
2. Finding Home
Quando Fernando Navarro pisou pela primeira vez no campo de treinamento do Eintracht München em Grünwalder, já se passava das oito horas da manhã.
O jogador sabia o quanto o conhecido treinador odiava atrasos, por isso apressou o passo desde que cruzara o portão do centro de treinamento, mas fizera questão de cumprimentar cada funcionário que sorria em sua direção com seu pequeno vocabulário alemão e perdeu quase quinze minutos no trajeto.
Para ele, aquele carinho era loucura.
Claro, Fernando já tinha um nome feito em Barcelona, mas era tudo diferente em Munique e ele não se referia apenas ao clima ou ao uniforme, agora roxo, que ele vestia. Ele falava sobre a atenção que recebia não só nas redes sociais, onde era bombardeado por mensagens de boas vindas e desejos de sucesso, mas também nas calçadas da cidade, onde ele foi nitidamente reconhecido nas poucas vezes que resolveu deixar sua casa.
Era glorioso ser reconhecido da forma que ele merecia, mas também o trazia uma expectativa a mais que ele ainda não sabia lidar.
Seria a primeira vez em sua carreira que ele vestiria uma camisa dez.
E ele sabia, assim como todo mundo no seu novo clube, que vestir a camisa dez trazia responsabilidades. Com aquele número nas costas, ele tinha que mostrar porque o merecia.
Ficou claro que os torcedores não eram as únicas pessoas empolgadas para vê-lo assim que Nando pisou pela primeira vez no campo principal de treinamento do Eintracht München, recebendo olhares curiosos do restante do time que já se reunia em uma roda em torno de Afonso Reina.
Tentou não chamar muita atenção, se posicionando bem de frente ao treinador, mas atrás de dois jogadores altos que ele não identificou de primeira. Tinha os olhos presos nas chuteiras verdes que usava enquanto ouvia o discurso rígido em um inglês enrolado de Reina. Ele falava sobre suas táticas, que ele já conhecia bem, como funcionariam os treinos e o que ele queria para a temporada dos jogadores.
Reina passava mais que discursos idealizados de prêmios e necessidade de vencer, ele também passava confiança.
Enquanto falava, ele citava nomes dos jogadores do elenco e apontava para eles, falando com uma segurança certeira o que ele esperava do atleta para a temporada. Citava seus pontos altos, os que ele queria melhorar e enchia um ego com meia dúzias de palavras.
Fernando não sabia que sentia tanta falta daquele discurso, que só ocorria duas vezes por ano, até ouvi-lo.
— Você se perdeu no caminho, Navarro?
O espanhol levantou o olhar assustado, engolindo em seco ao perceber que tinha a atenção de Afonso Reina e de todo o resto dos jogadores do Eintracht München.
O tom duro usado pelo treinador fez com que um arrepio corresse pela sua coluna e ele abriu a boca duas vezes sem que nenhum som fosse emitido, fazendo o resto do elenco rir da sua reação.
— Desculpe, senhor — respondeu por fim, pigarreando para a voz soar mais firme. — Não vai se repetir.
Afonso assentiu uma vez antes de sorrir largamente, caminhando em direção ao espanhol e fazendo com que a rodinha de jogadores se abrisse para que ele pudesse chegar até o novato.
— Bem vindo a esse time, Nando — usou o apelido, apoiando as duas mãos no ombro de Navarro antes de puxá-lo para um abraço apertado.
Aquele era Afonso Reina e todos que trabalhavam com ele sabiam que não havia mente mais genial no futebol.
Não conhecido apenas pelo seu tom duro nos treinos, sua calma implacável durante os jogos e seu estilo de jogo surpreendente. Também carregava duas Champions League com o Barcelona no currículo, quatro La Liga, duas Copa Del Rey e, o feito mais considerável nos dois anos na Alemanha, a volta à primeira divisão da Bundesliga com o time roxo de Munique.
Além de tudo isso, Afonso era um amigo que Fernando tinha orgulho de ter dividido mesas de almoço de domingo desde que era bem pequeno e o homem era conhecido do seu pai.
Fora ele que confiara a primeira partida de Navarro na base do time de Barcelona, como também fora o primeiro a parabenizá-lo assim que ele subiu para a seleção principal. Era com a confiança dele que Navarro entrava em campo entre os titulares e, agora mais que isso, ele era o responsável pela contratação do espanhol, considerada a mais cara da história do clube alemão.
— Eu sei que você vai tirar essa de letra — Afonso falou baixinho em espanhol, balançando a cabeça do jogador. — Mas se você precisar de qualquer coisa, você sabe que pode me ligar, não é?
Nando assentiu rapidamente, recebendo um tapa pesado do ombro antes do treinador voltar ao meio do círculo formado pelos jogadores que encaravam os dois em curioso.
— De você, Fernando, eu quero a garra — Reina falou, fazendo com que vários olhares se voltassem ao espanhol. — Quero seu perfeccionismo quando se trata de performance em campo, quero seu chute de esquerda que joga o goleiro para o outro lado...
Um pequeno sorriso apareceu nos lábios do jogador enquanto ele assentia levemente, sabendo que aquele era uma jogada sua que tinha ficado bem famosa e que sempre resultava em um belíssimo gol.
— Eu quero seu comprometimento e sua dedicação — continuou e a ruga no meio da sua testa ficou ainda mais visível com seu semblante firme. — Vamos trabalhar sua adaptação em um novo elenco, seu gênio dentro de campo, ampliar sua visão de jogo e recuperar sua autoconfiança, Navarro. Você precisa disso de volta.
Fernando não sabia se todos os jogadores ao seu redor sabiam do que o treinador falava, mas a verdade foi que ele não conseguiu nem piscar enquanto ouvia as sábias palavras do espanhol.
Reina falava de uma autoconfiança que fora pisoteada no momento que ele deixou de estrear como titular no time catalão e passou a ficar escondido em um banco de onde só saia após os oitenta minutos de jogo corrido. Uma decisão do novo técnico que não fora explicada com mais de meias palavras, algo que envolvia um 'elenco cheio' e chances para novos jogadores.
A chance que fora tirada das mãos dele e nunca devolvida.
A chance que ele buscava ter em Munique.
— Eu quero o melhor de vocês, estamos entendidos? — Afonso perguntou, olhando diretamente para o olho de cada jogador que havia em seu redor. — Eu perguntei se estamos entendidos.
— Sim, senhor — um coro soou pelo campo, fazendo com que o mais velho desse um sorriso satisfeito antes de levar o apito pendurado no seu pescoço aos lábios.
— Então vamos começar a porra dessa temporada da mesma forma que terminamos a última — falou alto, batendo palmas. — Como vencedores. Dez voltas no campo para aquecer e você, Navarro, cinco a mais. Cumpra a porra do horário!
Um sorriso ainda explodiu nos lábios do espanhol assim que Afonso terminou de falar, deixando um tapinha amigável no ombro do novato antes de passar por ele.
Assim que o apito de Afonso Reina soou pelo campo e ele deu as costas em direção ao seu assistente que observava o time de longe, os jogadores não se dispersaram de primeira. Todos eles, sem nenhuma exceção, se encaminharam até Fernando, se apresentando em inglês e estendendo a mão para o espanhol.
Ele não esperava por isso, mas devolveu cada sorriso que recebeu com o dobro da animação. Nando só conhecia dois dos jogadores que formavam o Plantel do Eintracht München e sabia que um deles estava afastado por uma lesão no quadril, mas não precisou dos amigos para se sentir confortável.
Era como se cada jogador que puxou papo com ele tivesse a intenção de fazê-lo se sentir bem vindo naquele lugar e essa era uma sensação que ele gostou de sentir.
A de ser bem-vindo em um lugar.
Quando começou a correr ao redor do campo, debaixo do olhar rígido de Reina, percebeu que talvez a Alemanha não fosse tão fria e isolada como ele tinha pensado em uma primeira vez.
Sentiu um empurrão no ombro e estava prestes a desacelerar quando se deparou com o sorridente Moncho Ramírez ao seu lado, o empurrando levemente mais uma vez sem perder o ritmo de corrida que os dois estavam.
— Bem vindo ao time, guapo — Moncho falou, usando do apelido que Nando tinha ganhado na seleção espanhola, fazendo-o sorrir. — Bem vindo a melhor época da sua vida.
•••
— Esse é o lugar mais bonito de Munique — Fernando pontuou, colocando as duas mãos na cintura enquanto observava a imensidão verde ao seu redor. — Definitivamente.
— Você disse isso de Grünwald. E do nosso estádio e da Marienplatz — Moncho citou, fazendo com que os dois homens que estavam ao seu lado dessem risada. — É como se todo lugar novo que você conhecesse se tornasse o lugar mais bonito de Munique. Ah, turistas...
Fernando tinha que ser justo. Desde que ele próprio denominara Munique como 'a cidade cinza', ele não esperava se deparar com o maior parque que já tinha visto na sua vida no meio dela.
E 'maravilhoso' era a única palavra que o espanhol podia utilizar para denominar o Englischer Garten, um parque a beira do rio Isar com árvores grandiosas e um enorme campo verde, lotado por locais que aproveitavam para pegar os últimos raios de sol do dia ou para se exercitar pela tarde.
Os três jogadores não chamavam atenção das pessoas que passavam por eles, apesar do parque estar lotado para um dia de semana. Fernando Navarro e Moncho Ramírez, que tinham ido direto do treino, não usavam mais o uniforme do time e Xavier Noguerra, que estava escondido embaixo de um casaco escuro com capuz, tinha encontrado os dois na entrada do lugar.
Talvez se o sol já não começasse a se despedir no horizonte e a luz ainda estivesse forte, um grupo de pessoas teriam se reunido ao redor dos três espanhóis e autógrafos teriam sido solicitados assim que colocassem os olhos neles.
— Nós sempre corremos aqui na segunda, quando Reina está de bom humor e nos libera do treino — Xavier falou, dando de ombros. — Você deveria se juntar a nós. É engraçado porque sempre encontramos outro cara do time por aqui, é quase que o único lugar na cidade agradável para correr.
— E quando você estará de volta aos treinos, Xavi? — Nando perguntou, vendo o amigo colocar as mãos na cintura por puro costume.
— Não devo demorar, guapo — respondeu, esboçando um pequeno sorriso em seus lábios. — Uma lesão no quadril é uma merda porque é difícil de ser tratada, mas eu já estou de volta aos treinos individuais. Foi por pouco que não te vi hoje, quando passei pelo campo você já estava treinando com os outros e eu não quis levar uma bronca de Reina.
— Você perdeu o discurso dele — Moncho pontuou, cruzando os braços. — Me pergunto se ele treina antes do dia ou se só olha para nossa cara e sabe exatamente o que dizer.
— O cara é bom — Nando murmurou, quase que pra si mesmo, arqueando as sobrancelhas. — Ele ainda vai levantar um troféu importante pro time.
— É claro que vai — Moncho pareceu ofendido, franzindo o cenho. — É exatamente para isso que você está aqui, para fazer gols e nos ajudar a colocar as mãos em um troféu importante. Eu sonhei uma semana inteira com o troféu que nós ganhamos a segunda divisão do campeonato alemão, imagine outro troféu esse ano? Eu sonharia com isso por um mês inteiro.
— Você provavelmente nem dormiria — Xavi brincou, vendo o amigo assentir enquanto Nando sorria.
— Provavelmente...
Os três ficaram em um silêncio agradável e enquanto Nando sorria discretamente em ver algumas crianças brincando de bola bem a sua frente, Xavi e Moncho se recordavam da fatídica noite de um ano antes, quando o time tinha conseguido terminar a segunda divisão do campeonato alemão como líderes e tinham voltado a liga principal.
A festa durou mais de vinte e quatro horas em Munique e durante boa parte desse tempo metade do plantel do Eintracht München tinha passado com alto teor alcóolico no sangue. Eles só queriam saber de banho de cerveja, passeata pública no ônibus do time e recepção calorosa no estádio recém inaugurado na cidade, o Südostenstadion.
Eles sabiam que jogavam por algo de maior dimensão que apenas prêmios, mas não viam a hora de disputarem algo grande novamente.
Ou melhor, disputar algo grande pela primeira vez. A famosa Liga dos campeões, que teria seus jogos sorteados na semana seguinte.
Sabiam que não era e talvez nunca seriam, nem de longe, os favoritos. Mas se houvesse algo mais gratificante que provar que o pequeno time da Alemanha era capaz de dar trabalho para seus adversários, eles não conheciam.
— O time é bom, guapo, muito bom — Moncho falou após um tempo em silêncio, fazendo com que o novato voltasse o olhar para ele. — Nós não temos tanto dinheiro para queimar em transferências como o seu antigo time, mas somos bons.
— E nós temos um estádio agora — Noguerra se intrometeu na conversa, fazendo Nando franzir o cenho. — É, nós não tínhamos um estádio até uns três ou quatro anos atrás e isso era um saco. Dividir estádio é um saco, principalmente se o outro time é o que costuma a ganhar a liga todo ano.
— Você estava na arquibancada do último derby de Munique, não estava? Foi a primeira vez que eu ouvi um rumor sobre sua transferência — Moncho comentou, vendo o amigo assentir. — Então você sabe qual é a atmosfera de um derby regional. É suor até o último segundo, guapo. Reina gritou no nosso ouvido durante todo o intervalo para não perdermos a cabeça. O Bajuwaren consegue mexer com a gente.
Moncho estava certo, já que Nando se recordava bem da noite que fora assistir ao último jogo da temporada do campeonato alemão, já que o espanhol tinha se encerrado uma semana antes e a primeira proposta do Eintracht München já tinha chegado ao escritório do seu pai.
Foi, naquele jogo, que ele escolheu o time que iria.
O jogador não comentaria com ninguém, mas tinha recebido outras propostas naquele fim de temporada. Times grandes, times médios, times pequenos. Liga inglesa, espanhola, italiana, francesa, mas tinha sido a alemã que tinha ganhado.
Não pelo valor, já que ele estava sendo negociado pela sua multa rescisória e, para seu antigo time, os números eram agradáveis. Mas pelo sentimento que ele tivera enquanto via o time roxo de Munique comemorar uma vitória, emocionante demais até para quem não era cardíaco, que os classificava para a Champions League.
A verdade é que, enquanto assistia o jogo do Eintracht München, Nando se envolveu da mesma forma que se envolvia quando tinha dez anos e assistia aos jogos do seu time do coração no sofá ao lado do seu pai.
Ele sentiu uma adrenalina enorme que o fez até se levantar da cadeira em alguns momentos mais tensos e xingar quando uma bola passava perto demais da trave do time da casa.
Nando viu, naquele time de meio de tabela, uma força capaz de desafiar o grande de Munique que tinha mais troféus em cinco anos do que eles tinham em toda a existência como clube.
Além de tudo, ele viu um lugar onde poderia se encaixar.
— E guapo, se você precisar de qualquer coisa aqui pode ligar para a gente — Moncho falou, arqueando as sobrancelhas. — Eu estou falando sério. Angie volta de Bilbao amanhã e nós vamos te esperar em casa para o jantar de sábado, depois do primeiro jogo.
— Você ouviu o homem — Xavi concordou, dando de ombros. — Nós sabemos o quanto um recomeço pode ser difícil. Eu achei foda quando vim pra cá e já faz quase cinco anos.
— Obrigado — Fernando agradeceu, com um sorriso sincero nos lábios. — Eu vou me lembrar disso.
Os três se conheciam desde quando disputavam as categorias mais baixas pela seleção Espanhola, mas a amizade tinha crescido quando conquistaram juntos a Euro pela U21. Fernando dividia quarto com Moncho, que por sua vez jogava no mesmo time que Xavier na época.
Quando o Eintracht München fez uma oferta e Nando resolveu aceitar o convite para assistir o último jogo do campeonato alemão, os dois foram os primeiros a saber, atrás apenas da sua família.
Foram eles que deram força, desde o primeiro momento, para a transferência acontecer e por isso ele nem sabia como agradecer.
Fernando pensava no primeiro jogo que entraria como atacante do time alemão, que aconteceria na semana seguinte nos amistosos da pré-temporada, quando sentiu um esbarrão no seu ombro direito.
Por puro costume, o homem colocou as duas mãos nos ombros da mulher a sua frente, mesmo que tivesse sido apenas um esbarrão por falta de atenção dos dois, mas principalmente dela.
— Es tut mir so leid!
Nando sorriu, mas não entendera nenhuma palavra do que a mulher tinha dito e negou com a cabeça assim que recebeu um pequeno sorriso culpado dela.
— Minha culpa — falou em inglês, torcendo para que ela tivesse entendido.
Ela ainda colocou uma mecha dos cabelos loiros dourados atrás da orelha antes de sorrir novamente, piscando os olhos azuis na direção do espanhol mais uma vez antes de desviar dele e voltar a seguir pelo seu caminho.
Fernando olhou para trás apenas para vê-la se distanciar em passos apressados, mas sem olhar para trás por nenhum momento sequer.
Voltou sua atenção para os dois amigos, colocando as mãos no bolso da calça assim que um vento frio passou por eles, bagunçando seu cabelo escuro e fazendo-o apertar os olhos castanhos claros assim que percebera que o tempo começava a fechar.
— Jantar na minha casa? — sugeriu e viu os dois amigos assentirem, prontos para deixarem o parque, os gritos animados de quem estava lá e a aparição pública.
Assim que começaram a andar, Fernando olhou para trás novamente apenas para confirmar que não havia mais sinal da mulher loira, que já tinha se misturado com os outros visitantes e provavelmente já tinha se distanciado o suficiente de onde ele estava.
Voltou o olhar para a paisagem e viu que os dois amigos já caminhavam alguns passos adiante dele, sabendo que aquela era a hora dele parar de olhar para trás e começar a olhar para frente.
Naquele momento, isso também significava parar de olhar para o seu passado em Barcelona e começar a olhar para frente.
E para frente significava para seu futuro em Munique.
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