6. Like a Summer Breeze
O responsável pelo projeto da sala de fisioterapia do Eintracht München tinha um espírito que podia ser compreendido como incentivador ou puramente masoquista.
Foi a primeira coisa que Fernando Navarro pensou após conhecer o lugar, quando fora devidamente apresentado no clube e a todos os espaços que ele oferecia, quase dois meses antes. Agora, frequentando-a pela terceira vez em quase dois meses de treino, ele não estava menos incomodado com o fato de que uma parte dela era completamente de vidro, onde ele poderia ter uma vista de camarote do treino do time. Nem a música ambiente que ele escolhera era capaz de impedir que a voz autoritária de Afonso Reina fosse escutada, no campo ao lado.
O jogador tinha o rosto apoiado nas mãos enquanto, deitado, recebia massagem do preparador físico que o acompanhara desde o começo do seu tratamento. Seus olhos acompanhavam a bola que ia de um lado para o outro, até deixando que um sorriso cruzasse seus lábios quando Greco Fiorentini fez uma defesa sensacional de uma bola que parecia certeira ao traçar seu caminho até o gol.
— O quão grave é a minha lesão? — questionou, colocando em palavras toda a vontade que tinha de deixar aquela sala que parecia sufocá-lo. — Eu posso ao menos ter um treino individual?
A risada de Boris era fruto da impaciência visível na fala do camisa 10 que, se pudesse, não teria nem mesmo passado naquela sala como recomendado pelo treinador no dia anterior.
Geralmente os jogadores ganhavam o dia após um jogo de folga, principalmente os titulares, mas não tinha sido assim após o jogo de estreia do time Lila de Munique. A frustração no vestiário após o apito final sumiu assim que Afonso Reina entrou pelas portas, parabenizando todos pela grande partida, anunciando que no dia seguinte eles teriam treino normal e pedindo para Navarro passar pela médica do time.
Pedido que não fora acolhido de primeira, já que o atacante continuava a insistir que ele estava bem o suficiente para deixar a visita para o dia seguinte. Mas não conseguiu vencer o olhar autoritário do treinador e o jeito mandão da mulher que o consultara um pouco depois.
— Ainda não — o preparador físico respondeu, virando-se para pegar mais uma faixa de relaxante muscular. — Você provavelmente não vai treinar mais por essa semana. E se você não respeitar seus limites, Fernando, vai frequentar essa sala por mais tempo do que gostaria.
Antes que o jogador pudesse retrucar, Boris apoiou suas mãos em um lugar que ele já sabia que doía, fazendo o espanhol travar o maxilar em tentativa de prender o muxoxo de dor que tentava sair do seus lábios.
A aplicação da faixa azul trouxe alívio quase imediato, fazendo-o fechar os olhos e relaxar na maca que estava deitado. Quebrar as recomendações médicas não era uma possibilidade e tinha ficado muito claro que a médica que o atendera era muito boa no que fazia.
E, como ela tinha dito no dia anterior, o músculo da panturrilha de Fernando Navarro preocupava.
Algo tinha saído errado no seu jogo de estreia.
Não só o fato de só ter acertado um dos sete chutes a gol que fizera só no primeiro tempo, mas também uma lesão muscular.
Como sempre, não sentira nada durante o jogo e nem Afonso Reina com seus olhos críticos percebera que Fernando estava correndo diferente ou com algum incômodo. Sua substituição não tinha sido pensada em nenhum momento pelo treinador, nem solicitada pelo jogador, mas bastou o apito final para Fernando começar a sentir.
Desconforto.
Um puxão na parte anterior da sua panturrilha, como se estivesse algo preso ali toda vez que ele tentasse correr ou andar. Algo que tornava o simples fato de encostar o pé no chão um trabalho doloroso, junto com uma forte fisgada toda vez que ele tentava se apoiar nele.
Não solicitou atendimento em um primeiro momento, mas a dor não o abandonou até o vestiário. E foi só ali, após ouvir todos os gritos frustrados de Reina pelo empate, que ele fora encaminhado para a médica do clube.
Os burburinhos começaram ainda entre os jogadores quando eles viram o jogador deixar o estádio do clube, algumas horas mais tarde, com faixas de relaxantes musculares em sua panturrilha para aliviar o músculo em um primeiro momento. O espanhol fora para casa com duas muletas roxas e um vidro de remédio para dor que seria o único que conseguiria fazê-lo pregar os olhos por algumas horas.
Na manhã seguinte, a dor já havia aumentado gradativamente e se tornara cada vez mais insuportável, junto com o sentimento de que algo estava tremendamente errado. O diagnóstico veio logo em seguida após uma bateria de exames, um olhar afiado da médica do time e duas muletas que seriam suas melhores amigas nos próximos dias. Em termos mais técnicos: um estiramento do músculo gastrocnêmio medial.
O nome difícil que a médica tinha falado mais cedo naquele dia não tinha chamado a atenção de Fernando, mas a atenção que ela deu logo em seguida tinha.
Três semanas fora.
E, depois de ser cortado por um tom durão que o colocou no lugar, nenhum dia a menos e nenhum dia a mais, se ele seguisse as recomendações rígidas da mulher que não deveria ser mais velha que ele.
Pensou em passar as três semanas que ficaria de molho em Barcelona com a companhia do seu preparador físico e essa fora a primeira sugestão de Ana, que quase pegara o primeiro voo para a Alemanha quando escutara da lesão do filho pela televisão.
Mas fora Joaquim, seu pai, que o convenceu de mudar os planos. Segundo o jogador aposentado, seria bom para Fernando Navarro se ele ficasse aquelas três primeiras semanas em Munique, se acostumando com o lugar que chamaria de casa pelo menos pela próxima temporada. O coração de Joaquim queria o filho perto, mas toda sua carreira de transferências tinha ensinado a ele que aquele momento inicial era decisivo.
Era ali que Fernando ia decidir se queria plantar suas raízes de vez ou apenas se tornar um visitante, que aproveitaria qualquer oportunidade para voltar para Barcelona.
Escolheu por, ao menos, tentar.
Tentar se acostumar com aquela cidade mais cinza que Barcelona, mais fria que quase todos os lugares que ele tinha estado no mundo e com uma língua ainda muito difícil de ser entendida.
— Ainda sentindo dor? — Boris perguntou ao vê-lo apertar os olhos assim que suas mãos pararam em cima da sua panturrilha, vendo-o mostrar certa resistência antes de assentir. — Isso é completamente normal. Continue com a medicação pelos próximos dias e você estará novinho em folha em três semanas. Todos nós estamos ansiosos para te ver nos campos novamente.
Nando assentiu, oferecendo um sorriso pequeno para o fisioterapeuta antes de apoiar o rosto na maca e tentar não criar expectativas com a frase do homem. Sua vontade era se livrar das faixas relaxantes que estavam na sua panturrilha desde que deixara a sala da médica e correr pelo campo, sentindo a grama prender-se nas travas da sua chuteira, mas sabia que tinha que ser paciente e torcer para que tudo ocorresse como o planejado.
Os outros jogadores do Eintracht München comentavam que ele tinha tido muita má sorte para pegar um lesão logo na estreia mas todos, inclusive Reina, o apoiavam completamente. Aquele era um ponto que pesava, fazendo-o se sentir confiante para seu retorno, que não estava tão longe assim.
Estava tentando levar a lesão, que segundo os médicos poderia ser bem pior do que realmente havia sido, como um aviso de alerta para ele manter a cautela, mas continuava a buscar a positividade em todos os aspectos daquela situação. Fosse pelos comentários agradáveis que recebia nas redes sociais ou nas frases inspiradoras que tinha na parede da sua própria sala de treinamento, em seu apartamento.
O celular vibrou em cima da maca que Nando estava deitado de bruços, fazendo-o procurá-lo só para responder uma mensagem que podia apostar que viria de Diego ou de Ana. A mãe já era coruja quando ele morava embaixo da sua asa e depois que ele se mudara e se lesionara, a frequência de mensagens tinha dobrado. Não ficaria surpreso se ela aparecesse na sua porta no dia seguinte, contra-argumentando que não havia modo melhor que se recuperar do que perto da mãe.
Sua estranheza começou pela mensagem vir de um número não cadastrado, fazendo-o ser obrigado a abrir a conversa para ler o que havia sido dito.
'Hallo Fernando, é a Summer. Conseguimos agendar a visita para uma instituição no dia 22 de dezembro, está bom pra você? É um bom lugar, posso te passar as informações se você quiser. xx'
Suas sobrancelhas se juntaram em curiosidade assim que viu a mensagem e um sorriso cresceu em seus lábios logo em seguida, não perdendo tempo antes de discar o número de Diego sem maiores dificuldades.
Não que ele precisasse de ajuda do irmão para responder uma mensagem de alguém que tinha chamado sua atenção, só...
Talvez ele precisasse sim de ajuda do irmão para responder uma mensagem de alguém que tinha chamado sua atenção. Mas não que tivesse alguma pretensão de assumir isso em voz alta.
— Hola hermanito! — a voz de Diego foi ouvida após o segundo toque e pela música alta que era escutada ao fundo Fernando sabia que ele deveria estar indo ao treino. — Já com saudades? Eu só te deixei há duas horas e...
— Cedo demais, Diego — Nando o cortou, quase conseguindo ver o irmão rolando os olhos quando ele falou. — Eu deveria estar te ligando para cobrar a geladeira vazia que você deixou, mas vou esquecer isso dessa vez.
— Como se você não fizesse isso todas às vezes que passa no meu apartamento, Fernando — Diego respondeu, fazendo o irmão mais velho sorrir. — Qual o motivo da ligação, então?
— Summer... Você se lembra dela? — falou, pigarreando em seguida para não dar abertura do irmão fazer qualquer gracinha. — Nós falamos sobre uma visita beneficente para o natal naquele dia e ela acabou de me mandar uma mensagem. Disse que pode me passar mais informações sobre, se eu realmente estiver afim.
— Você já a respondeu? — Diego soou animado pela linha. — Diga a ela que você tem interesse e me deixe escolher um lugar para você levá-la. Oh, Nando, se você não me deixar ser seu best-man no casamento de vocês dois, eu...
— Ei, ei, devagar — Fernando o interrompeu, rindo. — Nós nem nos conhecemos direito.
— Mas vocês conversaram e você me disse que ela parecia ser uma boa pessoa. Por favor, Nando, me diga qual o problema em tentar se divertir um pouco? Você tem três semanas para conhecer Munique e as pessoas de Munique. Por que não começa por Summer?
Fernando pensou em milhares de coisas para responder ao irmão, mas nada soava convincente o suficiente. No fundo, Diego tinha um ponto e ele não bancaria o irmão mais velho em desacordo só porque estava acostumado em estar quase sempre sozinho na nova cidade.
— O que eu respondo a ela, então? — Nando murmurou baixinho, como se assumir aquilo em voz alta fosse dar a Diego a razão que ele não gostava de dar ao irmão mais novo.
— Tire um print da conversa dela e me mande, eu escrevo a resposta e te mando de volta — Diego falou e o som de fundo cessou no instante seguinte. — Eu acabei de chegar ao centro de treinamento e preciso desligar, me mande logo.
Antes que Fernando pudesse responder a ligação ficou muda, fazendo-o rolar os olhos antes de fazer exatamente o que o irmão tinha pedido. A resposta veio menos de um minuto depois apenas para comprovar que Diego estava bem mais acostumado em responder mensagens de flertes do que ele.
Não leu o que o irmão mandou mais de duas vezes ou iria perder a coragem, e viu seu dedo tremer assim que encaminhou a mensagem para a conversa de Summer. E só travou o celular quando viu os dois famosos riscos do Whatsapp ficarem azuis.
Nós poderíamos nos encontrar para você me falar sobre ela. O que acha? ;) x
♡♡♡
Fernando só a reconheceu pelos cabelos loiros que balançavam e cobriam seu rosto por causa do vento da tarde da cidade, enquanto ela andava em sua direção.
Não porque a tinha tirado por um segundo sequer da sua cabeça, bem diferente disso. Quando chegou na sua casa após sair da cafeteria, e pelos três dias seguintes que se passaram, a primeira coisa que fez foi procurar suas redes sociais. Não fora uma atividade difícil, graças ao seu nome diferente e seu sobrenome ser conhecido pelo jogador. A tarefa mais difícil, porém, foi se contentar a ter acesso a apenas poucas fotos suas que eram abertas ao público. De resto, ele só sabia que ela frequentava uma faculdade da cidade e que gostava de compartilhar vídeos de músicas que Nando fez questão de inserir em uma das suas playlists do Spotify.
Tinha ficado inquieto desde o momento que tinha recebido a mensagem dela, quatro dias antes, mas tentava parecer o mais tranquilo possível enquanto a via caminhar em sua direção, com o vento bagunçando seus cabelos mas não vencendo o sobretudo pesado que ela vestia.
Fingiu casualidade assim que a mulher parou em sua frente, com as mãos escondidas nos bolsos, as bochechas rosadas e um pequeno sorriso em seu rosto. Não deixou de notar que Summer estava ainda mais linda embaixo da luz do sol, fazendo-o engolir em seco assim que percebeu que precisava dar o próximo passo.
Se aquilo não era interesse, como Diego tinha colocado, ele não sabia dizer o que era.
— Eu achei estranho você ter marcado na frente do Palácio Nymphenburg e não ter mencionado uma visita turística — Summer falou com um sorriso tímido nos lábios, usando uma das mãos para retirar o cabelo que insistia em cobrir seu rosto. — Você iria se surpreender com meu talento para guia.
— Pensei em outra coisa para nós fazermos dessa vez, mas nós podemos marcar — Fernando respondeu, aproximando-se do corpo dela e deixando um beijo carinhoso na sua bochecha. — Só me garanta que não tem medo de barcos.
Ele podia justificar o ato como costume que já tinha de cumprimentar todos assim, mas era algo um pouco além disso. Na verdade, não queria manter muito espaço de Summer e estava morrendo para ter um momento a sós com ela.
O ato, como esperado por ele, a pegou de surpresa, fazendo suas bochechas ganharem cor como faziam com facilidade.
— Não tenho — respondeu a pergunta que ele tinha feito previamente, desviando o olhar para o topo das botas que usava. — Me mostre o que tem em mente.
A frase serviu como um gatilho para Fernando começar o plano, perfeitamente articulado por Diego como ele se gabaria, oferecendo sua mão para que ela aceitasse.
Summer pensou por um segundo, dizendo para si mesma que só estava fazendo aquilo porque ele se mostrara como uma boa pessoa. Demoraria para assumir que além de boa pessoa, Fernando Navarro também tinha um sorriso de deixar qualquer pessoa tentada e olhos pedintes. Além do porte espetacular e de uma risada contagiante.
O gesto, que deveria ser aceitável para bons amigos apesar deles serem meros conhecidos, tinha um significado diferente assim que Summer se deixou guiar por ele. Não tinham dúvida que todas as pessoas que passavam pelos dois os viam como um casal de jovens apaixonados, como percebiam pelos segundos olhares e sorrisos que recebiam.
Apesar de não ser exatamente o que eram, não estavam incomodados. Nem com os olhares, nem com os dedos entrelaçados ou com o tradicional papo de 'como você está' que engataram até que chegaram à beira do lago do Schlosspark Nymphenburg, onde uma gôndola esperava pelos dois.
Fernando estava com apenas uma muleta roxa e Summer não deixou de reparar, percebendo que ele mancava levemente quando pisava com o pé direito no chão. Imaginou que aquilo era o resultado da lesão que tinha sido divulgada ainda na noite após o jogo de estreia do campeonato alemão, sentindo o coração apertar apenas de vê-lo machucado.
— Você está bem? — perguntou, não conseguindo ignorar a curiosidade que a fazia se preocupar se estava incômodo para ele estar apenas com uma.
— Só uma lesão muscular sem muita importância — Fernando desconversou, negando antes de parar na borda do lado, assentindo para o homem que parecia esperá-lo. — Não é Veneza, mas Munique também tem gôndolas — continuou sorrindo, ajudando Summer a subir no pequeno barco e se sentando ao lado dela em seguida. — Aproveitei o sol no meio do inverno para fazer algo diferente. Nós podemos conhecer o Palácio outro dia.
Fernando até poderia fingir que não tinha percebido o fato de ter deixado subentendido no final da sua frase que teriam outros dias, mas foi a única coisa que soava na cabeça de Summer assim que ele fechou a boca.
Ele a ajudou a subir no simpático barco de madeira que o recordava muito o país onde tinha passado alguns anos de sua vida quando era menor, agradecendo ao gondoleiro com um cordial sorriso assim que os dois já estavam sentados lado a lado e ele começou a remar para longe da beira do lago do parque.
A proximidade com que mantinha seu corpo do de Summer o permitia sentir o cheiro do fresco e agradável perfume que ela usava e também fazia com que a mente criativa de Fernando se perguntasse como seria ter aquele mesmo cheiro em seu travesseiro pelas manhãs.
Não se culpava por ter aqueles pensamentos que podiam ser explicados pela beleza que ele via nela, em seus curtos cabelos loiros e boca naturalmente vermelha como se ela tivesse acabado de retirar um batom vermelho dos seus lábios.
E ele nem precisava falar da primeira impressão que tivera da alemã, quebrando todo e qualquer estereótipo que tinha criado nas primeiras vezes que estivera ali. Era como se Fernando pudesse passar horas e horas seguidas a ouvindo falar, com um brilho especial nos olhos, que ele provavelmente não se incomodaria.
— Eu preciso te mostrar o lugar que iremos visitar, se você realmente tiver interesse — Summer falou assim que se acomodou no banco de madeira, colocando as duas mãos em seu colo. — Pelas fotos e pelas informações vai ser uma das visitas mais gratificantes que eu já fiz.
— Isso é muito bom — Fernando demonstrou interesse, assentindo. — Continue, eu estou ansioso para saber como funciona.
— É um instituição que acolhe crianças carentes com câncer, dando o maior apoio e suporte para elas e para suas famílias — Summer começou a falar, tirando um panfleto da bolsa que carregava para entregá-lo para Fernando. — Parece ser um lindo trabalho, meu avô ajudou eles uma vez e eu fiquei muito surpresa de ter conseguido agendar a visita com facilidade. Dois dias antes do natal, então eu peguei uma lista dos nomes e das idades de todas as crianças do lugar para dar a elas presentes além do dinheiro que iremos doar e...
Summer parou de falar assim que percebeu que Fernando parecia não mais seguir o ritmo da conversa, não prestando mais atenção no que ela falava mas em quem falava. O jogador olhava para Summer como se ela fosse a vista mais bonita a ser admirada, mesmo com os cabelos bagunçados pelo vento e os lábios perdendo a cor pelo frio que o vento causava.
— Você não está ouvindo — ela concluiu, descendo o olhar para as mãos que repousavam em seu colo, não escondendo um sorriso frustrado. — Se você não está mais interessado, Fernando, tudo bem. Eu só...
— Não, não, por favor, continue — Fernando a interrompeu, colocando sua mão por cima da dela e fazendo-a voltar o olhar para seu rosto. — Eu estou interessado, eu juro. Eu só queria... Ouvir mais de você também.
O minuto seguinte seguiu em silêncio quebrado apenas pelo som do remo do homem que direcionava a gôndola e se fazia quase invisível e da respiração visivelmente alterada de Fernando. Ele estava nervoso, e ser encarado pelos olhos mais intimidadores que ele tinha conhecido em Munique o deixava ainda mais apreensivo. O que o tranquilizava, e ao mesmo tempo o apavorava, era o sorriso confortante que ela o oferecia, parecendo achar graça do jeito dele.
E no fundo, Summer achava. Não graça do jeito dele, mas uma graça ele.
— E você escolheu uma gôndola por causa dos seus anos na Itália?
Summer perguntou depois de uns instantes calada, mas a sua reação após a última palavra sair da sua boca foi de desespero, já que obviamente não deveria saber daquilo
Fernando a encarou com dúvida enquanto tentava procurar na sua memória quando tinha mencionado sua infância para ela, mas já era tarde demais e o sorriso em seu rosto demonstrava que tinha sido pega no flagra.
— Você nunca me disse, mas... — Summer desviou o olhar dos dele por poucos segundos, sentindo suas bochechas esquentarem. — Eu vi o seu jogo de estreia e... Eu procurei seu nome no Google. Uma vez.
Ela mencionou aquilo com uma vergonha que deveria ser a sentida pelos grandes futebolistas que tinham problemas com impostos.
O que só fez com que Fernando gargalhasse ao vê-la com as bochechas coradas e um desconforto que não era seu.
— O que mais você leu? — perguntou, segurando uma das mãos dela que estava apoiada em sua perna enquanto Sunny teimava a olhar a paisagem que eles estavam deixando para trás.
O contato não premeditado, porém, fez com que ela relaxasse no banco, voltando lentamente a encarar os olhos castanhos do jogador a sua frente. Suspirou pesadamente, como uma criança fazia após ter sido pega com a mão na massa, deixando sua mão entre as de Fernando.
— Li que você nasceu na Itália, mas que foi para a Espanha ainda muito pequeno por causa do seu pai, então no momento que vi que seus planos envolviam um passeio de gôndola, tudo pareceu fazer sentido — murmurou, pensativa. — Li que você faz aniversário em abril e que é a nova contratação do Eintracht München. E sei que todo mundo em um raio de vinte quilômetros sabe quem você é, então você deve ter me achado uma boba por não ter reconhecido de primeira no café.
Summer parou por um segundo antes de continuar, deixando um sorriso quase infantil tomar lugar em seu rosto.
— Não li mais que isso — confessou, apertando seus lábios em uma fina linha. — Era estranho olhar a sua página da Wikipédia e perceber que você é a mesma pessoa que eu tinha conversado dias antes. Eu senti como se... Como se eu estivesse colocando o nariz onde não fui chamada. Eu prefiro... Prefiro que você me diga.
Se teve algum outro momento que Fernando Navarro se sentiu tão à vontade com uma pessoa desde que havia chegado em Munique, ele não conseguia se recordar. Não houve nenhum instante enquanto ela falava, ou após terminar, que ele duvidou da veracidade do que ela tinha dito.
Conseguia ver no fundo dos seus olhos que Summer não tinha ido mais longe que a página principal da busca do Google, com uma visão rápida dos seus dados da Wikipédia.
E por isso, e tantas outras coisas, ela merecia seu voto de confiança.
— O que você quer saber? — ele perguntou, relaxando os ombros. — Eu respondo e garanto que vou mais longe que a página da Wikipédia, mas eu também quero ouvir de você.
O jogador brincou, mas tinha um pouco de razão ali. No começo do seu estrelato nos campos a sua página era bem vazia, apenas com seu histórico de transferências que se resumia em uma linha e um pouco sobre sua família. Ela tinha crescido nos últimos anos junto com o destaque que ele tinha ganhado no time de Barcelona, quando ainda tinha alguma chance de começar entre os onze escalados. Nos últimos meses, se resumia a boatos de transferências e uma descrença dos jornalistas assim que ele foi relacionado com o time de meio de tabela da Alemanha.
— Feito. — Ela concordou, sem coragem nenhuma para tirar sua mão do contato que tinha com a dele.
Summer gesticulou para que ele seguisse em frente, colocando uma mecha do cabelo bagunçado atrás da orelha.
— Por que você tem um nome tão... Inglês? — ele questionou, deixando o olhar cair para suas mãos juntas, voltando a encará-la em seguida. — Summer. Verão.
— Sommer — falou a exata tradução do nome em alemão, sorrindo em seguida. — Eu nasci em Dresden, na última semana de janeiro, o mês mais frio do ano na Alemanha. Minha mãe sempre foi muito ligada a natureza e ela tem o jardim mais lindo da cidade até hoje...
Ela sorriu, parecendo se recordar de pequenos fatos da sua infância, o que fez Fernando sorrir também.
— Minha irmã mais velha nasceu na primavera e ela a chamou de Lilie. Uma flor da estação — riu, olhando para o jogador que a observava de perto. — Ela tinha planos de fazer o mesmo comigo, mas eu nasci no inverno. Na estação que ela mais odiava no ano completo... Então ela me chamou de Summer, com a promessa de que eu seria responsável por aquecê-la durante os invernos que seguiriam. Meu pai foi o responsável por registrar Summer e não Sommer, porque ele achava que não soava certo. O que virou Sunny, assim que minha irmã começou a falar.
Fernando já tinha escutado e lido em alguns livros de bebês que o nome da criança era responsável por contar toda uma história.
Nunca levou muito a sério, já que sua mãe nunca soube explicar ao ser questionada porque escolhera Fernando e Diego, mas brigava para dizer que o último veredito tinha sido seu. Enquanto seu pai, por outro lado, defendia-se ao dizer que ele tinha sido responsável pelos nomes e não Ana.
Contentou-se em apenas gostar do próprio nome.
Mas era diferente para Summer.
Pensou em quantas outras milhares de vezes ela tinha sido questionada a mesma coisa e quantas crianças malvadas não tinham feito piada do seu nome de estação durante a pré escola.
Ao explicar toda a história, porém, ela parecia sentir orgulho do que tinha sido destinada a ser desde o seu nascimento.
Verão no meio do inverno.
— Minha vez — ela quebrou o silêncio que já se tornava incômodo, ao perceber que não receberia mais que um sorriso radiante da sua companhia. — Por que jogador de futebol?
Tentou não demonstrar surpresa pela pergunta típica, mas o olhar fixo de Summer nele demonstrava que ela realmente estava interessada em ouvi-lo falar.
— Meu pai foi um jogador profissional — começou, fitando a água escura atrás de onde ela estava. — Ele não era tão conhecido como Cristiano Ronaldo ou como Kaká ficou, mas ele era bom. Minha mãe era jogadora de vôlei e só largou quando eu e meu irmão nascemos, então a gente foi praticamente criado no campo e no meio do esporte. — Sorriu, recordando-se de tantas vezes que tinha disputado a bola com Diego, mais novo porém não menos habilidoso desde que eram pequenos. — Crescemos com a bola e as chuteiras nos pés. Meu pai nos levava para o estádio frequentemente e nós acabamos na base do Barcelona cedo. Nunca foi algo que nós tivemos que escolher, parecia já estar definido desde o primeiro instante e... Eu nunca pensei em algo diferente.
Summer tinha certeza que o arrepio que passou pelo seu corpo naquele momento não era resultante do vento frio que atingiu os dois. Ficou feliz de não ter lido nada de Fernando na internet, já que a emoção com que ele confidenciou uma informação que deveria estar estampada em cada página que tinha seu nome não podia ser encontrada em nenhum outro lugar.
— Por que dona de um café na Alemanha?
— Dezoito anos e nenhuma profissão em mente para seguir, meus pais queriam que eu cursasse qualquer coisa e meus avós defendiam que eu deveria ter um tempo para mim antes de fazer essa decisão — explicou, dando de ombros. — Então eu saí da casa dos meus pais para morar com meus avós aqui e... Eu vi que era uma chance. Comecei a trabalhar no caixa para ajudá-los, mas não esperava que fosse ficar tudo para mim tão cedo.
Ele entendeu o que 'ficar tudo para mim' queria dizer.
— Eu sinto muito...
— Está tudo bem — Summer negou, engolindo em seco. — Eles me ensinaram tanto nesse tempo que eu não tenho do que reclamar.
— E eles devem estar muito orgulhosos da mulher que você é, Sunny. Você é incrível.
Summer teve que apertar os olhos para conseguir encará-lo graças aos raios do sol que dificultavam sua visão, buscando palavras para responder para o elogio que ganhara. A única coisa que conseguiu, porém, foi achar os olhos castanhos dele ainda mais impressionantes quando iluminados pelo sol, percebendo que ele também tinha várias sardinhas no rosto que apareciam com a maior luminosidade.
A proximidade dos dois estavam acabando com qualquer sanidade que ainda restava a ela.
— Isso é o que você fala para todas as mulheres que você conhece, não é Fernando Navarro? — arqueou uma sobrancelha em desafio enquanto o encarava com um sorriso nos lábios, negando. — Você se aproveita do seu charme latino.
— Eu já conheci algumas, mas... Nenhuma delas era como você, Sunny. — Ele sorriu ao usar o apelido íntimo dela, fazendo-a jogar o rosto para trás enquanto ria.
— Você não acha que é cedo demais para cantadas batidas?
— Ei, essa não é batida — Fernando riu, apoiando as duas mãos ao lado do corpo. — Eu não sei, eu olho para você e é como se conhecesse pela minha vida inteira.
— Cheesy — Summer murmurou entredentes, empurrando-o levemente pelo ombro. — Gôndola, discrição, cantadas batidas... Se você cantasse uma música de Ed Sheeran agora, o pacote previsível estaria fechado.
— Scheiße, eu acho que não me lembro a letra — o jogador brincou, aproveitando do momento que percebeu que ela estava relaxada para aproximar seus rostos. — Então você quer que eu seja menos previsível?
— É bom fugir do roteiro uma vez ou outra...
Summer não teve noção do peso que suas palavras teriam no jogador quando ele relaxou os ombros, sorrindo. Ela não fazia ideia do qual seria seu próximo passo, mas teve uma ideia assim que ele usou a mão que antes estava em contato com a dela para colocar uma mecha dos seus cabelos loiros atrás de sua orelha.
E a troca de olhares, que poderia ter durado um segundo ou uma eternidade de tempo, apenas foi quebrada com a proximidade que o rosto dos dois tomaram. Quando Summer sentiu uma das mãos de Nando em sua cintura, usou a sua para apoiar no começo das suas costas. Com o seu toque, percebeu que os músculos das costas dele se contraíram, fazendo-a se perguntar se ele estava com uma sensação boa exatamente como ela estava.
Os lábios dele já estavam prestes a buscar pelos dela e a ponta dos seus narizes já se tocavam quando ele ouviu um pequeno riso da parte de Summer, fazendo-o finalmente sair do transe que parecia ter entrado desde quando decidiu que iria beijá-la.
— Seu telefone...
— Eu ouvi — Fernando respondeu, abrindo os olhos que já estavam fechados para o que vinha a seguir. — Nós não podemos ignorar?
As mãos de Summer o empurrando pelo peitoral e a risada que ela deu respondeu a pergunta feita do jogador, suspirando pesadamente antes de procurar o aparelho em seu bolso.
Sua vontade foi de jogá-lo no lago ao ver a foto de Diego estampar a tela, rolando os olhos antes de deslizar o dedo para atender a ligação.
— Desculpe, eu fiquei curioso — falou assim que Diego colocou o celular na orelha, parecendo estar afobado. — O que está acontecendo aí? Eu nunca deveria ter voltado para casa.
— Você sabe que é o maior empata foda desse mundo, Diego? — Fernando controlou seu tom de voz ao falar em espanhol, fazendo com que Summer apenas sorrisse com a diferença do idioma e desviasse o olhar do jogador para as águas do lago. — O que mudaria com você aqui? Você não viria de qualquer forma.
— Você ia achar que eu não estaria ai, mas eu estaria embaixo de uma árvore observando cada movimentos de vocês dois — Diego respondeu e Nando quase conseguiu ver o sorriso irônico que ele provavelmente deu. — Só me diga se você já passaram da primeira fase ou...?
— Desculpe hermano, eu preciso desligar.
— Fernando Navarro, vai se fo...
Fernando desligou o celular antes que o irmão pudesse concluir a frase, colocando o aparelho em modo avião para evitar que fosse interrompido mais uma vez.
Ele gostaria de poder voltar ao momento que seu nariz já tocava o de Summer, os olhos dos dois já estavam fechados e o beijo era o ato iminente do seu passeio. O clima ainda estava ali quando ele voltou seu olhar a Sunny, mas era como se ele tivesse acabado de perder o momento ideal. Não que realmente acreditasse naquilo, já que todo instante com a presença dela era como uma brisa de verão, e ele nem mesmo estava fazendo um trocadilho sem graça.
Fernando quase se arrependeu do que parecia ser a ideia mais genial para um encontro, já que o único modo de sair da situação pesada que tinha se instalado após a ligação de Diego era nadando.
Não que ele não soubesse nadar, mas tinha certeza que não haveria uma segunda vez se ele literalmente se jogasse no lago e nadasse de volta para a terra firme.
— Contínuo previsível? — Fernando perguntou, apertando os olhos assim que o fraco sol de Munique saiu do seu esconderijo atrás das nuvens.
— Não exatamente.
Foi o que Summer falou antes de encostar seu rosto no ombro dele, entrelaçando carinhosamente seu braço com o do jogador enquanto desviava o olhar do seu rosto para a paisagem que eles tinham acesso.
E Fernando não deixou de sorrir ao sentir o cheiro dos seus cabelos e a sensação de ter a pele dela em contato ao seu corpo.
Era suficiente por enquanto.
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