Capítulo Dezesseis
A mão que subia e descia pelo meu braço era a única coisa que me dizia que Luke não estava dormindo. Ele estava quieto como nunca antes, pensativo. Eu estava com a cabeça sobre seu peito, a respiração dele soprava meu cabelo quase seco. Meus olhos ficavam cada vez mais pesados, foi um longo dia com um desfecho nem de longe previsível. Eu poderia dormir, mas queria que ele falasse alguma coisa. Qualquer coisa.
- Minha vez. – falei, quando tive certeza que ele não iria começar uma conversa. Minha voz soou estranha pelo tempo sem ser usada.
- O quê? – ele parecia bem distraído. No que estava pensando? Será que ele não havia gostado? Eu havia feito algo estúpido?
- De fazer perguntas. Quero saber sobre o seu nome. – respondi, controlando o nervosismo. Se ele fizesse qualquer tipo de piada, eu sairia correndo.
- Ah, isso. – Luke moveu sua mão para meu rosto, os longos dedos faziam desenhos na minha bochecha. – A ideia original era que eu me chamaria Lucas. Na época, minha mãe estava com meu tio e ele era um imbecil, o tipo que bebia até cair na própria poça de vômito. Os dois foram me registrar. No meio do processo, minha mãe precisou trocar minha fralda e, quando voltou, descobriu que o idiota havia me registrado apenas como Luke. Ela gostou. Depois ele acabou admitindo que estava com soluço e não conseguia pronunciar o nome completo. Eu tenho sorte por não me chamar Lu-hip-ke.
Soltei uma risada imaginando a cena e me perguntando se ela era real. O riso foi agradável no meu ventre. Nem todas as sensações haviam ido embora.
- Agora, me conte algo sobre o seu. – Luke pediu.
- A história do meu nome não é tão interessante. É um nome de família. Fim. – dei de ombros.
- Como ganhou isso? – ele perguntou tocando minha cicatriz perto do cotovelo. Puxei meu braço para longe do seu toque.
Alguns flashes do acidente piscaram em minha cabeça.
- Não precisa falar. – foi o tom de voz mais suave que eu já o havia ouvido usar. Talvez justamente por isso me peguei contando.
- Foi no acidente. – soltei, mesmo que aquela não fosse uma lembrança que eu gostaria de visitar com profundidade. – Estávamos indo para o campo, para passar um feriado. Estava chovendo muito, com trovões, mas naquela época eles não me assustavam. O som estava ligado, não lembro que música estava tocando, mas eu cantava com meus pais e, de repente, tudo virou um caos. Às vezes acho que desmaiei, às vezes penso ter visto um homem me tirando do carro, mas acho que inventei isso, não sei. Eu quebrei o braço, meus irmãos, que estavam no banco de trás comigo, só se cortaram um pouco, mas meus pais... - minha voz se extinguiu e senti meus olhos molhados. Oh, céus, eu não devia ter pensado nisso. Luke não falou nada, apenas continuou a tocar meu rosto, mas eu podia sentir seu corpo mais tenso. Procurei algo para distrair nós dois. – Você também tem uma. – falei, tocando a manchinha em seu braço, foi uma das inúmeras coisas que eu havia descoberto em seu corpo nas últimas horas.
- Eu a ganhei aos doze anos. Até aquela idade, eu passava o verão com Ben. O velho mandava alguém me pegar, jantava comigo por uma noite, ficava satisfeito consigo mesmo, como o melhor pai do mundo, então despachava o garoto e eu para sua fazenda com uma babá qualquer. Ficávamos lá por uma semana e eu voltava para minha mãe. Nesse verão, Ben me contou que, quando eu ia embora, ele e os pais viajavam para algum lugar do mundo, todos juntos. Eu acreditava que o menino era tão abandonado quanto eu, por isso o considerava meu irmão e me esforçava para cuidar dele. Mas ao descobrir aquilo... Então, entrei na casa do caseiro, roubei um cigarro, acendi e pressionei bem aqui. Queria uma marca para nunca esquecer quem eu era, um bastardo de merda. Depois fumei o cigarro.
O som da chuva lá fora era o que quebrava o silêncio. Pensei em Luke como uma criança sentindo a rejeição do pai. Por isso ele era assim? Imaginei como me sentiria se tivesse crescido sabendo que meu pai me escondia e renegava e estremeci horrorizada. Naquele pequeno momento percebi a grandeza do que é se sentir amado. Meu dedo apertou sua cicatriz, uma bolinha negra que carregava tanto sofrimento, e o deixei ali, até mesmo quando minhas pálpebras começaram a pesar. Mas você é bom, Luke, eu sei que é. Lembrei dos acontecimentos daquela noite, de nós dois na moto, dele me arrastando para fora do meu pesadelo na chuva...
- Você me chamou de Julia. – falei, sonolenta. Estava realmente difícil manter os olhos abertos.
- Chamei. E eu gostei como soou. – ele respondeu simplesmente, e foi a última coisa que ouvi antes de adormecer.
Eu sonhei a noite toda. Com a festa na escola, com meus pais, com a briga e, principalmente, com Luke Hemmings. Meu subconsciente se esforçou bastante para reproduzir as sensações que ele havia despertado em mim, repetindo tudo uma e outra vez.
Acordei com o mundo balançando. Pisquei atordoada, querendo saber onde estava.
- Hora de dar o fora, Evans. – Luke. As memórias da noite passada me invadiram da cabeça até as pontas dos pés. Eu comecei a corar, mas ele me empurrou para sair debaixo de mim.
- Onde... O quê... por que fez isso? – reclamei, sentando.
- Eu quero minha camisa de volta. – foi a resposta dele. Estava sentado na ponta da cama, meio de costas para mim.
Bocejei, ainda sonolenta, depois o olhei. Luke parecia alguém que acabou de descobrir que fizeram xixi no seu cereal.
- O que diabos deu em você? – perguntei, puxando o lençol para me cobrir até a cintura. Eu havia resgatado a blusa dele do banheiro para dormir.
- Eu só quero ir embora.
Oh, droga, há algo errado. Senti meu corpo gelar. Joguei a coberta para o lado e fiquei em pé. Encontrei meu macacão no chão e fui para o banheiro. Lá, apoiei as costas na porta e tentei, com muita força, não chorar. O que eu fiz de errado? Será que... oh, meu Deus. Deixei a porta e sentei na privada, colocando o rosto nas mãos. Repassei a noite passada na minha mente, para mim havia sido... Deus, não havia palavras, mas Luke... Qual o problema dele? Ele parecia bem satisfeito enquanto a gente... Então eu entendi, e foi como se todo o sangue do meu corpo tivesse desaparecido.
É claro que ele gostou, era tudo o que ele queria, não era? Pisquei, a queda na realidade levou até mesmo minha vontade de chorar. Burra, burra, burra! Como você não percebeu? Toda aquela aproximação, todo aquele papo, o emprego no Comic’s, tudo era parte do joguinho dele para chegar naquele ponto. Luke havia depositado seu tempo e energia, em todos aqueles dias, para me levar para a cama. Poderia até mesmo ter sido uma aposta com seu amigo idiota. Eu queria me chutar, muitas vezes. É claro, agora que ele havia conseguido o que queria iria me tratar como se eu fosse uma... Leicester. Eu queria bater nele, queria tirar aquele sorriso debochado de sua cara. Apertei as mãos em punhos. Ok, Jay, apenas finja que não foi importante para você também. Serão só alguns minutos e depois você provavelmente não voltará a ver aquele...
Levantei, troquei de roupa e joguei água no rosto. Trabalhei em minha expressão, olhando no espelho, deixando-a vazia. Respirei fundo e saí do banheiro.
Meu plano escorregou assim que eu o vi. A vontade de jogar algo pesado em sua cabeça voltou com força. Entreguei sua camisa, sem olhá-lo, e sentei para calçar minhas botas. Eu só queria sair dali o mais rápido possível.
Enquanto passava meus dedos no cabelo, tentando dar um ar civilizado a ele, vi Luke recolher suas coisas, inclusive o celular. Travei o maxilar e fiz cara de paisagem. Aquela era a prova que ele havia planejado me manter ali. Que filho da...
Assim que deixamos o motel, puxei o capuz para cobrir meu rosto. Ninguém precisava saber a burrada que eu havia feito. O grandalhão da recepção havia guardado a moto. Luke a recuperou, eu peguei o capacete e começamos a caminhar. Nenhum dos dois falou nada, ele estava me ignorando, mas seguia irritado, como se eu fosse um chiclete em seu sapato que ele só se livraria mais tarde. Para me controlar, comecei a contar quantas poças de água eu havia pisado até chegarmos na oficina.
O Rato, como se chamava o dono do lugar, trocou o pneu bem rápido. Luke subiu na moto e esperou. Não houve piadas nem gracejos daquela vez. Eu montei e segurei nas alças.
As ruas ainda estavam meio adormecidas, era domingo. Luke dirigiu com mais prudência e, quando reconheci onde estávamos, me inclinei para falar com ele.
- Você pode parar na rua atrás do meu prédio? – pedi, o nó na minha garganta fez minha voz ficar estranha.
Luke não respondeu. Levou mais alguns minutos e ele estacionou em frente a floricultura onde meu pai costumava comprar flores para minha mãe. Ele me deixava escolher na maioria das vezes.
Desci da moto e fiquei ali parada, olhando para os poucos carros que passavam. Eu queria gritar todas as minhas acusações na cara dele, agora que sabia voltar para casa, mas decidi seguir com o ar de superioridade.
- Obrigada, Luke.
- Pelo o que, especificamente? – ele tampouco me olhava. Eu podia ver por sua postura que ele só queria ir embora.
- Pela carona, por ter me tirado da escola. Por tudo.
- Não foi nada.
- Hum, então, até mais. – virei as costas e comecei a andar.
- Evans! – ele chamou. Eu o olhei. – O que você vai fazer?
- Com o quê?
- Com Ben. – algo nele mudou, o enojo havia sumido.
Eu não vou pensar em Ben agora. Não posso. Dei de ombros e baixei a cabeça. Só alguns metros, o sr. Suárez, o elevador e, talvez, tia Becky me separam da minha cama.
- Boa sorte, então. – Luke falou, com desdém. Ligou a moto e foi embora.
Eu ouvi a voz de Max por trás da porta e foi a primeira vez desde a manhã que pensei em sair da cama. Já haviam passado por ali tia Becky e Calum, cada um com sua tática para me fazer sair da toca, ambos fracassaram. Ao que parecia, haviam mandado a arma reserva. Max é golpe baixo, pensei. O lado bom era que, por ter apenas cinco anos, ele logo desistiria de me chamar, e foi exatamente o que aconteceu.
Mesmo com a cabeça enfiada debaixo do travesseiro, eu pude ouvir quando Will entrou em casa. Ele era todo espalhafatoso e só em saber que ele estava ali me fez sentir um pouquinho melhor.
Will estava falando com alguém na sala. Depois de alguns minutos, eu o ouvi tentar abrir a porta, depois bateu.
- Querida, a porta do seu quarto e do seu coração nunca devem estar trancadas para mim! – ele gritou, tentando soar ofendido.
Tirei a cabeça de debaixo do travesseiro e respondi.
- Você não vai querer estar no meu coração agora, Will.
- Ela falou! – aquela era tia Becky. – Calum, ela falou!
Fiz uma careta. O que era tudo aquilo? Então suspirei, percebendo que estava assustando eles de verdade. Há quanto tempo eu estava ali trancada? Olhei para meu relógio de cabeceira. Já era o começo da tarde.
- Abra a porta, Jay. – ela pediu. – Só queremos conversar.
- Eu não quero conversar. Quero comer. Tem sorvete? E batata frita?
- Mistura louca. Clássico sinal de que alguém está deprimida. – ouvi Will falar. Ele deu mais batidinhas na porta. – Saia daí e vamos comprar um quilo de sorvete.
- Você não é meu amigo? Vá comprar e traga aqui.
- Chantagem comigo não. Vamos, abra a porta.
- Não.
- Jay... – ele esperou meio minuto. – Ok, serei obrigado a contar para todo mundo lá na sala do dia em que você e o Travis...
- Não ouse! – gritei, pulando da cama e correndo até a porta. – William Alexander Greyson!
- Ouvre la porte.
- Tu fais chier!
- Vejam, ela sabe xingar em francês. Falando em francês...
Destranquei a porta e puxei Will para dentro, depois tranquei de novo e me virei para fuzilá-lo com o olhar.
- Você está a-ca-ba-da. – ele soltou. – Ao menos tomou banho hoje?
Decidi não responder e voltei para meu santuário, jogando a coberta por cima de mim. Will se aproximou e eu senti o colchão ceder com o peso extra.
- Não acredito que você vai me ignorar. – ele reclamou.
- Não acredito que você ia contar sobre o meu primeiro beijo francês para a minha família. – acusei, ainda escondida.
- Você lambeu o nariz do menino! E ele estava resfriado! O mundo precisa saber disso!
Joguei o cobertor para trás e sentei, olhando-o duro.
- Não se atreva.
Will riu.
- Claro que não, garota.
Cruzei as pernas e encarei meu edredom.
- Sua tia me ligou ontem, procurando por você. Ela ligou para o seu celular e Ben estava com ele. Falei que você tinha pedido que eu avisasse que dormiria na casa da Clair e acabei esquecendo.
- Quem é Clair?
- Sei lá, eu inventei.
- Ela não engoliu muito essa história. Me fez um monte de perguntas quando cheguei. Não respondi nenhuma, mas ela vai me pegar depois, eu sei.
Will esperou um pouco.
- E então? – perguntou.
- Então o quê?
- Se você não estava em uma noite de reconciliação com o Ben, onde estava?
Voltei a olhar para baixo, mas meu rosto esquentou. Traidor. Will não deixou de notar, ele agarrou meus ombros e me virou para ele.
- Me conte. Tudo.
Então eu contei. Desde o resgate no laboratório da escola até a noite passada, deixando de fora só a parte em que Luke falou sobre sua cicatriz. Aquilo era pessoal. Me perguntei por que eu tinha todo aquele respeito por alguém que claramente não merecia.
- COMO ASSIM VOCÊ... – Will começou a gritar, após ouvir todo o relato em um silêncio surpreso. Joguei meu cobertor sobre ele e pulei, abafando sua voz.
- Cala a boca!
Ele se moveu debaixo de mim. Eu só soltei quando tive certeza que estava mais calmo.
- ... transou com o sr. Todo Gostoso? Oh, meu Deus, Jay!
- Cala a boca, Will!
- Não posso. Não dá. OH MEU DEUS.
- Eu não devia ter te contado.
- Devia sim! E conte os detalhes! Como foi? Como ele é por baixo daquele look de bad boy? Descreva em centímetros.
Caí de costas na cama, lembrando da parte boa da experiência.
- Foi... a melhor coisa que já senti.
- Eu preciso dos detalhes eróticos, querida.
- Credo, Will.
- Espera, se fez sexo selvagem com o sr. Sexo Selvagem, por que não está subindo pelas paredes?
Oh, droga, chegou o momento sórdido. Resolvi soltar de uma vez.
- Porque quando acordamos ele me tratou como uma... – parei. Nem sabia que palavra usar.
- Oh.
Lancei um olhar para Will, toda a sua animação havia desaparecido.
- Ele nem olhou pra mim. Eu não sei se fiz algo de errado, ou se... sei lá.
- Você não fez nada de errado, a questão é: Ele é um fodido filho da puta.
- Não gosta mais tanto assim dele?
- Nenhum nível de gostosura alcança para cobrir falta de caráter. O que vamos fazer?
- Como assim?
- Nossa vingança. Podemos empurrar aquela moto estúpida em um penhasco. Meu tio tem uma caminhonete.
Balancei a cabeça.
- Ele nem deve mais estar na cidade, Will. Fez o seu negócio, irritou Leicester, me fez de idiota... O que mais ele ia querer aqui?
- Espero que você esteja errada. Eu quero colocar minhas mãos nele, e não no sentido de alguns minutos atrás.
- Sabe qual a pior parte? Que além de me sentir muito idiota, também me sinto horrível por causa do Ben. Eu estou tentando muito não pensar nele, não agora, mas... Deus, eu nem sei se a gente terminou, sabe? Que classe de garota eu sou?
Will deitou ao meu lado e me abraçou.
- Você é a melhor pessoa que eu conheço.
- Não sou. Nesse momento não sei quem eu sou, na verdade. Eu não me conheço. Não acredito que fiz o que fiz. Com o Ben, comigo. E com alguém como o Luke, que mal conheço!
- Você foi dominada pelos hormônios. Não se culpe, eu teria feito o mesmo.
- Eu nunca mais vou sair daqui. Juro. Tenho vergonha de mim mesma.
- Ele deveria se meter em um buraco e não sair mais. O que ele fez foi... Que grande merda!
- Não estou falando disso. Sim, claro, isso também, mas me sinto ainda pior pelo Ben.
- Vocês terminaram, Jay.
- E na mesma noite eu vou e durmo com o irmão dele.
- E daí? É seu corpo, seu tempo. Você quis aquilo naquele momento e foi em frente.
Bom, isso é verdade. Eu quis. Ainda assim a culpa me carcomia por dentro. Eu havia prometido a mim mesma que já havia chorado bastante por aquele imbecil, mas acabei me aninhando em Will e largando outra crise de choro. Era aquele tipo de dor misturado com um sentimento de traição e raiva. O tipo que dói fisicamente, que não nos deixa respirar.
Luke Hemmings tinha razão em tentar nunca se esquecer que era um bastardo. Ele era. Em mais de um significado.
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