Epílogo
Meses depois
Luzes, cores e muito brilho.
Aquela era a exata visão que Said tinha de cima do elefante que o levava até o centro da vila. O entardecer pintava o céu com todos os seus tons e suntuosos mixes de cores quentes. Tão quentes quanto o clima da Índia que fez o sheik abandonar - na maioria das vezes - as túnicas extremamente fechadas dando lugar às vestes indianas que eram muito mais leves e coloridas, exatamente como a que usava naquele momento.
Aspirava o ar quente do dia com gosto, carregava um sorriso feliz nos lábios, rindo com os inúmeros moradores da vila que o seguiam cantando em procissão até a tenda montada no pátio central da vila indiana. À frente dele iam os músicos com seus inúmeros instrumentos tocando uma melodia sem letras, no entanto bastante animada indicando a chegada do noivo.
Os tecidos coloridos iam de uma ponta a outra cobrindo a grande tenda, o caminho era coberto por uma imensidão de pétalas de flores trazendo aquele cheiro já tão conhecido do sheik. Suspirou ansioso ao notar que chegava cada vez mais perto da entrada. Suas mãos cobertas de henna o faziam se lembrar de Safira, uma lágrima escorreu por seus olhos ao ser levado por seus pensamentos até a cerimônia da henna no Kuwait muitos meses antes, quando a viu toda em vestes vermelhas coberta pelo véu de sua família enquanto os arabescos eram desenhados em suas mãos. Assim como aqueles desenhos pintados em suas mãos um dia sumiram muitas coisas na vida do sheik também, no entanto nem todas eram esquecidas. Não podiam ser esquecidas.
De fato, como um dia a bruxa Nazira havia dito: Destinos traiçoeiros que levam à felicidade. Era o melhor para definir aquele dia.
Ao descer do elefante foi recebido pelos amigos e conselheiros que logo abriram passagem para que ele entrasse na tenda colorida. Sorriu ao vê-la através da antarpat que era a cortina de seda fina que os separava.
A noiva usava um estonteante sári vermelho que caia longo se arrastando pelo chão, os adornos enfeitavam os longos cabelos e as joias lhe cobriam os pulsos, tornozelos, orelhas, pescoço e nariz. Dentro da tenda ela era tratada com os mais puros e caros óleos, enfeitada com mais e mais joias e a todo momento era saudada por rostos conhecidos que lhe sorriam indicando o quanto estavam felizes também.
Com ajuda das mulheres foi levada até as almofadas destinadas aos noivos dentro da tenda, a barriga de grávida a impedia de participar dos muitos rituais hindis mas nada diminuía a alegria de viver aquele momento. Ela ansiava pela chegada de seu noivo.
Depois de toda a guerra entre os reinos estava mais do que na hora de Said cumprir um último acordo tratado. Casar-se na Índia. Uma longa jornada havia sido percorrida até ali, e tantas perdas haviam lhe atingido desde que o imperador otomano aparecera em sua vida. Seu coração ainda doía ao lembrar-se daquele dia.
*
Meses antes
Nem tudo que um dia parecera o fim de fato era - ao menos para alguns - , as flechas carregadas de explosivos saltaram pelo salão atravessando os dois corpos até então cheios de vida. Atingiram a cabeça do mais baixo enquanto as outras atravessaram o coração do outro fazendo com que seus corpos logo se tornassem meros estilhaços que podiam ser confundidos com os vitrais quebrados do castelo. Apenas por aquele detalhe, aquele pequeno detalhe que aos olhos de todos os presentes poderia ser irrelevante, a força imposta naquela espada cortante punhada pelo imperador fora perdida instantaneamente ficando a milímetros do corpo de Safira, que logo foi jogado para longe por conta das explosões que ocorriam por dentro dos corpos dos soldados ao redor deles.
Tudo se apagou por minutos até ela recuperar sua consciência. A fumaça cinza subia pelo salão intoxicando o ambiente, mas apesar da dificuldade enxergou o corpo de Said jogado no meio do local e correu até ele ignorando os ferimentos que agora também tinha.
- Habib, habib fale comigo - Dava batidinhas na face desacordada do sheik - Por Allah fale comigo, Said - Dizia enquanto tentava escutar se o coração dele continuava a bater. O pulso embora fraco dizia que sim, ainda havia vida ali.
- Ele vai ficar bem... sempre fica - Olhou assustada para o dono da voz e sorriu ao enxergar Zayn.
Embora estivesse tão machucado quanto o sheik, o arco e as flechas presas em seu corpo confirmavam para Safira que fora ele quem atirara no turco e em todos os outros. Zayn havia escapado do quarto em que estivera trancado e observara toda a cena escondido esperando o momento certo para a atirar.
O comandante havia salvo a vida deles.
- Shukran, comandante - Agradeceu emocionada e visivelmente enfraquecida. - Minha irmã e Soraia estão no esconderijo... pode por favor liberta-las? Elas me ajudarão a cuidar dos ferimentos de vocês dois... - Pediu vendo Zayn assentir afirmativo e se afastar dela, não antes de se virar novamente e dizer:
- Shukran, princesa - Agradeceu fazendo ela não entender o motivo de suas palavras.
- Pelo o que, senhor?
- Por ter salvo a vida dele - Disse olhando para o corpo de Said no chão.
- Mas... foi o senhor quem nos salvou - Comentou confusa.
- É apenas um ponto de vista, princesa. Eu os salvei, mas você salvaria ele de qualquer maneira. E o fez. Teria dado sua vida no lugar de Said. - Explicou fazendo as lágrimas de Safira rolarem - Shukran mais uma vez - E então se retirou para buscar as outras mulheres.
Allah tinha o poder da vida em suas mãos, e ainda não era a hora de nenhum dos dois.
Safira se deixou adormecer agarrada ao corpo de Said, descansando finalmente daquele dia que parecia nunca ter seu fim. Sua dose de surpresas não poderia estar mais cheia, mas sorriu ao ver a pequena Amber mais uma vez em seus sonhos. O que Said diria quando acordasse e soubesse que a filha havia nascido? Teriam muito o que conversar, afinal. No entanto naquele momento tudo o que precisavam era de amor, e isso eles tinham de sobra.
*
Não havia noiva mais bela que ela, jamais poderia haver outra tão preciosa quanto sua Safira. Suspirou profundamente afetado pela beleza dela quando finalmente a cortina que os separava caiu. A vida não teria um colorido tão belo e opulento quanto aquele se o brilho azul dos olhos dela não pudesse mais ser visto por ele todos os dias. Agradeceu a Allah em pensamento por ter lhe dado mais uma vez a chance de ser feliz.
O pandit que faria o casamento aguardava ao lado de Safira o sheik se aproximar e sentar-se na outra almofada colorida. Uma pequena fogueira os separava agora e através daquele fogo os incensos eram acesos. O pandit estendeu suas mãos para que cada um dos noivos pusessem as suas em cima, igualmente decoradas com a henna embora os desenhos em Safira se estendessem pela barriga protuberante e pelos pés que eram enfeitados de pequenos anéis em seus dedos.
- Podemos começar a cerimônia? - Perguntou aos noivos recebendo sorrisos afirmativos.
Diferente das mais comuns celebrações hindis a de Said e Safira era a mais simples de simbologias o possível, não só por serem muçulmanos mas também porque a princesa já não aguentava se manter disposta por longas horas com a gravidez em seu fim.
Um colar de flores brancas e vermelhas foi colocado em Safira assim como um de igual cor e tamanho foi colocado em Said. Na boca do sheik foi dado por ela mel e iogurte, desejando doçura. Outro colar - dessa vez apenas para a princesa - foi posto em seu pescoço, feito com mais de cem pedaços de linha de algodão pintado em amarelo para trazer sorte a vida.
Os votos então foram trocados por eles, desejando sempre prosperidade, amor, alegria e muitas bençãos. Safira não deixava se emocionar a todo momento.
- As forças da natureza te deram a mim e me deram a ti. Tu és a terra, eu sou o céu. Que venham muitos filhos e que eles vivam uma vida longa. Que nós dois possamos ver cem primaveras juntos. - Said desejou.
Então o tradicional pó vermelho foi pintado por ele na divisão do cabelo de Safira, indicando que agora era uma mulher casada - embora já fosse - mas finalmente de acordo com as leis indianas.
Logo uma chuva de arroz os atingiu como desejo de uma vida próspera e então se levantaram os dois para realizar o último ritual, o saptapadi. Um lenço havia sido amarrado prendendo os dois e assim davam voltas pela fogueira proferindo mantras positivos e felizes para a família que construíam juntos. Na última volta - das sete que deveriam dar - O sári vermelho se manchou na extensão das pernas de Safira, fazendo-a arregalar os olhos e todos os olharem preocupados pela interrupção da cerimonia.
- Said... - Ela disse calmamente embora por dentro não estivesse em sua plenitude - Minha bolsa estourou.
*
- Força, faça força! - Soraia a incentivava - Respira Safira, você consegue.
Fazia seis horas desde que a princesa havia entrado em trabalho de parto, a enorme barriga de grávida parecia ainda mais pesada e estranhamente dura na parte inferior, indicando que de fato estava na hora.
Safira suava deitada na cama repleta de bacias e panos quentes, perdera as contas de quantas vezes tinha escutado as mesmas palavras de Soraia.
Faça força! Faça força!
Parecia um mantra, uma espécie de oração, um manual de apenas um comando. Fazer força nunca fora tão difícil.
A dor era dilacerante, como se a cortasse de dentro para fora. Estava cansada, exaurida e ironicamente sem forças para fazer força.
Mas as contratações não esperavam, e vinham de dez em dez minutos, de cinco em cinco até se tornarem totalmente desregulares vindo a cada minuto e segundo. Avassaladoramente torturante.
Safira segurava nas mãos de Layla, que prontamente estava ao seu lado durante todo o tempo. A irmã tentava distrair a princesa contando histórias de suas viagens e falando coisas engraçadas. Mas nada parecia surtir efeito, embora o aperto em suas mãos fosse quase delirante.
- Se eu soubesse que iria molhar todo o presente que eu lhe dei, não teria gastado tanto dinheiro com aquele sári vermelho - Comentou divertida recebendo um olhar furioso da princesa.
- Fique calada Layla! - Gritava embora não estivesse realmente com raiva da irmã - Seu sobrinho vai nascer e tudo o que sabe é reclamar? Aaaaaaaargh! - Se jogava na cama exausta após mais um seção de força. - Onde está Said? Onde está o meu marido? - Perguntava histérica.
- Por Allah! Se acalme - Quem pediu foi Soraia que passava panos quentes em volta da princesa - Se continuar gritando não vai conseguir parir!
- Eu não consigo mais! - Gritou outra vez - Está doendo tanto!! - Todos tinham certeza que da vila os gritos da princesa podiam ser escutados.
- Vamos... outra vez - Soraia pediu - Respire fundo e faça força!
Prender a respiração, fazer força, soltar a respiração. Descansar e repetir todo o processo. Ela já havia decorado cada parte do ciclo, mas ele parecia não ter fim. Um, duas, três horas depois continuava naquele martírio.
- Soraia porque ele não nasce? - Perguntou enquanto descansava entre um intervalo de dor e outro. - Há algo errado? - A olhava preocupada.
- Não há nada errado, habib. Ainda não é a hora... ele está esperando... - Ela disse como se tivesse a explicação para aquilo.
- Esperando o que? - Perguntou ao mesmo tempo que Said adentrou o quarto ofegante.
- Habib, estou aqui - Ele disse se ajoelhando ao lado dela na cama - Me desculpe por demorar tanto, não me deixavam entrar... - Olhou bravo para as criadas e os guardas postos na porta.
Safira não teve tempo de responder sentindo outra contração lhe atingir, dessa vez muito mais forte que as outras. Por sorte dela tinha agora duas mãos para segurar, de um lado Layla ainda sofria pelo aperto contínuo de horas e do outro Said experimentava um pouco da força da princesa.
Faça força! Vamos! Força, Safira! Está vindo! - Ela ouvia embora tudo parecesse um leve zumbido em seus ouvidos ofuscado por seus gritos que logo deram lugar a um choro alto, que poderia muito bem ser o dela, no entanto era o bebê que avisa que havia nascido.
- É uma menina! - Soraia exclamou feliz segurando a bebê em seus braços.
Safira sorriu sentindo lágrimas rolarem por sua face, mas logo uma nova dor lhe atingiu fazendo-a se contorcer novamente e voltar a fazer força.
- Por Allah! - Ela gritou - Soraia, o que está acontecendo?
- Safira... - Ela olhava atônita para a princesa, no entanto um grande sorriso se abriu em seu rosto - Há mais um! Há mais um bebê! Vamos! Faça força, vamos trazer mais esse bebê ao mundo - Ria de maneira alegre e feliz ajudando a princesa a parir mais um filho.
Eram gêmeos.
Logo outro choro invadiu o quarto, Soraia entregou um dos bebês no colo da princesa que tremia ao segurar um ser tão pequeno em seus braços. Chorava emocionada ao sentir uma mãozinha procurar por seu peito, a linda menina franzina com fartos cabelos negros mamava avidamente cheia de fome e olhava para Safira com seu olhos ainda tão pequenos, mas repletos de significados, carregando um belo tom verde.
- Qual será o nome dela? - Ouviu Layla perguntar, tão emocionada quanto a princesa.
Safira olhou novamente para a filha que continuava a olhar atentamente ainda mamando seu leite materno. Uma ligação perfeita entre as duas. As duas esferas verdes pareciam brilhar e então a princesa soube na hora.
- Jade - ela disse sorrindo - Princesa Jade Al-amin Mamun, pois é preciosa como a joia.
Do outro canto do quarto Said ouvia sua mulher e com um sorriso no rosto confirmou que havia amado aquele nome. Em seus braços um menino de pele bronzeada e cabelos pretos tão cheios quanto os da irmã, chorava de maneira estridente.
- Ele está com fome - avisou Soraia - Entregue ele a Safira...
O sheik tão inseguro em seu papel de pai entregou o menino nos braços de Safira o mais rápido que pôde, respirando aliviado por não ter o derrubado durante o pequeno menino no percurso.
O peso do garoto rechonchudo foi logo sentido por Safira e em seu peito ele se alimentava avidamente também. Layla fazia o trabalho de ninar a pequena princesa em seus braços, ajudando eles a lidar com os dois nenéns ao mesmo tempo, enquanto Soraia terminava de limpar a princesa.
O sheik havia se aproximado mais uma vez, sentando-se na cama observando a cena da mulher e dos filhos. O garotinho abria os olhos vagarosamente revelando a cor mais bela de íris já vista por todos ali.
Um tom castanho avermelhado lhe pintava os olhos, não deixando qualquer dúvida para Safira que o herdeiro se chamaria Jasper, pois era forte e belo como a pedra jaspe.
Estavam extasiados, felizes, com a plenitude da chegada dos gêmeos. Safira olhava apaixonada para os filhos, agradecendo a Allah mentalmente pela vida deles. Agradecendo por todo o amor que os invadia e preenchia seus corações.
A porta do quarto foi aberta, revelando Zayn carregando a pequena Amber no colo que sorria animada ao ver os pais.
- Mama! Papa! - Dizia com sua voz infantil pedindo para ficar perto deles.
O comandante colocou a menina ao lado de Safira, que se acomodou logo no corpo da princesa olhando curiosa para os bebês.
- Irma..irmãozinhos? - Ela perguntou ainda confusa demais com as palavras .
- Sim querida, são seus irmãos - Said respondeu acarinhando o rostinho dourado dela.
Aceitar a filha foi uma das muitas lutas e um dos mais longos processos que o sheik enfrentou naqueles últimos meses. Aceitar que a filha não era culpada do que havia acontecido, aceitar que independente de qualquer coisa a menina precisava dele assim como ele também precisava dela. Aceitar que ela era parte dele, apesar de Mahira. Aceitar que Safira seria a mãe dela. Said precisava aceitar muitas coisas.
Foi difícil e dolorido, mas teve muita ajuda e trabalho diário em seu processo de cura. Até o dia em que soube que não poderia mais viver sem a filha, assim como não poderia viver longe de Safira ou dos gêmeos que acabavam de chegar.
Olhando a menina junto deles sentiu seu coração aquecer. Allah havia lhe presenteado com tanto, não poderia estar mais feliz em tê-los a sua volta. Olhou para os que estavam com eles ali no quarto tão emocionados quanto ele.
- Shukran, minha zhara - Agradeceu encostando sua testa na de Safira - Obrigado por ter me dado uma família. Eu a amo tanto - Disse depositando um beijo na testa dela enquanto suas lágrimas rolavam também.
Safira o olhava apaixonada, suspirando feliz embora estivesse cansada.
- Me desculpe por ter interrompido o casamento - Disse sorridente em meio às lágrimas - Eu o amo mais que tudo, habib. - Se declarou acarinhando o rosto do sheik.
Todos riram se lembrando do desespero que fora o momento em que a bolsa da princesa estourou e os convidados se dispuseram a levá-la carregada, deixando a cerimônia para trás.
- Podemos nos casar de novo quantas vezes você quiser, meu amor - Respondeu dando um beijo cálido nos lábios dela que logo foi interrompido pelo choro da menina Jade. Causando uma nova onda de risos no quarto. - Eu amo vocês - Ele disse para ela e para os filhos.
Aquelas três crianças trariam alegria e multiplicariam o amor na vida de Said e Safira. Os anos seguintes seriam carregados de bênçãos vindas de Allah e muitas outras surpresas.
Mas essas histórias ficarão para depois.
Fim.
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