9. So Close to Home
Uma nuvem de farinha de trigo subiu no rosto de Summer assim que ela despejou boa parte do pacote em uma tigela de vidro.
Achou que o acontecido ia passar despercebido por Fernando, mas a risada espontânea que ele deu a seguir entregou que ela tinha toda sua atenção, até mesmo quando tinha dito que ele poderia ficar na sala enquanto ela separava os ingredientes.
A música em um idioma diferente que tirava o silêncio do apartamento revelava que havia um visitante diferente no local que costumava ser sempre tão calmo.
Assim como a voz masculina que sabia cantar praticamente todas as músicas que o aleatório da playlist do Spotify apresentava para o casal que estava na cozinha.
Summer não conseguia segurar o riso toda vez que Fernando Navarro fingia ter um microfone invisível nas mãos, fazendo um biquinho que ela classificava como irresistível enquanto cantava as músicas em espanhol que ela não conseguia acompanhar.
— Você sabe quando nós vamos terminar essa receita nesse ritmo? — Summer questionou quando ele a abraçou por trás enquanto ela quebrava os ovos, rindo.
— Mas nosso ritmo é bom, cariño — Fernando brincou, sorrindo ao vê-la revirar os olhos. — Cierto, o que eu posso fazer para te ajudar?
— Primeiro, pare de me atrapalhar — Sunny respondeu no momento em que o jogador começou a distribuir beijos pelo seu pescoço exposto, tirando sua atenção. — E ai você pode passar a farinha na peneira.
Fernando respondeu com um murmúrio de confirmação, mas não seguiu as ordens de Summer antes de ficar de frente a ela e roubar um selinho rápido. Ela se limitou a sorrir e negar repetidas vezes antes que terminar o que estava fazendo ali.
Três semanas.
Fernando tinha tido três semanas de inverno em Munique que se assemelharam muito ao calor agradável de Barcelona, e tudo aconteceu enquanto as temperaturas se mantiveram entre 5 e 0 graus.
A única coisa que tinha mudado entre os primeiros meses que ele estava congelando e as últimas semanas era a presença de Summer Kaufmann em sua vida.
Ela era culpada pela súbita alteração climática que só aconteceu dentro do mundo de Fernando Navarro, esquentando sua cama mesmo que até aquele momento nunca tivesse se deitado nela.
Apenas a presença de Summer era suficiente, dividindo o tempo que estiveram juntos entre passeios turísticos em Munique e cafés no Das Versteck, deixando com isso a certeza de que os dois estavam gostando cada vez mais da companhia um do outro.
Se Fernando precisasse confidenciar a alguém o que sentia com a presença de Sunny, ele explicaria como algo em crescimento.
Achava de que estava encantado por ela no passeio da gôndola, fortaleceu sua teoria quando seus lábios se juntaram pela primeira vez no Latino's, mas fora no passeio ao Englischer Garten, o famoso parque urbano da cidade, que ele teve a certeza. A paisagem do lugar podia ser sensacional mesmo no inverno, mas ele precisava dizer que a melhor parte da visita fora todo o tempo que passou com os dedos entrelaçados com os dela, fingindo que estava entendendo todos os fatos históricos que ela contava sobre o lugar.
Fingindo, porque mesmo que tentasse não conseguiria compreendê-la enquanto se concentrava para aprender todas suas mínimas manias, como gesticular enquanto falava e molhar os lábios de tempos em tempos.
Deixando-o com ainda mais vontade de juntar os seus aos dela exatamente como ele estava começando a ficar acostumado a fazer.
— Como foi o treino hoje, Nando? — Summer questionou, lavando as mãos depois de descartar as cascas de ovos no lixo. — Preparados para o próximo jogo?
— Estamos, mas eu vou ser poupado no próximo jogo da Bundesliga porque nós teremos Champions League nessa semana. Os nervos estão começando a nos alcançar, mas por enquanto estamos bem.
— Isso é bom, vocês estão indo bem na tabela. É só continuar assim...
— Uhum. — Fernando assentiu, colocando a tigela com a farinha peneirada no balcão. — Mas você sabe o que está me deixando ansioso? O dia que você for me ver jogar, vestida com uma camiseta com o meu nome e gritando toda vez que eu pegar na bola.
Summer não soube dizer pelo tom que ele usou se Nando estava brincando ou não com a situação, apesar da risada que ele deu ao perceber a falta de reação dela.
— Como você pode ter tanta certeza que será seu nome na camiseta? — provocou, arqueando as sobrancelhas. — Parece muito confiante do que fala, Fernando. Luka Bahr foi o responsável do gol que levou o time para a Champions, acho que você deve se preocupar... — brincou, vendo-a jogar a cabeça para trás enquanto dava risada antes de voltar-se para ela.
— Porque eu não vou te deixar escorregar, Summer — ele respondeu, sorrindo. — Mas isso é algo que podemos discutir em algumas semanas. Hoje eu tenho um convite para você.
A mulher a sua frente estreitou as sobrancelhas em curiosidade, enchendo as duas taças de vidro que estavam em cima da bancada que dividia a sala e a cozinha com o vinho que Fernando tinha levado, com o intuito de ganhar tempo.
Da mesma forma que Sunny amava surpresas, ela se sentia uma covarde quando elas estavam acompanhadas de um sinal de evolução dentro do relacionamento que ela só conseguia ler nas entrelinhas.
— Eu estou ouvindo...
— Eu não vou estar jogando, mas amanhã é dia de jogo no Südostenstadion e eu acho que é hora de voltar a frequentar ao estádio — Nando falou, encostando-se no balcão, puxando o corpo de Sunny até que ela estivesse no meio das suas pernas. — E eu queria você comigo.
Summer sorriu com o pedido sutil dele, relaxando os ombros e o abraçando pela cintura. Ela podia sentir a reação do corpo de Fernando ao seu toque, o abdômen definido graças a profissão que tinha se contraindo toda vez que ela desafiava colocar suas mãos ali.
— É isso? — questionou, vendo-o assentir com os lábios apertados em uma fina linha. — Você só quer minha companhia?
— Você sabe que sim — Fernando respondeu, entrelaçando seus dedos calmamente com os dela. — E seus muffins de chocolate.
O comentário do jogador acabou com o clima que estava prestes a se formar ali e fez com que Summer sorrisse antes de dar um tapa leve no seu ombro.
— O que? Eu estou aqui por eles.
A brincadeira de Fernando fez com que ela se lembrasse que o convite dele ir até o seu apartamento não fora feito com o intuito de que eles passassem a tarde se beijando, trocando carinhos e conversando sobre os assuntos mais variados do mundo, apesar deles terem feito isso por boa parte do tempo.
Sunny o chamou até ali para que pudesse ensiná-lo a famosa receita de família dos bolinhos de chocolate a que ele estava destinando uma parte do seu salário na cafeteria dela, apesar de já ter sido avisado que sempre poderia pegar um ou outro sem precisar ir até o caixa.
— Então nós temos um trabalho pela frente — Summer falou, sorrindo. — Nós só precisamos ligar o fogo e é praticamente só...
Ela foi interrompida por mais um selinho roubado de Nando, fazendo com que ela perdesse o rumo do que estava falando e sorrisse bobamente para ele enquanto o via sorrir.
Todas suas barreiras estavam quebradas no chão.
Essa era a reação dele nela.
— Pare de fazer isso.
— Você não me deu uma resposta. — Nando passou a língua pelos lábios após se calar, fazendo com que Summer arqueasse uma sobrancelha com a provocação barata.
Barata, mas que surtia um enorme efeito nela.
— Eu achei que já estivesse óbvio.
— Talvez...
— Eu vou — Sunny respondeu rapidamente, vendo-o sorrir com a resposta.
Não só os lábios de Fernando sorriram.
Ela teve plena certeza que seus olhos sorriram juntos, fazendo com que as rugas que ela tanto gostava nele aparecessem ao lado dos seus olhos.
Nando podia já ter feito isso várias vezes enquanto eles estavam juntos, mas Sunny desconfiava que nunca iria conseguir não sorrir também.
— E tem mais um coisa — Fernando continuou, colocando uma mecha do cabelo dela atrás da orelha. — Próxima semana é a minha vez de cozinhar para você. Mi casa, sexta-feira assim que eu voltar de Roma. O que você acha?
— Você está tentando me conquistar de vez, Fernando Navarro? — brincou, vendo-o dar de ombros.
— Eu estou realmente tentando, Summer Kaufmann — murmurou, olhando diretamente para os olhos claros da mulher. — Você acha que dizer meu nome completo me aterroriza, mas seu sotaque quando o fala tem outro efeito em mim.
Summer ficou séria e apontou para as tigelas separadas a sua frente, fazendo com que o jogador levantasse as mãos em sentido de rendição e começasse a ajudá-la a seguir a receita que já tinha decorado.
Juntaram todos os ingredientes em fogo alto, deixando o forno pré aquecido para diminuir o tempo que esperariam até que os muffins estivessem prontos e não tiveram muita dificuldade para deixar a mistura de farinha, açúcar, ovos, chocolate e margarina homogênea.
Foram oito minutos até que o conteúdo da panela fosse despejado em uma assadeira e entrasse no forno, dando início a arrumação na cozinha pelo casal, por mais que ambos quisessem pular essa parte e ir para o sofá, terminar com a garrafa de vinho que tinham aberto e assistir um filme que facilmente seria esquecido.
— Nós vamos fazer toda a cena de filme com farinha no rosto agora? — Fernando sugeriu, fazendo com que Summer desviasse o olhar para ele, arqueando uma sobrancelha em desafio. — Não?
— Se você limpar toda a sujeira depois...
Fernando pareceu pensar por um instante, dando de ombros logo após.
A simplicidade dele era algo que agradava os olhos de Summer, junto com a sua espontaneidade que parecia nata ao jogador.
— Então nós podemos pensar em outras cenas de filmes.
Summer esperou para o próximo passo de Fernando, passando a língua nos lábios entreabertos assim que ele deu dois passos em sua direção. A expressão facial do jogador mostrava que planejava algo e era muito semelhante a que ela se recordava de ter visto em seu rosto antes deles se beijarem pela primeira vez, no clube espanhol.
Não acharia ruim se fosse isso que ele fizesse, desejando sentir os braços de Nando ao redor do seu corpo e seus lábios grudados mais uma vez.
Diferente do esperado, porém, Fernando sujou um dos dedos na sobra da massa dos muffins que não tinha ido ao forno, passando-o em seguida nos lábios de Summer, que sorriu com o ato.
— Sério? — Ela questionou, negando. — Você quer começar uma guerra para saber quem vai sair mais sujo daqui?
— Não é uma guerra — Fernando murmurou, colocando uma mão no rosto dela, sorrindo assim que a viu sorrir.
O jogador ainda riu minimamente antes de juntar seu lábios com o de Sunny, sentindo o gosto de chocolate na sua boca assim como do vinho que eles estavam bebendo, tornando o beijo ainda mais agradável.
Ele logo encaminhou suas mãos para a cintura dela, encostando os dois corpos e fazendo-a espalmar as mãos no seu peitoral.
Mantiveram os lábios juntos até o momento que a respiração fora necessária, separando-se com um pequeno sorriso vindo de Summer, que mordeu o próprio lábio inferior em seguida.
— Qual é o filme?
Fernando não precisou de um minuto para responder, não controlando o sorriso que apareceu em seus lábios assim que ele começou a falar.
— Summer e Fernando, uma história de amor.
❤❤❤
As luzes roxas que iluminavam o Südostenstadion podiam ser reconhecidas de longe.
O enorme estádio do Eintracht München teria a lotação máxima em um jogo da nona rodada da Bundesliga contra o Mainz, buscando os três pontos para aumentar a diferença de pontos do quinto colocado e se aproximar do quarto, tentando se recuperar do empate que tiveram na rodada anterior.
Fernando explicava tudo isso enquanto dirigia, mas Summer parecia mais ocupada em observar pelo vidro do carro todos os torcedores fanáticos que vestiam a camisa do time da casa com orgulho, gritando Wir Sind Hier para quem estivesse na rua.
Ela percebeu a diferença das outras vezes que esteve no Südostenstadion assim que chegaram aos arredores do estádio. Todos os olhares dos torcedores que caminhavam em direção a entrada estavam na Lamborghini Gallardo preta de Fernando, como se eles soubessem mesmo com o vidro escuro que ali dentro estava uma estrela do time principal.
Pararam em um estacionamento privativo nos fundos do estádio e ganharam a atenção de meia dúzia de torcedores que esperavam conseguir fotos entre as grades que garantiam a segurança dos jogadores. Fernando acenou rapidamente para eles, não se sentindo desconfortável para entrelaçar os seus dedos com os de Summer enquanto a guiava pela entrada que o ingresso VIP que os dois tinham garantia.
O glorioso estádio luminoso já estava praticamente cheio por faltar menos de dez minutos para a partida começar, o tempo suficiente que eles tiveram até encontrar seus lugares na arquibancada onde ficavam todos os familiares e convidados dos jogadores dos times.
As mãos de Summer estavam úmidas e o motivo não era Fernando Navarro ou o fato deles estarem juntos em público e eles estarem mais atenção do que ela estava acostumada.
Aquele espaço trazia lembranças demais para Sunny e ela só percebeu que não estava bem com tudo aquilo quando chegaram aos seus assentos.
Não era confortável estar no lugar que todas as outras vezes que ela tinha ido tinha sido com a companhia do seu pai. Nunca tinha tido acesso a arquibancada que estava com Fernando, apesar do seu pai ter um plano de torcedor que o garantia ótimos ingressos, mas para ela estar naquele estádio era como voltar alguns anos antes.
— Você nunca me disse — Fernando falou, virando-se na cadeira que estava sentado para olhar para os olhos de Summer. — Para que time você torce?
— O Eintracht está na família há algumas gerações — Summer respondeu, feliz de ter a conversa com Nando para se entreter. — Mas tem tempo que eu não vejo um jogo.
Ela não quis adicionar que só as cores a faziam se recordar do seu pai e que ela ainda não sabia lidar com isso.
— Então você já tinha vindo no Südostenstadion?
— Logo que inaugurou. E acompanhei o Eintrach algumas milhares de vezes quando eu era menor e vocês ainda não tinham um estádio próprio — respondeu com um grande sorriso no rosto assim que as lembranças voltaram em sua mente, olhando diretamente para os olhos castanhos dele. — No começo vinha toda a minha família, mas minha irmã nunca gostou de lugares lotados, então éramos só meu pai e eu. Eu adorava vir, apesar de não entender nada do que estava acontecendo, nem saber exatamente o que acontecia quando ele conseguia que eu entrasse com algum jogador em campo.
Ela apontou para as crianças que estavam na frente dos jogadores enquanto esperavam o começo do jogo, tirando um sorriso sincero de Nando.
— Não acredito que você já entrou em campo — ele comentou, vendo-a assentir. — Eu entrei com meu pai algumas vezes, mas era diferente. Mas me diga uma coisa, meu sogro torce pelo lila? Ótimo, já sei como agradá-lo — o jogador brincou, sorrindo.
Lila, roxo em alemão, era a forma carinhosa que chamavam o time roxo de Munique.
Summer concordou, engolindo em seco e desviando o olhar para o campo em seguida. Fernando percebeu que ela ficou séria de repente, se questionando se havia sido sua brincadeira que a tinha chateado.
— Eu também não entendia muito — murmurou, ganhando a atenção de Sunny novamente. — Eu só sabia que tinha algo com chutar a bola. E antes mesmo de aprender a andar eu já brincava com uma.
— Seu pai, não é?
— Muito dele, sim — Nando concordou, passando a língua pelos lábios. — Três anos e eu já ia com ele para os treinos. Minha brincadeira de criança favorita era enfileirar os sapatos e driblar eles com uma bola. Mas, Sunny, nada era tão bom quanto estar em campo. Dios mio, aquela sensação...
Fernando tinha certeza que tinha se arrepiado daquele exato momento, se recordando das suas primeiras lembranças dentro de um campo, ouvindo a torcida gritar, os técnicos se alterarem na lateral do campo e os jogadores darem tudo de si para terminarem com um resultado positivo.
A primeira vez que ele teve certeza que era essa a carreira que queria seguir.
— Seu irmão também... — Sunny comentou e Fernando assentiu, suspirando. — Você sente muita falta da sua família.
— Sinto. — O jogador sorriu, dando de ombros. — Meus pais eram quase meu vizinhos, Diego era literalmente meu vizinho e minha avó sempre passava um tempo com a gente na Espanha. Agora nós estamos em países diferentes e ainda é tudo muito estranho.
Summer sabia que não era o tipo de coisa que ela podia dizer que sabia o que era, mas estendeu sua mão para que pudesse entrelaçar seus dedos com o de Nando, passando confiança.
Ele adorou o gesto dela, sorrindo bobamente ao olhar para os dedos entrelaçados no seu colo. Não se preocupou com as câmeras ou com os paparazzis que deveriam estar de olho na presença do jogador na arquibancada e deixou um beijo nos lábios de Sunny, fazendo-a ganhar cor nas suas bochechas.
— Se a distância é tão difícil para você, por que Munique? — ela o questionou curiosa, juntando as sobrancelhas. — Por que o Eintracht München?
A pergunta que ele já tinha respondido outras dez vezes só para a sua mãe, no momento que ele voltou da Alemanha e falou, decidido, para seus pais que o time roxo seria seu próximo time.
Só ele. Que o pai cuidasse de todas as outras propostas, mas ele não queria nem ouvi-las. Seu destino seria Munique, jogando com a camisa roxa do Eintracht München.
— Você sabe aquele momento que você precisa fazer uma decisão que você sabe que vai mudar a sua vida mas nada parece seguro o suficiente? — Nando começou a falar enquanto olhava para seus colegas de time tocando bola, antes do apito inicial. — Era assim que eu me sentia quando decidi que sairia de Barcelona e as propostas começaram a chegar, deixando minha família inteira louca.
Sorriu, mas era verdade. Toda vez quando recebia uma proposta nova, Joaquim passava diretamente para o filho mais velho e, tanto ele quanto a esposa, ficavam esperando em sua porta até o momento que Nando terminava de lê-la. A aflição começou quando, toda vez que o jogador terminava de ler, sua resposta era negativa.
Rejeitou o grande da Itália, o rival da Espanha, o time em crescimento da Inglaterra. Até receber, das mãos de Joaquim, a proposta do Eintracht München, junto com ingressos para que ele fosse conferir o último jogo da temporada do time roxo.
Ele gostou do atrevimento que o time teve em convidá-lo para um jogo e, sem pensar duas vezes, pegou o primeiro voo que havia da Espanha para Munique com o seu pai, tendo cuidado para se esconder por trás de um sobretudo e de um boné para que os rumores não começassem tão cedo sobre uma transferência.
E foi no camarote do Südostenstadion que ele decidiu que iria para aquele time, no momento que se envolveu completamente com a garra dos onze jogadores em campo que lutavam por uma classificação na Champions League como se suas vidas dependessem daquele resultado. Sentiu, naquele estádio, o que o fez escolher seguir os passos do seu pai quando ainda era muito pequeno.
— Quando a proposta do Eintracht München chegou, eu sabia que seria ele — Nando continuou, desviando o olhar para ela. — Eu sinto a paixão de quem está em campo e de quem está nas arquibancadas por esse time, Sunny. Eu sinto que eles me queriam, não só para estar de enfeite no banco ou para vender camisas. Afonso Reina me queria porque sabia do que eu era capaz e sabia que eu podia ajudar o time. Eintracht foi minha jogada segura. E eu resolvi tentar.
Quando terminou de falar, Nando olhava diretamente para os olhos azuis de Summer que brilhavam com os holofotes do estádio. Ela escorregou sua mão para a coxa dele e eles trocaram um longo sorriso antes do apito soar do campo.
Nada mais fora dito depois disso e toda a atenção dos dois foi para o campo verde e os jogadores de roxo que já faziam sua entrada.
Fernando assistia ao jogo, mas Summer olhava fixamente para um ponto a sua frente, dois degraus abaixo de onde eles estavam sentados.
Uma pequena menina com os cabelos loiros ainda mais claros que os seus estava sentada nas costas do pai, que a segurava pelas pernas enquanto ela tinha as mãos no rosto dele.
Sunny tentou desviar o olhar. Tentou prender sua atenção no campo, nas defesas de Fiorentini, no avanço do ataque do time da casa, no telão que vez ou outra mostrava arquibancada ou na faixa que a torcida que se sentava à sua frente exibia.
Mas ela sempre acabava voltando na imagem que definia a sua infância e boa parte das suas lembranças com seu pai.
Um instante, todo o estádio se calou.
Summer percebeu que aquilo só tinha acontecido na sua cabeça quando olhou para o seu lado e percebeu que as mesmas pessoas continuavam gritando euforicamente como antes. O telão mostrava a empolgação da torcida do Eintracht München ao gritar Südostenstadion e ela não conseguia ouvir um som sequer.
Sua atenção estava presa nas lembranças.
Lembrou-se de uma das inúmeras vezes que Viktor a colocou para entrar no campo de mãos dadas com os jogadores de roxo, sendo sempre uma das únicas meninas a fazer isso. Piscou os olhos que teimavam marejar e jurou que podia se lembrar perfeitamente do que sentia todas as vezes que seu pai a abraçava para comemorar um gol do seu time.
Na noite anterior, Sunny estava pronta para dormir quando seu celular tocou, mostrando uma foto dos seus pais na tela principal.
Ela estava animada para contar que iria a Südostenstadion no dia seguinte para Viktor, talvez comentar sobre Fernando e dizer que conseguiria uma camisa assinada pelo elenco do Eintracht para ele, tudo com o propósito de animar seu pai.
Viktor parecia estar bem, mas foram as perguntas antigas que a deixaram preocupada. O fato do homem ter perguntado duas vezes para a filha dos pais a fizeram prender o ar, enquanto buscava qualquer justificativa banal para não passar o telefone para eles. Sua primeira reação fora discar os números do telefone de Lilie após desligar a outra ligação, precisando tirar o peso que ficou no seu coração após isso. Mas ele continuou ali, já que suas três ligações eufóricas foram parar na caixa postal da irmã.
Era como se ele tivesse vivendo cinco anos antes, quando ela tinha 18 anos e tinha acabado de se mudar para Munique para viver com os avós.
Como ele poderia esquecer o velório dos pais que tinha ido um ano antes?
A reação fez com que ela guardasse as novidades da sua vida para si, tentada a dizer a Fernando que uma dor de cabeça ou um mal estar não a deixaria acompanhá-lo no dia seguinte, porque ela não sabia o que sentiria assim que entrasse no estádio.
Agora ela sabia que não era, nem de longe, a sensação mais agradável do mundo mesmo que tivesse com a companhia de Fernando.
— Dios mio, esse ataque é fenomenal.
A voz de Fernando devolveu o som a todo o estádio, fazendo Summer piscar algumas vezes antes de voltar o olhar para o jogador.
Ele estava relaxado na cadeira da arquibancada, apertando os olhos para acompanhar a bola que tinha acabado de explodir na trave ao lado do goleiro do Mainz. Esfregou as mãos suadas de nervosismo causado pelos primeiros vinte minutos de jogo antes de voltar o olhar a Sunny, sorrindo lateralmente ao pegá-la com a atenção nele.
— Você está bem, cariño? — Nando questionou ao notá-la mais pálida que o normal, entrelaçando seus dedos com os dela em um gesto de carinho.
Summer olhou para suas mãos juntas em seu colo e demorou um pouco para deixar que seus olhos encarassem os dele.
Fernando ainda não sabia sobre Viktor.
Ela não sabia se estava preparada para contar ao jogador o que tirava seu chão e seus mais profundos medos, principalmente porque já era difícil demais lidar com a doença do seu pai quando uma pessoa de fora falava sobre isso e de como ela não poderia deixar de olhar para frente em sua vida por causa disso.
Não sabia, ainda, porque parecia ser ainda mais difícil quando se tratava de Fernando.
A sua expressão leve e sua preocupação a fazia acreditar que ele a colocaria em uma redoma de vidro assim que Sunny contasse toda a história.
De como a mãe dela, renomada arquiteta de Dresden, deixou o trabalho quando a doença do seu pai, médico aposentado, começou a piorar. De como sua irmã mais velha não poderia mais se fazer muito presente na casa dos pais por morar em Frankfurt, ter um emprego bom como advogada de uma empresa famosa da cidade e ainda estar se preparando para o casamento que sairia em alguns meses, com os pensamentos de começar a própria família.
E de como ela sentia que era uma questão de tempo até que Dresden voltasse a ser sua casa, deixando o café e tudo o que tinha atrás para cuidar do pai porque ela sentia que isso era o mínimo que podia fazer.
— Estou. — Concordou, forçando um pequeno sorriso. — Só não dormi bem essa noite.
— Você quer ir para casa?
— Nando... — Summer falou baixinho, apertando a mão dele. — Está tudo bem.
Ele demorou um tempo para se convencer que ela estava falando a verdade e a única coisa que o fez fazer isso foram os dois gols que fizeram o estádio tremer em emoção, mas ela percebia que hora e outra ele a checava pelo canto do olho.
Summer queria explicar que nada tinha acontecido ou que pelo menos não nada que o envolvesse diretamente, mas seu gênio complicado a fez guardar tudo o que estava acontecendo para si e involuntariamente afastando Nando até o apito final do jogo.
O que ela não sabia, pelo menos até aquele momento, era que o gênio de Fernando também era complicado e que ele não desistiria tão cedo de retirar pelo menos um sorriso sincero dos lábios da alemã.
Aceitou seu silêncio até o momento que eles saíram do estádio, mas não deixou de abraçá-la pela cintura enquanto andavam lado a lado, agradecido que ela não tinha se desvencilhado dos seus braços.
— Sunny... — Fernando chamou, segurando-a pelas pontas dos seus dedos. — Está tudo bem com a gente? Você está quieta.
O simples ato de encarar os belíssimos olhos castanhos de Nando que ganhavam um tom chocolate graças a falta de iluminação era doloroso para Summer. Não sabia o que responder a ele em um momento que tantas outras coisas ocupavam sua cabeça, então se limitou em assentir e a se aninhar nos braços dele, descansando seu rosto por um tempo consideravelmente longo na curva do seu pescoço, sentindo o agradável cheiro do perfume dele e ao mesmo tempo tirando um minuto para respirar.
Ali, onde ele a convencia que nada podia atingi-la.
E ela estava começando a acreditar que aquilo era verdade.
— Vai ficar, Nando.
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