Epílogo
O som do motor se eleva dentro da grande cabine, bem como os solavancos que o pesado veículo dá na acidentada estrada de terra. No volante, um par de mãos robustas o segura tão forte, que as dobras dos dedos negros ficam levemente esbranquiçados. O suor desce da careca do motorista, encharcando a bandana preta que envolve a testa. Seus olhos se mantém fixos no fino caminho à sua frente, enquanto faz manobras arriscadas para manter o luxuoso motorhome na estrada.
ㅤㅤㅤㅤ— Porra, nenhum de vocês consegue fazer nada?! — vocifera o afrodescendente, olhando brevemente para trás, onde estão o três outros ocupantes do trailer.
ㅤㅤㅤㅤ— E o que você que eu faça, Kelly? — indaga Jason, se segurando no balcão da pia, lutando para ficar em pé.
ㅤㅤㅤㅤ— A gente precisa dar um jeito neles, ou não vamos sair daqui vivos!! — a voz do gigante se eleva.
ㅤㅤㅤㅤ— Vocês falam muito e agem pouco, puta merda!! — segurando seu fuzil com a destra, Sarah caminha com dificuldades para os fundos do motorhome. — Destrava a porta, Kelly. Agora! — ordena.
ㅤㅤㅤㅤ— O que você vai fazer? — se apoiando na mesa, uma mulher que aparenta ser bem jovem olha a militar parar na frente da saída do veículo.
ㅤㅤㅤㅤ— Apenas se certifiquem que esse trailer fique na estrada.
ㅤㅤㅤㅤ— É um motorhome, Sarah, já disse — Jason fala erguendo o indicador direito para a militar.
ㅤㅤㅤㅤ— Ninguém liga pra isso, cara!! — Kelly vocifera do banco do motorista, após apertar o botão que destrava as portas do motorhome.
ㅤㅤㅤㅤAssim que tem a confirmação de que a porta lateral está no ponto, Sarah abre a mesma e se segura em um puxador instalado na lateral próximo ao batente e se estica para fora, olhando a caminhonete Ford Ram se aproximando rapidamente pela lateral esquerda e se chocando contra a lataria prata do motorhome, fazendo o veículo derrapar um pouco, mas é rapidamente corrigido graças as habilidades de Kelly ao volante. Semicerrando os olhos para que os fios pretos do seu cabelo não os machuquem, Sarah fixa sua visão na mulher loira com metade do corpo para fora da caminhonete — pela janela do passageiro—, brandindo um revólver prateado que reflete a luz do sol. Ela também consegue identificar, ao volante do veículo, um homem usando uma máscara de pano preto, que lhe cobre todo o rosto.
ㅤㅤㅤㅤ— Olha, Orc, é a Sarah! — Ny começa a rir histericamente, mesmo sabendo que não pode ser ouvida pela militar. — Acelera e derruba ela!!
ㅤㅤㅤㅤ— Hurg... — ouvindo as risadas da mulher, o enorme caucasiano faz o que ela lhe pede e rapidamente, a Ford Ram se aproxima de onde a militar está se segurando.
ㅤㅤㅤㅤ— Come chumbo, sua vadia. — mirando a Scar-L contra o para-brisas da caminhonete, Sarah aperta o gatilho e dispara uma rajada contínua, que devido a movimentação dos veículos, acaba acertando em maioria, apenas o capô da azul da RAM e alguns tiros perdidos, o para-brisas. Porém, isso não cessa o avanço da Ford, que bate com sua lateral contra o motorhome, obrigando a militar a recuar.
ㅤㅤㅤㅤ— Isso! Tira eles da estrada, Orczinho! — Ny continua a gargalhar com toda a situação, sentada no apoio da porta.
ㅤㅤㅤㅤ— Malditos filhos da puta!! — já impaciente, Jason se dirige para onde Sarah está, jogando o peso do seu corpo para a frente. — Pooora!! — ele só não cai do motorhome pois se apoio nas paredes. — Ufa... por pouco. — olhando para a caminhonete, o policial saca sua Colt 1911 e aponta diretamente no pneu dianteiro do veículo de Ny e Orc, apertando o gatilho várias vezes, até que um dos tiros finda por estourar a borracha, causando um barulho estrondoso e levantando terra da estrada, sujando o interior do motorhome e o próprio homem.
ㅤㅤㅤㅤ— Boa!! — vendo a caminhonete reduzir e o trailer estabilizando sua rota, Sarah retorna ao ponto onde estava e agora, mais firme, torna a atirar, agora mirando com precisão no para-brisas.
ㅤㅤㅤㅤ— HURFM!! — em uma rápida manobra para tentar desviar dos disparos, Orc vira o volante da caminhonete para a direita de uma vez, pois ainda estava rente ao trailer dos seus alvos e acaba saindo da estrada, caindo em uma ribanceira.
ㅤㅤㅤㅤAs risadas de Ny logo dão lugar a gritos enquanto a mulher se segura à lataria do veículo, que mesmo com Orc se esforçando, não consegue desviar de uma grande árvore e o choque frontal faz a loira saltar da cabine, sendo arremessada contra o solo cheio de galhos, pedras e folhas. Ela cai batendo a lateral do corpo no solo e perde a consciência imediatamente, não sentindo seu corpo rolar sobre o terreno pedregoso, só parando quando se choca contra um tronco de árvore caído.
ㅤㅤㅤㅤ— É isso aí, porra! — Jason comemora dentro do motorhome. — É assim que eu trato vagabundo!
ㅤㅤㅤㅤ— "Eu"? — indaga Sarah, fechando a porta do Motorhome.
ㅤㅤㅤㅤ— É, ué. Eu que estourei o pneu deles — ele sorri, guardando a pistola em seu coldre e coloca as mãos na cintura, orgulhoso do próprio feito.
ㅤㅤㅤㅤ— Isso não importa, nós finalmente nos livramos deles! — diz a jovem de cabelos castanhos, indo até os dois, bastante animada — Vocês conseguiram isso juntos. — ela sorri.
ㅤㅤㅤㅤ— É, a Amy tem razão, a gente faz uma boa dupla. — sorrindo, Jason abeira Sarah e se curva, beijando-a rapidamente nos lábios.
ㅤㅤㅤㅤ— Eu nunca disse o contrário. — a militar sorri maliciosamente depois do beijo.
ㅤㅤㅤㅤ— Isso, esqueçam de quem quase estourou os nervos das mãos, mantendo essa banheira na estrada — Kelly fala alto o bastante para que todos escutem.
ㅤㅤㅤㅤ— Não fala assim do motorhome, Kelly — repreende Jason. — É o seguinte, pessoal. Vamos sair dessa floresta e procurar um lugar calmo, de preferência, bem longe daqui. Não tem como sabermos se a dupla dinâmica lá tá viva e não queremos descobrir. Então, simbora, Kelly Jeffords! Seu co-piloto já tá indo aí.
ㅤㅤㅤㅤ— Ah, nada disso! — Sarah o segura pela gola da camisa. — você tá coberto de terra. Vai agora tomar um banho.
ㅤㅤㅤㅤ— Quê? Isso aqui é um sinal dos meus feitos heroicos. Heróis se sujam, Sarah. Vê os uniformes do Batman depois que ele volta pra Bat-Caverna.
ㅤㅤㅤㅤ— Jason... — ela o encara, séria, começando a ficar com raiva.
ㅤㅤㅤㅤ— Certo. — ele engole em seco e se dirige ao banheiro, localizado nos fundos do motorhome.
ㅤㅤㅤㅤEnquanto o policial segue para o lavatório, Sarah olha para Amy, que se sentou à mesa do veículo e agora observa a paisagem verdejante das montanhas pela janela. A jovem abre um pouco uma delas, sentindo o vento em seus cabelos. A militar se aproxima dela e se senta na sua frente:
ㅤㅤㅤㅤ— Quanta emoção, ein? Isso que não é nem meio-dia ainda — comenta a militar.
ㅤㅤㅤㅤ— Espero que o resto do dia compense... e que aqueles dois não apareçam tão cedo ou nunca mais. — Amy encara Sarah e depois abaixa a cabeça.
ㅤㅤㅤㅤ— Sei que já disse isso antes, mas desculpa por te envolver nisso. A Ny tá atrás da gente e isso acabou te colocando em uma briga que não é sua.
ㅤㅤㅤㅤ— E eu já disse que não precisa se desculpar, Sarah. Vocês salvaram minha vida lá na Colonial. Não tenho uma maneira melhor de agradecer por isso, que não seja ajudando vocês com esses dois. — ela faz uma pausa e suspira. — Embora eu não faça muita coisa.
ㅤㅤㅤㅤ— Ei, não pensa assim. Você nos ajuda bastante. — Sarah segura a mão da mais nova. — Quando a gente achar mais munição, eu vou continuar te ensinando a atirar, tá bem?
ㅤㅤㅤㅤ— Tá falando sério? — os olhos da mais nova brilham e parece que ela vai sorrir, mas logo seu semblante se entristece novamente. — Quer dizer... tem certeza? Eu só fiz gastar munição da última vez.
ㅤㅤㅤㅤ— Não pensa assim, garota. Todo mundo começa errando, não pode desistir — a militar sorri. — E é importante você saber se proteger. Então tá combinado?
ㅤㅤㅤㅤ— Claro que sim! — Amy encara a mulher e ri, tornando a olhar a paisagem pela janela, agora com a companhia de Sarah.
ㅤㅤㅤㅤJá bem longe e alheio do que está acontecendo com o motorhome que estava perseguindo há pouco, Orc resmunga dentro da cabine da caminhonete, sentindo o calor da fumaça que sai do motor destruído, invadindo o interior do veículo e também um líquido escorrendo na sua testa por debaixo da máscara de pano. Recuperando a visão do seu único olho, ele se lembra de Ny ter sido arremessada após a batida e começa a escutar passos acompanhados de grunhidos. Com uma agilidade impressionante para o seu tamanho, ele estica o braço direito até o assoalho atrás dos bancos e segura com firmeza um cabo de ferro pintado de amarelo, mas com machas de sangue seco espalhadas.
ㅤㅤㅤㅤO caucasiano chuta sua porta e sai da caminhonete puxando consigo, uma grande marreta com 4 pontas afiadas em cada lado da cabeça da ferramenta, já com uma cor acobreada devido ao sangue velho e ressecado. Sentindo dores pelo seu corpo, ele rapidamente as ignora, procurando por sua companheira e também pela origem dos grunhidos mortíferos, avistando um único canibal caminhando vacilante na direção para onde Ny foi arremessada. Resmungando, o gigante dá a volta na árvore e desliza sobre a cama de folhas do desfiladeiro, cobrindo a distância que o separa do canibal em um instante. O homem vestido com trajes de lenhador e uma barba repleta de pedaços de carne se vira para ele, grunhido alto, mas Orc ruge mais que o morto, erguendo seu pesado martelo e, em um único — e poderoso — golpe, acerta a sua cabeça, quebrando a lateral do crânio e rasgando o pescoço do andarilho, que jorra bastante sangue enquanto cai e rola pelo desfiladeiro.
ㅤㅤㅤㅤLivre de ameaças, Orc solta sua arma e corre até Ny, virando o corpo da mulher para cima e vendo que a mesma está desacordada, com um ferimento escorrendo sangue na cabeça, mas ainda respirando. Mesmo que esteja aliviado por sua companheira estar viva, o gigante também está furioso pelo estado em que ela se encontra, causado pelo quarteto que eles estão perseguindo por toda Finger. Bufando de ódio, ele libera sua fúria em um alto gutural que faz alguns pássaros próximos voarem além das copas das árvores.
***
Depois de mais de duas horas em uma viagem ininterrupta, Kelly finalmente estaciona o motorhome nas proximidades de um campo de golfe já há muito tempo abandonado; sem receber nenhum jogador ou membro do luxuoso clube que tem sua sede localizada mais ao horizonte do vasto gramado verde, com alguns buracos cheios de terra e algumas bandeiras ainda de pé, indicando os buracos. O afrodescendente puxa a chave da ignição e abre a porta ao seu lado, descendo e já puxando seu martelo do cinto de ferramentas em sua cintura. Sentindo uma agradável brisa fazer as pontas da sua bandana dançarem, ele fecha a porta e caminha até um engarrafamento composto por três carros e uma SUV que se acidentou com uma moto que agora está embaixo da mesma e com uma poça de sangue seco manchando o asfalto esbranquiçado.
ㅤㅤㅤㅤ— Fiquem atentos, tá tudo calmo, até demais. — olhando para trás, o gigante tem a visão de Sarah, Amy e Jason descendo pela porta lateral do trailer.
ㅤㅤㅤㅤ— Ah, merda...! Olha só o que aqueles malditos fizeram com a lataria do meu filho. — com a voz melancólica, Jason caminha com pressa até perto da roda traseira do motorhome e se agacha, passando as mãos na lataria amassada e repleta de arranhões.
ㅤㅤㅤㅤ— Isso não é nada de mais, Jason — comenta Amy, com a mão esquerda na cintura e a destra segurando uma faca. Seu tom e de despreocupação.
ㅤㅤㅤㅤ— Nada demais? — ele a olha. — Estou chocado com a sua heresia, pequena Foster! Você não entende... Esse motorhome é como um membro da nossa família, assim como o Demônio Vermelho foi... que Deus o tenha, meu amigo...
ㅤㅤㅤㅤTanto Amy quanto Sarah sentem uma profunda vergonha alheia com a atuação do homem, que em dado momento, parece que vai mesmo chorar. É a militar quem toma a iniciativa e pega no braço nu da jovem, a chamando para o campo de golfe:
ㅤㅤㅤㅤ— Vamos dar uma olhada naquele clube. Vocês tentam tirar esses carros do caminho.
ㅤㅤㅤㅤ— Certo, cuidado lá. Qualquer coisa, gritem ou deem um tiro pra cima. A gente vai correndo — diz Kelly, andando até a porta do motorista da SUV e vendo que há um cadáver sentado no banco.
ㅤㅤㅤㅤ— Pode deixar. — Sarah caminha com seu fuzil nos braços e Amy em seu encalço.
ㅤㅤㅤㅤEscutando as reclamações de Jason ainda em relação aos danos causados no motorhome, Kelly segura o puxador da porta da SUV com a mão esquerda e ergue o martelo com a mão livre, abrindo-a de uma vez e se afastando, esperando por qualquer ação do corpo preso ao cinto de segurança, mas o homem barbudo e com um casaco amarelo não se mexe.
ㅤㅤㅤㅤ— Hm... — o afrodescendente então guarda sua ferramenta e caminha até o motorista, soltando-o do cinto e retirando seu corpo de dentro do veículo, deixando-o sobre o asfalto quente e quando começa a vasculhar o interior da Chevrolet Suburban, grunhidos fracos chegam aos seus ouvidos, o alertando e fazendo-o se virar rapidamente, mas o cadáver do motorista continua inerte.
ㅤㅤㅤㅤCurioso, ele continua escutando os rosnados e então se lembra que está com os pés sobre uma poça seca de sangue. Se agachando quase deitando no chão, ele encontra o dono dos sons grotescos: um jovem cujo rosto está coberto pelo visor preto do capacete, mas que também não possui as pernas, arrancadas no momento do acidente que lhe tirou a vida. A criatura tenta inutilmente alcançar Kelly com seu braço raquítico e o homem suspira com pesar, tornando a ficar de pé.
ㅤㅤㅤㅤ— E aí, tudo em cima? — pergunta Jason, se aproximando do seu amigo.
ㅤㅤㅤㅤ— Tem um deles aí embaixo — comenta. — Temos que matá-lo pra tirar esse carro daqui mais fácil.
ㅤㅤㅤㅤ— Beleza, usa a sua pistola de pregos, sei que tem uma no armário. Quando acabarmos aqui, o que acha de darmos umas tacadas e tomar um whisky de rico naquele clube?
ㅤㅤㅤㅤ— Já jogou golfe antes? — o gigante arqueia a sobrancelha e olha o policial.
ㅤㅤㅤㅤ— Nunca na vida, mas sabe o lado bom de jogar golfe no apocalipse?
ㅤㅤㅤㅤ— Hm? — ele demonstra curiosidade.
ㅤㅤㅤㅤ— Somos nós que fazemos as regras — Jason fala com animação.
ㅤㅤㅤㅤ— Parece uma boa. Pega lá a pistola de pregos e vamos limpar essa bagunça. Tô doido por uma garrafa.
ㅤㅤㅤㅤ— Esse é o espírito, camarada. — Jason soca o ar e se vira, voltando para o trailer.
Passando por fileiras de cadáveres com perfurações nas cabeças, Sarah e Amy veem um taco de ferro coberto de sangue ressecado; provavelmente a arma usada para matar todos que estão deitados sob o sol escaldante. O cheiro da carne decomposta empesteia o ar ao redor e o silêncio é perturbado constantemente pelas moscas que voam entre os corpos.
ㅤㅤㅤㅤ— Que macabro, é de dar arrepios — comenta Amy, olhando os cadáveres enquanto o vento sopra sua regata vermelha, três números maiores que o dela e que mais parece um pequeno vestido na jovem.
ㅤㅤㅤㅤ— Eu vi parecidos no começo, lá na prisão onde me mandaram. — Sarah abeira as portas de vidro da entrada e tenta observar algo através da vidraça coberta de poeira.
ㅤㅤㅤㅤ— E eu em Denverport. Eram dezenas.
ㅤㅤㅤㅤ— O que sua família tava fazendo em Denverport mesmo? Você não disse que moravam no interior?
ㅤㅤㅤㅤ— Sim, mas minha mãe trabalhava em um hospital de lá, além do meu irmão ser policial da cidade. Meu pai queria reunir todo mundo, mas não conseguiu entrar em contato com o Dylan e o caminho pra casa dele tava bem difícil. — Amy se aproxima e ajuda Sarah a puxar as portas velhas e emperradas.
ㅤㅤㅤㅤ— Se seu irmão era policial, então, assim como o Jason, devia saber de alguns lugares seguros. — Sarah cata sua Scar-L do chão e entra no clube mirando a arma.
ㅤㅤㅤㅤ— Talvez, mas por que ele não falou com a gente? Se ele ao menos soubesse da Colonial, podia haver uma chance dele ir pra lá, mas nem mesmo isso...
ㅤㅤㅤㅤ— Talvez tenha acontecido algo. Deve ter sido chamado pra ajudar a conter a infecção ou os infectados, não sei. Olha... eu lamento dizer isso, mas acho que não vale nada a gente ficar deduzindo essas coisas — fala Sarah, andando até o balcão da recepção, vendo a parede ao fundo pintada, inteiramente, de sangue e o corpo da recepcionista sem a cabeça, sentado em uma cadeira.
ㅤㅤㅤㅤ— Eu sei, mas queria que algum deles estivesse vivo... Você ia gostar da Suzan. — Amy se aproxima de uma mesa de bilhar repleta de garrafas das mais variadas bebidas, algumas secas e outras pela metade.
ㅤㅤㅤㅤ— Sua irmã gêmea?
ㅤㅤㅤㅤ— Aham. Ela era mais calada do que eu, mas essa era a única diferença entre a gente.
ㅤㅤㅤㅤ— Capaz de confundirem vocês duas. — a militar escuta risadas logo em seguida.
ㅤㅤㅤㅤ— A gente fazia muito isso quando éramos crianças nossos pais sempre caiam e o Dylan acabou aprendendo a nos diferenciar. Segundo ele, a Suzan tinha uma mecha de cabelo meio enrolada do lado direto e eu não.
ㅤㅤㅤㅤ— Que observador. — Sarah deixa sua arma sobre o balcão e tira uma pequena lanterna do seu coldre, iluminando a mesa na frente do corpo da atendente.
ㅤㅤㅤㅤ— Ele era... — o sorriso de Amy logo se desmancha ao lembrar do irmão, junto de uma tristeza por talvez nunca mais voltar a vê-lo.
ㅤㅤㅤㅤA jovem suspira e dá a volta na mesa, achando o corpo de um homem que talvez beirasse os 55 anos de idade, vestindo um terno cinza com linhas verticais brancas. Próximo da sua mão direita que ainda segura um copo de vidro quebrado, está um chapéu com uma estrela prateada que reflete o brilho do sol e isso chama a atenção de Amy, que caminha até o mesmo e se agacha, esticando o braço esquerdo para alcançá-lo, quando é surpreendida pelo cadáver que ela acreditava estar morto, mas que grunhe lhe assustando e ergue a mão direta, cortando seu braço com as pontas afiadas do vidro.
ㅤㅤㅤㅤ— Amy?! — imediatamente após ouvir o grito da mais nova, Sarah pega seu fuzil e corre até a mesa de bilhar, vendo Amy se arrastar sentada, fugindo do infectado gordo e com a boca manchada por uma bile preta.
ㅤㅤㅤㅤ— Merda, merda!! — ela consegue se levantar, ainda não tendo percebido que os cortes em seu braço estão sangrando o suficiente para pingarem e caírem no carpete do piso.
ㅤㅤㅤㅤ— Se afasta! — Sarah ergue a Scar-L com a coronha para baixo e a investe com força contra a careca do canibal, lhe acertando precisamente na nuca, fazendo-o voltar ao chão. A militar ainda lhe dá mais quatro golpes até o crânio se abrir e o cérebro começar a escorrer, se espalhando pelo piso. O odor do órgão putrefato sobe ao seu nariz e faz seus olhos lacrimejarem.
ㅤㅤㅤㅤ— Desculpa, foi falta de atenção minha — diz Amy, olhando o cadáver e levando a destra à cabeça. — Desculpa, desculpa...
ㅤㅤㅤㅤ— Tá tudo bem, garota, não fica assim. — Sarah se aproxima dela. — Agora me deixa ver seu braço. — ela segura o antebraço esquerdo de Amy e o levanta, vendo o sangue escorrer dos cortes. — Droga... temos que ir por trailer tratar disso.
ㅤㅤㅤㅤ— Eu tô bem, Sarah, não se preocupa. — Amy recua. — Foi o vidro que me cortou.
ㅤㅤㅤㅤ— Vai saber há quanto tempo esse cara tá morto com o copo na mão, Amy. Se isso infeccionar, nós vamos ter sérios problemas.
ㅤㅤㅤㅤOlhando a cara de preocupação que Sarah faz, Amy comprime os lábios e suspira. Ela sempre odiou o fato de se achar um peso morto para os outros três e quase sempre acabar gerando empecilhos quando eles queriam fazer alguma busca por suprimentos. A mais nova aperta os punhos e acaba, por fim, aceitando os conselhos da militar:
ㅤㅤㅤㅤ— Tá, tudo bem.
ㅤㅤㅤㅤ— Vamos logo. — Sarah segura a mão dela e as duas caminham até a saída, mas logo param ao escutarem o som de escapamentos de motos e quatro pessoas pilotando os veículos, cruzando o campo de golfe em alta velocidade.
ㅤㅤㅤㅤAs duas praticamente se petrificam ao verem o quarteto motorizado parando a cerca de oito metros da entrada, pois elas já foram vistas por eles e Amy se arrepia com cada corte de giro que eles fazem em seus veículos, até que o homem da frente — um cara usando uma jaqueta de couro preta sem as mangas — ergue o braço raquítico, fazendo os demais pararem e o silêncio toma conta do local outra vez, com os desconhecidos descendo os apoios de suas motos e pondo os pés no chão.
ㅤㅤㅤㅤ— Olhem só o que temos aqui, rapazes, duas belas moças perdidas — diz o que parece ser o líder, baixando seu braço. — Podem sair, meninas. É seguro aqui fora. — ele sorri, exibindo os dentes amarelados e alguns já apodrecidos.
ㅤㅤㅤㅤ— Merda... o que a gente faz? — sussurra Amy, sem tirar os olhos dos desconhecidos.
ㅤㅤㅤㅤ— Ah... querem ficar aí? Então acho que precisam de um incentivo para virem até aqui.
ㅤㅤㅤㅤO magricela ergue novamente o punho direito e agora, seus companheiros exibem pistolas — um deles porta uma Micro Uzi — e apontam na direção da fachada do clube.
ㅤㅤㅤㅤ— Ok! Ok, não precisamos de barulho aqui — Sarah fala imediatamente erguendo as mãos, segurando a Scar-L pela bandoleira.
ㅤㅤㅤㅤ— Isso aí, agora estamos fazendo algum progresso. — o líder do grupo segue sorrindo e acompanha as duas com os olhos, saindo do clube e diminuindo a distância que os separa para cinco metros. — Soltem quaisquer armas no chão e chutem pra longe. — ele observa as duas o obedecerem.
ㅤㅤㅤㅤ— Você tá ferida, ô de vermelho? Tô vendo o sangue daqui — diz um jovem que não aparenta ter vinte anos ainda, trajado com uma regata branca, exibindo os braços sujos de graxa, olhando Amy chutar sua faca.
ㅤㅤㅤㅤ— Não, eu me sujei com corante — responde a jovem, olhando com desdém para o motoqueiro. Os demais começam a rir alto.
ㅤㅤㅤㅤ— Diabo é isso, júnior? Vai deixar ela falar assim com você? — pergunta o mais velho, ofegando após rir.
ㅤㅤㅤㅤ— Quero ver ela continuar falando assim depois que eu arrancar seus dentes a roladas.
ㅤㅤㅤㅤA fala do garoto faz Amy engolir em seco, enquanto escuta as risadas dos outros mais uma vez. Ela olha para Sarah de soslaio e vê a mulher os fuzilando com os olhos; uma feição que ela rapidamente reconhece e então se afasta um passo à esquerda da militar.
ㅤㅤㅤㅤ— Certo, certo... foi bom dar essas risadas... Ai ai... Pois bem, agora vamos conversar. — o líder deles apoia os cotovelos no tanque da sua moto, olhando as duas. — O que duas belas moças como vocês estão fazendo sozinhas aqui?
ㅤㅤㅤㅤ— Ficando sozinhas. Longe de lixos que nem vocês.
ㅤㅤㅤㅤ— É melhor ver como fala, dona. — um homem de barba grisalha e óculos escuros aponta sua Micro Uzi em Sarah. — Somos nós que estamos no controle aqui.
ㅤㅤㅤㅤ— Pois é, se eu fosse vocês, escutava o Big Daddy ali. Esse cara, com essa arma... — o do meio suspira. — Vocês não querem se meter com ele.
ㅤㅤㅤㅤ— Digam logo o que vocês querem, merda! — exclama Amy, com impaciência, olhando o magricela.
ㅤㅤㅤㅤ— Tá com pressa, branquinha? Beleza, vou falar de uma vez então. As duas vão agorinha mesmo voltar pra dentro desse clube, mas com a gente, procurar sofás, camas, mesas... inferno, o que der pra trepar em cima. — ele ri.
ㅤㅤㅤㅤ— Ou o quê? — pede Sarah.
ㅤㅤㅤㅤ— Ou a gente mata uma, pega a outra e voltamos pro passo um. — ele dá de ombros.
ㅤㅤㅤㅤO coração de Amy começa a bater mais rápido conforme ela mentaliza as cenas que os motoqueiros querem protagonizar e seu estômago se revira de nojo, obrigando-a a balançar a cabeça negativamente, de maneira involuntária, mas que chama a atenção do jovem sujo de graxa:
ㅤㅤㅤㅤ— Hm? Não quer, branquinha? Ah... não tem escolhas aqui.
ㅤㅤㅤㅤ— Espera!!
ㅤㅤㅤㅤA voz de Jason chama a atenção tanto dos motoqueiros, quanto de Amy e Sarah; todos dirigem suas atenções para o policial, que está parado sete metros à direita dos demais, curvado e com a mão direita apoiada em seu joelho, mantendo o indicador esquerdo levantado. Ele está visivelmente cansado.
ㅤㅤㅤㅤ— Um instante... só um instante, pessoal... — ele resmunga, ficando de pé. — E aí, gente! Tudo em cima? — sorrindo, Jason ergue os polegares.
ㅤㅤㅤㅤ— E quem é você? — pergunta o magro.
ㅤㅤㅤㅤ— Ah, eu sou um explorador. E vim aqui pedir que não matem as minhas amigas e nem toquem nelas.
ㅤㅤㅤㅤ— Explorador...? Estamos bem? — Amy sussurra apenas para Sarah ouvir.
ㅤㅤㅤㅤ— Espero que sim — a mulher responde sentindo uma mistura inexplicável de alívio com preocupação.
ㅤㅤㅤㅤ— É? Me dá um bom motivo pra que eu te dê ouvidos. Só vou logo avisando que o Big Daddy aqui não tem preferência na hora de afogar o ganso.
ㅤㅤㅤㅤ— Que informação valiosa... — Jason ironiza, falando com um tom nervoso, mas logo se recompõe. — Ok, camarada. Aqui vai o motivo: como eu já disse, eu sou um explorador e essas duas são minhas companheiras de viagem. Se nos matar, então o Tesouro de Souidiota vai continuar perdido nesse mundo horrendo.
ㅤㅤㅤㅤ— Tesouro de... Souidiota?
ㅤㅤㅤㅤUm silêncio paira no ar, sendo quebrado pelas tentativas de Jason em conter suas risadas, mas chega em um ponto onde ele não aguenta mais e começa a rir histericamente, enquanto os motoqueiros ainda refletem sobre a sua fala. Já diferente deles, Amy e Sarah sentem-se tomadas pela vergonha alheia tanto de Jason, quanto dos estranhos.
ㅤㅤㅤㅤ— Ah, caras... — ele ri. — Vocês são demais...
ㅤㅤㅤㅤ— "Sou Idiota"... ahhhhh! EI!! — o líder dos motoqueiros enfim entende a mensagem. — Seu filho da puta! Tá me tirando?
ㅤㅤㅤㅤLogo em seguida, os demais sobre os veículos começam a rir e debochar do seu companheiro:
ㅤㅤㅤㅤ— Puta merda, Cash, esse cara te pegou de jeito, ein!? — Big Daddy começa a ficar vermelho de tanto rir.
ㅤㅤㅤㅤ— Agora chega!! Vou acabar com essa palhaçada é agora!! — o homem aponta sua Glock 9 milímetros na direção de Jason que imediatamente para de rir.
ㅤㅤㅤㅤ— Ih, rapaz, Kelly, fase dois!! Fase dois!!
ㅤㅤㅤㅤSurgindo atrás de um carrinho de golfe capotado no mesmo caminho que Jason fez, Kelly empunha uma pesada M-249 e aponta na direção dos motoqueiros, apertando o gatilho e fazendo a metralhadora cuspir uma rajada de tiros. Os quatro motoqueiros sujos são violentamente desmembrados e arremessados das suas motos sem nem terem um segundo para reagirem. Os corpos e os pedaços caem no chão escaldante e o tingem de vermelho. Envolta nos braços de Sarah — que a abraçou durante o tiroteio —, Amy sente seu estômago embrulhar tanto com o som da carne caindo no piso ensopado, quanto com a visão da carnificina causada pela metralhadora pesada de Kelly.
ㅤㅤㅤㅤ— Mas que porra! — Sarah solta a jovem. — Se vocês sabiam do que tava acontecendo aqui, então por que não atiraram do trailer?
ㅤㅤㅤㅤ— Nós não tínhamos uma arma com mira longa e o Jason insistiu nesse plano do "Sou Idiota" — diz Kelly, se aproximando deles com a M-249 no ombro.
ㅤㅤㅤㅤ— E foi genial, né? — ele mantém as mãos na cintura, sorrindo para Sarah.
ㅤㅤㅤㅤ— Isso foi muito é idiota — responde Amy.
ㅤㅤㅤㅤ— Esse é o espírito da coisa, pequena Foster! — Jason ergue o polegar direito para Amy.
ㅤㅤㅤㅤ— Tá, chega disso. Temos que sair daqui antes que esse barulho todo atraia os mortos e a Amy precisa de um curativo. — Sarah cata seu fuzil do chão e começa a andar até o motorhome. — Vem, Amy.
ㅤㅤㅤㅤ— Tá bem. — ela começa a segui-la.
ㅤㅤㅤㅤ— Beleza, vamos terminar de tirar aqueles carros então. — Jason se aproxima de Kelly. Parece que nossa partida de golfe não vai rolar, camarada — e olha o vasto campo de golfe.
ㅤㅤㅤㅤ— Tanta coisa acontecendo e sua preocupação é uma partida de golfe? — o gigante franze o cenho, olhando o amigo.
ㅤㅤㅤㅤ— Ah, sabe como é, né? — ele dá de ombros. — Uma coisa divertida tira a atenção das coisas chatas.
ㅤㅤㅤㅤ— Hm, entendo.
ㅤㅤㅤㅤ— Vocês vêm ou não? — a voz de Sarah se eleva e é ouvida pela dupla.
ㅤㅤㅤㅤ— Estamos indo!! — Jason se apressa ao andar.
***
O sol começa a se pôr atrás das copas das árvores e o céu ganha uma coloração alaranjada misturada com tons de azul ao Oeste, enquanto no Leste, já está com uma coloração mais escura. Sentada à mesa do motorhome, Amy observa um gramado ao lado da rodovia onde eles estão trafegando. O ar-condicionado do veículo é potente o bastante para refrigerar todo o interior do trailer, mas ela não usa nenhum casaco, pois seu antebraço esquerdo ainda lhe dá pequenas pontadas de dor, mesmo com Sarah tendo lhe dado alguns antibióticos após enfaixar seu corte logo abaixo do cotovelo. A atenção da jovem é atraída quando Sarah se senta na outra ponta da mesa, com duas xícaras com café e lhe entrega uma:
ㅤㅤㅤㅤ— Como tá o braço? — indaga, tomando um gole da bebida quente.
ㅤㅤㅤㅤ— Ainda dói um pouco e arde, mas logo passa — Amy lhe responde pegando a xícara e a deixando perto de si, mas tornando a olhar a paisagem pela janela.
ㅤㅤㅤㅤ— Tá tudo bem? Você parece distante daqui.
ㅤㅤㅤㅤ— É, tá. Só tô pensando que se talvez eu não tivesse tentado pegar a estrela no chapéu daquele cara, talvez eu não tivesse me cortado e dado trabalho pra vocês. — a voz da jovem sai em um tom baixo e ela suspira.
ㅤㅤㅤㅤ— Não pensa nisso, Amy. Nós somos uma equipe e é normal essas coisas acontecerem. — Sarah franze o cenho, apoiando os cotovelos na mesa enquanto segura a xícara com as duas mãos.
ㅤㅤㅤㅤ— Eu sei, mas é que eu ainda me sinto meio que em dívida com vocês. Me salvaram dos mortos na Colonial e tudo o que eu venho fazendo e dar trabalho... — Amy abaixa a cabeça e olha seu reflexo no café
ㅤㅤㅤㅤ— Não pensa assim, garota. A gente se ajuda mesmo. E a Sarah tá te ensinando a atirar, pra você poder se virar mais fácil — comenta Kelly, dirigindo o motorhome.
ㅤㅤㅤㅤ— E o Jason pode de ensinar algumas coisas também. Claro, meu treinamento no exército é mais completo, mas ele também sabe de algumas coisas. — a militar sorri. — não é, Jason?
ㅤㅤㅤㅤ— Ih, acho que ele não vai te responder — fala Kelly, olhando seu amigo dormir profundamente no banco ao seu lado, com as pernas sobre o painel.
ㅤㅤㅤㅤ— Ele dormiu a noite toda e ainda tá com sono? — Sarah se vira para a cabine, ainda sentada.
ㅤㅤㅤㅤ— Depois que eu liguei o ar-condicionado, ele começou a bocejar e dormiu — diz o afrodescendente, ouvindo Sarah suspirar.
ㅤㅤㅤㅤ— Bom, acha que dá pra parar em algum lugar por aqui e montar acampamento? Vai escurecer ainda mais daqui a pouco.
ㅤㅤㅤㅤ— Beleza, tô vendo umas estradas de terra por aqui, podemos sair da rodovia, pra não chamar muita atenção.
ㅤㅤㅤㅤ— Certo, faz isso. — Sarah se vira novamente para Amy, vendo-a tomar o café. — A gente procura algo pra fazer amanhã cedo, beleza? Você já deve estar sem nenhuma dor no braço.
ㅤㅤㅤㅤ— Tudo bem. — a mais nova sorri de canto.
Depois de alguns minutos, Kelly reduziu a velocidade do motorhome para poder entrar em uma pequena estrada de terra branca, por onde seguiu até não ser mais possível ver a rodovia onde eles estavam andando antes. Graças aos faróis do veículo, o gigante conseguiu ver uma enorme árvore cuja copa já estava grande o bastante para fazer uma proteção natural para as barracas do grupo, que montou seu acampamento ali mesmo e Jason foi incumbido de fazer a fogueira após ser acordado. Com tudo pronto, os quatro se reuniram ao redor das chamas para assarem os últimos marshmallows que restaram no seu estoque.
ㅤㅤㅤㅤ— Aí, Amy, o que você fazia antes disso tudo mesmo? — pede Jason, segurando um espeto com suas salsichas sobre a fogueira.
ㅤㅤㅤㅤ— Tava cursando veterinária. Era meu último ano — responde, mordendo o marshmallow.
ㅤㅤㅤㅤ— Sua irmã também? — indaga Kelly.
ㅤㅤㅤㅤ— Não, ela tava fazendo administração só pra ter uma formação superior e entrar pra polícia de Denverport. Ela queria seguir a carreira do nosso pai, assim como o Dylan.
ㅤㅤㅤㅤ— E ele se formou em administração também? — Sarah espeta uma salsicha e a leva às chamas.
ㅤㅤㅤㅤ— Foi, mas vamos parar de falar dele agora, tá? Me falem mais sobre vocês e o que faziam antes. Sei que você era bombeiro e dono de restaurante, Kelly. — a jovem o olha.
ㅤㅤㅤㅤ— Sim, tava trabalhando pra poder pagar umas dívidas. Eu gostava de ser bombeiro, mas o que eu amo mesmo é cozinhar. — Kelly sorri, sentado com os joelhos flexionados, servindo de apoio pra seus braços musculosos. — O que mais acho ruim mesmo é não ter todas as panelas e facas pra poder fazer minhas receitas.
ㅤㅤㅤㅤ— De que adianta ter panelas e facas, se não temos a comida pra você cozinhar? — indaga Jason, rindo logo em seguida. — Mas admito que sua carne enlatada gourmet é boa pra caralho.
ㅤㅤㅤㅤ— Sou um cozinheiro de mão cheia. Toda comida minha é boa.
ㅤㅤㅤㅤOs quatro começam a rir de maneira moderada, mas logo para quando escutam um barulho que se assemelha a algo caindo sobre a grama, vindo do outro lado do trailer, na margem direita da floresta. Todos se põe em alerta e se levantam, sacando suas armas brancas.
ㅤㅤㅤㅤ— Jason, Amy, flanco esquerdo. Kelly, comigo — sussurra Sarah, olhando os demais se dividirem, mas eles logo desistem desse plano, pois começaram a escutar grunhidos violentos vindos da escuridão.
ㅤㅤㅤㅤ— Merda... não temos um dia de paz? — Jason guarda sua faca no coldre e saca a Colt 1911.
ㅤㅤㅤㅤ— Tem um número grande vindo — comenta Amy, escutando vários rosnados distintos.
ㅤㅤㅤㅤÀ direita do grupo, os primeiros canibais começam a surgir. Todos estão sujos e com as roupas em fragalhos. No começo da fila, uma mulher loira usando um vestido rosa desbotado avança na direção de Sarah, mas é morta por Jason, que lhe acerta um tiro na cabeça antes que ela cruzasse metade do caminho.
ㅤㅤㅤㅤ— Todo mundo atento! — exclama o policial — Tem um monte deles mesmo.
ㅤㅤㅤㅤ— Desgraça — diz Kelly, sacando seu revólver.
ㅤㅤㅤㅤ— Amy, perto de mim — pede Sarah, após matar com uma facada na cabeça, um homem usando gravata vermelha.
ㅤㅤㅤㅤO quarteto se afasta devagar do motorhome, matando o máximo de canibais que conseguem. Por não saber manusear com destreza uma pistola ainda, Amy é a única que luta com sua faca, escutando zumbidos em suas orelhas cada vez que algum dos seus companheiros atira. Quando percebe que eles estão se afastando demais da luminosidade da fogueira, Sarah os alerta e eles param em fila, todos na frente de Amy, atirando nos andarilhos enquanto a jovem apenas olha ao redor, se certificando se não há mortos nos flancos e se sentindo muito impotente no combate.
ㅤㅤㅤㅤ— Tem munição sobrando aí? — pergunta Sarah, olhando Jason pelo canto do olho.
ㅤㅤㅤㅤ— Tenho, mas ficou no motorhome — diz o homem, acertando em cheio a cabeça de um jovem de cabelo cacheado com um tiro.
ㅤㅤㅤㅤ— Eu vou abrir caminho e vocês ficam logo atrás! — Kelly guarda o revólver novamente em seu coldre.
ㅤㅤㅤㅤ— O que vai fazer? — pede Jason, olhando seu amigo.
ㅤㅤㅤㅤSem o responder, Kelly rapidamente avança contra o errante mais próximo: um homem de longos cabelos pretos, usando uma camisa branca, mas completamente suja de sangue seco e estica seu enorme braço, agarrando-o pelo pescoço com a canhota e se agacha, agora pegando na coxa direita do canibal, o erguendo sem dificuldade. Gritando, o enorme afrodescendente corre contra as filas de andarilhos ainda de pé e usa seu peculiar escudo tanto para se proteger dos braços e dentes podres, mas também para derrubá-los.
ㅤㅤㅤㅤ— Eita porra! — Jason assiste a cena animado e logo se põe a correr atrás do gigante. — Venha!!
— Vem, Amy! — Sarah segura a mão da jovem e a puxa, indo logo atrás de Jason.
ㅤㅤㅤㅤAssim que chega perto o bastante do trailer, Kelly arremessa o corpo que estava segurando contra o gramado e pisa em sua cabeça, estourando seu crânio e fazendo sua massa encefálica putrefata se espalhar na sola da sua bota. Ele então se vira, vendo os demais se aproximarem em meio aos errantes caídos:
ㅤㅤㅤㅤ— Peguem munição, eu cuido das coisas aqui! — ele leva a destra até o lado esquerdo da sua cintura e puxa seu martela, o balançando no ar.
ㅤㅤㅤㅤ— Beleza, mas só você aguenta a Wanessa — diz Jason, passando por ele e indo até a porta do motorista.
ㅤㅤㅤㅤ— Pega as armas pequenas, cara! — impaciente, Kelly parte pra cima dos mortos-vivos, martelando as cabeças dos que estão para se levantar.
ㅤㅤㅤㅤJason apenas confirma e abre a porta do veículo, entrando no mesmo e indo até os armários, onde começa a abrir todos, à procura da munição.
ㅤㅤㅤㅤ— Cadê? Cadê?! — ele derruba alguns pratos e talheres.
ㅤㅤㅤㅤ— Olha as bolsas, Jason! — Sarah entra logo em seguida, apontando para as bagagens perto da porta que dá acesso ao quarto do motorhome.
ㅤㅤㅤㅤ— Merda, por que não disse antes? — Jason vai até as bolsas.
ㅤㅤㅤㅤ— Quem guarda munição numa cozinha?! — Sarah para na frente da mesa e olha pela janela, Kelly prosseguir com sua luta contra os andarilhos.
ㅤㅤㅤㅤGritando a cada golpe, o gigante negro já deixou para trás sete corpos com pequenos buracos em seus crânios, causados pelas marteladas. Completamente, focado em acabar com aquela ameaça, ele acaba por não perceber a aproximação de uma mulher cujo couro cabeludo foi arrancado e a pele ao redor da sua cabeça pende, já apodrecida e enegrecida. A criatura também sem um dos olhos se aproxima perigosamente das suas costas e estica os braços, mas seu avanço é interrompido quando uma faca perfura o topo da sua cabeça, jogando-a no chão, aos pés de Kelly.
ㅤㅤㅤㅤSentindo o corpo batendo em suas panturrilhas, o homem se vira e vê Amy puxar sua faca da cabeça da canibal e se recompor, acenando positivamente com a cabeça para ele e se virando para os andarilhos que ainda estão de pé. A dupla então coordena seus ataques e conseguem se manter a uma distância segura enquanto atacam um de cada vez, até que Jason e Sarah finalmente terminam de se armar e deixam o motorhome já atirando contra os desgarrados restantes, findando o combate em poucos segundos.
ㅤㅤㅤㅤCom o forte cheiro podre dos canibais pairando ao seu redor, Kelly se apoia nos joelhos e ofega, banhado em suor, tentando não vomitar o que havia comido antes de toda a ação.
ㅤㅤㅤㅤ— Isso aí, cara. Respira. Vomitar aqui só ia piorar o cheiro. — Jason caminha até ele e dá alguns tapinhas em seu ombro.
ㅤㅤㅤㅤ— Você não tá ajudando... — fala Kelly, olhando para baixo.
ㅤㅤㅤㅤ— Devíamos sair daqui? Tipo... o som pode atrair mais deles — comenta Sarah, olhando ao redor.
ㅤㅤㅤㅤ— Dirigir agora não é muito seguro, mas podemos tentar mudar o lugar do nosso acampamento — responde Kelly, se recompondo. — Em todo caso, guardem nossas coisas e apaguem a fogueira.
ㅤㅤㅤㅤ— Certo... só é uma droga pois esse lugar é muito bom. — Amy começa a andar até onde as barracas foram montadas.
ㅤㅤㅤㅤ— A gente dorme no motorhome essa noite, por precaução — diz Sarah, andando ao lado da jovem. — Kelly e Jason se revezam na vigia hoje.
ㅤㅤㅤㅤ— Beleza, só vamos logo com isso. Não quero gastar o pouco que sobrou de munição em mais filhos da mãe. — Jason coça sua nuca e começa a seguir para o acampamento, ajudar a desmontá-lo.
***
Durante o resto da noite, os quatro se concentraram em organizar rapidamente suas coisas e, depois, deixarem a localização do primeiro acampamento para procurar um novo local seguro para que pudessem descansar dentro do motorhome. Felizmente, eles só precisaram seguir menos de um quilômetro até que Kelly avistasse um posto de combustíveis cuja cobertura foi levada ao chão — provavelmente, pelo peso da neve durante o inverno — e logo se encaminhou para perto do mesmo, conseguindo manobrar o motorhome e estacioná-lo com sucesso no meio das ferragens velhas e retorcidas. Com o próprio Kelly e Jason revezando os turnos de vigia, Sarah e Amy dormiram no quarto do trailer.
ㅤㅤㅤㅤNo dia seguinte, os quatro, já despertos, começaram a vasculhar os restos do posto, encontrado pouca comida industrializada que ainda estivesse dentro do prazo de validade e algumas garrafas pequenas de água mineral, que juntaram aos seus poucos suprimentos que já possuíam antes.
ㅤㅤㅤㅤ— É, a parada tá feia — diz Jason, olhando a mesa que não está nem com a metade ocupada com seus mantimentos. — Temos que sair e procurar por mais.
ㅤㅤㅤㅤ— A situação da gasolina tá ruim também. Eu chequei quando acordei e a gente tem menos de um quarto do tanque — diz Kelly, de braços cruzados, sentado sobre uma viga.
ㅤㅤㅤㅤ— Traduz isso em litros? — pede Sarah.
ㅤㅤㅤㅤ— Sei lá... — ele coça a careca. — Deve dar pra andar só mais uns vinte quilômetros. Tá quase vazio.
ㅤㅤㅤㅤ— Merda... a cidade mais próxima fica a quantos quilômetros? — indaga a militar, amarrando seu cabelo.
ㅤㅤㅤㅤ— Doze, segundo o mapa — responde Amy, sentada sobre a mesa. — O nome é Dimper.
ㅤㅤㅤㅤ— Tá, beleza. Então vamos fazer o seguinte: eu vou nessa tal Dimper procurar por comida e vocês procuram por aqui. Deve ter alguma casa no meio da floresta ou até mesmo um condomínio por aí. — Jason abotoa sua blusa xadrez azul e dobra as mangas, indo até a entrada lateral do motorhome.
ㅤㅤㅤㅤ— E você vai sozinho? — Sarah o acompanha.
ㅤㅤㅤㅤ— É, vou andando. Não podemos arriscar a gasolina que restou e nem deixar o motorhome aqui. — ele sobe os degraus e vai até as malas.
ㅤㅤㅤㅤ— Isso pode ser perigoso, Jason. Eu vou também.
ㅤㅤㅤㅤ— Não. Me escuta — ele vai até a militar e segura em seus ombros —, fica aqui e procura por algo com a Amy. O Kelly fica cuidando do motorhome, aposto que todo mundo vai ter medo de um brutamontes daquele.
ㅤㅤㅤㅤ— Mas e se alguma coisa acontecer? — ela franze o cenho, preocupada.
ㅤㅤㅤㅤ— Se eu não voltar em oito horas, vocês vêm atrás de mim.
ㅤㅤㅤㅤ— Oito horas?! — ela se exalta e o assusta.
ㅤㅤㅤㅤ— Tá, eu escolhi mal as palavras — ele também fala um pouco alto.
ㅤㅤㅤㅤ— Não levanta a voz pra mim... — o tom de voz de Sarah muda imediatamente.
ㅤㅤㅤㅤ— Ih, rapaz... tá naqueles dias? — Jason recua.
ㅤㅤㅤㅤ— Sim... e tá horrível sem absorventes... — agora sua voz fica meiga.
ㅤㅤㅤㅤ— Own... eu trago uns pra você, tá bem?
ㅤㅤㅤㅤ— É bom que traga mesmo — ela torna a falar com raiva.
ㅤㅤㅤㅤ— Claro. — a voz de Jason não esconde seu medo, mas ele logo vai para longe, quando Sarah se aproxima e o beija.
ㅤㅤㅤㅤ— Cuidado lá, ouviu?
ㅤㅤㅤㅤ— Sim senhora. — Jason vê a militar sair do motorhome e suspira. — as mulheres são estranhas, mas cara... que mulher — ele sussurra só para si e se volta para as bolsas.
ㅤㅤㅤㅤApós alguns minutos, Jason sai do trailer já preparado com suas pistolas e uma bolsa contendo apenas um cantil cheio d'água. Ele se despede dos seus companheiros e começa a andar sozinho pela floreta — mas rente à estrada —, olhando constantemente o mapa para não se desviar da rota correta. Enquanto isso, Sarah e Amy também preparam suas bolsas e adentram a floresta atrás do posto, também à procura outras construções que possam guardar recursos escondidos e, por fim, Kelly fica sozinho e sobe no teto do motorhome, armado com sua M-249, olhando ao redor e torcendo tanto para que seus amigos retornem bem, quanto para que nenhum problema surja enquanto ele está sozinho.
Após uma longa caminhada, Jason já retirou sua blusa xadrez e a amarrou na cintura, se abanando por conta do calor, que já o fez suar e manchar sua blusa verde ao redor do pescoço e debaixo dos braços. Felizmente, ele logo avista uma grande placa com o emblema do Governo de Finger e uma grande frase escrita "Bem-vindo a Dimper". Ele ergue os braços em uma comemoração silenciosa e se apressa para chegar rápido nos limites da cidade, olhando várias fachadas de lojas destruídas ou saqueadas.
ㅤㅤㅤㅤ— Uma cidade-fantasma... — ele sussurra só para si e continua andando, segurando as alças da sua mochila.
ㅤㅤㅤㅤSuspirando a cada estabelecimento destruído que encontra, ele enxuga o suor da sua testa com as costas da destra e pega seu cantil bebendo mais alguns goles da sua água. Ao andar mais um pouco, ele chega em uma rua de mão única, com dezenas de carros estacionados e com suas janelas intactas, indicando que ainda não foram saqueados.
ㅤㅤㅤㅤ— Porra, eu devia ter trazido pelo menos um galão. — coçando a nuca molhada, ele olha os veículos e percebe, no fim da rua, uma silhueta masculina andando em sentido contrário.
ㅤㅤㅤㅤMesmo daquela distância, ele consegue identificar uma mochila nas costas do homem de cabelos pretos e decide o seguir, se movendo agachado ao lado dos carros, mas rápido o bastante para chegar aonde o avistou em poucos instantes. Com uma das suas Colt's na destra, ele inclina o corpo para o lado, vendo melhor o indivíduo com a mochila, agora parado na frente de uma loja.
ㅤㅤㅤㅤ— Vai entrar aí? — a voz de Jason é imperceptível para o desconhecido e ele o vê caminhar até a entrada do estabelecimento, sumindo dentro do mesmo.
ㅤㅤㅤㅤVendo uma oportunidade para fazer contato, o policial sai do seu esconderijo e segue até onde o estranho entrou, vendo que o local se trata de uma pequena livraria. Ele se pergunta o que raios alguém procuraria num lugar como aquele, mas logo desiste do pensamento e respira fundo, adentrando no recinto em silêncio.
ㅤㅤㅤㅤJá do lado de dentro, ele consegue ver a sombra do indivíduo parado na frente de uma estante com uma placa escrito "Livros de Fantasia" e percebe que ele está segurando um exemplar que não consegue identificar a capa. Suspirando, ele começa andar pelo piso de madeira, fazendo barulho propositalmente e assim que tem total visão do homem, ele ergue sua pistola e mira na sua direção:
ㅤㅤㅤㅤ— Seguinte, camarada, eu não quero problema, a arma é só por proteção. Eu só quero suprimentos e talvez alguma munição... então, dá pra me ajudar? — ele segura a Colt com as duas mãos, olhando o rosto do homem, que se virou para ele e tem o rosto iluminado por um feixe de luz vindo da porta, destacando seus olhos azuis.
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