7. Ay Vamos
O centro de treinamento do Eintracht München em Grünwalder estava cheio naquela manhã.
Praticamente todos os lugares no estacionamento estavam ocupados por carros de luxo que se enfileiravam como em um programa de colecionadores. O vestiário, porém, estava completamente vazio, mas deixava claro que alguns homens bagunceiros tinham passado por ali pela quantidade de toalhas emboladas pelo local e chuteiras esparramadas pelo chão.
A bagunça se encontrava em um dos campos de treinamento, protagonizada por todo o time do Eintracht München enquanto a comissão técnica observava tudo embaixo de um guarda-sol à beira das quatro linhas. A diferença de um dia normal de treino estava na presença de fotógrafos, uma equipe de vídeo e outra de maquiagem, que fazia um retoque ou outro nos jogadores que não estavam muito acostumados com isso.
— Um início de temporada nunca é um início de temporada antes do dia das mídias — Marek Stawski, o meia polonês do time alemão, comentou com os olhos fechados, enquanto uma mulher passava levemente um pincel fofo no seu rosto. — E não se engane, guapo, parece legal. Mas se torna extremamente cansativo depois de dez minutos posando para a foto do time completo porque alguém diferente piscou em todas elas.
— Mas é divertido ainda assim — Maxine Laurent falou, empurrando o companheiro de time com o ombro. — Nossos vídeos para o canal do Youtube do time são sensacionais.
Fernando sorriu com o comentário, fechando os próprios olhos e sentindo o pincel tocar duas vezes seu rosto antes que a mulher o avisasse que estava tudo certo e seguisse para o jogador do lado.
Era o dia que eles eram liberados de um turno de treinamento para fazer as mídias oficiais para o Eintracht München, envolvendo as fotos que estampariam os cards individuais de cada jogador e a foto oficial do time da temporada que ficava projetada em uma parte do túnel do Südostenstadion.
E, apesar de realmente cansativo como Marek tinha dito, Fernando tinha um grande sorriso no rosto enquanto mantinha as mãos atrás do corpo, esperando o momento que todos os jogadores estariam prontos para a foto.
Era engraçado ver Moncho Ramírez e Emem Okafor se provocando sentados na fileira na frente dele, Luka Bahr mantendo a maquiadora ocupada por mais de dez minutos e Pedro Antunes cantando a pleno pulmões músicas do Brasil que contagiava até mesmo os que não faziam ideia do que era dito ali. Até Greco Fiorentini, o goleiro que era considerado o mais sério do elenco, mexia os ombros e fingia saber o que estava fazendo ao tentar mexer seu quadril no ritmo da música.
Parecia realmente com um começo de um novo ciclo.
— Ter o Antunes no elenco vai fazer você matar suas saudades do Brasil — Marek comentou enquanto observava o brasileiro, sorrindo. — Ele sempre está nos ensinando músicas brasileiras e pelo menos uma vez por temporada nos chama para almoçar na casa dele. Feijo...?
— Feijoada — Nando completou, rindo da forma que a palavra soou no sotaque polonês pesado que o homem tinha. — Dios, isso me deixa com saudades dos meus avós.
Ele sorria enquanto pensava, lembrando das férias de quando era pequeno e toda a sua família sempre acabava em um voo de volta para o Brasil. Apesar de Diego, por ter nascido no país, ser mais apegado ao lugar, ele não podia dizer que não tinha um grande carinho pelo lugar em que os seus pais tinham nascido.
Ana, desde que ele podia se lembrar, lamentava não ter podido criar os dois filhos no Rio de Janeiro. Joaquim parecia mais flexível quanto a isso, já que a abdicação de voltar para casa era por uma carreira bem definida na Espanha, o que quase gerou uma separação nada amigável dos dois.
'Era saudade, Nando' era o que Ana dizia toda vez que Fernando a questionava sobre o pequeno intervalo de seis meses que a mulher largou tudo e levou os dois filhos de volta para o Brasil, após uma discussão e outra mal resolvida com o marido. Voltou pra casa, colocou a cabeça no lugar e voltou para a Espanha com apenas um pedido: iriam para o Brasil sempre que pudessem e não deixariam os dois menores perderem a conexão com o lugar que ela julgava como o melhor do mundo.
E foi por causa desse acordo entre seus pais que Fernando nunca tinha deixado o país dos seus pais para lá, aprendendo português tão bem como se aquela fosse sua primeira língua. Era por isso que 'três dias virado' na voz de Pedro não soava estranho como era para a outra metade do time que vinha da Europa, África e Ásia.
— Desculpe se eu estou perguntando isso cedo demais, mas por que não escolheu por defender o Brasil, guapo? — Marek perguntou, juntando as sobrancelhas em curiosidade. — Acho que é o que todos se perguntam quando seu nome vem a tona.
Fernando negou com um sorriso no rosto, para tranquilizar o companheiro de time. Para outras pessoas, parecia que esse era um assunto proibido e que o jogador não gostava de falar sobre, mas era exatamente o contrário.
Não se importava muito, na verdade. Tinha sido uma decisão que tinha feito alguns anos antes e não se arrependia até o momento.
— Eu escolhi a seleção Brasileira pelo meu pai, quando era menor — Fernando explicou em inglês, vendo o amigo assentir em concordância. — Mas eles me disseram que eu não tinha grandes chances com todos os outros meninos da minha idade na época. Voltei para a Espanha desolado, mas fiz do país minha casa. Alguns anos depois o Brasil voltou atrás de mim, mas eu já estava decidido. La Roja.
Sorriu, lembrando de todas as coisas boas que tinha passado com a seleção Espanhola depois de ter pensado em desistir da carreira que nem tinha começado quando fora negado pelos olheiros do Brasil. Uma Euro, convocações recorrentes desde que tinha idade para ir para o time principal e um reconhecimento que fazia sua camisa ser uma das favoritas no Fan Shop.
Não podia dizer que se arrependia daquela decisão.
— Nunca ouvi a primeira parte — Marek confessou, assentindo. — E ouvi diversas versões da segunda. Mas nunca achei que tivesse escolhido eles primeiro.
— Eles contam a história que querem, Stawski — apertou o ombro do amigo, dando de ombros. — Mas eu não tenho problema em contar a verdade.
Trocaram um sorriso e Fernando estava pronto para se posicionar novamente no lugar designado pela equipe de vídeo quando Afonso Reina parou de frente aos jogadores, colocando uma mão na frente dos olhos para se proteger do sol.
— Dez minutos de intervalo, time — falou alto, vendo os jogadores começarem a se levantar dos lugares marcados. — Nem um a mais, nem um a menos.
O espanhol assentiu, caminhando lentamente em direção as arquibancadas do estádio onde tinha deixado sua pequena bolsa de marca que deixava seu celular e alguns produtos para emergência.
Sua mão foi diretamente para o aparelho e suspirou quase que frustradamente quando notou que não havia nenhuma mensagem nova ali além de algumas no grupo do time, outras no da família e uma provocação barata de Diego.
A conversa com Summer, porém, continuava da mesma forma de como estava quando ele tinha chegado ao centro de treinamento, quase três horas antes.
Ele tinha aprendido, na última semana que estava conversando com a alemã, que falar com Sunny era fácil. Falavam um pouco sobre sua mudança, ela o convidava para voltar ao café e ele acabava se abrindo demais.
Ana já tinha dito a ele, uma vez, que aquele deveria ser o mais defeito de Fernando Navarro. Achar que todo mundo que entrava em sua vida estava lá para ficar, o que acabava tornando-o vítima das suas próprias ações, quando colocava expectativas demais onde não deveria.
Mas quem ele queria enganar? Criava expectativas de um segundo encontro desde que tinha se despedido da mulher, deixando-a na frente do endereço que ela tinha dado a ele, com nada mais que um beijo na bochecha e palavras vagas.
'Da próxima vez...', ele pensou, sorrindo bobamente antes de bloquear o celular e caminhar em direção aos amigos.
— Guapo, vem cá — Xavier Noguerra o chamou, fazendo-o desviar um pouco o caminho para onde o amigo estava, rodeado de mais três ou quatro jogadores. — Estamos planejando algo para esse fim de semana. Alguma chance de você estar querendo matar um pouco a saudade de casa e querer ir para um clube espanhol?
Fernando arqueou as sobrancelhas em surpresa, não fazendo ideia que havia um daqueles em Munique. Não era a pessoa menos tímida do mundo, mas se divertia muito quando um Reggaeton conhecido tocava e talvez fosse exatamente disso que ele precisava no momento.
— Si, parece divertido — assentiu, apertando o ombro de Xavier. — É um bom lugar para levar uma companhia?
Todos os jogadores levaram o olhar até ele, fazendo sorrir sem graça assim que as provocações começaram junto a gritos finos, exatamente como seus colegas de escola fariam quando ele tinha quinze anos.
Não tinha como levá-los a sério.
— Menos de três meses na cidade e você já arranjou uma companhia — Moncho imitou o tom que ele usou para falar a última palavra, rindo. — Estou gostando de ver, guapo. Mas sim, é um ótimo lugar. Convide-a.
— Cállate, Ramírez! — Nando o empurrou pelo ombro, rolando os olhos. — Acho que estou dentro, então.
Xavier comemorou e logo o assunto mudou para o jogo que teriam nos próximos quatro dias, com um Leon Thalberg preocupado em como eles se virariam sem Nando. Ficou claro que a escalação do espanhol dava mais liberdade ao meio de campo e mais movimento ao jogo, mas a faixa azul que usava na panturrilha e as muletas esquecidas no vestiário ainda o impediam de voltar ao treino em grupo.
Foi só quando o apito estridente de Afonso soou pelo campo que eles voltaram às duas posições iniciais, rindo exaustivamente no momento que Pedro recomeçou sua cantoria e metade dos jogadores reclamaram do talento inexistente do brasileiro.
— Pedro, você realmente sabe todas as músicas que lançam naquele país? — foi Stephen Knight que perguntou, fingindo apertar suas têmporas. — Isso é humanamente impossível.
— O que eu posso fazer — o homem respondeu, dando de ombros sorrateiramente. — Eu faço o meu melhor.
•••
Se não fosse pela movimentação geral, Summer Kaufmann nem teria percebido que a professora tinha encerrado a aula da manhã.
Estaria mentindo se dissesse que tinha prestado atenção em qualquer coisa dita na aula de economia, passando boa parte do tempo resolvendo coisas da visita beneficente que faria nos próximos meses e relendo a conversa de Fernando Navarro.
Não se orgulhava do último, principalmente por não ter digitado nenhuma resposta ao bom dia do jogador que viera mais ou menos na mesma hora que seu despertador tocou pela primeira vez. Já o tinha visto ficar online muitas vezes depois que enviara, mas Sunny se questionava se estava fazendo a coisa certa em envolvê-lo na bagunça que estava sua vida nas últimas semanas.
Ele provavelmente não estava querendo nada sério e ela podia dizer o mesmo, mas tinha medo que qualquer atitude que ela tomasse tivesse uma repercussão negativa na visita que fariam juntos no final do ano. Nando pareceu-se extremamente animado com tudo, se dispondo para levar cards autografados do Eintracht München para a instituição que iriam e outras ideias que acabaram anotadas no canta do caderno de Summer.
Ela só se esforçava para entender qual era a de Fernando Navarro.
Nando não parecia ter um ego enorme como todas as histórias que ela tinha escutado sobre um ou outro jogador, mas ela sabia que não podia se confiar pelos dois encontros que tiveram e por algumas mensagens que trocaram. Pensava que talvez ele apenas estivesse pagando de um bom garoto quando Ann parou exatamente na sua frente, fazendo-a bloquear o celular e deixar Fernando Navarro de lado.
— Você está extremamente quieta hoje, sunshine — Ann falou, apoiando uma das mãos na mesa da loira, enquanto ela colocava suas coisas rapidamente na bolsa. — E eu sei que tem algo fora do lugar.
Summer sorriu sem mostrar os dentes em direção a amiga, suspirando fundo antes de assentir lentamente.
Conhecia Ann há três anos, desde que as duas entraram da LMU e acabaram na mesma sala. Sempre fora, desde o colegial, uma pessoa de muitos amigos e não foi uma grande surpresa que em poucos meses ela se viu no meio de um enorme grupo que se reunia aos domingos para assistir um jogo do campeonato alemão e às sextas para conhecer um barzinho novo da região.
Mas desde que a doença do seu pai começou a evoluir, seus fins de semana eram passados em Dresden, deixando o comando da Des Versteck com seus funcionários de confiança e ausente de metade das saídas dos seus amigos.
Não era a realidade daquelas próximas semanas, já que as provas do semestre começavam a se acumular e ela tinha prometido ajudar Pia com o enxoval e Lilie com as coisas do casamento, já que Munique era um polo maior que Frankfurt para que ela pudesse procurar um buffet e acertar os últimos detalhes.
Isso também queria dizer que talvez ela também tivesse tempo para Fernando Navarro e o que fosse que ele tinha em mente.
— Só algumas coisas com meu pai, Ann — explicou-se assim que se levantou, colocando bolsa no ombro enquanto dava de ombros. — As notícias não são muito boas e eu acabo ficando para baixo, mas isso vai passar.
— Eu sinto muito — a amiga lamentou, recebendo um pequeno sorriso de Summer. — Mas por favor, você tem que sair de casa um pouco. Eu fiquei pessoalmente encarregada de te levar para sair com a gente hoje.
Summer pensou um pouco antes de direcionar seus olhos azuis para Ann, apertando os lábios em uma fina linha enquanto pensava.
— Eu tenho que ir no café.
— Eu sei que você tem, é por isso que vou passar para te buscar às sete, quando as coisas já estão mais tranquilas por lá. Vamos lá, Sunny. Foi legal quando nós saímos semana passada, não foi? E é a minha despedida. Berlim não é aqui do lado.
Sabia que o argumento que Ann usava para convencê-la não era justo, mas ela tinha um ponto. Ann tinha conseguido um bom emprego em Berlim e, nas próximas semanas, faria toda sua mudança para a capital.
A loira pensou um pouco antes de sorrir e assentiu, lembrando do dia que foram assistir o jogo do Eintracht München no pub com a amiga. Tinha sido divertido e, na verdade, não havia uma vez quando ela resolvia sair com seus amigos que não era.
E Ann estava certa, sair seria bom para ela. Colocar a mente no lugar, beber sem tanta preocupação com a aula do dia seguinte, com sua família ou com as finanças do café. Deixar todas as responsabilidades que tinha assumido para trás, só por algumas horas que fosse.
— Para de pensar demais, Summer Kaufmann — Ann a repreendeu assim que percebeu que ela estava há muito tempo quieta, fazendo-a sorrir. — Esse é o seu maior problema. Às vezes, você não precisa pensar demais. Só vai.
Summer mordeu o interior da sua boca até o momento que sentiu dor, engolindo em seco antes de assentir levemente e apertar ainda mais seus dedos contra o tecido da sua bolsa.
Se ela pudesse desligar seu cérebro hiperativo por uma noite que fosse...
— Isso é exatamente o que eu precisava ouvir hoje — murmurou em resposta para a amiga, colocando a mão na bolsa e segurando o celular com força. — Isso e uma Bier.
— Então está fechado, sunshine — Ann comemorou com palminhas, com um grande sorriso no rosto. — Oh Sunny, como você vai ficar sem mim?
Summer fez biquinho, acenando para a amiga assim que ela deixou a sala na sua frente enquanto poucas pessoas ficavam para trás. Abriu o aplicativo de mensagens do seu celular, não pensando nem um pouco antes de abrir a conversa de Fernando e responder sua mensagem, bloqueando o aparelho logo em seguida para não ver o que o jogador iria responder.
Não adiantou muito, já que poucos instantes depois a sua tela se acendeu novamente, mostrando uma resposta, rápida e efetiva, do jogador.
Não pensar muito.
Ela decidiu não pensar muito sobre o caminho que as coisa iriam tomar com Fernando Navarro.
E dar um voto de confiança aos olhos escuros mais bonitos que já tinha cruzado em Munique.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro