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13 - PALAVRAS AMARGAS

Eis que no meio da dor, surgirá a irá cruel e inabalável. E então todos aprenderão a temê-la❞.

—𝕱𝖗𝖆𝖌𝖒𝖊𝖓𝖙𝖔𝖘 𝖉𝖔𝖘 𝕽𝖊𝖌𝖎𝖘𝖙𝖗𝖔𝖘 𝕯𝖗𝖚𝖎𝖉𝖆𝖘,

533 ɗ. Ƈ

Jamais pensei que algum dia tudo que me manteria viva seria a esperança. Também nunca cheguei a cogitar que a famigerada esperança é parte benção e parte maldição. Ora ela te enche de expectativas, incita-te a sonhar, faz com que acredite no impossível. Em outrora, ela desfaz seus sonhos fazendo com que todas as expectativas, dissolvam-se com poeira ao vento. Nada é mais letal do que a esperança.

Mais de uma quinzena tinha se passado desde que Thorn partira deixando seu juramento cravado em meu coração. O Yule havia acabado, a rotina dos vikings voltara ao normal, e ainda assim, Thorn não viera a minha procura.

Cada dia que se seguia sem notícias de meu suposto salvador, era como um banho de água fria em minhas esperanças que aos poucos começavam a ruir. Nos primeiros dias, acreditei de fato que em breve estaria livre. Entretanto, conforme os dias avançaram, comecei a pensar que Thorn se esquecera de mim. Só que, ao mesmo tempo, sempre alegava à minha mente que ainda estava muito cedo para deixar de acreditar no belo viking e seu juramento; ainda era cedo demais para abrir mão da maldita esperança.

Todos meus pensamentos se voltaram para o juramento de Thorn, que até havia me esquecido de Ragad. Apenas me lembrei do Jarl do clã, quando este me encontrou em meu refúgio quando eu, mais uma vez, observava o mar em direção a minhas terras de origem.

— Vim em paz. — Ragad fincou uma espécie de bandeira branca no chão ao meu lado.

Continuei calada, mantendo olhar fixo nas águas cinzentas do mar revolto que se estendia a minha frente. Ele também não pediu permissão quando se sentou ao meu lado.

— Está pensando em ir embora de novo? — indagou, olhando para as turbulentas ondas do mar.

— Nunca deixei de pensar. — respondi secamente.

O silêncio voltou a serpentear ao nosso redor. Havia tantas palavras a serem ditas, mas ninguém sabia como começar a tecer tal discurso.

— Sinto muito por tudo. — Ragad proferiu baixinho. — Queria que tudo fosse diferente. Meu maior desejo é de que um dia pudesse me amar, pelo menos a metade do que eu te amo. — Pelo tom de lamento em sua voz, pareceu que ele realmente estava muito triste.

Não voltei meu olhar em sua direção. Ainda não era capaz de confrontá-lo. Apenas continuei mantendo meus olhos firme nas ondas do mar.

— Não posso te amar, quando me mantém presa. — declarei depois de um longo silêncio.

— Se eu te libertasse, algum dia voltaria para mim? — sua voz oscilou por um breve momento, como se tivesse arrependido de ter feito aquela pergunta.

— Creio que já sabe a resposta. Precisa que eu a diga em alto e bom tom? — Finalmente o encarei. Seu semblante era de um homem cansado, parecia que o peso do mundo estava sobre seus ombros.

— Diga! — ordenou com firmeza. — Eu preciso ouvir a resposta. — prosseguiu, com seriedade.

— Não, Ragad, eu jamais voltaria a pisar nessas terras se um dia ousar a me deixar livre. Qualquer lugar do mundo é melhor do que aqui. — Havia tanta frieza em minhas palavras, que até mesmo o vento ao nosso redor se tornou momentaneamente quente quando eu proferi aquela declaração rancorosa.

Observei a tristeza tomar conta da face do viking que logo molhou os lábios ressecados com a língua. Aquela conversa tinha se tornado espinhosa demais.

— Talvez eu te liberte... — ele começou a enunciar e a maldita esperança começou a inflar dentro de mim. — Não como deve estar pensando, entretanto, em breve estará livre dessas terras. — seu tom de voz não continha emoção alguma.

Um arrepio assombroso subiu a minha espinha. Pela primeira vez, depois de muito tempo, temi que Ragad tentasse algo contra mim.

— Não compreendo aonde quer chegar! — exclamei confusa.

— Sabe por que não te liberto? — Sua atenção permanecia voltada para o mar abaixo de nós.

Ele não aguardou por minha resposta, apenas continuo a falar o tudo que ocupava em seus pensamentos: — Porque não consigo sequer suportar a ideia de te deixar livre para amar outro alguém que não seja eu — Seu rosto se concentrou no meu e Ragad não desviou, por nenhum segundo, o olhar em minha direção ao declarar seu total egoísmo.

Abri a boca para replicar a dura frase proferida pelo viking, porém, fui interrompida.

— Por longos anos eu venho tentando ser rei desse povo. Estou há muito tempo abdicando muitos de meus desejos, só para que um dia consiga ser rei. — Ragad continuou a narrar. Eu não estava entendendo o motivo daquele monólogo, por isso esperei que o concluísse: — E depois de muitos anos servindo os deuses, eles finalmente me ouviram. — Esboçou um largo sorriso que evidenciava sua empolgação. — Um deus, que preferiu manter sua identidade oculta, apareceu em meus sonhos e disse que poderia fazer de mim um grande rei, na condição de que eu sacrificasse a pessoa que mais amo em seu nome. A princípio não acreditei em sua palavra, entretanto, ele me provou ser real; provou que era capaz de realizar o meu desejo — O homem fixou seus claros olhos azuis nos meus e um calafrio percorreu capa parte do meu corpo. — Você é a pessoa que eu mais amo, Eerieanna. Eu sinto muito, pequena, mas terei que sacrificá-la. — concluiu o maldito egoísta, em um tom sério e sombrio.

Levantei-me em um sobressalto da beira do penhasco e comecei a rir de forma irônica.

— É para isso que me manteve presa? Para me sacrificar quando chegasse o momento certo? — O escárnio da minha acusação ecoou pelo ar.

— Nunca pensei nisso até agora! — rebateu furioso.

Senti as lagrimas brotarem em meus olhos; lagrimas de raiva, tristeza e magoa. Minha voz soou um tanto rouca quando eu disse:

— Creio que agora já não tenho mais nada a perder. — Usando a magia presente em meu sangue, lancei o corpo de Ragad para além do precipício e o mantive inerte no ar. A qualquer momento poderia soltá-lo e seu corpo desabaria, completamente destroçado, junto as rochas abaixo de nós.

— Se me matar, seu amigo morrerá. Não haverá qualquer piedade para com a vida daquele que um dia abrigou na casa que eu te dei. — Ragad ameaçou com tranquilidade. Não havia qualquer resquício de receio ou medo em sua voz.

Soltei uma gargalhada carregada de ironia.

— Eu não tenho amigos. — Um sorriso sarcástico se formou em meus lábios.

— Deixe-me reformular a frase, minha querida Erieanna. Se me matar, o cara com quem andou trepando durante o Yule, morrerá. — ameaçou seguramente.

Procurei em seu rosto algum sinal de uma possível mentira, mas não encontrei.

Ele estava falando de Thorn. Não foi difícil juntar as peças: Thorn não retornou para me buscar, porque de fato nunca havia partido. Ragad o mantinha preso.

— Deixe-me vê-lo e pouparei sua vida. — Devolvi a ameaça.

Sua risada irônica espalhou-se pelo ar. Claramente, o viking não tinha medo de mim.

— Eu o escondi tão bem guardado que nem você e munida de seus poderes e sua extraordinária inteligência, será capaz de encontrá-lo. Não deixarei vê-lo, pois sei que assim que colocar seus olhos naquele miserável, vai incendiar todo esse clã e as pessoas que nele vivem. — Encarou-me de forma sombria. — É sua vida pela dele. Essa é sua única escolha.

Por breves instantes, quase cheguei a soltar o viking para que ele se estraçalhasse junto às rochas. Entretanto, conjurei todo meu autocontrole, e por mais que minha mente berrasse para que eu o matasse, fiz o contrário e o devolvi em segurança à beira do precipício.

— Você tem sete dias para aproveitar sua vida. Estará livre para fazer o que desejar nesse período. Apenas tome cuidado para não fazer qualquer tolice, lembre-se que uma vida depende de ti. — Esse foi o aviso do Jarl, antes de se virar de costas e tomar distância de mim.

Fiquei parada observando o bastardo partir. Enquanto ele se distanciava, proferi mentalmente uma série de maldições mesclada a uma silenciosa promessa de morte. Contudo, antes de me deixar sozinha, ele me surpreendeu ao voltar-se em minha direção para indagar:

— Por que tanto se importa com esse homem?

Eu sabia que estava se referindo a Thorn.

— Ele foi o único que decidiu me ajudar a partir daqui, quando todos os me deram as costas. — respondi, com indiferença, pois não lhe devia quaisquer esclarecimentos.

— Era somente isso que precisava para um dia poder me amar? — A tristeza tomou conta de sua voz.

— Nunca precisei de nada além da minha liberdade. Achei que tivesse sido bem clara a respeito disso — Dei de ombros.

— Creio que agora é tarde para voltar atrás. — Aquela não foi uma pergunta, tampouco uma afirmação. Apenas uma óbvia e dura constatação que revelou o quanto estávamos perdidos um para o outro.

Uma lágrima solitária escorreu por seu rosto e repousou em sua barba. O mundo estava desabando sob nossos pés e eu não teria medo de dançar sobre os escombros.

— Muito tarde, Ragad. Acabamos assim... — Abri os braços tentando demostrar todo o caos que nos envolvia. — Quem diria? — concluí, sentindo o peso da nossa conversa. Compreendo, um pouco tarde demais, que logo estaria morta.

Nenhuma palavra a mais fora proferida. Todas elas já haviam sido ditas e nada podia ser feito para desfazer meu destino.

Ragad tinha razão quando disse que me libertaria. No final das contas a morte seria minha despedida das frias terras escandinavas.

Todavia, eu não morreria sem levar muitos comigo. Minha vingança estava prestes a começar. Todos os nomes, todos os rostos e todas as pessoas que me machucaram, que me deram as costas; em breve eu acertaria minhas dívidas com elas.

Os vikings, enfim, aprenderiam a me temer.

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