Capítulo Dezessete
Após contar aquelas histórias, precisei encarar a janela molhada por um bom tempo, para que ela não visse a tristeza em meu rosto. Lembrei dos verões passados ao lado de Ben. Não podia negar que havia me divertido bastante com o garoto. Ele era meu irmãozinho, que me seguia para todos lados e tentava imitar tudo o que eu fazia. Ninguém queria ser como eu, o garoto sem casa fixa e roupas de segunda mão, mas Ben sim, ele me olhava como se eu fosse algum exemplo a seguir.
Em algum momento, senti o toque dela em meu braço, pressionando minha cicatriz, mas continuei com meus olhos na janela.
- Você me chamou de Julia. – ela falou, parecendo a ponto de dormir.
- Chamei. – concordei, lembrando do desespero ao vê-la tão amedrontada na rua. - E eu gostei como soou.
Seguimos em silêncio e quietos. Quando, por fim, virei para olhá-la, a encontrei dormindo. O que há de tão especial nessa menina? Estudei seu rosto, o cabelo levemente jogado para o lado, a parte da frente, teimosamente caía sobre seus olhos. Afastei com os dedos, levemente. Seus olhos fechados, o nariz pequeno, a boca levemente entreaberta. Ela parecia ser apenas uma garota, mas de alguma forma se destacava de todas as outras. Eu tinha certeza que conseguiria encontrá-la em meio a uma multidão.
Acomodei minha cabeça no travesseiro, movendo minha mão cuidadosamente por debaixo do cobertor e pousei em minha camisa, que ela havia resgatado do banheiro para dormir. Seu coração batia, o ritmo estava brando, diferente do meu, e aquilo me acalmou. Foi a primeira vez em muito tempo que senti que as coisas estavam onde deveriam estar. Que eu estava onde deveria estar. Fechei os olhos. Todos os cheiros, da chuva, do quarto, o meu próprio, se perderam em algum lugar, pois tudo o que eu podia sentir era Julia Evans.
A luz forte sobre o meu rosto me acordou. Cobri os olhos e pisquei, olhando para o sol que entrava pela janela descoberta. Como aquilo brilhava tão forte depois de uma tempestade? Então, lembrei de tudo o que havia acontecido na noite passada e virei. Julia continuava dormindo, não havia se movido durante toda a noite, sua mão ainda segurava meu braço, seu polegar sobre minha cicatriz. Levei minha mão até seu rosto, roçando de leve sua boca bonita.
- Ben.
Congelei. Ben? Inferno, ela está sonhando com o merda do meu irmão! Agarrei seus ombros e a sacudi sem delicadeza. Seus olhos se abriram confusos.
- Hora de dar o fora, Evans. – falei, empurrando ela para o lado e sentando.
- Onde... O quê... por que fez isso? – resmungou, esfregando os olhos. Seu cabelo bagunçado parecia palha, uma palha adorável que me irritou.
- Eu quero minha camisa de volta.
Ela bocejou antes de me encarar. Parecia estar tentando decifrar meu humor, mas não falou nada.
- O que diabos deu em você?
- Eu só quero ir embora. – meu tom estava azedo.
Evans ficou de pé, recolheu o macacão do chão e entrou no banheiro.
Sentei na beirada da cama para calçar os sapatos. Ah, garota, você não pode ficar calada nem mesmo dormindo? Mas que porra! Ótima forma para acabar com... Com o quê? Xinguei meu sapato esquerdo por nada em especial.
Evans voltou para o quarto usando o macacão e passou minha camisa sem me olhar. Sentou ao meu lado para calçar as botas e eu pude sentir a raiva irradiar dela. Recuperei meu celular de debaixo do colchão, pouco me importando se ela veria ou não. Ela viu mas não comentou. Talvez meu humor estivesse pior do que eu imaginava. Ela estava com medo de mim? Tentei relaxar, não queria parecer um babaca hostil, a garota nem fazia ideia do porquê eu estava agindo daquela forma, mas sempre que lembrava de seus devaneios com Ben, eu trincava os dentes e desejava socar alguma coisa.
A viagem até a oficina e depois para sua casa foi silenciosa e incômoda. Evans estava me ignorando tanto quanto eu a ela, era claro como os dois só queriam estar longe do outro. Quando ela falou, por fim, chegou a me surpreender.
- Você pode parar na rua atrás do meu prédio? – pediu por cima do meu ombro. Oh, bárbaro, agora ela sentia vergonha em ser vista comigo. E se fosse Ben? Ela se importaria? Acelerei e logo paramos em frente a uma loja de flores.
- Obrigado, Luke. – Evans falou ao descer, passando o capacete para mim.
- Pelo o que, especificamente? – eu queria que ela percebesse tudo o que eu havia feito por ela, e por mais ninguém. Queria que ela notasse que eu me importava, eu, não o garoto.
- Pela carona, por ter me tirado da escola. Por tudo.
Eu sabia que não devia me virar para ela, ali na calçada. Durante a viagem, cada vez que a olhei fui invadido por lembranças da noite passada. Da sensação de seu corpo pequeno debaixo do meu, seus suspiros de prazer que me arrepiaram, seu gosto... Ao menos ela não gritou o nome do garoto naquele momento. Mantive meus olhos em outra direção.
- Não foi nada. – falei, seco.
- Hum, então, até mais. – ela começou a se afastar.
Merda!
- Evans! – chamei, xingando a mim mesmo internamente. Eu devia deixá-la ir, mas não saber me deixaria louco. Já estava deixando. – O que você vai fazer?
- Com o quê?
- Com Ben. – o tom de minha voz mostrou claramente a necessidade por aquela resposta. Controle-se.
Evans deu de ombros e encarou as botas. Parecia infeliz. É claro que ela ainda se importava e iria voltar correndo para ele. Eu fui só uma ótima foda.
- Boa sorte, então. – liguei a moto e parti, daquela vez sem olhar para ela nenhuma vez pelo retrovisor.
- Você pode guardar a porra dessas baquetas pela merda de um dia? – gritei para Ashton, sentando ao lado dele no meu sofá. O imbecil não queria pagar por um lugar maior, mas vivia enfornado no meu.
- Cara, você tá um puto hoje. – ele reclamou, parando aquela batucada do inferno.
- Estou como em todos os dias.
Ashton pegou a lata de cerveja da mesinha e, ao abrir, derramou um pouco no sofá.
- Porra, cara, eu pago para limparem isso! – gritei, pulando de pé para não acabar molhado. Ashton ergueu uma sobrancelha enquanto me encarava, como quem diz “Viu? Puto”. – Ah, foda-se. – voltei a sentar e passei as mãos no cabelo para prendê-lo. Eu precisava de um corte.
- Diz aí, o que está chutando o seu saco?
- Não tem nada me incomodando.
- E essa vontade de enfiar um garfo no olho de algum infeliz? Ah, claro, já imagino o que é. Há quanto tempo você não se alivia? Você não pegou nenhuma garota na festa ontem?
Ashton estava por ali desde o começo da tarde mas não havíamos conversado. Na verdade, ao perceber que até mesmo sua respiração me incomodava naquele dia, fui para o quarto e me tranquei até perceber que já era noite.
- Isso aí é energia armazenada. Vai lá, pega a Evans e dá uma volta.
Encarei-o surpreso, pensando que ele havia sugerido que eu encontrasse a garota. Ele está falando da moto, idiota. É claro que eu sabia o que estava me deixando com aquele humor do cacete, era justamente ela. Não conseguia parar de pensar em sua boca chamando por Ben.
- Opa, calma aí! – Ashton rolou para o lado quando eu soquei a almofada perto de sua cabeça. Seu movimento derramou mais cerveja no sofá. Ele abandonou a lata na mesinha e ficou de pé, na minha frente. – Ok, agora é sério, cospe de uma vez.
- Não tenho nada para cuspir. Por que você não vai trepar com alguém?
- Esse foi o conselho que eu dei para você.
- Não tô a fim. – e não estava mesmo. O que havia de errado comigo? Agarrei minha cabeça e a apertei, como se pudesse arrancá-la dos meus pensamentos. Inferno! Inferno! Inferno!
- Eu nunca vi você assim, Luke. Aconteceu alguma coisa com a sua mãe? – Ashton soava preocupado, o que me alertou. Eu deveria estar parecendo um possuído para fazê-lo ficar sério.
- É a Evans – admiti, por fim.
- A namorada do seu meio-irmão?
- É.
Ele voltou para o sofá.
- Esse é o problema? Ela ser a namorada do Ben?
Deslizei até ficar sentado no chão. Puxei os joelhos para cima e apoiei os cotovelos neles. Aquele era o problema?
- Minha cabeça tá uma merda, cara. Eu penso nela, no Ben, nos dois juntos, sinto vontade de bater em alguém, então volta tudo de novo. Eu não sei que porra está acontecendo, porque, obviamente, eu não posso estar interessado nela.
- E por que não? Ela é mulher. E bonita.
- Mas ela é... Ela é uma menina. – percebi que esclarecia aquilo tanto para Ashton quanto para mim mesmo.
- Não é não, a gente deu uma boa olhada nela na praia, de biquíni. Ela é crescidinha.
Eu dei uma boa olhada nela nua. Não foi com uma menina que eu passei a noite ontem, não mesmo.
– O que eu quero dizer é que ela é o tipo que deseja florzinha e ursinhos. Meu tipo de garota é o descartável. São aquelas que no dia seguinte querem me ver tanto quanto eu a elas.
- Mesmo assim você não consegue se afastar dela.
- Eu estou aqui, não estou? E ela? Com Ben, provavelmente.
- Você está quase correndo por aquela porta. Seja sincero, Luke, eu já venho notando isso há tempos. Você está inquieto, sempre procurando um motivo ou outro para estar com ela. Cara, você arranjou um emprego para estar perto dela.
- Não me faça parecer um perseguidor maluco. – revirei os olhos, mostrando minha crença naquilo.
- Você não sai mais para caçar ou jogar. Lembra o que fez com o convite da sua meia-irmã? Mas acabou indo para a festa, só para ver o vestido que você comprou sendo usado. Não me olhe assim, eu não sou idiota. E onde esteve na noite passada? Procurei por você por toda a festa e só encontrei uma loira nada feliz por ter sido abandonada.
- Eu vim para cá. Estava cansado.
- Mesmo? Eu precisei mandar todo mundo embora quando percebi que você não ia voltar. Depois vim para cá e você não estava.
Suspirei.
- Dei uma carona para Evans. – resmunguei.
Ashton balançou a cabeça e exalou seu ar de eu-tenho-razão, e eu nem pensava em contar o resto.
- Admita, cara, Luke Hemmings está fraquejando.
- Eu nunca fiquei de quatro por uma mulher.
- Não falei de quatro, falei fraquejando. Mas que está no caminho, está.
Chutei as pernas dele.
- Cala a boca.
Ele recuperou sua cerveja.
- Lembra da Tony? – perguntou.
Franzi a testa, me perguntando quem diabos era Tony, até que lembrei.
- O que tem ela?
- Lembra que eu fiquei semanas atrás dela? Você não tem ideia, até o dedinho do pé daquela garota me levava direto para o banheiro. Então, criei coragem, lancei um papo e acabamos detrás do placar da quadra da escola. Ela foi uma das primeiras e, cara, aquilo deve ter sido o Nirvana. Mas quando acabou... acabou, sabe? O que eu quero dizer é que talvez você esteja na mesma. Essa garota, ela é atraente do jeito dela, e esse jeito te pegou. Você está curioso para experimentar esse “algo novo”, então vá e experimente.
- Você está dizendo para eu “jogar um papo” na Evans, levar ela para detrás de um placar e “matar a vontade”?
- Exato. Você vai ver, depois de acabar com a curiosidade vai perceber que ela não é nada demais.
Seria realmente aquela a solução? Eu precisava estar com ela até... enjoar? Claramente uma única vez não foi o suficiente. E só a ideia de voltar a tê-la comigo...
- Vejo o fogo em você, amigo. – Ashton socou meu ombro e sorriu.
- Eu vou tentar. Espero que ela e Ben ainda estejam brigados.
- Isso que estou vendo são escrúpulos?
- Isso não me impediria, mas a ela sim.
- Esse é meu garoto! Mas, cara, você acha que ela vai dar mole?
- Hum?
- Você não falou que seu irmão foi o único namorado que ela teve? Aposto que ele mal encostou a língua nela, cara. Eu aposto minhas bolas que ela ainda é virgem.
Você acaba de ser castrado, amigo. Soltei uma risada. A primeira do dia.
Era tarde, o restaurante já estava fechado, mas eu sabia que Evans havia feito hora-extra para compensar a falta do dia anterior. Torci para ela ainda estar lá dentro. Estacionei a moto, atravessei a calçada e dei a volta, usando minhas chaves para entrar pelos fundos.
A cozinha estava escura e vazia, eu a atravessei com cuidado para não esbarrar em nada. Ao chegar às portas que davam para o salão, espiei pelas janelinhas redondas e a vi arrumando as mesas. Passei pelas portas e me aproximei, fazendo barulho para não assustá-la. Ela me olhou, primeiro surpresa, depois ficou com a expressão vazia.
- O que faz aqui a essa hora? – ela perguntou, voltando a esfregar a mesa na sua frente.
- Eu trabalho aqui.
- Já fechamos. Phil está furioso com você.
- A fúria do sr. Porcino me amedronta tanto quanto bebês pinguins.
- Por que veio a essa hora? – ela arrumou os molhos e passou para a mesa seguinte.
Estávamos muito próximos agora. Ela com uma parede a suas costas, uma mesa à direita e eu a sua frente. Estiquei o braço, bloqueando sua saída pela esquerda e prendi meu olhar no seu. Oh, menina, seus olhos são tão bonitos. Até mesmo eles eu tenho vontade de beijar.
- Para ver você. – Para beijar você. E torcer para que o plano funcione.
Evans me olhava daquele jeito esquisito, confuso, como se tudo tivesse fugido de sua mente. Sorri um pouco e tentei beijá-la, mas ela escapou por debaixo do meu braço.
- Eu posso fechar tudo sozinha, obrigada. – falou organizando alguns guardanapos já arrumados.
- Eu não lembro de ter oferecido ajuda. – apontei, me aproximando, só para vê-la escapar para outra mesa.
- Ótimo. Vá embora.
- Já falei que você fica adorável com essa fantasia? – perguntei puxando o elástico da saia estrelada. Evans girou para ficar de frente para mim e deu um tapa em minha mão.
- Pare com essa brincadeira.
- Nunca falei tão sério, Evans.
Estávamos cara a cara, com a mesa atrás dela. Encarei-a por um minuto, queria grunhir para me fazer tirar os olhos dos dela, mas não conseguia.
- O que você está fazendo? – ela tentou me empurrar para longe, mas me mantive firme.
- Estou tentando te beijar, mas você está fazendo meu trabalho ser mais difícil.
Agora ela me olhava com raiva.
- Me beijar? Por quê?
- Por quê?
- Sim, por quê?
Sorri.
- Por isso.
Agarrarei sua cintura e a ergui, sentando-a na mesa. Empurrei seus joelhos para os lados, para poder entrar no meio de suas pernas. Ao mesmo tempo, puxei-a para grudar seu peito no meu. Evans arquejou surpresa, então soltou o ar em minha cara, me embebecendo com seu cheiro doce.
- Você é tão linda. – sussurrei, encantado com a verdade de minhas palavras. Usei a mão que não estava em suas costas para roçar os dedos em seu rosto. A respiração dela acelerou, seus seios pressionavam contra mim uma e outra vez enquanto respirava. Eu sentia o sangue correr quente por todo meu corpo. Esmaguei minha boca contra a dela, tentando forçar uma resposta, mas ela se manteve parada. Continuei a pressionar seus lábios, com mais força, querendo espaço para minha língua, mas ela não cedeu. Peguei suas mãos, sem quebrar o beijo, e as coloquei em meus ombros, Evans as deixou ali, imóveis. Eu grunhi, frustrado, e apertei sua cintura.
- Você está me machucando. – ela falou, afastando sua boca deliciosamente vermelha da minha.
Eu a encarei irritado.
- O que há com você? – exigi saber.
- O que há com você!
- Eu não entendo.
- Quem você acha que é para chegar, do nada, e me beijar? Por quê fez isso?
Dei um passo para trás e cruzei os braços.
- Porque eu quis. E você também queria.
- Não lembro de ter pedido para você enfiar a língua na minha boca. – ela me empurrou e desceu da mesa, tentando ir embora. Segurei seu braço.
- Por quê está agindo assim?
- Me solta.
- Me responda.
Evans contorceu o braço até que a soltei. Depois cravou seu olhar duro em mim.
- Primeiro você é todo fofo e sexy enquanto a gente estava juntos, depois me trata como merda e, de repente, resolve voltar a ser o cafajeste sedutor.
- Eu sou fodidamente confuso, Evans.
- Ah, você é mesmo. Mas não pense que vai ser fodidamente confuso comigo. – ela começou a se afastar.
- Já voltou com o Ben? – gritei, fazendo-a parar.
- Isso não te importa.
- O que aconteceu ontem a noite faz com que eu me importe.
Evans se virou para me olhar.
- Aquilo foi só sexo, Luke. Supere. – então, voltou a caminhar. – Tranque tudo quando sair. Eu digo para o Phil que você pediu demissão.
Ela passou pelas portas da cozinha e, um segundo depois, as luzes do salão se apagaram. Eu fiquei ali parado no escuro me sentindo... vazio.
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