Capítulo Cinco
- Você vai o quê? – Ashton parou seu solo em minha cômoda e me olhou, descrente. As baquetas paradas no ar.
- Vou passar na casa do velho.
- Por quê? – seu espanto era maior do que seria se eu tivesse revelado que, na verdade, era mulher.
- Estou entediado. Fazer a velha querer arrancar os próprios olhos é um ótimo passatempo.
- Cara...
- O quê?
- Você está mesmo levando a sério esse negócio de incomodar os Leicester. Vamos procurar umas garotas, jogar umas partidas, sei lá.
Eu estava deitado na cama, com minha guitarra sobre o peito, dedilhando algumas coisas. Ashton tinha razão, estar perto dos Leicester era como engolir vômito, nem eu entendia de onde aquilo havia saído. Estou me tornando... qual era mesmo a merda da palavra? Ah, foda-se.
- Você vai me emprestar o jeep ou não? – perguntei, já sem paciência.
Ashton revirou os olhos e jogou as chaves para mim, antes de voltar a usar as baquetas.
Dirigir naquela cidadezinha era tremendamente irritante. Parecia o lar dos santos motoristas éticos. Ninguém ultrapassava, ninguém furava sinal, ninguém buzinava, ninguém xingava ninguém. Eu me sentia um rebelde sem causa, quebrando todas aquelas regras. Enquanto passava pelas ruas, memorizei os lugares que me chamaram a atenção e que poderia visitar depois. Rivers havia ligado, avisando que os detalhes do serviço ainda não estavam arranjados. Se eu teria que ficar mais tempo naquele lugar, iria espremer os babacas locais até a última moeda.
Entrei no bairro dos Leicester sentindo que iria torrar. As propriedades, todas tão no mesmo estilo que a do velho, pareciam zombar do jeep sem ar-condicionado e de mim.
Avistei a casa do Ben e de longe consegui ver onde deveria estacionar, já havia um carro ali. Meu plano era parar bem na entrada da casa, esperando atrapalhar a passagem de alguém, mas ao olhar para o carro estacionado, larguei o jeep no acostamento de qualquer jeito e saí, quase correndo até aquela máquina. Puta merda, é um maybach. Quase mijei nas calças. Nunca havia visto um daqueles fora da TV. Uma vez, Ashton e eu tentamos entrar em uma loja da Mercedes, mas fomos barrados na entrada.
- Posso ajudar?
Virei para encontrar o segurança mamute do outro dia. Ele pensava que eu ia roubar o carro do velho. Bom, se eu tivesse a oportunidade, quem sabe. Lancei mais um olhar deslumbrado para o Maybach antes de me recompor.
- Que curioso, as pessoas não costumam esquecer de mim. Eu sou...
- Eu sei quem você é.
- Não vai me seguir até a entrada, dessa vez? – sorri, debochado.
- O sr. Leicester está na sala com convidados. Você pode entrar pelos fundos.
- Como um entregador de pizza?
O mamute me olhou dos pés à cabeça e sorriu, retribuindo meu deboche.
- Vou precisar das chaves para tirar seu carro do meio da rua.
Lancei um olhar para o jeep. É, metade dele estava na mão contrária.
- Vejam, o entregador de pizza tem manobrista. – dei duas tapinhas no ombro gigante dele.
O segurança pegou as chaves, de cara feia, e se afastou.
A porta dos fundos dava entrada para a cozinha e estava aberta. Encontrei duas mulheres fardadas ali.
- Como entrou aqui? – uma delas perguntou, me olhando como se eu fosse roubar as colheres de prata da patroa.
- Grande Joe mandou eu usar essa porta. – falei.
- Quem é Grande Joe? – a mesma perguntou.
- O cara de terno lá fora. Essa não é a porta para entregadores?
- E você veio entregar o quê?
Lancei um olhar para a cozinheira que ainda não havia aberto a boca. Parecia ter a idade da minha mãe, mas não era tão bonita. Ela estava cortando cenouras. Eu me inclinei pela bancada para pegar um pedaço e colocar na boca. Lambi o dedão, fazendo-a corar.
- Vim entregar um pouco de diversão. Vocês tem idade para tomar uns drinques? – pisquei para a cozinheira muda, fazendo-a ficar ainda mais parecida com uma beterraba. Olhei para o balcão. – Aquilo é chocolate?
- Quer um pouco?
Ela não é muda. Aleluia!
- Claro.
A ex-muda me passou a barra, que ainda estava com o preço. Percebi que era quase o mesmo valor que eu havia pago no meu jantar.
Talvez eu fique aqui comendo. Seria melhor do que olhar para a cara repuxada da velha. Ou eu poderia ir até a sala e causar um ataque cardíaco no velho ao me apresentar como seu bastardo para os amigos dele.
- Então, você veio entregar o que, exatamente? – a ex-muda perguntou, enquanto a outra empregada, mais velha, me enxotava do balcão.
- Ele não é entregador, Jose, ele é o outro filho do sr. Leicester. – a senhora falou. Ela notou o meu olhar. – Eu lembro de você, de quando era criança.
Então eu lembrei, ela cuidava da casa de campo onde o velho mandava Ben e eu durante as férias.
- A senhora me dava dois pedaços de bolo, para o Ben apenas um. – falei, sorrindo. – E colocava doces no meu travesseiro.
- A sra. Leicester não gostava que o filho comesse muito açúcar. – ela explicou. – Olhe só para você, ficou tão alto. E costumava ser loiro.
Passei a mão no cabelo, rindo. Mary, o nome dela é Mary.
Foi impossível não pensar naquela época. Minha infância foi difícil, em quartos alugados, ás vezes de motéis, ordens de despejo, comida com gosto de papelão e muitas noites em que o sono vinha junto com o choro da minha mãe. Mas as férias, nos primeiros anos, eram mágicas. Quando eu ia para o campo, via meu irmão, andava a cavalo, usava a piscina até meus dedos enrugarem, a boa comida, os brinquedos caros, os eletrônicos. Eram os meus cinco segundos de verão durante todo o ano. Depois eu cresci o suficiente para perceber que aquilo tudo eram migalhas dadas pelo velho para não se sentir o pai de merda que era.
Haviam janelas enormes em toda a cozinha. Através delas pude ver a garota do estacionamento. A namorada do Ben e uma fonte de diversão para mim. Peguei uma das barras de chocolate e fui para o jardim.
A garota estava distraída, como se pensasse em algo profundamente. Nem mesmo quando parei ao seu lado ela notou minha presença. Toquei seu ombro com a barra.
- Chocolate? – ofereci. A menina virou e prendeu seu olhar no meu por um minuto. Percebi que ela era bonita, com rosto oval, uma boca pequena e cílios finos coroando um belo par de olhos marrons, estranhamente pincelados de verde.
- Obrigada. – falou por fim, um tanto surpresa e pegou a barra.
Sentei ao seu lado, encostando meu corpo ao lado do seu. Queria ver a cara do garoto quando nos visse ali juntos. Ele ficaria de boa como na noite passada? Mandaria que eu ficasse longe? Quase ri com a ideia de Ben-calças-passadas-após-cada-lavagem me enfrentando.
- Então, veio procurar meu irmãozinho?
- Não, eu vim com ele. Ben não te contou? – suas sobrancelhas se moviam quando ela falava, intensificando suas expressões.
- Não conversamos muito. – respondi. Não nos víamos há anos, aquela era minha primeira visita em muito tempo, se é que se podia chamar de visita.
- Como é a relação de vocês? – ela perguntou, parecendo interessada, depois de um minuto.
Oh, querida, não vou encher seus ouvidos de merda.
- Eu só tenho relações com mulheres. Bonitas. Como você. – falei, passando a língua no lábio inferior. Meu plano original era dar em cima daquela garota para irritar Ben, mas ao vê-la toda atrapalhada e corada por um simples vislumbre de minha língua, notei que as suas reações seriam mais divertidas de assistir. Peguei sua mão e a apertei.
- Luke Hemmings. – me apresentei.
- Julia. Evans. - Julia, seu nome havia chamado minha atenção antes. Ela tentava puxar a mão da minha, para provocá-la, apertei um pouco mais, abrindo um sorriso. – A namorada do seu irmão.
- E onde ele está agora? Não sabe que é burrice deixar um licor tão atrativo sozinho com um alcoólatra solto?
Na verdade, ela não era um bom licor. Era uma menininha em um vestido florido. Quantos anos tinha? Dezesseis?
Percebi que a havia ofendido com meu comentário. A garota jogou o chocolate em mim e saiu marchando. Automaticamente, meus olhos foram para sua bunda, para avaliá-la, e quase engasguei de rir. Haviam duas manchas amarelas bem localizadas ali. Agora eu sei por onde andaram as mãos de Ben. Isso ou ela sentou em alguns Cheetos. Ela me viu rindo, ficou ainda mais irritada, e continuou andando.
O garoto saiu da casa e eu mudei de lugar, indo para um lado onde eu pudesse observar sem que eles conseguissem me ver. Estava sinceramente curioso. O que os atraía? A garota era bonita, mas Ben poderia ter qualquer uma apenas dizendo seu sobrenome. E aquela menina não parecia fazer o tipo interesseira, então o que fazia com Ben? Até onde eu podia lembrar o garoto era mais tímido do que um esquilo e, pelo beijo sem graça que eu vi, ele parecia não ter evoluído nesse requisito.
O casalzinho caminhou de mãos dadas pelo gramado, como se estivessem em um daqueles comerciais ridículos. Foram até o Maybech buscar alguma coisa, me fazendo perceber que aquela máquina era do garoto. E o carro do outro dia? Era uma mercedes AMG. Depois os dois entraram pela cozinha. Fiquei um pouco decepcionado, de uma forma estranha, era interessante observá-los, aquele amor gritante me dava vontade de rir e vomitar ao mesmo tempo. Me perguntei como os dois se comportavam na noite, com um pouco de álcool no sangue e musica alta aturdido o melhor lado de cada um...
Procurei no bolso um panfleto que haviam colocado no meu para-brisa, divulgando uma nova boate. Fui até o jeep, encontrei uma caneta no porta-luvas e escrevi meu número ali, junto a um divertido “Para a namorada do meu irmão“, então caminhei até o carro do garoto, joguei o panfleto no banco do carona, fechei a porta e fui procurar algo melhor para fazer.
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