Capítulo Vinte
Eu acordei com meu celular vibrando. Primeiro pensei que fosse o alarme da escola, mas quando o peguei notei que era uma ligação. Vi que eram quinze para as três e isso, somado com o nome “Ben” me deixaram alerta e assustada.
- Alô? Ben? – ninguém respondeu do outro lado. Meu coração martelava. – Está tudo bem?
A ligação acabou. Olhei para a tela confusa, me perguntando se ele havia ligado por engano. Talvez fosse sonâmbulo. Uma mensagem chegou logo em seguida.
Estou aqui embaixo. Desça.
Olhei para a minha janela, depois de volta para o celular. Digitei uma resposta.
São duas da manhã. Aconteceu alguma coisa? Você está bem?
Recebi outra em poucos segundos.
Preciso ver você.
Não tinha como eu sair do prédio sem que o porteiro da noite me visse, mas como não era o sr. Suárez, talvez não me dedurasse para a tia Becky.
Enviei um “Ok” e levantei. Passei o cobertor ao meu redor e segurei na frente. Calcei meu all star jogado perto da porta e sai do quarto. O apartamento estava silencioso, mas não totalmente escuro. Tia Becky matinha a luz do corredor acessa para Max. Fui em silêncio até a porta, o som da trava pareceu ecoar pela casa toda.
Andar pelo corredor e pegar o elevador de pijama, all star e enrolada em um cobertor foi uma das coisas mais estranhas que fiz. O olhar que o porteiro me lançou me deixou constrangida. Passei por ele sem falar nada e fui até a porta, tentando ver Ben através do vidro. Ele não estava ali. Abri a porta e passei metade do corpo para fora, olhando a calçada.
- Evans.
Virei para o outro lado e o vi. Luke estava apoiado em sua moto, parecendo muito como a primeira vez que o vi. Ele usava suas botas e boné, daquela vez com o logo da marca. Blusa preta, jaqueta jeans clara. Havia um cigarro entre os seus dedos com anéis, a ponta lançava uma fina fumaça para o ar.
Eu fiquei sem reação. Não, eu tinha muitas reações na minha cabeça, só não sabia qual delas usar. Eu queria virar as costas e entrar, queria ir até lá e presenteá-lo com o primeiro soco da minha vida, queria fingir simplesmente que ele não existia e queria... Não.
Foi ele quem se moveu, caminhando até o meio da calçada. Eu me mexi também, por reflexo, dando dois passos para fora. Havia me esquecido como se usava a língua. Nos encaramos por todo um momento.
- Hey, Evans. – eu podia ver um sorriso escondido em seus lábios, não o típico debochado, um... feliz.
- Como você... eu pensei que fosse o Ben.
Luke mostrou o celular em sua mão.
- Eu o peguei. Só por essa noite.
- Você roubou?
- Vamos chamar de “pegar emprestado”. Eu precisava falar com você.
- Você sabe onde eu trabalho, não precisava me tirar da cama as três da madrugada.
- Não consegui esperar até amanhã.
Eu o encarei. A raiva aumentava a cada segundo, apagando todo o resto que eu queria fazer.
- O que você está fazendo aqui, Luke?
- A gente precisa conversar.
- A gente não precisa nada.
Ele tentou se aproximar mais, mas eu dei um passo para trás. Ele parou onde estava.
- Por favor, Evans. – já não havia nenhum traço de sorriso. Ele estava sério. – Eu só quero dizer a verdade pra você.
- Que verdade? – o choque de encontrá-lo ali estava passando e o cansaço tomava o lugar. Havia deitado quase meia-noite, fazendo lição, e ali estava eu, três horas depois, no meio da rua, com frio. Não era o melhor momento para os mistérios dele.
Luke jogou o cigarro na calçada e pisou em cima, ganhando um minuto.
- Eu preciso dormir. – falei.
- Ok, tudo bem. – Luke tentou outro passo, eu estiquei o braço e as pontas dos meus dedos encostaram em seu peito, impedindo seu avanço.
- Por favor, não. – pedi.
Ele pegou minha mão e a apertou por um segundo, eu consegui sentir seu coração acelerado, então me afastei.
- Eu sei, Evans, eu juro que eu sei. Eu sou um idiota e a verdade estúpida é que eu sou ruim para você. Juro que não quero partir o seu coração de novo, e talvez a única forma de conseguir isso seja me afastando de você, mas eu não consigo.
- Pareceu bem fácil para você ir embora há alguns dias. Por que não tenta de novo? – eu não vou chorar. Não na frente dele.
- Eu não tive escolha, precisei voltar pra casa. Coisas do trabalho. – ele viu meu olhar de descrença. – Você não sabe o que foi ter que esperar todos esses dias para poder voltar. Eu estava ficando louco. Pergunte ao Ashton, eu estava deixando ele maluco também.
- Ok, eu mando uma mensagem para ele amanhã. – tentei me virar, mas Luke segurou meu braço. Eu odiava quando ele fazia aquilo.
- Solte.
Ele obedeceu imediatamente.
- Desculpe.
- Só mantenha suas mãos longe de mim.
- Não por isso. Desculpe. Eu... Merda, Evans, eu fui um filho da puta, não fui? Eu só... Eu só estou tão confuso. Você me deixa confuso.
- Então a culpa é minha? – soprei uma risada.
- Não foi o que eu falei. É só que, quando eu não penso, parece que estou fazendo a coisa certa, eu sinto isso, como quando estava vindo para cá. Mas quando paro para pensar, eu me perco. Eu não sei o que está acontecendo, porque eu pensei que nunca nada mudaria, então você vem e muda tudo! - Luke se moveu tão rápido que, quando eu pisquei, a testa dele estava grudada na minha, suas mãos apertavam meus ombros. – O que você está fazendo comigo, Julia?
Estávamos tão perto que eu consegui sentir o cheiro do cigarro que ele havia acabado de fumar, misturado com algum perfume, não era o cheiro dele.
- O que você está fazendo comigo, Luke?
Ele me beijou. Uma de suas mãos deixou meu ombro e segurou minha cabeça. Seus lábios forçaram os meus a se separarem e sua língua tocou a minha. Eu a mordi.
- Porra, Evans!
Ele se afastou, colocando a mão na boca e a olhando, como se procurasse sangue. Eu prendi a respiração e tentei imitar um dos milhares de socos que vi na TV. Acertei sua mandíbula dura. Minha mão reclamou, mas ele também.
Luke segurou seu rosto, meio dobrado ao meio.
- Mas que porra foi essa?! – ele gritou, me olhando.
Eu estava segurando minha mão que latejava, mas a satisfação por ver a dor no rosto dele era maior.
- Acho que você ainda não entendeu, mas a sua língua não tem livre acesso à minha boca.
Ele abriu a boca e mexeu a mandíbula.
- Cacete, isso doeu.
- Ótimo.
- E eu mereci.
- Eu sei.
- Se sente melhor?
- Nem um pouco. – não era só o meu orgulho que doía agora.
- Quer dar mais um?
Eu o olhei como se ele fosse louco, porque claramente ele estava falando sério.
- Eu quero que você desapareça. Como fez antes.
- Sinto muito, mas isso não vai acontecer.
Suspirei.
- Eu não posso expulsar você da cidade, infelizmente, mas posso pedir que você fique longe de mim.
- Isso também não vai acontecer.
- Quer saber? Faça o que você quiser. Nesse momento, o que eu quero fazer é dormir.
- Até amanhã, então.
- Espero que não.
Não esperei que ele respondesse. Voltei para dentro do prédio, desejando um pouco de gelo para a minha mão e a minha paz de espírito de volta.
Calum e eu estávamos almoçando juntos, no intervalo dos nossos trabalhos. Ele tinha expediente normal nos sábados, eu fazia hora-extra o dia todo. Havíamos marcado em um brasserie e escolhido uma das mesas externas.
Meu maior desafio daquele dia era me manter acordada. Não havia conseguido dormir nada depois da visita de Luke. Minha cabeça doía e meu humor azedava sempre que pensava nele, o que estava tentando fazer o mínimo possível. Ao menos a comida estava ótima. Enquanto mastigava meu bolinho de arroz frito, assisti Calum terminar seu segundo hambúrguer.
- Você não podia ter pedido outra coisa? Eu entrego isso o dia todo. O cheiro me acompanha até em casa. – falei, torcendo o nariz.
- Isso aqui... – ele mastigou um pouco mais. – está muito bom.
- Bon appétit.
- Eu vou pegar você depois do trabalho, vamos sair.
- Ah, é? Para onde?
- Os donos daquele bar chamaram os caras e eu para tocar de novo.
Mexi no canudo do meu copo.
- Não sei, Cal, já estou morta e ainda é a hora do almoço.
- Qual é Jay, eu quero que minha irmãzinha me veja tocar.
- Eu vou, quando você for famoso.
- É realmente importante pra mim.
- Cal...
- Só uma música, depois você chama um táxi.
Resolvi me entregar. Estava cansada demais para aquilo também.
- Ok, tudo bem. Mas esse lugar não era para maiores?
- Ah, relaxa. Vou dizer que você é assistente da banda.
- A garota dos cabos. Iupi.
- Vai ser legal, você vai ver.
- Aquele seu amigo estranho ainda está com vocês?
- O Viper? É, mas ele anda furando muitos ensaios.
- Ele é assustador. Todos aqueles piercings na cara. – estremeci.
- Ele não tem que ser legal, só precisa tocar guitarra muito bem.
- Se você está dizendo...
- Como tá o trabalho? Boas gorjetas?
- Algumas são bem boas, sim. É final se semana, então está bem cheio. Fugi de lá o mais rápido possível. E o seu?
Ele limpou os dedos com guardanapos antes de atacar suas batatas fritas.
- Me colocaram na seção de vinis. Preciso reorganizar tudo, agora por década.
- Parece ser bem chato.
- Eu gosto. – ele deu de ombros. – Quer batata?
Peguei uma e mordi, distraída.
- Você está diferente. – falei, analisando ele.
- Diferente como?
- Você estava um saco ultimamente, agora não mais.
Calum tomou um pouco do seu refrigerante, enquanto pensava.
- Antes eu estava frustrado, por não conseguir um emprego. Agora estou de boas.
- Eu sentia a sua falta, Cal. Do verdadeiro você.
Ele me olhou um tanto culpado.
- Desculpe se eu fui um babaca nesses últimos tempos.
- Você só foi... intenso. - eu ri. – Sério, Cal, esses últimos meses foram confusos para todo mundo. Você estava frustrado, eu me apaixonei e desapaixonei, o Max voltou a fazer xixi na cama... – dei de ombros. – Nossa vida mudou drasticamente de um momento para o outro, não tinha como não nos deixar bagunçados.
Calum segurou minha mão por cima da mesa.
- Eu estou muito orgulhoso de você, sabia? Enquanto eu me trancava no quarto, irritado e xingando o mundo, você se levantou, arranjou um emprego, cuidou do Max, ajudou a tia Becky e se manteve brilhante na escola.
- Obrigada, Cal.
- Eu também sinto falta da antiga você. Da menininha que deixava marcas de dedos no meu baixo e que desenhava princesas nos meus livros da escola.
- Princesas e pôneis.
- Eu odiava aqueles pôneis. Meus amigos me chamavam de Pinkie Pie.
Rimos juntos, quase engasgando com as batatas. Quando Calum ria, seus olhos se apertavam exatamente como os da mamãe. De repente o riso se transformou em choro. Eu estava tão cansada e com tanto medo. Tinha medo de não conseguir manter o trabalho, tinha medo de que minhas notas caíssem, sentia medo de perceber que ainda amava o Ben e pavor de descobrir o que sentia pelo Luke.
- Ei, o que foi? – Cal deu a volta na mesa e se agachou ao lado da minha cadeira, segurando minhas mãos e me olhando lá de baixo.
- Eu sinto tanta falta deles. – funguei. Era tão mais fácil quando nossos pais estavam ali. Eles pareciam tirar as soluções para todos os problemas do bolso.
Ele me fez levantar e me abraçou. Eu me sentia um tanto constrangida por chorar na rua, mas não ligava muito. Abracei a cintura dele e o apertei contra mim. Ele ainda estava ali, eu ainda tinha ele. E o Max.
Não falamos nada, e eu me acalmei bem rápido. Calum segurou meu rosto e limpou as lágrimas com os polegares.
- Você está bem? – perguntou.
Balancei a cabeça.
- Sim, eu só...
- Eu sei.
- Cal...
- Hum?
- Eu posso comer as suas batatas?
Ele riu e me abraçou outra vez, mais relaxado.
- Só se você desenhar a Rainbow Dash em um guardanapo para mim.
Eu ri, sentindo o peito mais leve.
- Feito.
Eu voltei para o Comic’s depois do almoço e fui direto colocar minha fantasia de novo. Aproveitei para me olhar no espelho. Meus olhos estavam um pouco vermelhos, mas fora isso nenhum outro vestígio do choro. Prendi o cabelo, guardei minha bolsa no armário e voltei para o salão. Estava caminhando para atender a primeira mesa quando Phil apareceu, suado e vermelho.
- Na minha sala. Agora. – soltou para mim e marchou para os fundos outra vez.
Eu o segui enquanto perdia a sensibilidade do meu corpo. Seria demitida, com certeza. Mas o que eu havia feito? Nem tinha me atrasado!
Phil havia deixado a porta aberta, então eu nem precisei passar por ela para poder ver Luke sentado em frente a mesa do meu chefe. Ele estava com as pernas esticadas, em uma pose relaxada.
- Entre e feche a porta de uma vez. – Phil mandou, ocupando seu lugar. Obedeci e fiquei ali parada.
Luke se virou e me lançou um sorriso. Eu olhei para Phil.
- Pois não?
- Esse seu amigo apareceu aqui pedindo o emprego de volta. Eu já falei que não de todas as formas, mas ele continua aí. – o homem olhava Luke irritado.
- Ele não é meu amigo.
- Que seja! O seu... alguma coisa com intimidade! Só se livre dele!
- E como eu faço isso?
- Se eu soubesse eu mesmo já teria resolvido o problema!
- Estão falando como se eu fosse um bicho morto grudado no para-choque de vocês. – Luke comentou, escondendo um sorriso.
- Mande ele ir embora! – Phil gritou. Ele teria puxado os cabelos, mas era careca.
- Me recuso a falar com ele. - cruzei os braços.
- Agora eu me sinto um bicho morto e fedido.
- Cale a boca, rapaz! E vá embora de uma vez!
- Eu só quero voltar a trabalhar aqui.
- E eu já disse que não!
- Por que não?!
- Porque você foi embora! Do nada! Irresponsável!
Estava começando a me preocupar com Phil, ele poderia ter um ataque cardíaco bem ali.
- Foi uma emergência familiar.
- Você disse que não tinha família, garoto.
- A minha cadela estava com dificuldades para ter seus bebês.
Phil bufava de ódio.
- Ele ainda ousa fazer chacota com a minha cara! Srt. Evans! Tire ele daqui ou eu demito você também!
Caminhei até o Luke e agarrei sua jaqueta, ele usava a mesma roupa do dia anterior. Puxei até ele levantar e o arrastei até a porta. Tentei abrir, mas ele a segurou com uma mão.
- Você precisa ir embora. – falei, olhando para a porta.
- Não antes de conseguir o meu ganha pão de novo.
- Você já tem um ganha pão.
- Pare de falar com a porta. Olhe para mim.
Eu me virei para olhá-lo de frente.
- Você vai me fazer ser demitida.
Luke viu o medo na minha cara, então se virou para o Phil.
- Ela não tem nada a ver com isso.
- Eu não me importo, só quero que você vá embora.
- E se eu trabalhar de graça?
Phil parecia que iria começar a bater a cabeça na mesa.
- Não posso contratar você de graça! Apenas. Vá. Embora.
- Eu posso trabalhar sem camisa. A clientela feminina vai aumentar.
Olhei para Phil. Eu não acredito que ele está cogitando...
- É contra as Leis da Vigilância Sanitária. – concluiu. - Estou falando sério, garoto, saia ou eu vou chamar a polícia.
Luke colocou as mãos na cintura e uniu as sobrancelhas. Eu quase podia ver seus neurônios serem queimados.
- Eu posso fazer entregas. Eu tenho uma moto. Gasolina por minha conta.
Eu vi Phil hesitar por meio segundo. Precisei me meter.
- Já temos um entregador.
- Ela tem razão.
- Com dois entregadores os pedidos chegariam mais rápido. Clientes felizes sempre retornam.
Ah, não, não, não. Por favor, não.
Phil tirou seu lenço do bolso para secar a testa.
- Bom, isso é verdade...
- Dois entregadores, dois salários. – falei bem rápido.
- Isso também é verdade...
Luke me lançou um olhar.
- Me contratando não terá que pensar em desconto para familiares e nem gasolina.
- Isso seria bem econômico...
Dei um passo para mais perto.
- Você não pode confiar nele, ele já foi embora uma vez.
Phil cravou o olhar em Luke, um pouco da raiva retornando.
- Não posso esquecer isso, realmente.
Luke também deu um passo para a frente.
- Vamos chamar isso de férias. Veja, não vou ter direito a isso também.
- Interessante...
Coloquei as mãos sobre a mesa, mas encarava, Luke.
- Ele tem o cabelo longo, pode cair na comida.
Ele me imitou, baixando o olhar para ficar na altura do meu.
- Eu posso prender, como você.
- Você dirige como um lunático. Os pedidos vão estragar no caminho.
- Essa é a sua opinião.
- Você não é confiável, parece ser do tipo que esfregaria o pão na virilha só para rir em casa depois.
- Ah, mas você só pode estar de brincadeira!
- Ou o tipo que come porções de cada entrega.
- isso economizaria o meu almoço.
- Viu? Ele está confessando!
- CALEM A BOCA! – Phil bateu os punhos na mesa. – Pelo amor de Deus! Srt. Evans, vá atender as mesas. Garoto, você vai ajudar na cozinha quando não houver entregas.
Luke se levantou, um sorriso enorme mostrava todos os seus dentes.
- Mas Phil...
- Mas nada, menina, vai, vai, vai... – ele falou, movendo as mãos.
Pensei em dizer que me demitia. Senti as palavras na minha língua, mas a mordi. Eu não podia. Havia meu projeto de ciências com materiais que a escola não disponibilizava, Max precisava de sapatos novos, o aluguel estava atrasado... Eu tinha que ficar naquele emprego até conseguir outro. Mas quando eu teria tempo para procurar?
- Vão trabalhar! – Phil gritou, me fazendo correr para fora da sala.
- Então, acho que posso te chamar de companheira de trabalho outra vez. – Luke caminhava ao meu lado, radiante como o sol estúpido dos teletubbies.
Eu queria muito gritar certas coisas para ele, mas como havia prometido a mim mesma que o ignoraria por todo o tempo que fosse obrigada a estar no mesmo ambiente que ele, decidi começar.
Caminhei direto para as mesas e fui pegar os pedidos. A hora do almoço já havia acabado, então o lugar começava a ficar menos cheio. Levei os pedidos para a cozinha e Luke os recebeu, me dando uma piscada de olho. Nem o olhei. Limpei uma mesa até ouvir o sinal que indicava pedido pronto. Mesa sete. Peguei a bandeja e, antes de virar, Luke sussurrou:
- Olhe dentro do pão.
Fingi que não ouvi nada. Entreguei o pedido e fui buscar outro.
- Cheque o pão.
Ignorei. Entreguei os sanduíches e acomodei duas garotas na entrada. Elas pediram salada, então Luke entregou aquilo calado, mas o próximo, hambúrgueres de novo, veio acompanhado de mais “Olhe o pão”. Suspirei, peguei um guardanapo e ergui a parte de cima do hambúrguer. Luke havia feito um “M” com o ketchup. Coloquei o pão no lugar e levei o pedido. No próximo veio a letra “E”. Como me recusei a seguir verificando pães, mesmo ele passando aquela instrução todas as vezes, Luke passou a usar batatas. Ele as organizou na bandeja para formarem um “D”, depois outro “E” e em seguida desenhou um “S” com mostarda. Com o “C” e as outras letras ele voltou para as batatas. Eu deixava todas elas em um canto do balcão, esperando usar como prova de desperdício para que Phil o demitisse, mas após o “!” no final, feito com uma batata e um pedaço, Luke comeu todas as minhas provas.
Finalmente surgiu uma entrega e ele precisou sair, o que fez meus músculos tensos relaxarem. Aquilo não ia funcionar, eu acabaria enfiando um garfo na mão dele. Luke pareceu notar que corria perigo, quando voltou, pois me deixou em paz pelo resto do dia.
Me arrastei para o banheiro no fim do expediente. Não seria eu a fechar o lugar, então estava saindo um pouco mais cedo. Minha dor de cabeça havia aumentado muito, acabei tomando uma pílula no banheiro. Troquei de roupa, peguei minha bolsa e, ao sair, duas coisas me surpreenderam: ver Calum ali e, o mais estranho, Luke conversando com ele.
- Ei, Jay. – Calum falou quando me viu chegar.
- Oi. – eu havia esquecido completamente do “show” dele.
- Você tinha razão, o Viper é um cuzão. O cara furou com a gente.
- Ele não vai tocar? Que maravilha. Quer dizer, eu sinto muito pela sua banda, Cal, mas eu estou tão cansada...
- Ah, a gente até ia cancelar, mas o seu amigo disse que toca guitarra e conhece a nossa playlist! – Calum até passou um braço pelos ombros de Luke. A diferença de altura não era muita. – Vamos fazer um teste rápido, mas já considere-se contratado.
- Eu só preciso pegar minha guitarra. – Luke falou, também animado.
- Vamos lá, nós te esperamos.
- Não, sério, só passe o endereço e eu apareço lá.
Cal o olhou.
- Você não vai furar também, não é?
- E perder a chance de tocar? Claro que não.
- Você é dos meus, Luke. – Calum lhe deu uma tapinha nas costas e se afastou. – Coloque seu número aqui.
Luke pegou o celular de Calum e digitou rapidamente. Não deixei de notar o olhar que ele me lançou. Vai sonhando que eu vou chegar perto desse número.
- Ok, vou te mandar o endereço. Não se atrase.
- Não vou.
- Estou contando com você. – Cal pegou a case sobre uma das mesas, acenou para Luke e saímos do Comic’s.
- O que foi aquilo? Como ele descobriu sobre a banda? – perguntei, ainda com a sensação de isso-não-está-acontecendo.
- Ele me viu entrar com a case, pediu pra ver, começamos a conversar. – ele deu de ombros. – Por que você nunca me falou que conhecia um guitarrista?
- Eu falei. O Michael.
- Aquele é um bebê.
- Ele tem a mesma idade que eu.
- Exato.
Em qualquer outro momento eu lhe daria um tapa, mas estava muito cansada para aquilo. Entramos no carro da tia Becky e ele começou a dirigir.
- Sinto muito, Cal, mas não vou com você. Pode me deixar em casa?
Ele me olhou de lado.
- O quê? Por quê?
- Prometo que vou dá próxima vez, juro.
- Por que não hoje?
- Eu estou exausta.
Calum parou em um sinal vermelho.
- Ok, eu não queria contar agora, mas...
- Contar o quê?
- Meu tempo de experiência está acabando na loja, se eu for efetivado a tia Becky...
- Vai embora.
Ele apertou minha mão antes de voltar a segurar o volante e mover o carro.
- Eu vou conseguir cuidar da gente.
Eu queria dizer que sim, que confiava nele, mas a ideia de não ter mais um adulto por perto me apavorava. Tecnicamente Calum era adulto, mas eu ainda o enxergava como o irmão que jogava cereal no meu cabelo toda manhã. Iríamos dar conta?
- E o Max? – perguntei. – Como vamos fazer com o Max?
- Eu deixo ele na escola, você busca antes de ir trabalhar e deixa ele com a sra. Keith, do andar abaixo do nosso, lembra? Tia Becky andou falando com ela. Não vai cobrar muito, ela precisa de companhia.
Eu conhecia a sra. Keith, ela era gentil e sempre nos deu muitos doces no Halloween, mas ainda era uma estranha e Max era tão pequeno...
- Vai ficar tudo bem, Jay.
Balancei a cabeça, decidindo pensar nisso depois.
- Mas o que isso tem a ver com a sua banda?
- Bom, se eu vou trabalhar o dia todo e ficar com vocês a noite, não vou poder ensaiar ou tocar nos fins de semana. Ou seja, hoje pode ser a minha despedida.
- Eu sinto muito, Cal. Sei como você ama tocar.
- Vou ter que abrir mão disso por enquanto. Vocês são mais importantes.
- Então foi por isso que você insistiu tanto para eu ir ver você tocar?
- Pode ser a sua última oportunidade, garota.
Ele tentou sorrir, mas não deu muito certo.
- Ok, eu vou.
- Jura?
- Não perderia por nada.
Nem que isso significasse mais Luke Hemmings ao redor.
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