.18: O que a Estrada Reserva
A pequena creche onde os sobreviventes residiram nos últimos dias já ficou quilômetros para trás. A tarefa de recolher mais de duzentos litros de combustível entre gasolina e diesel — para o caminhão — foi mais rápida do que eles esperaram, muito por sorte de não terem muitas pessoas que passaram pela cidade atrás dos preciosos líquidos. Com todos os veículos já totalmente abastecidos, eles ainda fizeram a escolha de abandonar a Freemont, para que pudessem poupar ainda mais gasolina durante a longa viagem que estão enfrentando e que, nos primeiros 50 quilômetros, já teve quatro desvios por conta de graves acidentes que eram impossíveis de transpor ou então obstruções naturais, como árvores na estrada e grupos de sangrentos grandes demais para valer a pena gastar esforço físico ou munição.
ㅤㅤㅤㅤDepois que o comboio formado pelos três veículos deixou uma pequena estrada de mão dupla para entrar em uma larga rodovia de quatro faixas, foi optado por ser feita uma parada e enquanto alguns dos residentes se espalham pela pista ou pelas margens da floresta, outros discutem sobre seus próximos passos:
ㅤㅤㅤㅤ— A gente precisou de quase cento e cinquenta quilômetros só pra andar trinta, se não fosse por causa dos desvios. E a expectativa é que eles aumentem — diz Mia, olhando um mapa aberto sobre uma mesa dobrável que Kelly tirou do motorhome. — A gente deve tá por aqui. — ela faz um círculo com o dedo e vai o arrastando pela rodovia. — Se a gente fosse só por aqui, chegaríamos em no máximo, dois dias, como o Kelly já disse. Mas com certeza essa rota vai ter algum problema, então já marquei cinco desvios. Sempre que passarmos por um, eu vou avisar pelo rádio.
ㅤㅤㅤㅤ— Certo, vamos deixar o pessoal esticar as pernas por mais cinco minutos e depois voltar. — Dylan pega o rifle M-24 que estava na mesa e olha para cima do motorhome. — Tudo certo aí em cima?
ㅤㅤㅤㅤ— Sem sinal de coisa alguma na nossa frente ou atrás — responde Lydia, olhando pela mira da sua AWM.
ㅤㅤㅤㅤ— A gente ainda tem umas quatro horas de sol. — Abraham se aproxima de Dylan. — Vamos dormir na estrada mesmo?
ㅤㅤㅤㅤ— Se a gente não tiver achado nem um barraco velho até anoitecer, vamos sair da estrada e ficar em algum campo. Temos barracas e a Sarah não se importa em dividir o motorhome. — o policial caminha até Ford Ram, vendo Millie e Amy sentadas na tampa da caçamba, ouvindo músicas.
ㅤㅤㅤㅤ— Revezamos quem vigia e vai dar certo. Vai ser tranquilo.
ㅤㅤㅤㅤ— Sangrento na floreta! — a voz de Thomas se eleva e todos olham para a direita, onde um solitário andarilho sem a mandíbula e coberto de lama seca começa a se aproximar e ergue o braço esquerdo, rosnando com a língua mastigada pendendo para fora da boca.
ㅤㅤㅤㅤ— Melhor não falar esse tipo de coisa. — Dylan puxa sua faca do coldre e desce a pequena ribanceira que separa a pista do gramado, se encaminhando até o morto-vivo, o matando com um golpe certeiro no topo da sua cabeça. — Ok, vamos voltar pra estrada! — ele exclama e começa a andar de volta para a rodovia enquanto os demais se dividem entre os veículos.
O final do dia traz consigo uma bela mistura de cores no céu parcialmente coberto por nuvens que vão ficando azuladas com o passar do tempo, contrastando com o laranja do céu. Com uma visão perfeita do pôr do sol, Aurora fica com sua cabeça encostada no vidro da sua porta, perdida em seus pensamentos, mas logo é trazida de volta ao mundo real quando ouve uma voz feminina do walkie-talkie sobre o painel:
ㅤㅤㅤㅤ— Tem um desvio logo à frente, fiquem atentos. A gente pode pegar ele e parar em algum lugar pra passar a noite, câmbio — diz Mia e Dylan pega o aparelho, o aproximando da boca.
ㅤㅤㅤㅤ— Entendido. Vou reduzir quando vir a entrada. Câmbio final. — ele põe o comunicador de volta onde estava e olha para a sua direita, vendo Aurora sentada de lado no banco, com a cabeça apoiada no braço e o olhando com um sorriso no rosto. — O que foi?
ㅤㅤㅤㅤ— Você é tão lindo.
ㅤㅤㅤㅤ— Ah… — discretamente, ele olha pelo retrovisor e vê que Amy está dormindo no banco de trás e Millie está escutando alguma música de rock tão alto que, mesmo com os fones, ele consegue escutar a batida pesada. — Obrigado. — começando a ficar um pouco nervoso, ele torna a olhar a estrada.
ㅤㅤㅤㅤ— Vamos ficar na mesma barraca?
ㅤㅤㅤㅤ— Provavelmente.
ㅤㅤㅤㅤ— Que bom, queria ficar com você. — o sorriso dela cresce um pouco.
ㅤㅤㅤㅤJá entendendo os rumos que a loira quer tomar, Dylan aponta para o walkie-talkie:
ㅤㅤㅤㅤ— Eu não desliguei — sussurra. —, ainda podem nos ouvir.
ㅤㅤㅤㅤ— Ah, desculpa. — Aurora rapidamente se recompõe no banco, visivelmente envergonhada. — Acha que eles ouviram o que eu disse?
ㅤㅤㅤㅤ— Não sei, espero que não. — o policial avista o desvio mencionado por Mia e reduz um pouco a velocidade, ligando a seta para a direita. Pelo retrovisor da sua porta, ele vê que o motorhome logo atrás fez a mesma coisa.
ㅤㅤㅤㅤ— Eu também espero…
ㅤㅤㅤㅤEnquanto faz a conversão, Dylan fica um pouco mais aliviado por não ter entrado nessa conversa correndo o risco de as duas ocupantes atrás ouvirem e não se importa por ter mentido sobre o comunicador desligado.
ㅤㅤㅤㅤO comboio segue por cerca de mais dez minutos até que chegam ao fim da floresta e encontram um espaço aberto com marcações que formam um campo de beisebol possuindo até mesmo as bases e o que parece ser um pequeno carrinho de golfe tombado sobre um cadáver masculino rodeado com tacos e capacetes próprios do esporte.
ㅤㅤㅤㅤ— O que vocês acham? — a voz de Mia sai junto de estática pelos comunicadores e Dylan e Abraham, que está na cabine do seu caminhão. — Kelly disse que pra passar a noite, o lugar parece bom.
ㅤㅤㅤㅤ— Pra ter isso no meio do nada, é sinal de que tem, no mínimo, um condomínio por perto. A gente pode procurar — diz o gângster, após pegar seu rádio no painel do caminhão.
ㅤㅤㅤㅤ— Logo vai escurecer mais. Não fazemos ideia do que tem nessa área e se acharmos um condomínio, há chances de acharmos sangrentos também — comenta Dylan, olhando o campo junto de Aurora e Millie, que tirou os fones quando sentiu a caminhonete freando.
ㅤㅤㅤㅤ— Tô com o Dylan nessa. — a voz de Jason é ouvida por ambos. — A gente deixa pra procurar esse lugar amanhã.
ㅤㅤㅤㅤ— Também acho melhor, Abe — diz Alex, ao lado dele na cabine.
ㅤㅤㅤㅤ— Certo, vou manobrar o caminhão e a gente arma as barracas.
ㅤㅤㅤㅤO comboio então sai da pista e os pneus amassam a grama até chegarem no campo, onde os motoristas manobram para deixarem os veículos formando uma espécie de barreira rodeando o espaço onde serão montadas as barracas. Os sobreviventes descem e Sarah caminha direto para onde está o carrinho tombado e escuta os grunhidos de um errante que, em vida, deveria ser um treinador, a julgar pela sua idade, o boné vermelho e uma camisa branca com detalhes em laranja e roxo. A militar pega um dos tacos de madeira que estão no chão e o usa para dar fim ao infectado, depois cata mais dos objetos, voltando ao grupo com várias armas brancas.
ㅤㅤㅤㅤA escuridão da noite só não é total por causa da fogueira feita por Kelly, que está rodeada pelos sobreviventes, alguns conversando e outros quietos, comendo suas porções racionadas por Mia, Downs e Sarah, que têm experiência em sobreviver dessa maneira. Porém, há quem não esteja satisfeito com o tamanho das porções.
ㅤㅤㅤㅤ— Pô, amor, você havia racionado a comida melhor no nosso último acampamento — Jason fala com uma voz triste, já quase sem comida em seu prato descartável.
ㅤㅤㅤㅤ— Isso é porque nós éramos só quatro pessoas, Jason — responde a militar, sentada ao lado de Amy. — Agora somos dezessete.
ㅤㅤㅤㅤ— Um pequeno exército, diga-se de passagem — fala Downs. — É importante racionar, assim a comida dura mais tempo.
ㅤㅤㅤㅤ— Aí, esse Colonial onde vocês estavam, como era lá dentro? — indaga Elizabeth, olhando Kelly.
ㅤㅤㅤㅤ— O lugar era bem grande, casas por todos os lados; pessoas até onde desse na vista. Eles tinham alguns sistemas pra fazer as coisas darem certo lá. Se você não fosse criança, muito velho ou incapacitado, tinha que ajudar com algo. Eu fazia parte da cozinha e saía pra buscar suprimentos.
ㅤㅤㅤㅤ— Cozinha? — Thomas olha curioso para o gigante.
ㅤㅤㅤㅤ— Isso. Eu era cozinheiro em Clerittown. Restaurante da família.
ㅤㅤㅤㅤ— Por isso que cozinha tão bem. — Yumi sorri, terminando de comer.
ㅤㅤㅤㅤ— Obrigado. — Kelly retribui.
ㅤㅤㅤㅤVoltando para onde os demais estão depois de fazer uma ronda ao redor do campo, Dylan segura uma pequena tigela de plástico na mão esquerda e se aproxima de Millie, que está deitada com a barriga sobre um lençol estendido na grama. Ele se agacha e põe seu prato na frente da menor, que o olha:
ㅤㅤㅤㅤ— Não vai comer?
ㅤㅤㅤㅤ— Pode ficar, já tirei minha parte. pega.
ㅤㅤㅤㅤA garota então começa a comer, ouvindo Jason:
ㅤㅤㅤㅤ— Eu era policial e então acabei com uma função desse estilo lá. Eu e outros caras éramos meio que guardas municipais dentro dos muros. Tínhamos a função de mandar todo mundo pras suas casas quando desse o horário do toque de recolher e apartar qualquer princípio de briga. Embora todo mundo quisesse sobreviver, brigas eram mais frequentes do que vocês podem imaginar.
ㅤㅤㅤㅤ— E eu cuidava dos registros — fala Amy. — Eles queriam saber exatamente quem e quantas pessoas viviam lá, então todo mundo tinha uma ficha e um cartão que funcionava meio que como uma identidade lá dentro.
ㅤㅤㅤㅤ— Foi ela que entrevistou a gente. — Jason termina de comer e se levanta. — Tô indo tirar uma água do joelho.
ㅤㅤㅤㅤ— Bom, acho melhor a gente ir se aprontando. Quero sair na busca assim que o sol der o ar da graça — fala Abraham, se levantando com Stella adormecida em seus braços.
ㅤㅤㅤㅤ— Você e ela são muito bonitos juntos. — Amy olha para ele e a criança. — Parecem pai e filha.
ㅤㅤㅤㅤ— Ah… é. — Abraham sorri, ajeitando a criança em seus braços, olhando Alex. — Parecemos mesmo.
ㅤㅤㅤㅤ— Tá, a gente pode ter essa conversa amanhã. — a ruiva cruza os braços e sorri, indo até a barraca.
ㅤㅤㅤㅤ— Finalmente! — ele fala animado, mas baixo para não acordar a pequena. — Obrigado pelo empurrãozinho, Amy.
ㅤㅤㅤㅤ— Que isso, por nada. — ela sorri e cumprimenta Abraham, que dá boa noite para todos e segue Alex.
ㅤㅤㅤㅤEnquanto Sarah, Thomas, Jacob e Lydia se decidem sobre os turnos para vigiarem, Millie segue Abraham com os olhos até ele entrar na sua barraca. A menor — assim como todos —, não deixou de perceber a alegria dele ao saber que provavelmente vai poder chamar a Stella de sua filha no dia seguinte e agora não para de pensar em como a criança também vai ficar contente com a notícia. Ela suspira e olha para Amy, assim que ela segura seu ombro:
ㅤㅤㅤㅤ— Vem, a gente vai dormir na barraca da Aurora.
ㅤㅤㅤㅤ— Ah, sim. — ela se levanta e a acompanha.
ㅤㅤㅤㅤNoite adentro, o som dos grilos e sapos formam uma irritante orquestra para Lydia, que boceja sentada em uma cadeira no teto do motorhome, com a sua AWM sobre as pernas. A mulher passou todo o seu turno atenta a qualquer movimentação de andarilhos que pudessem sair da floresta, e apontando sua lanterna sempre que ouvia algum barulho suspeito, mas tudo o que ela conseguiu até agora foi espantar algumas raposas ou corujas que pousavam em árvores. Sua atenção só é de fato atraída quando escuta passos na escada de metal atrás do trailer e vê Thomas subindo.
ㅤㅤㅤㅤ— E aí, o saco de dormir é confortável? — ela se levanta da cadeira.
ㅤㅤㅤㅤ— Pelo menos a terra embaixo é mais macia do que o chão daquela creche — ela fala indo até a mulher.
ㅤㅤㅤㅤ— Isso eu tenho que concordar. — Lydia está para entregar sua AWM, mas para assim que escuta o som de galhos se quebrando na floresta.
ㅤㅤㅤㅤA afrodescendente mira o feixe da lanterna para onde ela acha ter vindo o barulho e tanto ela quanto Thomas ficam atentos, suspeitando ser um andarilho, mas eles escutam apenas os barulhos ficando mais distantes.
ㅤㅤㅤㅤ— Deve ter sido outra raposa… esses bichos devem viver aos montes por aqui — diz ela, enfim entregando o rifle para Thomas.
ㅤㅤㅤㅤ— Pois é, também acho isso. — ele pega a arma e vai até a cadeira. — Boa noite.
ㅤㅤㅤㅤ— Pra você também.
ㅤㅤㅤㅤDo meio da floresta, sem ter sido notado, uma estranha figura coberto por vestes pretas se aproxima dos veículos por outro lugar da floresta, mas permanece dentro da margem, apenas observando o acampamento em silêncio.
***
Na manhã seguinte, Millie acorda ao lado de Amy, que está dormindo profundamente com o lençol cobrindo-lhe até o queixo. A menor esfrega os olhos e se senta, olhando para a sua esquerda e vendo que Aurora está dormindo sozinha e não há sinal de Dylan dentro da barraca. Ela então calça seus tênis e amarra os cadarços o mais rápido que pode, pegando seu coldre e saindo silenciosamente para não acordar as outras duas.
ㅤㅤㅤㅤJá do lado de fora, Millie protege os olhos do sol com a mão e quando sua visão se acostuma com a claridade, ela começa a olhar ao redor, vendo que poucas pessoas estão de pé e avista Dylan na traseira da caminhonete, indo até ele. Prendendo o coldre em sua cintura.
ㅤㅤㅤㅤ— Bom dia, levantou faz muito tempo? — ela vê a Desert Eagle desmontada sobre uma flanela.
ㅤㅤㅤㅤ— Acho que sim, não quis acordar vocês.
ㅤㅤㅤㅤ— Você vai sair com o Abraham?
ㅤㅤㅤㅤ— Vou. Ele tá falando com a Alex ainda. Jason vai com a gente e a Ashely pediu pra vir junto.
ㅤㅤㅤㅤ— Você viu que o Abraham ficou feliz ontem? — Millie dá a volta e se senta na tampa da caminhonete, com as mãos na superfície da mesma, vendo Dylan remontar sua pistola.
ㅤㅤㅤㅤ— Vi sim. Ele merece uma nova família e a Alex é uma boa pessoa, fora ele e a Stella já se darem muito bem.
ㅤㅤㅤㅤ— Sim… — ela umedece os lábios. — A Aurora conversou com você ultimamente?
ㅤㅤㅤㅤDylan vira o rosto para a garota, estranhando a pergunta e pensando sobre o que Millie está falando.
ㅤㅤㅤㅤ— Como assim?
ㅤㅤㅤㅤ— Ah... — Millie percebe que falou demais. — Não, nada. Só queria dizer que tô feliz por vocês estarem... você sabe. Juntos; Eu gosto muito de vocês.
ㅤㅤㅤㅤ— Hm...
ㅤㅤㅤㅤ— Eu... posso ir com vocês? Você disse que têm coisas que não posso fazer ainda, mas procurar um condomínio não deve ser tão perigoso assim.
ㅤㅤㅤㅤDylan fica em silêncio e encaixa o carregador da sua pistola, a guardando no coldre logo em seguida.
ㅤㅤㅤㅤ— Ok, você tem um ponto… tá com suas armas?
ㅤㅤㅤㅤ— Aham. — sorrindo, ela salta da caçamba.
ㅤㅤㅤㅤ— Tá, vamos esperar os outros.
ㅤㅤㅤㅤNão demora muito e Jason sai do motorhome já com suas pistolas uma de cada lado do coldre e se junta a Dylan e Millie, que estavam perto da fogueira apagada.
ㅤㅤㅤㅤ— Oi. — Millie o olha se aproximar.
ㅤㅤㅤㅤ— E aí, como tão os ouvidos? — ele acena para a garota.
ㅤㅤㅤㅤ— An? — ela arqueia a sobrancelha.
ㅤㅤㅤㅤ— É que você tá escutando as músicas da Amy agora e aquela garota só escuta gritaria. Parece que tô ouvindo um trator no meio da obra.
ㅤㅤㅤㅤ— Ah, tá. Eu gosto daquele tipo de música.
ㅤㅤㅤㅤ— É, tem gosto pra tudo. — ele abotoa sua blusa social xadrez por cima de uma regata branca. — Quem mais falta? — e olha Dylan.
ㅤㅤㅤㅤ— Ashley tá vindo e falta o Abraham. — o policial aponta com o queixo para a loira sorridente.
ㅤㅤㅤㅤ— Bom dia, gente. Tá faltando só o Abraham mesmo? — indaga, com a canhota na cintura.
ㅤㅤㅤㅤ— Aham — responde Jason. — Qual o plano mesmo, caso a gente ache esse lugar? Só pegar o que der pra usar? — ele olha para os três.
ㅤㅤㅤㅤ— Basicamente isso, mas se o lugar for realmente bom, não duvido que venham conversas sobre ficarmos — Dylan fala e olha para a barraca de Abraham, vendo-o sair da mesma junto de Alex, a quem se despede com o beijo e caminha até os demais, sob os olhos da mulher, que cruza os braços sorrindo. — Lá vem ele.
ㅤㅤㅤㅤ— Eita que alguém acordou alegre hoje. — Jason se vira sorrindo para Abraham. — Conversou com ela?
ㅤㅤㅤㅤ— Você vai ver quando chegarmos e a Stella tiver acordada.
ㅤㅤㅤㅤ— Ih, parece que alguém vai virar pai de família. — ele se aproxima e dá um pequeno tapa nas costas de Abraham. — Parabéns, embora eu tenha perdido um companheiro de bebida.
ㅤㅤㅤㅤ— É normal você agir como se conhecesse a gente há meses? — indaga Dylan, mas quem dá a resposta é Kelly, parado perto do motorhome, preparando uma xícara de café em um pequeno fogão portátil:
ㅤㅤㅤㅤ— Com certeza, ele age como se vocês se conhecessem desde o jardim de infância.
ㅤㅤㅤㅤ— Não é pra tanto… — ele dá de ombros, tentando disfarçar que a declaração do seu amigo é correta. — Ensino Médio, talvez.
ㅤㅤㅤㅤ— Tá, vamos logo. Vou pegar armas maiores pra gente — diz Abraham, se afastando e indo até o caminhão.
Após se armarem, o quinteto adentrou na floresta verdejante e repleta de árvores, com Abraham à frente e Jason logo atrás, atento a qualquer barulho que não seja feito por um inseto ou pássaro. Atrás dele, Millie e Ashley seguram suas pistolas e Dylan fecha a fila, olhando as duas com a sua M-4 em mãos. Eles já estão caminhando há alguns minutos pela vegetação e ao chegarem em uma pequena clareira perto de um barranco com pouco menos de dois metros de altura, Abraham é o primeiro a notar várias sombras passando por cima deles e ao olhar para cima, vê centenas de pássaros voando juntos.
ㅤㅤㅤㅤ— Ué, pra onde eles tão indo? — pergunta Jason, protegendo os olhos com a mão direita enquanto segura sua Beryl com a canhota.
ㅤㅤㅤㅤ— Leste, mas essa não costuma ser uma rota de migração — responde Abraham.
ㅤㅤㅤㅤ— Têm muitos deles... bem mais do que dá pra contar — comenta Ashley. — Um bando grande assim e numa direção aleatória só significa uma coisa...
ㅤㅤㅤㅤ— O quê? — Millie a abeira, lhe olhando.
ㅤㅤㅤㅤ— Eles tão fugindo de algo — completa Dylan. — E acho melhor a gente não ficar aqui tempo o bastante pra descobrir.
ㅤㅤㅤㅤ— Mas pera aí, gente, como assim os pássaros tão fugindo? — Jason os olha, confuso.
ㅤㅤㅤㅤ— Animais possuem uma espécie de sexto sentido, que os faz meio que preverem tragédias. É comum que antes de terremotos, tsunamis e afins, os pássaros e outros animais procurem abrigo. Agora entendi a Lydia comentando sobre ter visto tantas raposas ontem de noite. — Ashley o encara.
ㅤㅤㅤㅤ— Mas o que pode ser tão trágico assim? — indaga o policial.
ㅤㅤㅤㅤ— Uma horda imensa de canibais — Dylan fala de uma vez. — E não é uma boa ideia ficar por aqui, se for mesmo o caso.
ㅤㅤㅤㅤ— Ih rapaz...
ㅤㅤㅤㅤNesse momento, o vento muda sua direção e agora começa a soprar contra os cinco, que além da brisa agradável em meio ao calor, também podem sentir um cheiro bastante característico desse novo mundo.
ㅤㅤㅤㅤ— É, o Dylan deve tá certo... — Abraham olha na direção de onde o vento vem. — E pra gente sentir o cheiro, ou essa horda tá muito perto, ou é grande pra cacete.
ㅤㅤㅤㅤ— E disse também que não é uma boa ideia a gente ficar, e eu concordo com ele. Tô voltando. — Jason dá meia-volta e começa a andar pelo caminho contrário, mas sua caminhada é interrompida precocemente quando uma flecha atinge o solo, quase acertando seu pé esquerdo.
ㅤㅤㅤㅤO susto que ele leva o faz se desequilibrar e quase cair, além de chamar a atenção dos demais, que o olham já com suas armas prontas.
ㅤㅤㅤㅤ— Ah, caralho... puta merda. — Jason encara a flecha que foi pintada rusticamente de amarelo.
ㅤㅤㅤㅤ— Você parece saber algo sobre isso. — Dylan se aproxima dele.
ㅤㅤㅤㅤ— É, eu sei. — ele se vira para o companheiro, não escondendo sua aflição: — Quando a gente vê isso, a gente corre.
ㅤㅤㅤㅤNesse instante, pegando a todos de surpresa, uma enorme figura mascarada surge por trás de alguns arbustos e golpeia a cabeça de Abraham com a ponta do cabo da sua marreta. A pancada faz o gângster cair sobre os braços e Ashley afasta Millie, olhando a misteriosa figura que possui sua cabeça coberta por um saco.
ㅤㅤㅤㅤ— Merda, se afastem!! — Dylan se vira para o estranho já mirando sua M-4 e atirando duas vezes, mas pra sua surpresa, o gigante mascarado estufa seu tórax e recebe os tiros, que fazem um som metálico ao ser atingido.
ㅤㅤㅤㅤ— Quê?! — o policial o olha incrédulo.
ㅤㅤㅤㅤ— Orc... A gente devia ter dado cabo de vocês antes! — exclama Jason, olhando a figura familiar para ele.
ㅤㅤㅤㅤ— “Vocês”? — Ashley o olha.
ㅤㅤㅤㅤEm um novo ataque surpresa, agora é uma pessoa menor do que o primeiro atacante que surge das árvores já caindo na direção de Jason e acertando as solas das suas botas nas costas do homem, o jogando contra uma árvore e fazendo-o cair sobre a grama logo em seguida.
ㅤㅤㅤㅤJá no chão e ao lado de Dylan, a mulher de mechas loiras acobreadas ergue sua perna esquerda em ágil movimento e acerta o fuzil do homem, fazendo-o soltar a arma e ser empurrado. Ela não perde tempo e já avança nele outra vez, segurando uma pequena faca e o golpeando no rosto, mas Dylan consegue dar um segundo salto para trás, fazendo-a errar por centímetros.
ㅤㅤㅤㅤ— Você parece ser escorregadio… — a mulher com cabelos acobreados brilhosos e algumas mechas loiras exibe um sorriso maligno, voltando a atacá-lo.
ㅤㅤㅤㅤ— Millie! — Ashley segura o braço da criança e a puxa novamente antes que o segundo atacante erga sua pesada marreta e golpeie uma pedra, a destroçando.
ㅤㅤㅤㅤA menina, que já segurava sua Python com a mão esquerda a ergue e dispara no bíceps do homem, mas, novamente, eles escutam um som de metal agora seguido de um resmungo incompreensível dele.
ㅤㅤㅤㅤ— Não seja tão apressado, Orczinho! Ainda temos mais deles para brincarmos. — a mulher ri, tentando acertar Dylan. — Jason nos trouxe novos amigos.
ㅤㅤㅤㅤ— Tira a Millie daqui! Rápido!! — Dylan grita para Ashley e consegue segurar o pulso da sua oponente, mas esta dá um salto e acerta o topo da sua cabeça no rosto do policial, que recua a soltando.
ㅤㅤㅤㅤ— Corre, Millie! — Ashley coloca a menina para trás de si e ergue sua pistola, disparando várias vezes no gigante, mas todos os tiros parecem atingir metal.
ㅤㅤㅤㅤ— Hurrrg... — Orc resmunga e levanta sua marreta outra vez contra Ashley, mas ele é interrompido por uma rajada de disparos que atingem suas costas e o fazem ir um pouco para a frente, se virando e agora rosnando.
ㅤㅤㅤㅤ— Caralho… — deitado na grama e vendo três gigantes mascarados com sua visão turva, Abraham não conseguiu seu objetivo, que era atingi-lo na cabeça e agora está com dificuldades para levantar enquanto o mascarado se aproxima devagar.
ㅤㅤㅤㅤVendo toda a cena, Millie finalmente começa a correr para se afastar de todos.
ㅤㅤㅤㅤ— Ah não, nem pensar! — a parceira do gigante se cansa de brincar com Dylan e o acerta um soco de esquerda no meio das suas clavículas e também atingindo sua traqueia, o empurrando logo em seguida.
ㅤㅤㅤㅤDylan cai sem ar sobre um tronco, levando as duas mãos ao pescoço, mas conseguindo ver a acobreada alcançar Millie em um piscar de olhos, puxando-a pela nuca, fazendo a menina gritar e lhe toma sua Python, envolvendo seu braço direito ao redor do seu pescoço.
ㅤㅤㅤㅤ— Não vai fugir, garotinha… — ela começa a rir.
ㅤㅤㅤㅤ— Solta ela! — Ashley mira sua pistola na direção dela.
ㅤㅤㅤㅤA mulher para de rir e fuzila a outra com o olhar, apertando o pescoço de Millie, que arfa de dor. Sem tirar os olhos de Ashley, ela ergue a Python que acabou de pegar e dispara na perna direita da mulher, atingindo-a de raspão logo abaixo do joelho, mas o suficiente para arrancar-lhe um grito de dor e derrubá-la.
ㅤㅤㅤㅤ— Ashley!! — Millie segura o antebraço da desconhecida e, em um surto de raiva, consegue força o suficiente levantá-lo na altura da sua boca e lhe morder. Como a blusa preta dela só cobre um pouco além do cotovelo, a menina não tem nenhum tecido para impedir que seus dentes perfurem a carne dela e façam o sangue vazar.
ㅤㅤㅤㅤ— SUA FEDELHA!!! — gritando de dor, a mulher acerta uma forte coronhada na cabeça de Millie, que a solta e cai de bruços na grama, imóvel. — Ela me mordeu?! — e fica olhando seu braço ferido.
ㅤㅤㅤㅤApoiando sobre a perna direita, Dylan já havia recuperado parte do seu fôlego e viu toda a cena em que Ashley foi baleada e Millie posta inconsciente. Ele começa a ser tomado pela raiva e se levanta, avançando na atacante distraída.
ㅤㅤㅤㅤ— Droga, você de no-- — assim que notou a rápida investida de Dylan, ela iria erguer a Python para atirar contra ele também, mas o policial conseguiu ser mais ágil e lhe acertar um cruzado de direita no rosto, jogando-a contra uma árvore.
ㅤㅤㅤㅤBem próximo disso, Orc, que estava segurando Abraham pelo pescoço contra outra árvore vira o rosto e vê sua parceira levando as mãos ao rosto, resmungando de dor.
ㅤㅤㅤㅤ— Vo-você… — a loira observa as mãos enluvadas sujas com o sangue que sai do corte no canto da sua boca e o encara: — VOCÊ ME BATEU?! — ela chora de raiva, exibindo também o nariz ensanguentado para Dylan, que voltou a ficar ofegante.
ㅤㅤㅤㅤAntes que pudesse responder qualquer coisa, Dylan sente arrepios ao escutar um forte gutural vindo de Orc, que arremessa Abraham contra Jason, que estava se preparando para atirar com sua Beryl. Segurando a marreta com as duas mãos, ele começa a avançar na direção do policial, mas antes que ele cobrisse metade do caminho, uma rajada de tiros atinge o solo aos seus pés, erguendo pequenas colunas de terra.
ㅤㅤㅤㅤ— Puta que pariu, eles tão sendo atacados mesmo!! — é Jacob quem anuncia e logo Lydia, Thomas, Kelly e Sarah surgem armados.
ㅤㅤㅤㅤ— Ny… — a militar pousa os olhos diretamente no rosto sujo de sangue da atacante.
ㅤㅤㅤㅤThomas é o primeiro a abrir fogo contra o gigante Orc, mas ele protege o rosto com o braço esquerdo, segurando a marreta e recebe alguns tiros que também não surtem efeito nele. O homem desiste de atacar Dylan e agora corre até Ny, agarrando e lhe carregando sem dificuldades, deslizando pelo barranco próximo e sumindo em meio ao verde.
ㅤㅤㅤㅤ— Cacete… — Kelly é o primeiro a ir até seus companheiros caídos, se aproximando primeiro de Ashley, que havia deitado de barriga para a grama e protegido sua cabeça com as mãos.
ㅤㅤㅤㅤ— Vocês estão bem? — Thomas vai até Dylan, que já chegou em Millie e segura a garota em seus braços, chamando o nome da garota.
ㅤㅤㅤㅤ— Jason? Amor, tá tudo bem? — Sarah se aproxima dele, que está ajudando Abraham.
ㅤㅤㅤㅤ— Sem problemas, mas não achei que o Orc e a Ny fossem aparecer tão cedo… — diz o homem.
ㅤㅤㅤㅤ— Droga, eles nos alcançaram muito rápido... — Kelly passa a bandoleira da sua Mossberg 590 pelo ombro e ajuda Ashley a se levantar.
ㅤㅤㅤㅤ— Vocês conhecem eles? — pergunta Lydia, amparando Abraham.
ㅤㅤㅤㅤ— Sim… — Sarah responde com pesar.
ㅤㅤㅤㅤ— E não acharam conveniente nos contar sobre? — Dylan fala visivelmente bravo e se põe de pé, segurando Millie nos braços.
ㅤㅤㅤㅤ— Ou! Agora não é hora pra isso, a gente precisa voltar pro acampamento e sair daqui! — Jacob intervém. — E essa luta toda chamou a atenção. — e aponta para trás de todos, que podem ver um grupo de sangrentos se aproximando.
ㅤㅤㅤㅤ— Merda… vamos sair logo daqui. — o policial ajeita a menor em seus braços e começa a andar. Kelly ajuda Ashley e Lydia ajuda Abraham. Os demais andam ao redor, atentos e com suas armas prontas.
ㅤㅤㅤㅤJá bem longe de todos os outros sobreviventes, correndo o mais rápido que consegue com todo o peso que está carregando, Orc começa a sentir os golpes que Ny lhe dá nas placas de metal sobre seu corpo e olha a companheira.
ㅤㅤㅤㅤ— Me solta! Me solta!! — a mulher esperneia.
ㅤㅤㅤㅤProntamente a obedecendo, Orc para de correr e a solta, ofegando. Ele também deixa sua marreta de lado e se encosta em uma árvore.
ㅤㅤㅤㅤ— Aquela pirralha me mordeu, mas aquele cara… — ela cospe saliva com sangue e limpa a boca. —eu quero acabar com ele — falando sozinha, ela começa a limpar o sangue em seu nariz. — Ele ousou me bater... covarde filho da puta... ele me bateu e isso não vai ficar impune.
ㅤㅤㅤㅤApenas observando-a, Orc passa as mãos em seus bolsos até achar um pequeno bloco de notas com um lápis e uma borracha, presos no arame. Ele passa algumas folhas e começa a escrever, mostrando para Ny logo em seguida, chamando sua atenção com um resmungo.
ㅤㅤㅤㅤ— Hm? — ela se vira e então se aproxima do bloco que fica bem pequeno nas mãos de Orc. — “Agora que eles sabem de nós, vão tomar mais cuidado”. É, eu sei, Orc. Mas a gente ainda consegue dar um jeito. Lembre-se, só queremos aqueles quatro que já estavam antes e agora o filho da puta que me deu o soco. Sabe quem nós poupamos, mas se atrapalharem, agimos.
ㅤㅤㅤㅤOrc torna a escrever na mesma página e então mostra para ela:
ㅤㅤㅤㅤ— “E como pretende fazer isso? Eles provavelmente vão sair em grupos maiores agora, isso se saírem.” Ah, Orczinho… eles vão se separar muito em breve e nós estaremos apenas na espreita para darmos o bote. — ela morde o ar, sorrindo maliciosamente e rindo logo em seguida. — Agora vamos voltar pro nosso carro e seguir eles. Essa estrada tá longe de chegar no fim.
***
O número de pessoas dentro do motorhome tornou a movimentação pelo mesmo complicada, mas todos dão espaço para que Aurora possa dar os pontos na perna de Ashley, que morde um pano enquanto seu corpo sua de desespero devido à falta de uma anestesia. Encostados no balcão da pia, Abraham e Jason observam a cena com aflição, quase sentindo a dor da mulher, que está quase esmagando a mão de Sarah, sentada ao seu lado. A médica finalmente termina de dar o último ponto na sua amiga e enfaixa a sua perna, finalmente a acalmando:
ㅤㅤㅤㅤ— Tudo bem, Ash, terminei. — ela finaliza o curativo com esparadrapo.
ㅤㅤㅤㅤ— Não se o que dói mais é o tiro ou o tratamento dele... — Ashley respira fundo e se acomoda melhor na cadeira, soltando a mão de Sarah. — Desculpa se te machuquei.
ㅤㅤㅤㅤ— Que isso, o importante é que você tá bem — a militar fala enquanto abana sua mão esquerda, que está branca pela falta de circulação.
ㅤㅤㅤㅤ— Tá, agora que ela tá melhor, podem falar quem diabos são Orc e Ny? — pede Abraham, tirando um saco de gelo de onde foi atingido inicialmente.
ㅤㅤㅤㅤ— A Ny foi alguém que a gente achou bem no começo — Sarah suspira. — Ela me salvou e ajudou a gente, embora fosse meio... eh...
ㅤㅤㅤㅤ— Estranha — diz Jason.
ㅤㅤㅤㅤ— E psicótica! — exclama Kelly, ao volante.
ㅤㅤㅤㅤ— Ela queria matar o Jason e o Kelly por causa de algum senso femista. A luta foi bem difícil, mas a gente expulsou ela… eu não quis matá-la. Me arrependo disso pois depois, ela se juntou com outro cara que a gente topou na estrada.
ㅤㅤㅤㅤ— O nome dele era Owen, mas depois que o Kelly deu uma surra federal nele, a Ny o encontrou e os dois se juntaram. Ela chama ele de “Orc”, mas não sabemos direito o porquê. Talvez por ele ser mudo depois de apanhar — completa Jason.
ㅤㅤㅤㅤ— Hm, e tem mais alguém que vocês deixaram vivo, que a gente precise saber? — Abraham o olha.
ㅤㅤㅤㅤ— Diferente da Ny, a gente tinha certeza de que o Owen; Orc, tava morto. Mas nos enganamos.
ㅤㅤㅤㅤ— É, mas o Dylan deu um puta soco na Ny. Ela deve tá zonza até agora.
ㅤㅤㅤㅤ— Não começa com piadas, não sobre isso. — Dylan sai do quarto do motorhome, fuzilando Jason com o olhar. — Eu não me orgulho disso... perdi o controle na hora.
ㅤㅤㅤㅤ— Olha, por ser a Ny, acho que você fez o certo. Jason contou o que eles dois fizeram — comenta Sarah.
ㅤㅤㅤㅤ— Ainda não gosto disso.
ㅤㅤㅤㅤ— Como tá a Millie? — Aurora se levanta e abeira o policial.
ㅤㅤㅤㅤ— Dormindo, eu espero... a pancada fez um galo grande na cabeça dela.
ㅤㅤㅤㅤ— Vou vê-la. — Aurora pega sua bolsa, entrando no quarto.
ㅤㅤㅤㅤ— Escuta, algum de vocês sabe por que caralhos aquele Orc não recebe tiro? Ele usa armadura? — Abraham alterna olhar para Sarah e Jason.
ㅤㅤㅤㅤ— Cara, é basicamente isso. Aquele maldito usa placas de metal pelo corpo. Não sei dizer se é por todo ele, pois as roupas largas cobrem.
ㅤㅤㅤㅤ— Kelly quase quebrou a mão uma vez, por não sabermos dessas placas — completa Sarah.
ㅤㅤㅤㅤ— E ainda assim, ele consegue se mover bem rápido... — comenta Dylan, ao lado de Ashley.
ㅤㅤㅤㅤ— Certeza que dá pra atingir mãos e pés, não? — pede a loira, enxugando seu rosto com o pano que estava mordendo antes.
ㅤㅤㅤㅤ— Talvez entre as pernas... — fala Abraham. — Eu tentei mirar na cabeça dele, mas tava muito tonto pra acertar.
ㅤㅤㅤㅤ— Pelo menos tá todo mundo bem. — Ashley os olha.
ㅤㅤㅤㅤ— Por enquanto, sim. Mas eles não vão desistir fácil. Estão nos perseguindo desde a Colonial, não sabemos como fazem pra nos encontrar, mas sempre conseguem — comenta a militar.
ㅤㅤㅤㅤ— Se a gente for fazer outra parada, precisa ser em um lugar mais seguro do que num campo aberto. — Dylan caminha até a cabine onde está Kelly. — Se ver qualquer coisa com muros, avisa a gente.
ㅤㅤㅤㅤ— Pode deixar. — o afrodescendente confirma com a cabeça e o olha.
ㅤㅤㅤㅤ— Certo. Vamos reforçar as patrulhas também, duas ou três pessoas por turno. Eu fico no primeiro. — o policial se vira para os demais.
ㅤㅤㅤㅤ— Eu ajudo. — Jason ergue a mão esquerda.
ㅤㅤㅤㅤ— Eu também — Kelly se pronuncia.
ㅤㅤㅤㅤ— Ok, depois vemos os outros turnos. Me dá o rádio, vou avisar os outros. — Dylan estende a mão para o motorista, que pega o walkie-talkie e o entrega.
Tendo encontrado novos acidentes que obstruíam o caminho, o grupo se viu obrigado a desviar rumo a um pequeno condado que, segundo a placa de boas-vindas, chama-se Winslow e possuía 1.572 habitantes antes do apocalipse. Entre ruas desertas ou abarrotadas de carros e trailers abandonados, o comboio de sobreviventes optou por parar em uma enorme concessionária de veículos com a fachada de vidro espelhado que, de longe, já era possível ver que foi completamente, saqueada, provavelmente no início do surto. Ao pararem na frente do estabelecimento, todos os ocupantes desceram, com exceção de Kelly, Jacob e Elizabeth, que ficaram dirigindo os veículos e os levaram até os fundos da vendedora e os deixaram perto de um caminhão cegonha que ainda está com oito carros esportivos abandonados e com os pneus murchos. Já reunidos no grande hall, alguns do grupo começam a se armar para vistoriar as salas mais ao fundo.
ㅤㅤㅤㅤ— Vocês podem se espalhar por aqui — Dylan fala enquanto pega um silenciador de dentro da bolsa que estava carregando. — Procurem uma sala com cadeiras ou qualquer coisa que dê pra Ashley deitar e se virem um sangrento, matem.
ㅤㅤㅤㅤ— A gente vai dar uma olhada nas salas da administração e naquele segundo piso — comenta Abraham.
ㅤㅤㅤㅤ— Quero ir com vocês. — Millie olha para Dylan, tirando um pano enrolado com gelo da sua cabeça.
ㅤㅤㅤㅤ— Fica com a Ashley ou ajudando os outros por aqui. — ele a olha e fica de pé, engatilhando o fuzil e se afasta.
ㅤㅤㅤㅤ— Vamos passar essa noite aqui? — pergunta Yumi.
ㅤㅤㅤㅤ— É, pelo menos até a Ashley sentir menos dor. Viajar assim é muito ruim pra ela. — Abraham olha a asiática e segue Dylan.
ㅤㅤㅤㅤ— Que desperdício… um lugar chique desses e não tem uma Ferrari. — Jason caminha carregando uma mochila nas costas.
ㅤㅤㅤㅤ— Coisas assim são as que menos importam hoje em dia — Elizabeth fala passando ao seu lado.
ㅤㅤㅤㅤ— Não se for pra fugir rápido e com estilo. — ele sorri, acompanhando a mulher.
ㅤㅤㅤㅤ— Tenta fazer uma curva correndo então. Talvez você bata com estilo num muro.
ㅤㅤㅤㅤ— Minha filha, eu sou pilo-- — Jason é interrompido abruptamente por Elizabeth, que o segura com força pela gola da blusa.
ㅤㅤㅤㅤ— Não me chama de “minha filha” outra vez, entendeu? — ela expressa sua raiva apenas com um olhar frio e penetrante.
ㅤㅤㅤㅤ— Tá tudo bem por aqui? — Kelly se aproxima segurando sua Mossberg e parando perto deles.
ㅤㅤㅤㅤ— Só tava pedindo um favor pro seu amiguinho. — Elizabeth olha o gigante musculoso e solta o policial, voltando a andar.
ㅤㅤㅤㅤ— Ela parece a Ny — Jason sussurra.
ㅤㅤㅤㅤ— Só espero que não tente matar a gente também — completa Kelly.
Escutando uma série de batidas vindas de dentro de uma sala, Abraham para ao lado da porta, segurando sua faca com firmeza na canhota enquanto Dylan segura a maçaneta. Os dois trocam olhares e o policial gira a maçaneta, a empurrando contra o corpo da antiga secretária da concessionária, jogando de costas no chão e dando espaço para que seu companheiro invada o recinto, já cravando sua faca na testa da mulher coberta de sangue seco.
ㅤㅤㅤㅤ— Tudo limpo, só tinha essa por aqui — Dylan fala depois de mirar a M-4 por todo o interior da sala.
ㅤㅤㅤㅤ— Beleza... — o gângster se levanta, puxando sua faca. — Cara, com toda essa confusão nem deu pra conversar com a Stella e a Alex.
ㅤㅤㅤㅤ— Se quiser, pode voltar lá. Eu olho por aqui sozinho. — o policial segue pelo corredor até outra sala, abrindo a porta e achando-a com dois corpos caídos no chão, sobre uma grande poça de sangue seco.
ㅤㅤㅤㅤ— Calma também, Foster. Não precisa me expulsar. — Abraham passa por ele fechando a porta e segue até outra. Ao abri-la, encontra o lugar apenas empoeirado, com um grande sofá preto.
ㅤㅤㅤㅤ— Elas te querem como parte da família logo, não tem por que ficar aqui e deixar as duas te esperando.
ㅤㅤㅤㅤ— Eu sei... também quero elas e tudo, mas tenho medo de acabar perdendo-as também. — Abraham suspira e passa a mão no machucado em sua cabeça.
ㅤㅤㅤㅤ— Tira essas coisas da cabeça e vai em frente. — ele para e olha o amigo: — Sei que ainda sente falta da Angel e do Tobey, até da Maria. Mas se ficar se prendendo a isso o tempo todo, nunca vai se sentir feliz com a Alex ou com a Stella.
ㅤㅤㅤㅤ— Você dá uns putas conselhos de vez em quando, ein? — Abraham sorri.
ㅤㅤㅤㅤ— Já que não vai sair, vamos acabar logo isso e aí você fala com elas. — Dylan se vira e é seguido.
ㅤㅤㅤㅤOs dois continuam vistoriando as salas.
***
Sentados em uma mesa no meio de várias outras, Abraham e Alex esperam Stella terminar de comer uma pequena barra de cereal. A pequena também está com uma caixinha de suco que sua mãe havia guardado na geladeira do motorhome. Enquanto Alex apenas apoia a cabeça na sua mão, Abraham parece mais impaciente e nervoso, batendo a sola da bota no piso de azulejos, inquieto.
ㅤㅤㅤㅤ— Terminei. — Stella amassa a embalagem da barra e a deixa do lado da caixinha vazia, olhando Alex: — O que queria falar, mamãe?
ㅤㅤㅤㅤ— Bom, você lembra de quando eu lhe disse que a mamãe e o tio Abe estavam... — a ruiva gesticula com as mãos. — se conhecendo?
ㅤㅤㅤㅤA criança confirma com a cabeça.
ㅤㅤㅤㅤ— Então. Ontem enquanto você dormia, a gente conversou sobre isso e--
ㅤㅤㅤㅤ— Estão namorando? — um grande sorriso se forma no rosto da pequena.
ㅤㅤㅤㅤAlex sorri fraco, levando a mão esquerda à cabeça e Abraham tenta disfarçar sua alegria, olhando tanto para ela, quanto para Stella, esperando a resposta da mulher.
ㅤㅤㅤㅤ— Sim, filha. Nós estamos. E o Abe disse que adoraria ser o seu novo papai.
ㅤㅤㅤㅤA reação da pequena pega os dois de surpresa: ela comemora batendo as mãozinhas e, rindo, fica de pé na cadeira, subindo na mesa e indo rapidamente até Abraham, o abraçando. O pulo que a pequena deu para chegar até ele assustou Alex, que se levantou assim que viu os dois caírem da cadeira e Abraham bater as costas no chão.
ㅤㅤㅤㅤ— Meu Deus, vocês estão bem!? — ela dá a volta na mesa, mas para assim que escuta os dois.
ㅤㅤㅤㅤ— Não se preocupa, eu amorteci a queda dela — ele fala entre risos, se sentando enquanto segura a criança.
ㅤㅤㅤㅤ— Desculpa, papai. — Stella permanece agarrada ao pescoço de Abraham.
ㅤㅤㅤㅤ— Tá tudo bem, minha princesa. — ele pousa a canhota na cabeça dela e olha Alex, que se aproxima e abraça ambos, o beijando.
Depois de terem levado para fora os doze cadáveres de sangrentos mortos na concessionária, o grupo começou a se espalhar pelas salas que estavam sujas apenas com poeira — muito mais fácil de limpar do que sangue —, embora fossem ficar apenas um dia. Kelly, Sarah e Jason ficaram juntos, bem como Abraham, Alex e Stella. Em uma das poucas salas com sofás, Dylan ajuda Ashley a se deitar após Aurora limpar o mesmo com um cobertor velho do grupo. Perto deles, também estão Millie e Amy; a garota parada perto da porta e a Foster mais nova sentada em uma cadeira acolchoada.
ㅤㅤㅤㅤ— Como tá se sentindo? — pede o policial, a olhando.
ㅤㅤㅤㅤ— Melhor, eu acho. Só é ruim dar trabalho assim.
ㅤㅤㅤㅤ— Não liga pra isso, Ash. Essas coisas podiam ter acontecido com qualquer um — Aurora fala enquanto fica ajoelhada perto da sua bolsa, olhando seus frascos de remédios.
ㅤㅤㅤㅤ— Eu vou lá pra fora — anuncia Dylan, pegando seu fuzil encostado perto da porta.
ㅤㅤㅤㅤ— Você não vai fazer a vigia só de noite? — Millie o olha.
ㅤㅤㅤㅤ— É, mas quero fazer umas coisas antes.
ㅤㅤㅤㅤ— Que coisas? Sair pra procurar suprimentos? — indaga Amy.
ㅤㅤㅤㅤ— Eu volto depois. — ele olha para a irmã e segura a maçaneta, abrindo a porta.
ㅤㅤㅤㅤ— A gente pode ler depois? Estamos no terceiro capítulo. — Millie dá dois passos à frente e o olha.
ㅤㅤㅤㅤ— Uns dois ou três capítulos. — Dylan bagunça o cabelo dela, que se afasta sorrindo.
ㅤㅤㅤㅤ— Tá bom. — ela ajeita suas mechas e vê Dylan fechando a porta.
ㅤㅤㅤㅤUm momento de silêncio ocorre dentro da sala iluminada, graças à luz do sol penetrando por três janelas na parede à direita de onde Amy está sentada. Aurora medica Ashley com analgésicos e se senta no sofá ao seu lado, enquanto Millie caminha até a mesa, olhando Amy sorrir para ela.
ㅤㅤㅤㅤ— Quando o Dylan fizer isso na sua cabeça de novo, não se afasta. É bom — diz a jovem.
ㅤㅤㅤㅤ— Não acho uma sensação boa. Só ele que deve gostar de bagunçar meu cabelo. E aliás, ele faz com você também? — Millie se senta na sua frente.
ㅤㅤㅤㅤ— Faz. Era muito comum ele fazer isso com todo mundo em casa. — ela põe o braço direito sobre a mesa e deita a cabeça no mesmo.
ㅤㅤㅤㅤ— É alguma mania que ele tem? — Aurora a olha.
ㅤㅤㅤㅤ— Mais ou menos, eu diria. Quando o ele chegou em casa, era muito calado. Não que ele não seja assim ainda... mas minha mãe que falou pois eu era muito novinha ainda. O Dylan não falava quase nada e era um tanto... assustado.
ㅤㅤㅤㅤ— Difícil imaginar ele como alguém assustado — fala Ashley, antes de beber água.
ㅤㅤㅤㅤ— Mas ele era, só melhorou nisso depois. Mas lembro que desde os meus treze anos, ele fazia isso de passar a mão na cabeça de quem ele gosta. Ele nunca soube falar de sentimentos e aí faz esse gesto.
ㅤㅤㅤㅤMillie ergue o olhar para ela, um pouco surpresa e sorri de canto.
ㅤㅤㅤㅤ— Ele mesmo que pensou nisso? — Aurora agora dedica toda a sua atenção para a jovem.
ㅤㅤㅤㅤ— Na verdade, foi o meu pai. Ele já conheceu o Dylan assim e bom, ele que tinha essa mania antes e acabou passando pra ele.
ㅤㅤㅤㅤ— Conheceu? — Ashley franze o cenho, confusa. — Como assim? E você também falou sobre “quando ele chegou em casa”.
ㅤㅤㅤㅤ— Ah, isso é porque ele foi adotado pelos meus pais — Amy fala com muita naturalidade e levanta a cabeça, estranhando os olhares de surpresa das outras três. — Ué... ele nunca disse nada?
ㅤㅤㅤㅤ— Eu mal falo com o Dylan, pra ser sincera. — Ashley se acomoda no sofá.
ㅤㅤㅤㅤ— E eu nunca perguntei sobre… ele me disse que não gostava de conversar sobre o passado — completa Aurora.
ㅤㅤㅤㅤ— Eh... então eu acho que falei demais...
ㅤㅤㅤㅤ— Adotado...? — Millie, de todas na sala, é a que mais ficou surpresa com essa notícia. Com vários pensamentos em sua mente, a criança abaixa a cabeça, refletindo e assimilando tudo.
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