabeça do Vírus igual a do filho dele. Reconheceria o cabelo dela em qualquer lugar; todos estão aqui.
ㅤㅤㅤㅤ— Bom, considerando as informações do garoto, é bem capaz de ser aqui mesmo — comenta Elizabeth.
ㅤㅤㅤㅤ— É aqui — o satânico de cinza enfatiza. — Agora vamos voltar pro convento e nos preparar. Se bem conheço o Lúcios, a parada agora vai ficar estupidamente mais violenta — ele torna a sorrir, agora de satisfação e animação.
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