Capítulo XIV
— Princesa Safira, acorde.
A voz parecia um sussurro distante, misturado ao calor que envolvia sua pele.
— Princesa! — a voz tornou-se mais insistente. — Princesa Safira!
Safira abriu os olhos num sobressalto. O sol já iluminava a fina seda da cortina da carruagem, e, ao seu lado, um Khalid sorridente a observava, os braços cruzados e o semblante divertido.
— Fica ainda mais bela ao acordar — disse, num tom galanteador. — Vamos, princesa, o deserto nos espera.
Safira piscou algumas vezes, ainda envolta pela névoa do sono. Apesar do desconforto da viagem, havia dormido profundamente. Khalid parecia tão animado que ela não conseguiu conter um pequeno riso.
Lá fora, o sol castigava as areias escaldantes. Os viajantes estavam todos a postos em seus camelos, e, entre eles, destacava-se o Sheik. Said montava um magnífico corcel árabe de pelagem negra, cujo porte era imponente e os olhos brilhavam como brasas.
Ao observar os camelos, Safira franziu a testa. Procurou pelo animal que deveria montar, mas percebeu que todos já estavam ocupados. Antes que pudesse questionar, ouviu a voz firme de Said chamando-a.
— Princesa! — a voz dele cortou o ar, atraindo sua atenção. — Você irá comigo. Venha.
O coração de Safira vacilou. Havia regras. O que acontecia ali ia contra tudo o que aprendera. Como poderiam compartilhar o mesmo cavalo? A família Mamun não se importava com tradições?
Seus olhos buscaram o sogro, mas o homem conversava animadamente com Khalid, alheio à situação. Sua sogra, Haya, já montada, a observava com divertimento.
— Está tudo bem, princesa — disse, num tom despreocupado. — Sei que meu filho não irá desrespeitá-la.
Safira apertou os lábios, sentindo-se exposta. Queria protestar, mas não havia escolha. Disse a si mesma que apenas seguiria o fluxo.
Aproximou-se de Said, que a esperava no alto do cavalo, envolto num manto de cor terrosa e uma capa pesada. Um niqab masculino ocultava parte de seu rosto, deixando apenas os olhos visíveis.
— Me dê sua mão, princesa.
Ela hesitou por um instante. Segurar a mão dele... em público. Mas engoliu a hesitação e estendeu os dedos, sentindo o calor da pele dele sobre a sua.
— Coloque um pé nesse espaço de couro. Quando eu disser três, se impulsione para cima. Eu a ajudarei. Entendeu?
— Sim.
— Um, dois, três!
Num movimento ágil, Safira foi erguida para o alto e se ajeitou na cela com naturalidade. Said ergueu uma sobrancelha.
— Nada mal, princesa.
Ela ajeitou o véu e sorriu com diversão.
— Eu lhe avisei que sabia cavalgar. Se esqueceu?
— Como eu poderia me esquecer? — murmurou, num tom tão baixo que quase se perdeu no vento.
Said ajeitou as rédeas e se certificou de que havia uma distância segura entre os dois. Safira notou. Ele estava se esforçando para respeitá-la.
Ela não sabia dizer se ficava aliviada ou incomodada.
A caravana partiu, e o deserto se estendeu diante deles como um oceano dourado, com dunas que se erguiam e desciam como ondas congeladas no tempo. O silêncio era cortado apenas pelo som dos cascos e do vento quente.
Depois de um longo tempo de viagem, Said falou, tirando Safira de seus devaneios:
— É sempre tão calada, princesa?
— Nem sempre... apenas não sei o que conversar com o senhor.
— Poderia me contar o que gosta de fazer. Assim, quando estivermos casados, sua vida não será entediante.
Safira ergueu o queixo.
— E por que se importaria com isso?
— Porque é meu dever como marido agradar a minha esposa. O que você desejar, eu farei.
Ela franziu o cenho.
— Então, o senhor fará porque é um dever, não porque realmente deseja.
— É o meu papel.
Safira suspirou e desviou o olhar para o horizonte.
— Senhor Said, desde que nos conhecemos, viemos cometendo diversos haraams. Primeiro, aquele jantar. Depois, a dança. Em seguida, o senhor invadiu meu quarto e tocou em mim. Agora estamos juntos em um cavalo. Isso não está certo.
Said soltou uma risada baixa.
— Aí está a verdadeira princesa Safira.
Ela se virou ligeiramente, observando-o de soslaio.
— Em meu reino, levamos muito a sério as tradições — continuou ele. — Mas concordamos que esses pequenos momentos não interferiram em sua honra. Jamais a desrespeitaria.
Ela mordeu o lábio.
— Eu só... — suspirou, derrotada. — Está bem. Me desculpe. Em Omã, não há brechas para as tradições. Apenas estou acostumada assim.
— Entendo. Mas me diga... o que mais gosta de fazer além de seguir tradições?
— Gosto de ler.
— Um interessante estilo de vida, Safira — ele enfatizou seu nome, como se quisesse que ela se lembrasse de que entre eles já não havia mais formalidades. — O que mais?
— Fazer compras, talvez?
— Está afirmando ou me perguntando?
Ela bufou.
— Não sei!
Ele riu.
— Você fica irritada tão facilmente... Não gosta de falar sobre si mesma. Sua mãe a reprimiu tanto assim?
— Ela não...
— Tem certeza?
Safira hesitou. Tinha?
— Minha mãe sempre quis que eu fosse perfeita. Uma esposa perfeita, para você. — Sua voz saiu quase num sussurro.
Said a olhou de lado.
— Dava certo até certo ponto. Eu gostava das aulas de etiqueta, de culinária, de línguas estrangeiras. Mas, quando descobri para o que realmente serviam... comecei a questionar, a fugir dos jantares importantes. Então ela resolveu agir. Nunca chegou ao que fez no meu braço, mas era cruel o suficiente com quem eu amava. Isso me fez calar.
Said não respondeu de imediato. Seu olhar se fixou no deserto por alguns instantes.
— Eu sinto muito.
— Tudo bem. — Ela deu de ombros. — E você? O que gosta de fazer?
Ele refletiu antes de responder.
— Gosto de viajar.
Três palavras. Mas, para Safira, foram suficientes para trazer um brilho aos seus olhos.
Said notou.
— Por que sorri assim?
Ela desviou o olhar, envergonhada.
— Não é nada...
— Fale, princesa. Gostaria de saber o que lhe causou tamanha felicidade.
Ela respirou fundo e resolveu acabar com a curiosidade dele.
— Gostaria muito de viajar um dia, se me permitir.
Said a encarou por um momento. Então, um sorriso genuíno curvou seus lábios.
— É claro.
O silêncio se estendeu, mas, dessa vez, era confortável.
Depois de algumas horas, Safira percebeu a respiração pesada de Said.
— Você parece cansado — observou. — Posso conduzir o corcel se desejar.
Ele meneou a cabeça.
— É apenas a areia. Viagens no deserto são difíceis.
— Tudo bem, então.
Said hesitou por um momento antes de dizer:
— Permita-me um elogio. Você está muito bonita hoje. Tem bom gosto para suas vestimentas.
Ela piscou, surpresa.
— Ah... obrigada. Foi um presente de um amigo.
O rosto de Said se fechou.
— Claro.
E então, o silêncio voltou. Dessa vez, carregado de um significado diferente.
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