Capítulo Trinta e Quatro
POV – JULIA
Eu ainda não conseguia entender como tudo havia acontecido. Ainda esperava abrir os olhos e perceber que estava na minha cama e que tudo aquilo se tratava de um sonho ruim. Era irreal demais para ser verdade.
Eu havia decidido ir de ônibus para casa. Andava gastando muito com táxis pelo medo que Patrick havia deixado em mim, era melhor que andar sozinha na rua, mas o aluguel do nosso apartamento ainda estava atrasado, precisava economizar, por isso fiz hora extra no Comic's e acabei tendo que fechar tudo.
Desci a rua que já era tão conhecida quanto a minha, o ponto de ônibus não ficava longe. Enquanto caminhava, me apertei em minha jaqueta, pensando que já era a época do ano em que o mais inteligente era guardar os vestidos e usar sempre jeans. Estava tão frio. Ouvi um carro se aproximar, mas só uma pequena parte do meu cérebro focou naquilo. Estava olhando para a frente, pensando se Calum já havia preparado algo para o jantar. O carro parou bem ao meu lado, me assustando. Girei a tempo de ver um homem com o braço para o lado de fora da janela. Antes que eu pudesse pensar em qualquer coisa, o mesmo homem tocou com algo em minha cintura e senti uma descarga pelo meu corpo. Desabei no chão, atordoada. Queria gritar, mas minha língua parecia dormente, assim como o resto do meu corpo. Ouvi a porta do carro ser aberta, senti mãos ao meu redor. Minha cabeça girava, minha visão estava estranha. Senti que me jogavam no banco do carro, me cobriram com algo, um peso esmagador surgiu sobre mim, então o carro estava em movimento.
Eu não conseguia respirar muito bem. Queria gritar aquilo, mas minha voz não saía. Ninguém falava, mas eu sabia que haviam ao menos duas pessoas ali. Uma dirigia, a outra me segurava.
Não conseguia lembrar se a viagem fora curta ou longa, acabei perdendo a consciência duas vezes naquele banco, também não conseguia enxergar por causa do que jogaram sobre mim. Quando o carro parou e me descobriram, pude ver que ainda era noite pela janela. O homem ao meu lado me puxou sentada. Ele era largo, careca e com olhos estreitos.
- Escute bem, garota, você vai ficar quietinha, ok? Nada de gritar, nada de tentar fugir. Eu mato você se tentar. Me entendeu?
Balancei a cabeça, concordando. Eu me sentia em uma situação de além corpo. Não era eu ali.
O motorista saiu do carro e abriu nossa porta. Saímos, o grandalhão deixou algo de metal frio em contato com a minha cintura. Pensei ser uma faca. Estávamos em uma rua deserta, com prédios sem janelas, provavelmente galpões. Atravessamos rapidamente a calçada para dentro de um deles.
Lá dentro estava escuro e apinhado de caixas. Os homens continuaram andando, até um outro cômodo. Lá, acenderam uma luz e um deles foi até uma espécie de pia, se agachou e abriu o armário ali embaixo. Quando fui levada até lá, percebi que não era um armário, era uma espécie de passagem secreta, havia uma escada ali, descendo. Foi nesse momento que as coisas começaram a se encaixar na minha cabeça. Eu estava sendo sequestrada. Aqueles dois homens estavam me levando para um buraco no chão.
- Não! – gritei, tentando me soltar. O grandalhão quase me deixou escapar, mas acabou me agarrando com um só braço. – Não, não, não, não! Por favor, por favor!
- Calada, vadiazinha! – ele falou no meu ouvido.
- Faça ela calar a boca! – o outro cara mandou, agachado, para entrar na passagem.
O grandalhão me mostrou a faca que segurava.
- Você quer isso dentro de você? Hein? – ele me soltou, agarrando meu cabelo pela raiz para que eu olhasse para a faca. – Se não quiser sentir o gosto dela é melhor ficar calada.
Eu não conseguia controlar meu choro, as lágrimas me cegavam e alguns sons apavorados saíam da minha garganta.
O grandalhão me empurrou até a entrada, por onde o outro já havia desaparecido. Tentei resistir mais um pouco, mas foi em vão. Acabei descendo os degraus, na completa escuridão. Lá embaixo havia um quarto muito apertado, com uma única porta aberta. A porta era feita de concreto e sua espessura era maior que a largura dos meus ombros. Cômodo a prova de som. Fui empurrada lá para dentro. Minhas pernas ainda estavam moles, então caí, batendo o rosto no chão. Minha boca se encheu de sangue. Ouvi a porta ser arrastada e sentei rapidamente.
- Não! Não! – gritei, tentando levantar e correr, mas minhas pernas não obedeciam. A porta foi fechada e eu só consegui ouvir eu mesma.
POV – CALUM
Luke Hemmings estava do outro lado da janela espelhada sendo interrogado. Olhei para o relógio em meu pulso. Duas horas. Estávamos ali há quase duas horas e o filho da puta não havia entregado nada sobre o paradeiro da minha irmã.
Ele continuava afirmando que não sabia onde Jay estava. Sustentava o mesmo discurso desde o início, que não havia visto ou falado com ela desde que terminaram, há dois meses, que havia voltado para a cidade para resolver as coisas entre eles. Mas que grande coincidência, não? Ele voltar para San Mateo justo no dia em que minha irmã desaparecia.
Tudo era tão inacreditável. Mesmo estando ali, com a polícia, ainda havia um sentimento de irrealidade. Não era cabível para mim aceitar que minha irmã havia sido levada. Eu havia visto as filmagens das câmeras de segurança da rua. Eu vi Julia ser colocada dentro do carro, eu vi o carro avançando pelas ruas, até que havia um corte. A polícia estava tentando entender onde haviam ido parar as imagens daquele ponto. O que aquilo significava? Quem tinha o poder de se infiltrar no sistema de segurança daquele jeito?
Tia Becky estava na sala ao lado, acompanhando o interrogatório do amigo, Ashton Irwin. Gostaria de saber como andavam as coisas lá, se o outro cretino havia largado algo, mas meus olhos não desgrudavam do Hemmings. Eu sentia tanto ódio, tudo o que queria era ir até lá e arrancar a verdade dele com minhas próprias mãos.
O policial que o interrogava bateu na mesa entre eles, estava gritando a plenos pulmões, colocando pressão. Hemmings o encarava de frente.
- Vocês estão perdendo tempo, porra! Deveriam estar lá fora procurando por ela! – ele gritou de volta, levantando. Dois policiais o empurraram de volta na cadeira.
- Seria mais fácil se você dissesse onde ela está! – o interrogador devolveu.
- Eu não estou com ela! Não estou!
Vi o interrogador caminhar pela sala, o punho direito nos lábios. Ele parou, colocou as mãos na mesa e se inclinou para Hemmings.
- É a sua última chance de confessar e diminuir uns quantos anos que certamente passará na prisão.
Hemmings balançou a cabeça para os lados.
- Eu não a tenho. Já falei, inferno, eu não a tenho!
O interrogador ficou ereto, o encarou por mais meio minuto e saiu da sala. Fechou a porta atrás de si e se aproximou de mim. Sua expressão era de fracasso.
- Ele não confessa. – falou, lançando um olhar para Hemmings pela janela.
- Faça com que ele confesse! – exigi.
- Não posso pressionar mais do que isso. Ele tem um álibi a favor. Na verdade nem deveria estar aqui ainda.
- Que merda de álibi?
- Ele não estava na cidade quando sua irmã desapareceu. Conferimos com o aeroporto, ele chegou uma hora depois.
- Tudo bem, ele não a sequestrou pessoalmente, mas com certeza é ele quem está por trás disso tudo! Pelo amor de Deus! O amigo dele estava aqui!
- Irwin estava no apartamento que está alugando quando aconteceu, temos o porteiro como testemunha.
Soquei a janela ao meu lado, sentindo que minha cabeça iria explodir.
- Foi ele! Foi ele!
- A menos que consigamos ligar eles dois a uma terceira pessoa... – o homem balançou a cabeça.
- E então? O que acontece agora?
- Vamos continuar com o atual suspeito.
- O mendigo?
- Ele foi testemunha ocular. E há o celular. Eu mesmo voltei a falar com ele, mas afirma que nunca havia visto Hemmings ou Irwin antes.
Haviam encontrado esse morador de rua no ponto onde algumas testemunhas viram Julia ser levada. Ao revistar suas coisas, encontraram um celular com algumas fotos da minha irmã. Ela saindo da escola, trabalhando no Comic's, comigo e com Max. Eram fotos no estilo paparazzi.
- E ele também nega qualquer envolvimento? – perguntei, já sabendo a resposta.
- Ele diz que estava dormindo e que o celular foi implantado. Havia um pouco de DNA dele no aparelho, mas não diretamente. Provavelmente por ter sido exposto aos seus pertences.
- Eu quero falar com ele.
- Com Peterson?
- Com Hemmings.
O interrogador colocou as mãos nos bolsos.
- Filho...
- Eu só quero falar com ele. Talvez se ele me ver... Talvez ele...
O homem pensou por um minuto.
- Você tem dois minutos.
- Tudo bem.
Tentei passar, mas ele me deteve com um olhar sério.
- Não faça nenhuma besteira, não vai ajudar sua irmã se estiver preso.
Concordei com um aceno e entrei na sala. Hemmings pareceu surpreso ao me ver.
- Calum. – falou, tentando levantar. O policial ao seu lado o manteve no lugar.
- Onde ela está? – perguntei, parando do outro lado da mesa. Tentei não demonstrar o que estava sentindo.
- Calum, eu juro pra você que eu não...
Fechei os olhos. Meu corpo tremia.
- O que fez com ela?
- Nada! Eu não vejo a sua irmã há dois meses!
- Se você tiver feito qualquer coisa com ela... Eu juro. Eu vou matar você. – abri os olhos, sentindo que poderia fazer aquilo ali mesmo.
Hemmings se inclinou por cima da mesa. Haviam lágrimas em seus olhos. Aquilo apenas me deu mais nojo.
- Por favor, você precisa acreditar em mim. Não fui eu, Calum, porra NÃO FUI EU!
Ele socou a mesa e largou o choro. Seu corpo tremia, seu rosto estava contorcido em uma careta.
– Eu não sei onde ela está... Eu não sei para onde a levaram...
- Quem? Quem a levou? – implorei, meus olhos também estavam borrados. – Quem levou minha irmã, Luke?
Ele apenas balançou a cabeça.
- Você sabe! Porra, você sabe! – dei a volta na mesa e agarrei sua blusa. – Quem?!
Os policiais me afastaram rapidamente. Eu chutei e me contorci, tentando me soltar enquanto gritava.
- Filho da puta! Você sabe onde ela está! Me solta!
Me arrastaram para fora da sala. Tia Becky estava ali, ela segurava meus ombros e tentava me acalmar.
- Ele sabe, tia! Eu vi na cara dele! Aquele filho da puta sabe o que aconteceu com a minha irmã!
- Está tudo bem, Cal, calma. A polícia vai conseguir fazer ele falar.
- Por quê, tia? Por que ele tirou ela da gente? – bati minhas costas contra a parede, meu corpo inteiro balançava enquanto eu chorava. Escorreguei até o chão. Onde você está, Jay? Tia Becky estava me abraçando, eu podia ouvir seu choro também. Ergui a cabeça, mirando o teto cinza logo acima, desejando que meus pais estivessem ali.
POV – JULIA
Eu não suportava mais chorar. Meus olhos estavam secos, meu nariz dolorido e minha cabeça ameaçava explodir. Havia perdido a noção de tempo completamente. Minha barriga também doía, mas não sabia se de fome ou medo.
Olhei outra vez ao redor, mas não havia nada para se ver. Eram apenas quatro paredes, talvez quatro metros quadrado. Havia um buraco no teto, onde um ventilador atirava ar para mim. Havia tentado alcançar, mas era muito alto. Havia gritado até minha garganta arder.
Estava encolhida em um canto, abraçando minhas pernas. Eu precisava sentir algo, mas só havia eu. Meu vestido estava sujo de sangue, mas não lembrava de onde havia saído aquilo. Eu só queria acordar. Queria sentir Max pulando na minha cama, queria sentir o cheiro do café da manhã do Calum. Eu queria meus pais. Tanto que meu peito doía. E eu queria ele. Apertei meus olhos e o imaginei.
A porta se abriu, me assustando. Quantas vezes, durante o tempo que estive ali, desejei que ela se movesse para que eu escapasse? Mas naquele momento, tudo o que fiz foi me encolher ainda mais.
Um dos homens que havia me levado até ali entrou, seguido de um outro, mais velho.
- Aí está ela. – o sequestrador fez um gesto em minha direção.
O homem mais velho se aproximou mais um passo, me observando.
- Sim, é ela. – confirmou.
Ele era meio baixo, um pouco acima do peso e com pouco cabelo. Tinha um bigode grisalho bem cheio e olhos acinzentados. Tive a impressão que já o havia visto em algum lugar.
- Mantenham ela aqui. Não vai levar muito tempo. Ele já deve ter somado dois com dois. – o mais velho falou, ainda me olhando.
- Sim, senhor. Vamos esperar seu contato.
- O que... – comecei a falar, mas minha voz morreu. Os dois me olhavam. Tentei de novo. – O que vocês querem?
O mais velho sorriu. Meu coração acelerou ainda mais.
- Seu namorado sempre se achou tão esperto. Mas o imbecil não sabia que nunca devemos criar laços, não quem joga o nosso jogo. Quando se cria laços, você se transforma em uma marionete. Então, pessoas como eu só precisamos puxar um fiozinho e pronto! Fazem o que nós quisermos.
- Lu-Luke?
- Esse é o nome do bastardo.
Balancei a cabeça.
- Ele não se importa mais comigo. Não estamos mais juntos.
O homem riu.
- Acredite, querida, eu sei. Venho seguindo os passos de vocês desde que a vi no Tesse.
Ele. Era o homem que eu havia visto Luke conversando, no meu aniversário.
- Se anda nos observando, sabe que terminamos há algum tempo.
- Sim, e eu sei que ele voltou por você, ontem. Assim que eu soube que você ainda era o ponto fraco dele, mandem meus homens garantirem meu trunfo.
Era tudo um grande jogo. Um dos piores momentos da minha vida era um jogo para aquele homem doente. Ele iria me usar para atingir Luke.
- O que você vai fazer? – consegui perguntar. Agora que não estava no escuro total, agora que sabia o que estava acontecendo, minha mente ficou mais clara.
- Você é minha moeda de troca para conseguir mais moedas, se é que me entende.
- Você vai pedir resgate ao Luke? Ele não tem dinheiro.
- Ele não, mas o seu paizinho sim. Ele é um Leicester. Assim que eu estiver com o valor, devolvo você.
O outro homem se aproximou.
- Senhor, devolver? Mas ela viu nossos rostos, pensei que...
O velho riu.
- Com isso não se preocupe, Ramirez, meu rapaz. Os mortos adoram guardar segredos.
POV – LUKE
Quando Ashton e eu fomos liberados, o sol já estava nascendo. Peguei minhas coisas na recepção, caminhei apressado para fora e parei na calçada. Lancei um olhar para a rua, dei um passo para esquerda, parei.
- Eu não sei o que fazer! Inferno! – joguei minha mochila no chão. Eu queria gritar, de frustração.
- Calma, irmão, vamos pensar em alguma coisa. – Ashton parou ao meu lado. Ele estava horrível, preocupado e com cara de quem não dormiu nada. Eu deveria estar pior.
Ouvimos um assovio e olhamos ao mesmo tempo para a direita. Havia um carro estacionado na esquina. O cara no volante fez sinal para que nos aproximássemos.
- Conhece? – Ashton perguntou.
- Não.
Caminhamos até o carro. O homem apontou para minha mochila e levou um dedo até os lábios, pedindo silêncio.
Será que colocaram microfones nas nossas coisas? Olhei para Ashton e vi que ele pensava o mesmo. O cara apontou para algumas lixeiras na calçada. Ashton pegou nossas mochilas e as jogou lá dentro.
- Entre. Só você. – o estranho falou, ligando o carro e olhando para mim.
Comecei a me mover, mas Ashton segurou meu braço.
- Luke. – eu via o alerta em seus olhos.
- É sobre Julia. – falei.
- Como você pode ter certeza?
- Você tem alguma dúvida?
Ele me soltou e encarou o estranho.
- Eu vou junto. – falou.
- Vocês estão sendo seguidos. Se quiser ver a sua garota, seu amigo vai ter que distrair metade da polícia.
- Faça isso. Não pare de se mover por um tempo, ok?
- Luke...
- Mantenha eles ocupados. Confio em você. – dei um tapinha em seu ombro e corri para o banco do passageiro. O carro se moveu imediatamente.
- Ali estão os filhos da puta.
Segui o olhar do cara, pelo retrovisor.
- O SUV?
- Isso aí.
- Como vamos nos livrar deles?
- Você vai passar para aquele outro carro. – o cara fez um gesto para um Mercedes preto ao lado.
- Sem eles verem? Como?
O cara apenas sorriu.
O carro passou um cruzamento logo em seguida. Ouvi uma buzina muito alta, me assustando. Senti tudo girar, acabei batendo a cabeça no teto do carro.
- Porra! – reclamei.
- Vai! Vai! Vai! – o cara gritou, me empurrando para fora do carro.
Uma olhada para a rua e entendi. Um caminhão estava cobrindo a visão da polícia. O Mercedes estava bem ali, com a porta do banco de trás aberta. Corri agachado até lá e entrei.
- Fique abaixado. – uma voz ordenou e eu obedeci.
Pessoas gritavam na rua, carros buzinavam, era um pandemônio. O Mercedes se moveu após alguns minutos. Avançamos um pouco viramos algumas ruas, então paramos.
- Está limpo, você já pode vir para cá.
Saí do carro, dei a volta e entrei no lado do passageiro.
- Para quem você trabalha? – perguntei, encarando o novo estranho. Ele era a única ligação que eu tinha com quem estava com Julia. Apertei as mãos em punhos para me controlar.
O homem não respondeu. Com a mão livre, puxou um celular do bolso, discou um número e me entregou.
- Vejam quem finalmente apareceu. Eu já estava cansado de esperar. – alguém falou do outro lado da linha. Era certamente um homem.
- Onde está a Julia?
- A garota está bem. Desde que faça tudo direitinho, logo vai estar com ela.
- Onde ela está?! – gritei.
- Isso eu não posso dizer, é claro. Que tal tratarmos logo do nosso assunto?
Fechei os olhos, precisava me controlar.
- Quanto você quer?
- Quanto vale o amor da sua vida? – ele estava zombando.
Apertei os dentes.
- Diga o valor, filho da puta.
- Ooohh não, não. Vamos manter o decoro, por favor.
- Quanto. Você. Quer.
- Três milhões.
Abri os olhos.
- Três milhões?
- Estou sendo modesto? Posso pedir mais?
- Eu... Eu não tenho esse dinheiro.
- Bom, é melhor dar um jeito de arranjar. Meus homens se entediam rápido. Eles podem querer se distrair e a única coisa que eles têm por perto é a sua garota.
- Se você a entregar machucada...
- Você não está em posição de fazer ameaças, rapaz. Ocupe sua cabeça com ideias para conseguir o dinheiro. Eu não sou muito conhecido por ser paciente.
- Eu quero falar com ela.
- Desculpe, estou meio longe.
- Como posso saber se ela... – não consegui terminar a frase. Minha garganta estava apertada e seca.
- Você não pode. – e ele desligou.
Encarei o celular por um momento. Nunca na vida havia me sentido tão perdido. O homem pegou o aparelho da minha mão e o guardou.
- Pare o carro. – falei.
- Eu vou levar você para onde precisar ir. Ordens do chefe.
Agarrei sua jaqueta de couro e me inclinei para mais perto dele.
- Quem é o filho da puta?
- Ei ei ei! Vai fazer eu bater! Eu não sei, tá legal? Só falamos por telefone!
Larguei ele e esmurrei o porta luvas. Minha mão latejou.
- Me leve até esse bastardo e eu dou o dinheiro para você.
O cara balançou a cabeça e riu.
- Já disse, eu não sei. Ele vai me passar o lugar quando você estiver com o dinheiro.
Escondi meu rosto em minhas mãos, tentando pensar. O dinheiro que eu tinha não chegava nem mesmo a cem mil dólares. Onde arranjaria tanta grana?
O velho.
Ergui a cabeça.
- St. Vicent com a Gringore. 31.
O carro mal parou em frente a casa e eu já estava correndo. Os seguranças estavam se movendo em minha direção, não me importei. Um deles me segurou antes que eu alcançasse a porta.
- O sr. Leicester... Preciso falar com ele!
- Acalme-se, vamos anunciar você.
- Anunciar o cacete! – empurrei ele, passei por baixo do braço do outro e corri.
Entrei na casa, meus sapatos deslizando no chão lustroso. A sra. Leicester, que estava na sala, gritou com a minha entrada, eu a ignorei.
- Sr. Leicester! – chamei, indo em direção ao corredor, mas os seguranças me pegaram. Fui derrubado no chão, as mãos presas para trás.
O velho apareceu, totalmente confuso.
- Mas o que está acontecendo aqui?
- Ele está descontrolado, senhor. – o segurança que me segurava falou.
- Luke? Mas o...
- Preciso falar com o senhor! Agora!
- Pode soltá-lo, Lewis, pelo amor de Deus, ele não é um assaltante.
- Sim, senhor.
O peso sumiu das minhas costas e eu levantei.
- Andrew, não sei o que está acontecendo, mas eu o quero fora daqui. – a sra. Leicester exigiu, do outro lado da sala.
- Margareth, agora não. Vamos para o meu gabinete...
- Não, não há tempo.
- Eu o quero fora da minha casa! Agora! Lewis, Bennis! – a velha estava gritando.
- Podem se retirar. – o sr. Leicester falou para seus seguranças.
Os homens se olharam, sem saber a quem obedecer. No fim, decidiram que o patrão era quem mandava e deixaram a sala. A sra. Leicester me lançou um olhar de puro ódio antes de também desaparecer pelas escadas.
- Não há tempo. – repeti, inquieto.
- O que houve? Soube que esteve na delegacia.
- Eu preciso de... Dinheiro. Emprestado. Devolvo quando puder.
O velho ergueu as sobrancelhas.
- Oh. Tudo bem, só me diga quanto precisa... – ele estava puxando a carteira do bolso.
- Três milhões. – cuspi, rapidamente.
Ele parou de se mover e me olhou surpreso.
- Três milhões?
Concordei com a cabeça.
- Por que você precisa de tanto dinheiro? Tem a ver com o sequestro da menina?
Hesitei por um momento, mas decidi que falar a verdade faria eu ter o dinheiro mais rápido.
- Sim. As pessoas que estão com ela entraram em contato comigo.
- Meu Deus! Precisamos ligar para a polícia!
- Não! Não, eles vão descobrir. Vão machucá-la!
- Luke, a polícia está preparada para...
- Eu resolvo isso. Só preciso do dinheiro.
Nós encaramos por alguns segundos. Eu queria chacoalhar seu ossos velhos para fazê-lo reagir mais rápido.
- Luke... Eu não posso.
Aquilo foi como receber um soco.
- Por que não?
- Margareth e eu estamos nos divorciando. Até que nossos advogados conversem, não sei como ficarei financeiramente.
As palavras dele não faziam o menor sentido para mim.
- Está com medo de ficar pobre? Sabe que isso não vai acontecer!
- Bom, não, mas... Tente entender, preciso tomar cuidado nesse momento tão complicado...
- São três milhões! Três! O carro do Ben vale bem mais que isso! – eu estava gritando. Não podia acreditar que estava recebendo um não.
- Eu preciso que você...
Virei de costas para ele, as mãos na cabeça. Não podia contar com aquele cretino, nunca pude. Fui tão burro em pensar que ele serviria pra algo.
Caminhei até o aparador da lareira e varri tudo ali em cima com o braço. As peças caras foram jogadas no chão, quebrando e se misturando. Peguei as almofadas no sofá e as joguei para dentro da lareira acesa, o fogo crepitou, as devorando.
Voltei, com um dedo apontado para o nariz do velho.
- Eu. Odeio. Você. – parei por um segundo, apreciando a sensação de finalmente ter dito aquilo bem na cara dele. – Eu odeio você. Odeio mais do que qualquer coisa. Odeio ter parte de você dentro de mim.
O velho estava pálido, olhos arregalados.
- Filho...
- Filho é o cacete! – gritei, ainda bem próximo dele. – Eu não sou seu filho! Onde você estava durante toda a minha vida?
Ele apenas baixou a cabeça. Continuei.
- Eu precisei de você quando era pequeno. Eu quis ter você por perto, mas onde você estava? Sabia que eu fui operado quando tinha seis anos? Precisei tirar as amígdalas. E sabia que eu fiquei lá com uma assistente social que nunca havia visto na vida porque a mamãe precisou trabalhar para pagar tudo? Eu pedi tanto que você aparecesse. Eu estava morrendo de medo. – agarrei seus ombros e o chacoalhei para que voltasse a me encarar.
- Não, eu não sabia. Sua mãe nunca...
- Não. Não fale nela. Ela aguentou toda a merda sozinha. Não era papel dela informar você! Você deveria estar lá, porra!
- Eu tinha essa casa para manter, Luke! Eu tinha dois bebês!
- Você tinha três. – eu odiava tanto o quanto os olhos dele eram parecidos com os meus. Ben e Jacky não os tinham. Decidi, bem ali, que aquela seria a última vez que eu os veria. - Foda-se você. A sra. Leicester não é tão burra quanto pensei a minha vida toda. Ela está largando o grande merda que você é.
Me virei e saí da casa, os seguranças estavam ao lado da porta, como que esperando para intervir. Voltei para o carro e encarei a rua enquanto ele se movia.
- Conseguiu? – o cara perguntou.
- Ainda não.
Ele balançou a cabeça.
- Para onde agora?
Não respondi. Não sabia. O velho era a minha única saída. Eu cheguei mesmo a pensar que ele ajudaria? Queria chutar meu próprio saco por aquilo. Ele nunca esteve quando eu precisei, o depósito mensal fazia ele sentir que estava cumprindo seu papel de pai... O dinheiro.
- Preciso do celular. – falei, com urgência.
- Hum, cara, o chefe...
- Foda-se o seu chefe! Eu preciso dele para conseguir o dinheiro.
Ele hesitou por um momento, então suspirou e me entregou. Disquei o número de memória.
- Alô? Mãe?
- Luke? Ah, Luke! Onde você está? Nunca mais desapareça assim...
- Mãe, mãe, mãe! – eu a cortei. – Preciso dos dados da minha conta bancária.
- Da sua conta? Onde você está?
- Mãe, os dados da conta. A conta em que aquele fodido deposita dinheiro.
- Luke...
- Agora não. Por favor, por favor.
Eu ouvi ela se movendo.
- Pensei que nunca iria tocar nesse dinheiro.
- Não ligo de onde ele veio, no momento.
Ela ficou em silêncio, mas eu ainda podia ouvir barulhos do outro lado. Ela estava procurando.
- Você está em problemas?
- Eu prometo que conto tudo depois, ok? Só ache aquele papel.
- Você está me assustando.
- Mãe. – apertei os olhos, me livrando das lágrimas.
- Encontrei. Quer que eu mande por mensagem? Esse é seu novo número?
- Não, tudo bem, eu decoro.
Repassei os números que ela falou na minha cabeça várias vezes.
- Certo. Obrigado, mãe.
Ela não falou nada, eu podia quase sentir as perguntas que ela queria fazer. Quis dizer que iria vê-la o mais rápido possível, mas eu não sabia como tudo aquilo iria terminar.
- Eu amo você. – falei e desliguei. Passei o celular para o cara ao meu lado. – Vá para a agência bancária mais próxima.
Estávamos no centro, então não levou muito tempo até encontrarmos uma. Desci e entrei no banco, me sentindo ainda mais perdido, mas com um objetivo.
- Posso ajudar? – um cara com blusa social e crachá perguntou, se aproximando.
- Eu preciso saber quanto tenho em minha conta, de uma forma... Privada.
- Sem problemas, por aqui por favor.
Eu o segui até um guincho reservado.
- Pode sentar, por favor.
Puxei a cadeira e sentei, minha perna balançava em frenesi.
- Preciso de alguma identificação.
Passei para ele a minha carteira de motorista. O homem mexeu em seu computador com uma calma que me fez desejar bater a cabeça dele contra a mesa.
- Os dados da sua conta, por favor.
Falei os números e o observei digitar. O homem ergueu as sobrancelhas e me olhou.
- O senhor tem dois milhões quinhentos e vinte e quatro mil dólares e setenta e três centavos.
Engoli, surpreso. Uma vez a curiosidade havia me vencido e perguntei para minha mãe o valor que o velho me mandava todos os meses. Ela disse dez mil dólares, mas pensei que era piada. Percebi naquele momento que não foi. Dez mil dólares a cada mês, por vinte e um anos. Eu era um fodido milionário quando estava na quinta série.
- Eu quero sacar.
- Sim, senhor. Qual valor?
- Tudo.
O homem me lançou outro olhar.
- Certo, isso é possível só... Um momento.
Ele levantou e desapareceu por algum lugar. Provavelmente havia ido checar se eu não era um golpista ou algo do tipo. Ficou fora por uns quantos minutos, enquanto eu me retorcia naquela cadeira.
Por favor, esteja bem, por favor esteja bem. Faça ela estar bem... Por favor, por favor. Eu não sabia com quem estava falando, mas tinha um pouco de fé que alguém estava ouvindo. Havia um Algo cuidando e protegendo pessoas como ela, não havia?
- O senhor vai precisar me acompanhar.
Eu levantei, olhando para o funcionário do banco. Havia uma pedra em meu estômago.
- Tudo bem?
- Sim, sim. Acontece que certas quantias são entregues com mais... Sigilo. Me entende?
Balancei a cabeça.
Fomos até uma sala luxuosa, bem parecida a um gabinete. Encontrei outro funcionário ali, aquele de terno, que apertou minha mão.
- Como desejar sair com essa quantia, sr. Hemmings? – o mesmo homem perguntou. – Temos essas opções.
Eu olhei para a mesa. Havia algumas maletas, vários tipos de bolsas e até sacolas de supermercado.
- Essa aqui. – apontei para uma mochila de bom tamanho, preta e discreta.
Imediatamente os dois funcionários começaram a colocar os maços de dinheiro, enquanto contavam em voz alta. Levou um momento até eu pegar a mochila e a colocar nas costas. Apertei a mão dos dois outra vez e saí.
Me sentia extremamente exposto com todo aquele dinheiro na rua. Voltei a entrar no carro, colocando a bolsa entre meus pés.
- Podemos ir. – falei, notando o olhar do cara na bolsa.
- Ok, já estou com o endereço.
Pensei que iríamos sair de San Mateo, mas dirigimos para o lado oeste, onde havia uma área industrial. O lugar era quase deserto, não haviam pessoas, o trânsito era pouco e quase completamente de caminhões. Paramos em uma esquina qualquer.
- Armazém 471. – o cara falou simplesmente.
- Obrigado. – falei.
O cara virou para me olhar, confuso. Acertei sua testa com o cotovelo, a cabeça dele bateu contra o vidro da janela e ele apagou. Encontrei o celular e uma arma nele, peguei a bolsa e saí do carro, guardando a pistola na cintura.
O prédio à minha direita era o 467. Subi a rua, conferindo os números até que encontrei. Eu podia sentir minha pulsação no corpo todo. Testei o portão pequeno e estava aberto.
Lá dentro, o lugar era iluminado pela luz do sol que entrava pela clarabóia, um grande espaço aberto. Mal reparei em tudo isso, meus olhos estavam no homem há uns dez metros de distância.
- Você... – a palavra escapou da minha boca. Aquele era o homem que Rivers mandou que eu encontrasse no restaurante.
Eu não devia ter levado Julia naquele dia. Que bastardo burro eu sou. Eu a havia colocado na mira daquele cretino parado bem ali. E para quê? Por um jantar? Eu adorava flertar com a sorte, mas o alvo sempre havia se resumido a mim. Não havia percebido que tê-la ao meu lado a tornava um alvo também.
POV – JULIA
Haviam me tirado do quarto a prova de som e agora estava na anti-sala, de pé, com uma mão cobrindo minha boca e uma arma na minha nuca. Havia parado de chorar por um tempo, me sentia exausta e faminta. Não sabia há quanto tempo estava com aquelas pessoas, não sabia quanto tempo mais iria aguentar.
Meus olhos secos voltaram a se encher de água quando eu ouvi a voz dele. Era Luke. Eu me movi, tentei gritar, mas o homem me apertou ainda mais e me mandou calar a boca.
- Seja bem-vindo, Luke. – aquela era a voz do homem do restaurante. Eu a reconhecia, sentia que jamais seria apagada da minha mente. – Que bom que você veio.
- Estou com o dinheiro. Onde ela está?
- Que rapaz impaciente você é. Não quer conversar um pouco?
- Vá se foder.
Uma gargalhada. Eu tremia, toda a minha mente gritava para eu me soltar e correr para o outro lado daquela parede, para Luke.
- Está tudo aí? Dentro dessa única bolsa?
- Onde ela está? Eu quero vê-la.
- Primeiro a bolsa.
- Acho que você sabe que as coisas não funcionam assim.
- Há homens meus lá fora. Acredite, você não vai sair daqui com esse dinheiro.
- Eu não o quero.
Houve um curto silêncio.
- Por que eu tenho a sensação que você está sendo sincero?
- Porque eu estou. Apenas me entregue ela e damos o fora.
- Parece que as coisas vão ser bem fá- - o homem parou de falar e, no mesmo instante, eu ouvi sirenes.
Polícia. A polícia.
- Merda! Merda! Merda! – o homem gritava do outro cômodo, o que me segurava também xingava. – Você trouxe a polícia, imbecil!
- Nós os despistamos! Eu não sei...
- Inferno! Ramirez, traga ela aqui!
- Vamos. – o homem falou atrás de mim. – Se tentar correr, eu atiro em você.
Nos movemos. Passamos pela porta e meus olhos o procuraram imediatamente.
- Luke. – sussurrei ao vê-lo. Ele estava há alguns metros, seu rosto duro, mas quando olhou para mim, houve uma pequena mudança. Ele deu um passo em minha direção. O homem entre a gente ergueu a arma e apontou para ele.
- Não! – gritei.
- Fique bem aí, rapaz!
Lá fora as sirenes explodiam.
- Vocês estão cercados. Saíam com as mãos atrás da cabeça e sem movimentos bruscos.
- Como eles chegaram até aqui? – o homem perguntou para ninguém em particular, a arma ainda apontada para Luke.
- Você está fodido. – Luke estava com um meio sorriso no rosto.
O velho riu, sem humor.
- Acho que você quer dizer nós. Se eu cair, você e o seu amigo vão junto.
- Do que você está falando?
- Pensei que era mais esperto, rapaz. Aquele encontro no restaurante foi um teste, queria saber se iria me reconhecer, apenas pela voz. Queria que fosse um dos meus contatos dourados.
Eu não estava entendendo nada daquilo, mas pareceu fazer sentido para Luke. O meio sorriso desapareceu.
- Rivers.
Meus olhos voaram para as costas do homem de terno. Aquele era Rivers? O "chefe" secreto de Luke?
O homem abriu os braços, como se estivesse se apresentando para uma plateia.
- Eu mesmo. Sabe, eu queria muito promover você, mas quando vi que tinha um ponto fraco... – ele encolheu os ombros. – Infelizmente não trabalho assim. Pontos fracos são tão tentadores! Qualquer um poderia pegar a sua garota e pronto, tirariam qualquer informação de você. Levou apenas alguns minutos para eu perceber que eu poderia tirar algo de você usando ela. Nesse caso, dinheiro.
- Por que demorou tanto?
- Eu precisava ter certeza que ela era importante para você. Parecia não ser, já que viviam brigando. Jovens. Pensei que havia perdido minha chance quando você foi embora. Mas então, Irwin voltou para a cidade, achei isso muito curioso, depois você. Precisei me mover rápido.
- Repito: Vocês estão cercados. Saíam com as mãos atrás da cabeça e sem movimentos bruscos! Ou vamos invadir!
- Chefe! – o homem que me segurava estava nervoso.
Rivers se virou para gritar com ele. Luke aproveitou o momento para puxar uma pistola de algum lugar e a apontou para o velho.
- Mas que porra, rapaz. – Rivers estava tenso, com Luke em sua mira. – Vamos todos sair daqui, ok? Eu pego a bolsa, você a garota e saímos. Há uma passagem para o prédio ao lado.
Luke estava sorrindo novamente. Seus olhos queimavam com algum brilho estranho.
- Você não vai há lugar nenhum, Rivers.
- Vamos lá, me passe a bolsa. Se eu me foder, você é o próximo da fila, imbecil!
- Não se você estiver morto.
Rivers deu um passo para trás.
- Ramirez, me dê a garota.
- Não! – Luke gritou e começou a se aproximar.
Rivers me puxou pelo braço, me colocando em sua frente. Senti o frio de sua arma no lado de minha cabeça. Meu corpo estava frio, quase sem sensibilidade alguma. Eu chorava descontroladamente.
- Eu vou dar o fora. – Ramirez falou, caminhando de costas.
- Fique aqui! – Rivers gritou, sem tirar os olhos de Luke.
- Foi mal, eu não vou ser preso. – eu o ouvi correndo.
- Filho da puta! – Rivers grunhiu.
- Parece que você está sozinho.
- Parece que você está em um impasse. – ele devolveu para Luke. - Você pode me deixar ir com o dinheiro, sabendo que eu vou voltar em algum momento, ou você me mata e com isso garante o meu silêncio eterno. Mas, para isso, vai ter que atirar nela primeiro.
Os olhos de Luke vieram para mim e eu não vi o que esperava ver. A história que Calum e eu contamos para Max apareceu na minha cabeça. Havia uma outra moral, que eu não havia contado. A história também falava sobre sacrifício. A galinha sacrificou algo que amava para matar o que mais odiava.
POV – LUKE
A pressão do lado de fora aumentava a cada segundo, eu sentia em minha pele. Segundos, eu tinha segundos para decidir, mas não havia decisão, não havia o que pensar. Eu precisava ter uma vida depois daquele momento...
- Deixe-a vir.
... E eu só teria uma vida se ela estivesse comigo.
- Rapaz esperto. Jogue a bolsa.
Tirei a mochila do ombro e a joguei.
Foi tudo tão rápido. A mochila deslizou até os pés de Rivers. Ele soltou e empurrou Julia para a frente. Ela começou a vir em minha direção. Rivers se abaixou, pegou a mochila e, ao se levantar, ergueu a arma, mirando Julia.
Não houve tempo para palavra alguma sair da minha boca. A arma disparou, o som estourando nos meus ouvidos. Meu corpo convulsionou uma vez, como se eu tivesse recebido o disparo. Julia caiu, como um brinquedo que se desmontou de uma vez.
- Não! – corri até ela e me joguei no chão. – Não, não, não, não. – puxei seu corpo para o meu colo, minhas lágrimas molhavam seu rosto. – Não, não, não, meu amor, por favor, por favor.
Ela estava olhando para mim. Levei um segundo para notar isso.
- Luke. – ela sussurrou.
Eu olhei para seu corpo, procurando, mas não havia nada. Estava confuso. Ergui a cabeça e olhei ao redor. Rivers estava no chão, deitado de lado, segurando seu ombro. Seus olhos arregalados pareciam tão confusos quanto os meus. Então eu o notei. Ashton estava mais atrás, segurando uma pistola.
A polícia invadiu nesse momento e tudo virou um caos. Homens com fardamentos que eu só havia visto em filmes estavam em todos os lugares, se movendo em sincronia, armas em riste.
Rivers esticou o braço que não foi atingido e pegou sua arma. Eu abracei Julia contra mim e ergui uma mão. Outro disparo, daquela vez da polícia. Ele foi atingido no peito, lançado para trás.
Continuei agarrado a Julia com todas as forças. Ainda precisava acreditar que ela estava ali, segura, comigo. Mãos nos tocaram, tentando nos afastar. Eu gritei e a apertei mais. Alguém estava falando comigo, mas eu não conseguia entender. Julia me olhava, parecia atordoada também. Seus olhos se focaram em algo atrás de mim.
- Cal. – ela falou, se soltando dos meus braços. – Oh, meu Deus, Cal! – ela levantou, meio sem equilíbrio, então meio andou, meio correu até o seu irmão. Eles se abraçaram. Calum chorava também. A tia deles veio logo atrás.
- Você está bem? – Ashton perguntou, parando junto a mim.
Lancei mais um olhar para Julia.
- Agora eu estou.
Ele me ofereceu uma mão, me ajudando a levantar. Acabou me puxando para um abraço.
- Quando eu vi aquele bastardo apontando uma arma para você...
- Valeu, irmão. Você salvou a pessoa mais importante da minha vida.
Ele me deu alguns tapinhas nas costas, então segurou minha cabeça entre suas mãos.
- Acabou, Luke. Acabou.
Olhamos para o cadáver do Rivers, algumas pessoas trabalhavam nele. Ele estava morto, junto com toda a merda que controlava. Estávamos livres.
POV – JULIA
Entrar em casa, depois de tudo o que havia acontecido, foi a melhor coisa que senti na vida. Consegui chegar até o sofá antes de desabar.
Luke, Calum e tia Becky haviam me contado tudo enquanto eu recebia algum atendimento médico. No fim, havia ficado sequestrada por menos de um dia. Havia sido pega na quarta a noite e Luke e a polícia me encontraram no começo da tarde da quinta. Para mim foi toda uma vida e ter que relatar tudo para a polícia foi como reviver. Aquelas horas estavam gravadas em meu corpo e eu sabia que jamais as deixaria para trás.
Minha família falou bem por cima do terror ao descobrir que eu havia desaparecido, Luke contou tudo o que teve que fazer até chegar no armazém e Ashton explicou que quando os policiais que o seguiram a manhã toda simplesmente desistiram, ele soube que haviam me encontrado, então ele passou a seguir a polícia. Enquanto a invasão do armazém era planejada há algumas quadras, ele viu Ramirez sair pelos fundos do prédio ao lado, o rendeu, tomou sua arma e entrou para nos ajudar.
- Acho que todos merecemos um bom descanso, agora. – tia Becky falou, ao meu lado, enquanto fazia carinho na minha bochecha. – Vou preparar um banho para você, querida.
- Eu não quero, tia. Só vou ficar aqui, está bem?
- Tudo bem. Quer comer alguma coisa? Hidrataram você no hospital, mas você mal comeu. – Calum falou, parado a minha frente, junto com Will. Luke estava do meu outro lado, eles meio que formavam uma barreira de proteção ao meu redor.
- Meu estômago está meio embrulhado. Talvez mais tarde. Vão vocês, estão tão cansados quanto eu.
- Eu vou buscar o Max na casa da sra. Keith. Quero que ele acorde em casa. – tia Becky me deu um beijo e levantou.
Max. Queria enterrar meu rosto em seu cabelo e sentir seu cheirinho. Sentia tanta falta dele.
- A gente pode conversar, Luke? - Calum perguntou, parecia envergonhado. É claro, ele havia pensado que Luke estava por trás de tudo aquilo.
- Está tudo bem, cara. - Luke balançou a cabeça, o olhando.
- Eu só queria pedir desculpas. Fui injusto e...
- Calum... - Luke fez uma careta. - Só vamos deixar essa parte para lá, tudo bem?
Calum concordou e se virou para Will.
- Você pode me ajudar a preparar algo para comer? – perguntou.
- Claro.
Os dois também saíram, restando apenas Luke e eu. Me acomodei melhor em seu ombro.
- Obrigada. – falei, baixinho. Ainda não havíamos tido tempo para conversar sozinhos.
- Desculpe.
Ergui a cabeça para olhá-lo.
- Por que está de desculpando?
Luke estava encarando o teto, evitando meu olhar. Até mesmo naquele momento não consegui não me perguntar como ele conseguia ser tão lindo. Se não estivesse tão cansada...
- Por ter colocado você em tudo isso. Não deveria ter me aproximado, para inicio de conversa.
- Já passou, acabou. Vai ser diferente agora.
Ele fechou os olhos.
- Esteve tão perto... Eu pensei que perder você seria o jeito de pagar por tudo o que eu fiz de errado.
Toquei seu rosto levemente e beijei sua mandíbula.
- Eu estou aqui, está tudo bem. Não foi sua culpa.
- É claro que foi. – ele cobriu os olhos com o braço e ficou imóvel.
Deixei-o em silêncio por um momento, para lidar com seus demônios em paz.
- Você ainda está aí? – perguntei, tocando seu braço. – Olhe nos meus olhos, tem alguém aí, afinal? Porque eu não vou embora.
Eu pude ver um sorriso se abrir.
- Não vai mesmo. – ele deixou que eu puxasse seu braço e me olhou. Seus olhos eram os mais lindos que eu já havia visto. – Podem me chamar de o maior puta egoísta do mundo, mas eu não vou deixar você ir para lugar nenhum.
Sorri também. Então lembrei de algo.
- Eu ouvi a quantia que eles estavam pedindo. Como arranjou três milhões de dólares?
- Não arranjei, bom, não todo. Era o dinheiro que o velho depositou durante toda a minha vida. Dois milhões quinhentos e vinte e quatro mil dólares e setenta e três centavos.
Meu queixo caiu.
- Você era milionário. Todo esse tempo.
- Nah, sempre fui ralé. Eu não tocaria naquele dinheiro nem se estivesse morrendo de fome.
Coloquei a mão em seu peito.
- Você tocou. Por mim.
O olhar de Luke mudou enquanto olhava para mim com intensidade.
- Por você eu faria qualquer coisa, Julia.
As palavras dele entraram por meus ouvidos e descansaram em meu coração.
- Eu também era uma bagunça quando você me conheceu. – falei, voltando para o assunto anterior.
- Você era perfeita. Você ainda é.
Sorri um pouco.
- Eu estava quebrada, Luke. Você fez eu me sentir inteira de novo.
- Garoto quebrado conhece garota quebrada. – ele entrelaçou os dedos nos meus.
Olhei para nossos dedos entrelaçados, como nossas vidas estavam agora. Fechei os olhos, sentindo que estava no meu lugar seguro e podia dormir.
- Talvez dessa vez, dois errados façam um certo.
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