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.22: Terras sem Donos

As últimas noites vêm sendo tenebrosas para Dylan, que não consegue dormir direito desde que o grupo deixou o Residencial Keller. Os pesadelos com a morte de Aurora; ela transformada em uma sangrenta e o devorando e até mesmo, cenários onde os dois conversam e ela o culpa por não estar mais viva estão o atormentando pelas últimas quatro noites. Nesse período, ele ficou melhor dos machucados, os pontos da sua mão já foram retirados e ele a consegue mexer com pouca dificuldade e seu olho agora tem apenas uma visível mancha vermelha ao redor da esclera branca e íris azul, que ele ainda insiste em cobrir com o cabelo, qual ele não deixou Alex cortar quando a ruiva o pediu há dois dias, quando o grupo achou uma barbearia e ela deu um trato no visual de todos, exceto em Kelly, que já é careca.

ㅤㅤㅤㅤO grupo fez sua última parada às margens da rodovia 36, principal rota para Daywake, que agora está a apenas 30 quilômetros, segundo as estimativas de Mia. Todos se dividiram em barracas dos mais variados tamanhos e Amy fez questão de pegar uma que fosse suficiente para acomodar a si mesma, seu irmão e Millie. Ela está decidida a ter uma conversa com Dylan a respeito da menina, mas ainda não sabe como abordá-lo para esse diálogo, além de estar preocupada com o fato dele estar cada vez mais distante.

ㅤㅤㅤㅤNos quatro dias que sucederam após a retomada da viagem, se Dylan falou mais de vinte palavras, foi muito. Ele geralmente só cumprimentava os demais e passava o resto do dia isolado, ou no fundo do ônibus, ou em algum lugar das paradas onde quase ninguém do grupo ia. Em algumas dessas paradas, ela podia ver claramente que ele esfregava os olhos, como se estivesse chorando, mas nunca comentando nada, embora seus próprios companheiros de grupo demonstrassem estar preocupados.

ㅤㅤㅤㅤNesse momento, ela está deitada de lado no saco de dormir, completamente desperta e olhando para a lona que forma a barraca verde. Ela umedece os lábios, sabendo que, cedo ou tarde, vai se repetir o momento em que Dylan acordará abruptamente de algum pesadelo. A mais nova sabe disso pois, em sua infância, já viu diversas vezes o irmão acordar com alguma crise de choro e ser acalmado pelos seus pais. Ela e Suzan tinham medo daquilo, pois não entendiam. Todavia, sabiam o quanto era ruim.

ㅤㅤㅤㅤAcontece exatamente às 02:14. Ela escuta as cobertas sendo empurradas e o corpo se levantar, ofegante. Dylan contém um breve grito e flexiona os joelhos, passando as mãos em seu cabelo e o jogando para trás, trêmulo. O suor pinga da ponta do seu nariz e ele olha para a sua direta, onde há um espaço vazio, que era o lado onde Aurora gostava de ficar quando eles dormiam juntos. Essa lembrança apenas torna todo o momento pior e ele respira fundo, se esticando para alcançar as botas que estão perto da saída da barraca.

ㅤㅤㅤㅤAmy permanece em silêncio, aguardando pacientemente que o zíper da barraca seja aberto; que Dylan saia do interior frio e a feche novamente. A jovem ainda espera alguns instantes para enfim se levantar e olhar para o fundo da tenda, onde Millie dorme profundamente — talvez a única do grupo que consiga essa proeza nos dias de hoje — e então abeira seus tênis All Star de cano alto, os calçando sem amarrar os cadarços, já que estes não alcançam o chão para eventualmente a fazer tropeçar.

ㅤㅤㅤㅤFazendo o mesmo silêncio que Dylan, ela deixa a barraca e mergulha na noite bastante iluminada pela lua cheia, que chega até mesmo a fazer sua sombra se projetar em meio às barracas silenciosas. Ajeitando sua franja para tirá-la dos olhos, ela observa ao redor vendo a silhueta de Dylan receber o rifle Winchester 94 de Kelly:

ㅤㅤㅤㅤ— Tem certeza que quer ficar o resto da noite? Eu posso voltar daqui umas horas — questiona o gigante, olhando os visíveis amassados na blusa branca de Dylan.

ㅤㅤㅤㅤ— Tenho, pode dormir até o dia clarear. — o policial assente e caminha até a frente do ônibus, subindo no para-choque e se acomodando sobre o capô. Nesse tempo, Kelly já se despediu e andou se espreguiçando na direção da barraca onde Jason e Sarah estão, que é a maior que eles dispõem.

ㅤㅤㅤㅤAmy espera o homem fechar sua tenda e então sai do seu esconderijo atrás da barraca onde Abraham e sua família estão, andando na direção do ônibus. Dylan, embora pareça disperso, está prestando atenção nos passos sobre a grama e vira o rosto no instante em que sua irmã falaria, fazendo-a morder a língua de susto.

ㅤㅤㅤㅤ— Não dá pra te pegar de surpresa mesmo, ein? — ela põe a língua para fora e toca na região machucada.

ㅤㅤㅤㅤ— Devia dormir. — ele se vira novamente para a frente, olhando a fogueira apagada no centro do acampamento.

ㅤㅤㅤㅤ— Isso vale pra você também, não? — a jovem sobe no para-choque do ônibus e estende a mão esquerda para Dylan, que a pega e lhe ajuda a subir.

ㅤㅤㅤㅤ— O que tá fazendo aqui?

ㅤㅤㅤㅤ— Vim falar com você, ultimamente tá mais incomunicável do que político ruim em época de debate... e eu vi a forma que você acordou. — Amy nota que o irmão abaixou a cabeça. — Não consegue mais dormir, né?

ㅤㅤㅤㅤDylan fica em silêncio por mais alguns instantes, divagando, até que respira fundo e corrige sua postura, deixando a Winchester sobre as pernas:

ㅤㅤㅤㅤ— Não. Eu tenho pesadelos com a Áurea desde que saímos daquele prédio. Até consigo fechar os olhos e dormir, mas logo eles começam e eu... não quero ver. Por isso evito dormir.

ㅤㅤㅤㅤ— Os pesadelos são só com ela? Ou você ainda tem aqueles? — Amy balança as pernas, olhando para a grande lua amarelada.

ㅤㅤㅤㅤ— A maioria é com ela. Eles tinham parado... acho que era por causa do meu convívio com a Millie. Depois a Áurea apareceu e eles sumiram de vez. Eu conseguia dormir uma noite inteira quando estávamos seguros.

ㅤㅤㅤㅤ— Mas a Millie ainda tá aqui, não? Ela não te ajuda com isso?

ㅤㅤㅤㅤ— Olha, Amy...

ㅤㅤㅤㅤ— Não precisa dar desculpas, eu sei do que aconteceu entre vocês — Amy fala sem alarde. — Ela me contou.

ㅤㅤㅤㅤDylan vira o rosto para a irmã, que finalmente vê nele uma expressão que não seja uma cara fechada ou de tristeza, agora ela o vê surpreso; estupefato. O policial suspira e desvia o olhar, engolindo em seco. De fato, desde aquela noite, a relação dos dois mudou bastante. Millie passou a ler sozinha e eles já não se falam como antes, com suas conversas se resumindo apenas a menor perguntando se ele estava bem. Mesmo com ela ainda preferindo a companhia dele e de Amy, é como se ela estivesse agindo de forma que aquilo fosse uma obrigação ou uma espécie de pagamento de dívida.

ㅤㅤㅤㅤ— Não quero te julgar muito... mas eu jurava que vocês já se tratassem como uma família quando a vi. Ela gosta muito de você.

ㅤㅤㅤㅤ— Eu sei, eu sei. Mas o que eu não sei é fazer essas coisas. A Áurea foi a primeira mulher por quem eu realmente senti algo verdadeiro e ainda assim, não consegui dizer que... que a amava. — a voz dele ganha uma entonação mais melancólica, mas ele logo a corrige. — Ela disse isso uma vez, mas logo em seguida, foi morta.

ㅤㅤㅤㅤ— Então seu medo é o de não ser suficiente pra ela, né? — Amy o olha e escuta com atenção.

ㅤㅤㅤㅤ— Parece um déjà vu... eu já tive essa conversa com a Yumi antes e sim, meu medo é esse. Outro é o dela morrer. Eu ainda tô remoendo a morte da Áurea... imagina fazer isso com a da Millie, que já conheço desde o começo disso tudo. — ele se curva, passando a canhota no cabelo e o pondo para trás. — Além disso, por mais que eu queira, não sou o pai dela.

ㅤㅤㅤㅤ— Então você quer? — ela coloca a canhota no ombro dele, sorrindo de canto.

ㅤㅤㅤㅤ— Você não é burra Amy, entendeu o que eu quis dizer. — Dylan a olha de soslaio. — A Áurea e ela conversaram... foi a última coisa que ela me disse antes de morrer e eu falei que não... isso me corrói por dentro...

ㅤㅤㅤㅤ— Então fala com a Millie. Nossos pais com certeza pensavam como você quando te adotaram, mas você que os via como a sua família. E é exatamente assim que a Millie te vê. — Amy se aproxima dele, segurando sua mão.

ㅤㅤㅤㅤNovamente, Dylan fica em silêncio, mas em vez de olhar para baixo, ele encara o rosto da irmã, com sua mente repleta de pensamentos que, pela primeira vez, não são em maioria sobre Aurora.

ㅤㅤㅤㅤ— Vai ficar tudo bem, na medida do possível. Você não tem mais a Aurora, mas ainda tem a Millie, a mim e todo mundo aqui. Nós somos uma família agora.

ㅤㅤㅤㅤEle fica em silêncio e solta o ar pelo nariz, esboçando um discreto sorriso pela primeira vez em dias.

ㅤㅤㅤㅤ— Obrigado.

ㅤㅤㅤㅤ— Eu sou sua irmã, meu papel é pôr juízo na sua cabeça. — ela sorri também e o abraça. — E outra, dá uma ajeitada em você. Fala pra Alex cortar esse seu cabelo e tira essa barba... você parece um mendigo e isso não combina nem um pouco com você. — a mais nova se afasta dele e desce do capô do ônibus, se despedindo com a destra. — Faz o que eu te disse.

ㅤㅤㅤㅤO policial segue-a com os olhos até que Amy retorna para a barraca onde estava. Ele corrige sua postura e empunha a Winchester apoiada com a coronha sobre o capô amarelo, pensando em tudo o que sua irmã disse.

***

No dia seguinte, os sobreviventes vão acordando aos poucos e indo diretamente para a fogueira que Kelly acendeu novamente e agora está preparando café instantâneo. Algumas pessoas já estão dentro do ônibus, apenas esperando a hora deles partirem, enquanto outros desarmam suas barracas. Deixando sua tenda, Millie amarra o cabelo e caminha diretamente para fogueira, após sentir o cheiro convidativo da cafeína. Cruzando o acampamento, ela chega até perto de onde Kelly está, sentado em uma cadeira dobrável e toca em seu ombro:

ㅤㅤㅤㅤ— Oi, bom dia. Pode me dar um pouco? — ela segura uma mão na outra, olhando o homem. E cumprimenta Abraham com o queixo, que está do outro lado, com uma caneca branca na canhota.

ㅤㅤㅤㅤ— Claro, isso aqui é pra gente tomar mesmo.

ㅤㅤㅤㅤEnquanto o enorme afrodescendente despeja a bebida quente em um copo de plástico, Millie olha ao redor, dando falta de alguém. Ela então olha para Abraham, que traga o último gole do seu café.

ㅤㅤㅤㅤ— Cadê o Dylan? — ela também recebe o copo de Kelly. — Obrigada — responde para ele.

ㅤㅤㅤㅤ— Assim que a Alex acordou, ele perguntou se ela podia aparar aquela juba que ele chama de cabelo — explica o homem, pondo a caneca dento de uma caixa hermética, com os utensílios que devem ser lavados assim que eles conseguirem mais água.

ㅤㅤㅤㅤ— Ah, tá bem.

ㅤㅤㅤㅤ— A gente vai sair assim que eles terminarem. Já faz um tempo que foram, então devem estar perto. — o gângster se levanta.

ㅤㅤㅤㅤ— Tá.

ㅤㅤㅤㅤMillie já terminou de tomar seu café quando sua atenção é atraída até a barraca de Alex, após Amy falar algo sobre Dylan. A menor — e a maioria dos sobreviventes —  veem o policial deixar a tenda completamente diferente da noite passada: seu cabelo agora está mais curto, embora ainda cubra parte das orelhas e a nuca e a barba em seu rosto sumiu. Os machucados estão mais visíveis, principalmente ao redor do olho esquerdo, mas ele parece não se importar mais com isso.

ㅤㅤㅤㅤ— Olha só, nada mal, camarada. — Jason fala ao lado da sua barraca, de braços cruzados. Mas podia ter só aparado a barba, pra manter o ar de sobrevivente fodão-- aí! — ele é interrompido por Sarah, que lhe dá uma leve cotovelada no braço.

ㅤㅤㅤㅤ— Deixa ele, Jason — pede a militar, sob os risos de algumas pessoas, principalmente de Yumi e Amy.

ㅤㅤㅤㅤAlex sai logo atrás dele, com Stella ao seu lado e as duas também riem um pouco. Mesmo estando sério, Dylan não demonstra indignação com o comentário do policial de Clerittown e caminha até Abraham, que continuava perto da fogueira.

ㅤㅤㅤㅤ— Quanto ainda falta pra Daywake? — indaga.

ㅤㅤㅤㅤ— Segundo a Mia, trinta quilômetros. Se dermos sorte nessa rodovia, chegamos lá rapidão. — Abraham o fita.

ㅤㅤㅤㅤ— Certo, pede pra desmontarem sua barraca e aí a gente vai.

ㅤㅤㅤㅤ— O Thomas já tava esperando pra isso. Mas antes de irmos, vamos olhar ao redor. Ver se não damos a sorte de achar algum animal dando sopa.

ㅤㅤㅤㅤ— Isso é mesmo necessário? — Dylan troca a perna de apoio e apoia a destra no revólver em seu coldre.

ㅤㅤㅤㅤ— Anda, Foster. Bom que estica essas pernas — o gângster fala enquanto segue até uma bolsa onde o grupo guarda algumas armas e tira duas escopetas, entregando uma para Dylan, qual pega a arma e olha ao redor, parando em Millie, que está próxima do ônibus e os dois trocam olhares, até que ele assente com a cabeça e caminha com Abraham.

ㅤㅤㅤㅤ— Não vão muito longe! — exclama Mia. — Quando tudo aqui tiver pronto, o Kelly vai buzinar uma vez.

ㅤㅤㅤㅤ— Pode deixar! — Abraham ergue o polegar direito.

Os dois caminham pisando nos galhos e folhas espalhados pelo solo verdejante, escutando alguns pássaros cantando e pequenos esquilos correndo pelo chão ou escalando árvores. Abraham é o primeiro a notar os pequenos animais, mas apenas resmunga, decepcionado.

ㅤㅤㅤㅤ— Nem dá pra atirar. Os tiros iam destroçar os bichos.

ㅤㅤㅤㅤ— E pôr em dúvidas a sua inteligência — comenta Dylan, olhando o redor.

ㅤㅤㅤㅤ— Tá melhor, ein? Fazendo piadas...

ㅤㅤㅤㅤ— Tentando. Não dá pra ficar daquele jeito por muito tempo agora.

ㅤㅤㅤㅤ— Tô ligado. É bom ver que tá superando.

ㅤㅤㅤㅤ— Valeu.

ㅤㅤㅤㅤ— Olha, eu sou péssimo em introduções, então me deixa ir direto ao ponto: o quê que tá havendo entre você e a garota lá? A Millie. Ela tava chorando por você ter sido sequestrado e agora vocês não trocam três palavras por dia.

ㅤㅤㅤㅤ— Ela ou a Amy que te contou? — ele fica de costas para Abraham, atento a qualquer barulho.

ㅤㅤㅤㅤ— Contaram o quê? — ele arqueia a sobrancelha e olha para Dylan, que parou de andar.

ㅤㅤㅤㅤ— Deixa pra lá.

ㅤㅤㅤㅤ— Tá, acho que isso não importa. Enfim, a Stella tem um dom muito bom, mas também meio irritante, de entender bem as coisas que não são pra idade dela. Ontem de noite, ela perguntou por que você não faz com a Millie o mesmo que eu fiz com ela.

ㅤㅤㅤㅤDylan fica o encarando.

ㅤㅤㅤㅤ— Fica com a garota, cara. Cuida dela. Você pulou num rio congelado pra salvá-la e agora parecem dois estranhos. E outra, isso vai te fazer bem. Mesmo tendo que quase morrer pra abrir os olhos e mesmo estando rodeado de gente que se preocupa comigo, eu ainda tava péssimo pela morte da Angel e do Tobey, mas aquela garotinha me salvou. Ela e a mãe dela. Vai por mim, cara. Ficar sozinho não vai te ajudar.

ㅤㅤㅤㅤ— Eu tô pensando sobre isso, mas ainda tenho dúvidas.

ㅤㅤㅤㅤ— Dúvidas ou desculpas? — Abraham se aproxima dois passos.

ㅤㅤㅤㅤ— Por que tá tão interessado nesse assunto?

ㅤㅤㅤㅤ— Lembra de quando a minha mulher morreu? Quem que tava me arrastando do bar do Sutton?

ㅤㅤㅤㅤNesse momento, Dylan se lembra de um dos episódios mais vergonhosos que já vivenciou. Devido a complicações no parto, a esposa de Abraham veio a falecer e isso o destruiu por completo, o afundando em bebidas até que Dylan — sem saber que Abraham tinha amigos bem mais próximos — resolveu dar um basta naquela situação e visitou diversos bares nos subúrbios de Denverport até encontrá-lo fedendo a whisky em um bar de quinta categoria, bem perto da zona mais perigosa da cidade. Depois de muitas discussões, Dylan acabou tendo que usar de força bruta para tirá-lo do estabelecimento, o que lhe custou uma cena deprimente de Abraham chorando por mais bebida.

ㅤㅤㅤㅤ— Entendi o seu ponto...

ㅤㅤㅤㅤ— Pois é, cara. Você é o meu melhor amigo nessa porra de mundo agora. Por isso que a gente tem que se ajudar. Eu tô só te mostrando o caminho, pois você já é bem grande pra andar sozinho.

ㅤㅤㅤㅤO policial suspira e confirma com a cabeça, segurando a escopeta apenas com a destra. É nesse momento que eles escutam a buzina do ônibus, uma única vez, exatamente como Mia os havia explicado anteriormente.

ㅤㅤㅤㅤ— Vambora. — Abraham começa a andar. — Mas sério, vê se você passa a se ajudar. E vê também se para de enrolar, todo mundo já sabe que você e ela são próximos. E aquela menina merece um pouco de alegria também.

***

O sol escaldante que castigava as terras de Finger durante semanas finalmente foi encoberto por nuvens brancas, fazendo-o dar uma pequena trégua para aqueles terrenos já castigados pela praga canibal. Algumas das enormes massas têm coloração cinza, mas nada que indique uma possível chuva, embora esta fosse muito bem-vinda agora. Dentro do ônibus amarelo com listras pretas e para-lamas sujos de terra, os sobreviventes tentam tirar o máximo de conforto daqueles bancos duros, a maioria com rasgos nas capas de couro barato, por onde escapou boa parte da espuma mais barata ainda que os revestia. Quando Kelly e Abraham encontraram o veículo, ele ainda estava com algumas mochilas com materiais escolares e poucas bolsas com roupas ou itens que valessem a pena levar, por isso tudo acabou sendo descartado.

ㅤㅤㅤㅤAgora, os fundos do ônibus servem como bagageiro para os poucos objetos que o grupo já possuía ou foram recolhendo durante suas paradas em postos de gasolina velhos ou mercearias em pequenas cidades amontoadas de sangrentos. Felizmente, nada de mais grave aconteceu, mas isso também fez os sobreviventes se perguntarem onde estariam outros seres humanos, já que desde que deixaram a creche em Dimper, seus únicos encontros foram com Orc e Ny. Entretanto, eles não comentam sobre esse assunto entre si. O que a maioria faz nesse momento é observar o tempo passar junto com as paisagens repletas de árvores verdejantes, pelas janelas laterais do ônibus.

ㅤㅤㅤㅤAo volante, Kelly guia o pesado veículo com certa despreocupação, mas mantendo os olhos o tempo todo na estrada, andando sempre no meio da via, sobre a faixa amarela que faz a divisão da pista de mão dupla. Mas alguns quilômetros à frente, sua postura mais folgada logo some e ele inclina o corpo para a frente, estreitando os olhos:

ㅤㅤㅤㅤ— Pessoal, olha aquilo lá. — o musculoso homem de regata pisa levemente no freio.

ㅤㅤㅤㅤDistraído olhando para as árvores sendo ultrapassadas, Dylan rapidamente se atenta à voz de Kelly quando sente o ônibus perdendo velocidade e olha para afrente. Ele se levanta do banco onde estava com Amy e se aproxima da cabine. Junto dele, Jason e Abraham também saem da zona de assentos e observam a estrada com desconfiança.

ㅤㅤㅤㅤ— Sinistro, camarada... — Jason fala enquanto observa os acostamentos e o gramado dos dois lados da estrada amontoados com veículos. São carros dos mais variados tamanhos, caminhões, trailers, ônibus, motocicletas e até mesmo um quadriciclo pode ser avistado pelos que têm olhos mais atentos. A pista adiante deles está limpa até onde suas vistas alcançam.

ㅤㅤㅤㅤ— Parece um cemitério — Abraham fala em um tom baixo.

ㅤㅤㅤㅤ— Acham que foi o pessoal do Fort Timothy que fez isso? — indaga Sarah, que parou atrás deles.

ㅤㅤㅤㅤ— Puta merda, que susto! — O policial de Clerittown leva a canhota ao peito.

ㅤㅤㅤㅤ— Se foi, então eles têm muito pessoal mesmo... — Dylan ignora completamente Jason e põe a destra nas costas do banco onde Kelly está sentado. — Fica atento, qualquer coisa, pisa fundo no acelerador.

ㅤㅤㅤㅤ— Pode deixar. — eles adentram no mar de veículos abandonados e depenados.

ㅤㅤㅤㅤ— Mia — Abraham se vira, olhando para os fundos do ônibus. —, sabe dizer quanto ainda falta?

ㅤㅤㅤㅤ— Cara... — a militar esfrega os olhos e olha pela janela, sentada ao lado de Thomas. — essa rota vai pra entrada da cidade. O asfalto aqui é mais escuro, sinal de que fizeram recentemente. Então... é, a gente tá perto.

ㅤㅤㅤㅤ— Aí... olhem aquilo também. — Kelly chama a atenção novamente, dessa vez parando completamente o avanço e puxando o freio de mão. Agora todos os sobreviventes se atentam para o para-brisas, mas não conseguem enxergar o motivo da parada pois o campo de visão está obstruído.

ㅤㅤㅤㅤ— Abre a porta — pede Dylan, observando a placa que contém mais informações do que eles esperavam encontrar.

Os galhos das macieiras costumam ficar abarrotados de frutos nessa época do ano em Finger, o que é um prato cheio para algumas aves, animais e parasitas. Os humanos também aproveitavam as maçãs nos tempos sem mortos-vivos andando por aí, mas hoje esse costume é bastante limitado. Porém, alguns ainda conseguem tempo para essa antiga mania. É esse o caso de Ny, que se pendura em uma macieira como se fosse um macaco, esticando o braço direito para alcançar a maior e mais vermelha maçã que conseguiu achar naquela árvore. Logo abaixo dela, Orc apenas observa a mulher arrancar a fruta do galho e então soltar o braço esquerdo do galho onde estava, fazendo-o emitir um grunhido de espanto, achando que ela despencaria, mas logo bufa ao escutá-la rir.

ㅤㅤㅤㅤ— Ha! Tinha que ver o seu jeito, Orczinho. — ainda rindo, a mulher se segura em um galho usando as próprias pernas, ficando assim, de ponta-cabeça. — Toma. — ela solta a maçã na mão dele e joga o corpo para cima, ficando sentada, no alcance de outra fruta, a qual pega e então salta da árvore, pousando em pé igual a um gato.

ㅤㅤㅤㅤOs dois então começam a andar pelo pomar e Orc levanta sua máscara até o nariz, começando a comer, assim como Ny, que olha constantemente para cima enquanto come, vendo as copas das macieiras balançarem com o vento agradável daquela área.

ㅤㅤㅤㅤ— Sabe, quando chegarmos em Daywake, temos que arranjar mais cadernos pra você. Na correria, acabei me esquecendo disso.

ㅤㅤㅤㅤOrc dá de ombros, jogando fora o miolo da maçã e cobrindo o seu rosto.

ㅤㅤㅤㅤ— E sabe o que eu queria achar pra mim? Mais flechas. As minhas tão quase no fim. Devo ter umas seis na aljava, mais umas três espalhadas pelo jipinho. — Ny passou a chamar o Troller desse jeito; um apelido que faz Orc suspirar e fazer uma cara de decepção por baixo da máscara. — Ah, nem vem com essa de novo, é um bom apelido.

ㅤㅤㅤㅤQuando eles enfim alcançam o veículo de Rally, Orc leva a canhota ao bolso da sua blusa e retira seu bloco de anotações, o folheado até achar uma das suas frases já prontas, para não precisar escrever novamente e o mostra para Ny, apontando para onde ela deve ler.

ㅤㅤㅤㅤ— "Vamos embora." Hm, tá com muita pressa, ein? — ela o vê apontar para um "sim" no final da folha. — Calma, Orczinho. Ainda temos mais vinte quilômetros até essa cidade. E eu vou dirigindo agora. Então descansa um pedaço.

ㅤㅤㅤㅤVendo a menor embarcar no banco do motorista, Orc dá a volta no jipe e entra pela porta do passageiro, fazendo o veículo descer alguns centímetros com o seu peso. Ouvindo Ny comentar sobre a necessidade dele fazer uma dieta, o caucasiano apenas joga sua mão para a frente, indicando que ela ligue o jipe e saia. Ela faz isso entre risos e o jipe começa a ganhar velocidade, subindo uma pequena encosta e voltando à rodovia 38.

— Quê que vocês acham? Eu tô muito na dúvida agora — fala Jason, com a canhota na cintura, observando a placa feita de madeira e tecido, que contém duas mensagens, uma mais acima, claramente feita com calma para que as letras ficassem uniformes e legíveis, e a segunda logo abaixo feita de maneira mais rústica, usando um spray de tinta.

ㅤㅤㅤㅤ— "Fort Timothy não é seguro. Procure pela torre verde e descubra o verdadeiro refúgio". — Dylan fica parado ao lado do outro policial, semicerrando os olhos quando as nuvens finalmente saem da frente do sol, permitindo que seus raios cheguem à superfície.

ㅤㅤㅤㅤ— Sei não... isso aí me parece muito suspeito — comenta Abraham, com sua M-16 nos braços, apontando para o chão.

ㅤㅤㅤㅤ— Mas qual dos dois é mais suspeito? — indaga Sarah, tirando um boné que estava preso ao seu coldre e o colocando na cabeça.

ㅤㅤㅤㅤ— Na minha opinião, os dois — responde Kelly.

ㅤㅤㅤㅤ— Tô com o grandão — conclui Abraham.

ㅤㅤㅤㅤDentro do ônibus, alguns dos outros do grupo se juntaram na cabine do motorista e observam sem poder ouvir o debate dos cinco do lado de fora, mas todos puderam ler os escritos da placa, menos uma pessoa.

ㅤㅤㅤㅤ— Amy — Millie sussurra, puxando a regata vermelha da jovem. —, pode me dizer o que tá escrito lá? Eu... não consigo ver direito. — na verdade, ela entende algumas das palavras, mas ainda há outras que não lhe são tão familiares.

ㅤㅤㅤㅤ— An? Ah, claro. — a Foster mais nova olha para as mensagens. — A de cima é explicando sobre o Fort Timoty. Falando sobre o lugar ser seguro e a segunda é desmentindo isso.

ㅤㅤㅤㅤA menor fica tentando decifrar o que quer dizer a palavra "desmentindo" e cria uma tese própria na sua cabeça, mas tudo o que ela diz é um "ok" para Amy, vendo que os que estavam do lado de fora agora retornam para o ônibus.

ㅤㅤㅤㅤ— E aí? Como vai ser agora? — pergunta Elizabeth, sentada no banco onde Dylan estava.

ㅤㅤㅤㅤ— A gente tá com pouca gasolina pra fazer um retorno — comenta Abraham. — Vamos dar uma olhada pela cidade, ver se achamos essa tal torre verde, mas com cautela.

ㅤㅤㅤㅤ— E o fort? — Yumi se manifesta.

ㅤㅤㅤㅤ— Tem uma razão pra alguém ter posto aquilo lá — Dylan se refere ao aviso. — Na mesma medida que pode ser uma armadilha, também pode ser uma forma de salvar vidas.

ㅤㅤㅤㅤ— Vamos torcer pra ser a segunda opção — diz Downs, elevando a voz para poder ser ouvido dos fundos do ônibus.

ㅤㅤㅤㅤOs sobreviventes voltam aos seus lugares e Kelly liga o motor do ônibus novamente, fazendo andar e seguir pela mesma rota, rumo a Daywake. O caminho que eles fazem é estranhamente tranquilo, mas Dylan pede para que todos fiquem com suas armas prontas para qualquer coisa anormal e, de fato, ele estava certo em pedir isso, pois logo na entrada da cidade, a placa que deveria ser de boas-vindas está crivada com centenas de buracos de tiros, além de uma parte dela estar incendiada e rodeada com vários corpos de errantes. Alex cobre os olhos da sua filha e Kelly pisa um pouco mais forte no acelerador, passando depressa por àquele lugar.

ㅤㅤㅤㅤConforme ele adentram na cidade, mais ela vai se parecendo com um cenário de guerra, com vários estabelecimentos marcados por vários buracos de tiros, vidraças quebradas, portas arrombadas e mercadorias espalhadas. Carros destruídos estão parados como se tivessem sido usados como coberturas em uma batalha violenta, responsável pelos vários cadáveres que apodrecem sob o sol escaldante — e alguns deles não parecem ser de sangrentos.

ㅤㅤㅤㅤ— Mas que porra aconteceu aqui...? — pergunta Sarah, olhando o cenário que muito se assemelha aos primeiros dias da infecção, quando os arrastões, genocídios e chacinas contra mortos-vivos eram frequentes.

ㅤㅤㅤㅤ— Nem sei mais o que pensar sobre esse lugar... — comenta Abraham, olhando Dylan.

ㅤㅤㅤㅤ— Não dá pra ter certeza de muita coisa ainda... — diz o policial.

ㅤㅤㅤㅤ— Bom, de uma coisa, eu tenho: não dá pra seguir por aqui. — Kelly aciona o freio do ônibus, que para diante de uma barreira feita de carros batidos, pedaços de madeira, árvores finas e muito arame farpado, que bloqueia completamente a rua por onde eles iam seguir.

ㅤㅤㅤㅤ— Cacete... anarquia total — comenta Jason, boquiaberto.

ㅤㅤㅤㅤ— Dá a ré — pede Dylan.

ㅤㅤㅤㅤQuando Kelly encaixaria o pesado câmbio na marcha ré, todos escutam um som forte de algo batendo no capô amarelo, abrindo um buraco do tamanho de uma caçapa na lataria. Em seguida, vem um estrondo ainda maior, possivelmente de uma arma de grosso calibre, instalada em uma localização desconhecida para os ocupantes.

ㅤㅤㅤㅤ— Puta merda! — Lydia vocifera enquanto outros tiros, de calibres menores, acertam o teto e a frente do ônibus.

ㅤㅤㅤㅤ— Todo mundo pra saída de emergência!!! — Abraham exclama, indo até onde estão Alex e Stella, pegando a pequena nos braços e sentindo-a o abraçar com força, tamanho é o seu medo com os barulhos atípicos.

ㅤㅤㅤㅤMia, Downs e Thomas tomam à frente na fuga carregada de desespero e aflição, seguidos por Lydia, Yumi, Elizabeth e Ashley. Abraham segue com sua família, Dylan vai logo atrás, com a canhota nas costas de Millie e Amy ao seu lado. Kelly, Jason e Sarah fecham a fila e escutam o para-brisas ser destruído pelos tiros, que agora acertam o assoalho. É Downs quem chuta a porta traseira do ônibus e salta, já com sua M-4 em mãos e olha para os lados, buscando o melhor refúgio os arredores, enquanto Mia, Thomas e Lydia descem.

ㅤㅤㅤㅤ— Ali! Snipers!! — exclama Mia, mirando com sua AR-15 contra um os atiradores no telhado de um prédio branco, armado com uma MP5.

ㅤㅤㅤㅤLydia é a próxima a visualizar o indivíduo sem camisa e já empunha sua AWM, conseguindo disparar um projétil que viaja num piscar de olhos até atravessar o tórax do barbudo, que cai mais de vinte e cinco metros, morrendo no momento do choque, sem sentir a dor das diversas fraturas que ganhou com a queda.

ㅤㅤㅤㅤ— Isso foi do caralho! — Jason fala com admiração, armado com sua Colt 1911. Infelizmente, os tiros não cessaram.

ㅤㅤㅤㅤ— Merda, corram!! — Dylan aponta com o cano da Randing Bull para a sua direita, olhando, pela outra direção, que uma caminhonete modificada com dezenas de placas de metal está se aproximando rapidamente deles.

ㅤㅤㅤㅤEle segura o braço de Millie e a garota começa a correr ao seu lado. Todo o grupo foge unido, com Kelly e Sarah disparando algumas vezes contra o veículo enferrujado que se aproxima cada vez mais rápido. Por um momento, a dupla pensa que eles serão os primeiros a serem atropelados, mas notam que os mesmos tiros disparados contra eles inicialmente agora atingem a lateral direita da caminhonete, que não sofre dano algum, até que eles veem um objeto preto cruzar o céu, muito acima das suas cabeças, indo de encontro ao veículo, que é engolido por uma bola de fogo, capotando algumas vezes até se chocar com outro carro que estava parado sobre a calçada.

ㅤㅤㅤㅤ— MAS QUE MERDA TÁ ACONTECENDO AQUI??!! — Thomas pergunta completamente impressionado com o que viu, enquanto mais tiros vão sendo disparados de vários lugares diferentes.

ㅤㅤㅤㅤ— Isso é uma guerra! — responde Sarah, olhando o autor da última explosão de pé no teto de sedã capotada.

ㅤㅤㅤㅤDe fato, sem nenhuma explicação aparente, o que antes parecia uma deserta cidade-fantasma agora é uma zona sangrenta de combate. Além dos tiros disparados de vários telhados diferentes, também há atiradores em solo, disparando uns contra os outros, sem ordem ou estratégia alguma. As ruas de Daywake se assemelham a uma mistura de Terra-de-Ninguém com Terra-Arrasada. Uma combinação mortal, onde nenhum ser humano em sã consciência gostaria de estar, mas infelizmente, o grupo recém-chegado não teve escolha.

ㅤㅤㅤㅤTomando à frente da fuga, Sarah é a primeira a avistar um trio de pessoas se juntaram atrás de uma barricada feita com móveis velhos e erguerem seus fuzis de assalto contra seu grupo.

ㅤㅤㅤㅤ— Mirem à frente!! Andem!! — ela rapidamente aponta o cano da sua Scar-L contra o trio e Kelly, Mia, Dylan e Alex fazem o mesmo abrindo uma rajada conjunta de tiros antes dos três desconhecidos, que são atingidos várias vezes, por tiros que atravessam a cobertura nada protetora que eles escolheram.

ㅤㅤㅤㅤ— Esses caras são do vermelho, acabem com eles!! — uma voz rouca e rasgada pode ser ouvida por todos, que olham para o outro lado da rua, à esquerda e localizam um homem de calça jeans azul, blusa preta com a logo da Red Bull e um par de óculos escuros que contrasta com o rosto queimado de sol e a longa barba castanha.

ㅤㅤㅤㅤ— Em cima!! — Thomas é o primeiro a ver um casal no telhado do prédio atrás deles soltar vários coquetéis molotov sobre eles e empurra Elizabeth para fora da área de queda das garrafas. Todos fazem o mesmo e alguns, como Yumi, Amy, Ashley, Dylan e Jason podem sentir o calor das chamas quase os acariciar, mas conseguem escapar por centímetros.

ㅤㅤㅤㅤAbraham, que estava com Stella nos braços esse tempo todo teve que saltar para o meio da rua e, no momento da sua queda, acabou por soltar a pequena, que saiu rolando algumas vezes pelo asfalto, sentindo seus braços se ralarem na superfície áspera e quente. Os olhos da pequena começam a se encher de lágrima e ela se apoia nos bracinhos para se levantar, mas vê uma sombra a encobrir. Ao olhar por cima do ombro, seu coração dispara ao ver o mesmo barbudo que falou anteriormente, lhe apontando o cano de uma Uzi.

ㅤㅤㅤㅤ— Vai ser a primeira, garotinha? — indaga o homem.

ㅤㅤㅤㅤ— Stella!!! — Abraham está impotente, pois pensou apenas em Stella dentro do ônibus e deu seu revólver para que Alex usasse. Agora, com a M-16 em suas costas, ele não tem nada para tentar salvar sua filha.

ㅤㅤㅤㅤ— Pa-- — a pequena é interrompida por um tiro e não sente dor alguma após ouvir mais esse estrondo, a não ser pequenas gotas de um líquido quente cair sobre suas costas.

ㅤㅤㅤㅤ— Filha!!! — Alex grita pela criança e ela, sem ferimentos graves, escuta isso, petrificada de medo por ver a cabeça do homem que a ameaçou ir para trás de uma vez, junto com o corpo. A Uzi é solta e cai quase sobre o seu pé esquerdo.

ㅤㅤㅤㅤO cadáver do estranho bate no chão, com o topo mais à direita da sua cabeça completamente destruído, deixando o cérebro — ou o que sobrou dele — vazar junto do sangue, Stella permanece imóvel, com o coração quase saindo pela boca e então escuta uma voz que, em primeiro momento, lhe é familiar, mas devido ao pavor, ela não reconhece de quem é, todavia não reage quando esse alguém a pega no colo:

ㅤㅤㅤㅤ— Vamos sair das ruas, depressa!! — segurando a Randing ainda com fumaça saindo do cano, Dylan aponta para um beco enquanto Jason, Kelly, Yumi e Millie atiram contra os dois que estão no telhado, os impedindo de lançarem mais coquetéis.

ㅤㅤㅤㅤEmbora estejam em choque, Abraham e Alex ficam mais aliviados por sua filha estar bem e apenas seguem as ordens de Dylan, indo com os demais para o beco que ele indicou. Correndo o máximo que pode, Dylan sente Stella o segurar com firmeza e soluçar, bastante trêmula pelo que aconteceu. Ele apoia a menor com seu braço esquerdo e vai seguindo no meio dos demais, até eles atravessarem o beco e chegarem em outra rua, em frente a um pequeno parque repleto de árvores e arbustos.

ㅤㅤㅤㅤ— Por aqui! — Sarah os puxa para atravessarem a rua e adentrarem na área verde, ainda com uma centena de tiros pairando sobre suas cabeças.

ㅤㅤㅤㅤMesmo com eles entrando na cobertura das árvores, ainda não há tempo para que eles possam gastar parando para descansar, já que podem ouvir algumas pessoas gritando coisas como "sigam" ou "matem os forasteiros". Isso faz as espinhas de alguns se arrepiarem enquanto se perguntam o que raios está acontecendo nessa maldita cidade.

ㅤㅤㅤㅤEles chegam até uma clareia no meio do parque, onde deveria ser um pequeno lago artificial, mas em vez de água, o que eles encontram são centenas de cadáveres — tanto de sangrentos nos mais variados estágios de decomposição, quanto de pessoas mortas recentemente — cobertos por milhares de moscas que, com a agitação na área, alçaram voo, criando um coro macabro de asas zumbindo por todos os lados. Alguns corvos e urubus também se afastam, assustados com os barulhos que se aproximam e os sobreviventes se veem obrigados a dar a volta no lago de cadáveres, cobrindo seus narizes tanto pelo forte mal cheiro, quanto pelos insetos carregados de doenças.

ㅤㅤㅤㅤQuando eles estão quase completando o desvio no lago, sem que vejam, o mesmo atirador do lança-granadas que explodiu a caminhonete — e que agora faz parte da perseguição —, dispara um novo projétil e esse passa acima da enorme vala comunitária do terror, atingindo a outra margem e explodindo bem perto da fileira de sobreviventes, fazendo com que a maioria deles sejam atingidos por detritos e irem ao chão. Dylan, que estava perto de um pequeno declive, acabou por escorregar e, para não machucar ainda mais a criança em seus braços, ele girou o corpo no momento da queda e desceu os quatro metros e meio de terra lamacenta de costas, até chegar à terra nivelada, caindo sentado, com dores, mas com Stella sem nenhum novo ferimento.

ㅤㅤㅤㅤ— Merda... — ele fala com os dentes serrados, olhando para os lados, vendo que Yumi, Kelly e Ashley caíram junto dele e depois para cima, onde os demais devem estar. Ele também pode ouvir vozes de comemoração ficando cada vez mais altas.

ㅤㅤㅤㅤAntes que pudesse ficar de pé, ele vê uma sombra surgir ao seu lado e ao olhar para cima, visualiza o portador do lança-granadas, um homem de aparência invejável, usando uma regata branca por baixo de uma blusa social fina, com as mangas dobradas até os cotovelos, ambas bem justas em seu corpo, destacando seus músculos e as veias do braço esquerdo saltam, agora que ele aponta uma pistola Glock 9 milímetros contra o rosto de Dylan. À sua esquerda, outros dois homens miram um fuzil e uma submetralhadora contra os outros três que caíram.

ㅤㅤㅤㅤ— Beleza, forasteiros. Agora chega de sair correndo, é fim da linha pra vocês — diz ele, trocando a perna de apoio e sorrindo para Dylan, que agora segura Stella com os dois braços, já que seu revólver escapou da destra durante a queda. — Seus amigos aqui também estão rendidos, então não adianta fazer nada.

ㅤㅤㅤㅤDylan engole em seco, tentando pensar em alguma estratégia que os faça saírem dessa situação, sem pôr a vida de ninguém em risco, mas nenhuma das suas ideias teria chance de funcionar, além de poderem representar a morte para todos eles.

ㅤㅤㅤㅤ— Vocês parecem perdidos e atacaram gente de todas as outras facções, inclusive da nossa... então ninguém vai aceitá-los nessa cidade. — ele ri. — Então, vamos fazer o seguinte, vamos matar vocês e poupar um bom trabalho.

ㅤㅤㅤㅤArmas são engatilhadas.

ㅤㅤㅤㅤ— Será que meu tiro atravessa a criança e pega em você? Vamos desco--

ㅤㅤㅤㅤO dono do lança-granadas é interrompido brutalmente por uma rajada de sete tiros, todos o atingindo no tórax e no abdômen, o jogando para trás junto de uma nuvem vermelha. Essa mesma rajada não cessa quando os tiros agora são direcionados contra a dupla que mirava em Kelly, Yumi e Ashley. Aproveitando o momento, Sarah, que estava praticamente rendida, saca sua Glock do coldre e dispara contra o jovem magrelo que mirava nela com uma espingarda de cano cerrado. Jason, Alex, Lydia, Elizabeth, Downs e Thomas fazem o mesmo com suas armas de mão, eliminando os outros oito membros da gangue de perseguidores.

ㅤㅤㅤㅤAgachado por conta dos tiros e com a mão direita sobre a cabeça de Stella, Dylan se recompõe e olha ao redor, vendo que os tiros cessaram e agora os únicos que vêm sendo disparados são de locais mais distantes. Os que estavam perto do lago dos mortos se levantam e Alex é a primeira a chegar no declive, ignorando a escada seis metros à sua direita, descendo escorregando pela terra surrada.

ㅤㅤㅤㅤ— Stella!! Minha filha! — chorando, ela se aproxima de Dylan, que finalmente sente um alívio em seu pescoço ao lhe entregar a criança. — Obrigada, Dylan, muito obrigada... — ela olha o policial e suas lágrimas descem pelas bochechas enquanto ela abraça a filha.

ㅤㅤㅤㅤ— Não precisa agradecer — diz o policial, olhando os demais se reagruparem e Abraham vai direto para onde Alex está, abraçando a ela e Stella. Ele fixa a visão em Amy e Millie, que aparentam estarem bem e assentem para o policial, que devolve o gesto.

ㅤㅤㅤㅤ— Quem metralhou eles? — pergunta Jason, segurando sua pistola com as duas mãos e entregando a Dylan, o revólver que ele catou.

ㅤㅤㅤㅤ— Ei, aqui! Depressa!! — a voz masculina vem do meio de alguns arbustos e chama a atenção de todos, que podem ver o que parece um adolescente, armado com uma arma que ninguém consegue identificar.

ㅤㅤㅤㅤ— Sai daí primeiro! — Elizabeth mira sua pistola contra a figura esguia, encoberta por sombras e árvores.

ㅤㅤㅤㅤ— Puta que pariu, vocês já acharam alguma outra pessoa nesse inferno que se ofereceu pra ajudar vocês? Venham logo! Eu tenho um lugar seguro, mas precisamos sair daqui antes que mais deles apareçam!! — o jovem de cabeleira escura ergue sua arma apenas com o braço esquerdo, revelando ser uma MP40 e que ele não tem a intenção de atacá-los.

ㅤㅤㅤㅤOs sobreviventes trocam olhares entre si, com todos tirando a mesma conclusão sem precisarem dizer uma única palavra sobre o assunto. Depois de mais um chamado do jovem estranho, Dylan é o primeiro a andar na direção dele, sendo seguido pelos demais.

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