Capítulo XIII
Safira admirava seu reflexo no espelho, deslizando as mãos suavemente sobre o tecido negro da abaya que Mustafá lhe dera em seu último aniversário. A peça era um presente precioso, bordada com esmero ao longo da barra e nas mangas, onde fios de prata cintilavam discretamente sob a luz do amanhecer. Sobre o tecido encorpado, uma camada finíssima de tule negro com partículas brilhantes dava a impressão de que ela vestia o próprio céu estrelado do deserto.
— Ficará ainda mais bonito com um hijab da mesma cor — comentou Soraia, aproximando-se com um olhar atento.
— Mas eu não tenho um... — respondeu a princesa, franzindo a testa. — Pensei em usar um hijab branco. O que acha?
Soraia sorriu de canto, erguendo as mãos para mostrar um delicado véu negro, tão fino e fluido quanto a brisa que entrava pela janela.
— Na verdade, você tem. Tomei a liberdade de providenciar hijabs para cada uma de suas abayás, exatamente da mesma cor. Já estão guardados em seus baús.
Os olhos de Safira se arregalaram por um instante antes de se encherem de emoção. Aquela era apenas mais uma prova do cuidado quase maternal que Soraia sempre teve com ela. A criada conhecia cada detalhe de sua vida, cada necessidade antes mesmo que ela percebesse. Uma onda de melancolia tomou conta da princesa ao pensar que, a partir daquele dia, não teria mais Soraia ao seu lado.
— Me ajude a colocar, por favor — pediu com um sorriso, a voz soando embargada.
Soraia ajeitou o hijab com mãos firmes e cuidadosas, escondendo os longos cabelos escuros da princesa sob o véu.
— Pronto — disse ao terminar, recuando um passo para admirar Safira. — És a princesa mais bela que já vi em toda a minha vida.
A jovem se voltou novamente para o espelho, mas dessa vez sua expressão carregava algo além da vaidade. Olhava para si como se tentasse gravar aquela imagem em sua memória. A última vez que se via como a princesa de Omã. Em breve, seu título, sua identidade e tudo o que conhecia seriam apenas lembranças. Seu olhar vagou pelo quarto, percorrendo cada objeto que ficaria para trás, cada pedaço de sua vida que agora se tornava passado.
Com um suspiro profundo, caminhou até a grande janela e sentiu o sol tocar seu rosto. A luz dourada invadia o aposento com a mesma intensidade de sempre, como fazia todas as manhãs dos últimos vinte anos. Mas, naquele dia, parecia diferente. Era um adeus silencioso.
— Venha, vou te acompanhar até a carruagem — disse Soraia suavemente. — O sheik a espera.
Caminharam juntas pelo longo corredor dos aposentos, e cada passo parecia mais pesado. No topo da escadaria, Safira parou por um momento, permitindo-se absorver a grandiosidade do palácio onde crescera. Os jardins abaixo estavam floridos como sempre, trazendo cor à imensidão branca do mármore. De um lado, o jardim de estrelas-do-egito, plantado em homenagem a Zúria quando se casou com o sultão. Do outro, um campo de rosas do deserto, representando o amor eterno do sultão por Aisha, mãe de Layla. Cada flor, cada sombra projetada pelo sol, cada brisa que corria entre as arcadas do palácio, tudo parecia sussurrar despedidas.
Quando chegaram ao portão principal, Safira lançou um último olhar ao horizonte.
— Alguém vem se despedir de mim? — perguntou em um fio de voz.
Soraia hesitou antes de responder.
— Creio que não, princesa... O sultão está em uma reunião importante. Layla partiu para o Marrocos ontem à noite e não houve tempo de avisá-la. Sua mãe... bem, ela comunicou que se sente indisposta.
A decepção foi cortante, mas previsível. Mesmo assim, Safira assentiu, disfarçando a mágoa.
— É claro... tudo bem — murmurou, os olhos pesando com lágrimas contidas.
Virou-se para Soraia, e naquele instante, a despedida tornou-se real.
— Essa é a hora em que nos dizemos adeus?
Soraia não conseguiu segurar as próprias lágrimas. Abraçou a princesa com força, como se quisesse guardá-la em seu coração.
— Sentirei sua falta, habib. Prometa-me que será feliz.
— Eu prometo.
— Então vá. Não chore, eu ficarei bem. Que Alá te proteja, minha menininha. Que sua vida seja cheia de bênçãos. Sua nova família a espera.
Safira piscou rapidamente para afastar as lágrimas antes de se afastar. Seu olhar se voltou para a carruagem mais ornamentada, onde Said e sua família a aguardavam.
O sheik a cumprimentou com uma leve inclinação de cabeça.
— Bom dia, princesa Safira.
— Bom dia, sheik Said.
Ele manteve um tom cortês e respeitoso, mas os olhos escuros dela não deixaram escapar a intensidade do olhar dele.
— Nossa viagem será longa. Iremos até o Kuwait para celebrar nosso casamento, e só depois partiremos para a Índia. Atravessaremos o deserto, então em alguns momentos a carruagem pode não ser viável, por isso teremos camelos e cavalos à disposição. Isso lhe incomoda?
— Não, senhor. Sei cavalgar como ninguém — respondeu com firmeza.
Said arqueou levemente uma sobrancelha, um brilho enigmático nos olhos.
— Imagino que sim.
Ele hesitou por um instante, como se quisesse dizer algo mais, mas apenas voltou ao tom formal:
— Estarei na outra carruagem. Se precisar de algo, peça que me chamem.
— Obrigada, senhor.
— Não precisamos de tanta formalidade, Safira. Pelo menos não quando estivermos a sós. Nos casaremos em breve... pode me chamar apenas de Said.
— C-claro... Said — gaguejou, sem jeito, antes de se apressar para entrar na carruagem.
O interior da carruagem era espaçoso, mas abafado. O sol do meio-dia transformava o ar em uma onda quente e sufocante, tornando qualquer peça de roupa um peso extra. O assento era forrado de veludo carmesim, os detalhes dourados refletindo os raios solares que escapavam pelas cortinas semiabertas. Pequenos travesseiros bordados estavam dispostos ao longo dos assentos, e uma bandeja de prata repousava no canto com pequenas tâmaras e uma jarra de água fresca.
Safira acomodou-se ao lado de Núbia, a mais velha das irmãs de Said, sentindo o tecido da abaya colar-se à pele pelo calor. A sogra e as cunhadas repousavam silenciosamente, mas pouco depois começaram a se mexer, despertando do sono leve causado pelo balanço da carruagem.
— Está ansiosa para conhecer o reino de seu futuro esposo, princesa Safira? — perguntou Haya, sua futura sogra, rompendo o silêncio.
O coração de Safira acelerou ao perceber que aquela era a primeira vez que Haya dirigia-se diretamente a ela. A mulher tinha um olhar calculista, mas seu tom era amável.
A conversa seguiu um caminho cuidadoso, repleto de formalidades, mas a princesa percebeu rapidamente que Haya estudava cada resposta sua. Seu passado, sua família, seus desejos. Tudo era analisado com atenção.
Enquanto as mulheres conversavam, Safira olhou para a janela. Mascate já era apenas uma miragem no horizonte. Seu passado desaparecia junto com a cidade, e diante dela estendia-se o desconhecido.
E em algum lugar, no deserto e no futuro, o destino a aguardava.
*
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