Capítulo II -
~ Alexandra ~
Lanóvia - Estado Independente
Eu senti que havia muito mais por trás daquela "intimação". Afinal de contas, o Conselho da Ordem nunca enviaria algo assim por um motivo qualquer. Ponderei sobre tal coisa ser simplesmente uma jogada de minha mãe para reaver o que estava aos poucos deixando escapar entre os dedos: os próprios filhos. Percorri os corredores sem muita pressa. Ainda reverberavam as vozes de Eirie e do Irrégio em minha memória. Sempre discutíamos. A mente de Eirie era sempre um turbilhão de manobras arriscadas e elas sempre nos levavam ao mesmo lugar: o início dos nossos problemas. Era incomum ter conversas banais e corriqueiras, tal qual conversarmos sem discutir. Estava começando a pensar que a palavra "amigos" não deveria ter sido empregada para descrever nosso tipo de relação, quando avistei a figura que despontava no corredor e tive de espantar esses pensamentos.
— O que faz aqui, Olívia? — Falei antes mesmo dela estar próxima o suficiente para qualquer contato.
— Eu esperava boas vindas melhores.
Olívia se aproximou sorrindo, deixou um beijo em cada uma de minhas bochechas e depois me olhou de cima a baixo. Apesar de um ano mais nova ela ganhava em questão de altura.
— Estou retornando do casamento de Ellane e Josephine. Você deve ter se esquecido por estar ocupada com seus novos amigos rebeldes, guers ou não-guers, que provavelmente a colocarão em duixee outra vez.
"Duixee" na cultura Rhunae, da qual as feiticeiras e feiticeiros de Lanóvia descendem, é uma sala quase completamente fechada - com somente uma abertura no teto por onde se entra e sai depois de cumprir a punição. Essa sala serve como uma espécie de cela solitária. Em todas as grandes e médias Casas existe uma dessas onde as crianças ficam quando desobedecem, cometem erros com seus estudos e treinamentos ou são reprovados por qualquer outro motivo, por exemplo, o simples capricho de seus pais e mestres. É como um rito de aprendizado. Todos passamos por isso. Não era nem de longe a pior punição.
— Ótimo! Assim voltaremos juntas para Lanóvia.
Fiz questão de não mencionar a correspondência que havia recebido. Talvez ela já soubesse. Convidei-a a me acompanhar enquanto preparava nosso retorno mas Olívia respondeu que iria prestar seus pêsames ao novo Regente do Fogo. A verdade é que minha irmã estava indo se humilhar por alguém que não faria o mesmo por ela nem um segundo na vida. Me deixava triste vê-la apaixonada por Eirie e mendigando migalhas de um sentimento que sequer se destinava a ela. Meus incessantes conselhos falharam, entretanto, ainda tinha esperanças de que algum dia ela perceberia por si só.
Continuei meu caminho até o gabinete do Comandante, onde estava hospedada. Uma pequena regalia, admito, mas o cargo era ocupado por meu pai então nem era tão questionável. Fazer minhas malas era razoavelmente fácil, visto que tudo ficava bem organizado e nem eram tantos pertences. Ouvi dois toques secos e pesados contra a madeira da porta. Não poderia ser Olívia. Mesmo depois de ser chutada por Eirie ela apenas teria entrado já que a porta estava somente encostada para facilitar minha passagem com a mala grande. Fui até lá e abri mas quem vi não era minha irmã. Por um instante perdi a postura mas creio que a recuperei antes que ele pudesse perceber.
— Posso entrar?
Questionou o Irrégio. Hesitei, no entanto, acabei dando passagem a ele. Minhas mãos segurando com mais força a maçaneta da porta antes de fechá-la. Como se isso fosse prolongar o tempo que ficaríamos distantes um do outro ou de uma discussão por alguma coisa sem sentido, o que de uma forma ou de outra sempre acabava acontecendo.
— Bom, agora você entrou. O que quer?
— Está dando as costas para nós? Você sabe que não pode desfazer essa aliança.
— Olha só quem veio me dizer o que posso ou não fazer? — Passei pelo garoto, perto demais, e voltei a atenção para o que estava fazendo antes dele chegar.
— Alexandra, você aceitou fazer isso mesmo sabendo o quão perigoso poderia se tornar — Ele acompanhou o movimento. — Eirie é instável e não conseguiria lidar com toda a pressão...
— Já chega! Eu não preciso que me lembre do motivo que nos levou a chegar nessa maldita situação. Apenas, saia daqui!
— Por que está fazendo isso?
Ele tentou se aproximar mas eu o afastei com um leve empurrão. O Irrégio insistiu. Tentei empurrá-lo com mais força, no entanto, ele segurou meus pulsos quando ainda estavam em seu peito e me puxou para seus braços. Prendi uma reação entre meus dentes e soltei uma resposta que provavelmente o desviaria do intuito.
— Se tivesse sofrido o que eu sofri talvez pudesse entender.
O vi hesitar. Uma fina camada de cristais de gelo começaram a surgir acima da pele dele. A temperatura baixou um pouco e eu soube que tinha atingido o objetivo. Sua expressão se nublou como nuvens de chuva se formando repentinamente em um dia ensolarado. No instante seguinte o vi sair pela porta batendo-a com deliberada força. E assim pude soltar parte da reação que havia impedido outrora. Ser parte da Ordem era cumprir um rígido e antigo padrão. Eu já havia cometido minha cota de erros e levado punições demais em duixees pelos outros. Agora, se quisesse realmente alcançar o posto mais alto, precisava me dedicar a limpar minha imagem com o Conselho. Eu estava disposta a sacrificar tudo, até mesmo a parte de mim que só queria explodir toda a Ordem e descansar tranquila em cima de suas ruínas.
Por conta de Otávio só conseguimos deixar a Contenção horas depois. Se eu tivesse mais ânimo ou fé – ou ambos – teria feito preces para cada divindade representada nos símbolos do idioma rhunae antigo desenhados em dourado nas faixas verdes e largas da vestimenta. Tempo tive. No entanto, contentei-me em apertá-las, uma por uma, até conseguir sentir a pressão em minhas costelas, deixando as roupas comuns e confortáveis para trás. Só um lembrete de que deveria retomar a postura necessária. Fiz até um penteado com tranças tentando parecer mais apresentável para a chegada. Percebi porém que minha mãe não se importaria e enumeraria os defeitos que encontrasse em mim. Desfiz o trançado. Era uma perda de tempo e de energia tentar agradá-la. Desci todas as escadas em modo automático e olha que eram muitos degraus para que passassem desapercebidos.
—Percebeu que os empregados daqui desprezam nossas ordens e especificações? — Reclamou Olívia ao me ver saindo com minha única mala. Parecia realmente irritada.
— Não são empregados, são recrutas. E eles com certeza tem mais ocupações do que ajudá-la a carregar suas dezenas de malas.
— Não importa. – Ela bufou. — Como o Brandon sobrevive nesse lugar?
— Acredito que abrindo mão de seus privilégios.
— Privilégios? Irmã, coisas assim são itens básicos para a sobrevivência.
— E os seus "itens básicos" estão todos aí?
Apontei a última mala sendo transferida para o veículo por dois jovens. Deveria estar pesada considerando o esforço estampado em seus rostos. Ela conferiu com um pouco mais de alívio.
— Sim, pelo menos isso.
— E por acaso você teve tempo de usar tudo?
— Você sabe quanto duram essas festividades das famílias regenciais. – Deu de ombros. — Além disso, Josephine encheu nossos cronogramas até dia do casamento e eu precisava ter o que usar em todos os eventos ou iriam pensar que a Casa Gregor está em decadência. Andamos preparadas para tudo, lembra?
Meneei a cabeça em concordância sem dar muita corda. Com um pé já dentro do veículo, olhei para trás uma última vez. Aquela construção imensa que nos dividia como povos inimigos se erguia imponente diante dos meus olhos. Um pequeno floco de neve caiu serenamente em minha testa e outros mais após esse que foram se depositando na vestimenta ajustada ao meu corpo – até demais – com as cores da Casa Gregor. Joguei o capuz sobre minha cabeça e entrei. Otávio já estava na parte de trás devidamente equipado com cinto de segurança e sua bombinha para as, agora recorrentes, crises de asma. Ele não demonstrava nenhum contentamento com a viagem.
— Eu vi o Príncipe Harlus. De longe é claro, afinal, você conhece os costumes estranhos daquele povo. Ele não é tão bonito. Também é tímido e passivo demais. Será um péssimo sucessor. No entanto, esse tipo é bem mais fácil de controlar. — Era uma observação plausível, o que era uma pena pois a mãe de Harlus era terrivelmente manipuladora e seu pai estava pela hora da morte. — E eu conheci tanta gente nova.
— E mesmo assim não desistiu de Eirie.
— Por Annvokre, nunca! Além disso Harlus era o único herdeiro solteiro lá.
— Príncipe Cedric e Princesa Céfonne não compareceram?
— Não. Você sabe como está a situação em Régians com a revolta separatista dos Guardiões.
Realmente era uma situação difícil e, apesar da aparência, – que era a única coisa em que se assemelhavam – Cedric não tinha mais nada de seu pai, o que não lhe isentava de uma parcela da culpa pelo que estava acontecendo na Regência. Ele ainda carregava o peso do sobrenome, dos títulos e do papel de sucessor, isso vinha atrelado ao fato de nunca ter ao menos tentado intervir nas ações tiranas do próprio pai ou de alertar quem pudesse pará-lo. Inconscientemente desviei o olhar para Otávio. Ele pareceu desconfortável com o que Olívia dissera e não era para menos. Os Guardiões invadiram e tomaram Monigram. Ele não teve mais notícias de sua família desde então. Sem mais conversas a viagem seguiu, meus acompanhantes adormeceram e os dois guardas na cabine eram Irrégios. Ambos vieram do sul da Regência da Água e foram tomados pela Regência da Terra durante a última revolta e depois despachados como mercadorias para servir na Azkaere. Em resumo, não estava em questão fazer contato com eles.
O caminho fora entrecortado com algumas conversas corriqueiras, mas Olívia parecia cansada das comemorações e da viagem de volta, além disso, nós não tínhamos muito sobre o que falar. Por isso, quando avistei os belos e enormes arcos da entrada, fiquei menos tranquila por ter que dar as devidas explicações para mamãe e, ao mesmo tempo, feliz por reencontrar meus irmãos mais novos, de quem tanto sentira falta. Alinhei as faixas que cintilavam sob os últimos raios de sol daquele fim de tarde. Dei uma olhada em Otávio, seu peito descendo e subindo devagar com um pouco de chiado na expiração. O clima da região onde se situava a Azkaere não o favoreceu. A profusão de luzes e cores nas Montanhas de Safira era quase cegante naquela altura do dia, mas um belo espetáculo para quem conseguia olhar por tempo suficiente. Ao chegarmos nos portões da Casa Gregor, sacudi Olívia com força que a fez saltar assustada. Apontei para a janela mostrando os arcos de ouro maciço que precediam o portão de entrada.
— Espero que a mamãe esteja de bom humor – sussurrei.
O veículo parou, sacudimos um pouco com a parada brusca e depois escutamos um ruído das portas se abrindo. Olívia e eu descemos. Pedi para um dos Irrégios carregarem Otávio até a residência e me dirigi sem pressa até o interior do local.
— Alexandra? Você voltou. – Aressa, nossa prima, exclamou e veio me cumprimentar.
— Prima, que felicidade! — A jovem feiticeira abraçou Olívia e deu um beijo em cada bochecha dela. — Chegaram na hora certa. Eu estava indo para uma festa. Venham comigo.
— Não podemos. Estamos cansadas da viagem e desarrumadas, como pode ver.
— Se a Alexandra não vai, o problema é dela. Eu vou. Onde será?
— Na casa de Blatter Hollunya. Espero vocês lá.
Aressa apontou para nós ambas com uma certa malícia, quase como se tramasse algo, se despediu e caminhou decididamente sobre os saltos agulha até o carro que a esperava. Seu vestido curto e decotado num tom verde musgo brilhoso reluzia mesmo naquela distância. Aressa sorriu e deu um beijo no garoto que manteve as mãos no volante e outro beijo na boca da garota que projetava a cabeça para fora na janela de trás. Partiram logo em seguida deixando marcas de pneus no pátio. Quando me voltei para o interior da casa, vi que minha irmã já avançava para as escadas. Quis fazer uma objeção, no entanto, seria ignorada de qualquer forma, então desisti. Tudo ali parecia tranquilo. Tranquilo até demais. Deveria ter subido e escolhido um belo descanso, mas preferi correr o risco e me dirigi para a outra ala da casa, no jardim dos Arcos de Éslen, onde meus irmãos costumavam tomar o café da tarde. Ao longe reconheci Ignel que saltou e deixou a jogada que estava prestes a fazer no tabuleiro de xadrez para correr em direção ao meu abraço.
— Perdão, Mischouz-lê. Não queria atrapalhar. O mestre de meu irmão assentiu com um leve aceno — Ignel, deve terminar a partida.
— Seria extremamente agradável para todos se você desse à suas irmãs e aos seus irmãos, bons exemplos e recomendações sábias como esta o tempo inteiro.
O tom sempre inquisidor de mamãe preencheu o ar. Estava de costas e precisei girar sobre os calcanhares para vê-la sentada em uma mesa completamente posta para o café da tarde, à sombra de um gazebo e da própria vegetação, rodeada de flores bem cuidadas e vistosas propositalmente arranjadas ali para que margeassem a cobertura e subissem a estrutura em si como enfeites.
— Venha! Percebendo minha hesitação, insistiu. — Agora, Alexandra.
Fiz como ela ordenara. Arrumei novamente as faixas antes de me aproximar dela, colocar-me de joelhos no chão, a cabeça abaixada de modo que só visse pedras e cascalhos e com ambas as mãos esticadas com a palma voltada para cima, esperei ter permissão e recepção. Mamãe tocou minhas mãos tendo as suas palmas voltadas para as minhas. Senti como se um choque elétrico corresse em minhas veias, uma transferência energética de purificação. Infelizmente isso deixava minhas últimas memórias vulneráveis ao acesso dela. Em seguida ordenou que erguesse minha cabeça, e como se já fosse habitual, eu sabia exatamente o que estava por vir. Uma vez que estava olhando diretamente para sua face, com as mãos agora depositadas em meu colo, tive dois tapas fortes e carregados de fúria desferidos em minhas bochechas, um na esquerda e outro na direita. E mais uma vez recebi e acatei a ordem dada por ela, dessa vez para que me levantasse e sentasse à mesa.
— Esteve com aquele Irrégio nojento.
— Estive com dois Irrégios. Eles conduziram o nosso veículo.
— Você sabe muito bem a qual deles estou me referindo. Não minta. A purificação me mostrou.
Antes de devolver uma resposta, ocupei-me em servir uma generosa xícara do chá das ervas do Jardim de Éslen, que foi outrora uma grande feiticeira mestra nas artes ligadas à natureza. Pousei delicadamente a colher no pires depois de mexer sem a menor pressa do mundo, enquanto olhava para mamãe vendo-a obrigada a esperar que eu terminasse de apreciar o chá, que por ser constituído dos frutos do estudo e trabalho de tal figura em nossa cultura, era considerado sagrado.
— Sim, eu estive com Philip. E vejo agora que talvez devesse ter aproveitado mais ao invés de expulsá-lo. — Respondi por fim.
— Você não se atreveria. Ela se inclinou sobre a mesa batendo com força em sua superfície. Se acalmou depois de alguns instantes de exaltação a olhos fechados e punhos cerrados e prosseguiu. — Enfim, não vamos revirar os ossos, ao invés disso, falaremos sobre como seu péssimo comportamento influencia seus irmãos e têm me causado transtornos.
— Dou desafios que sei que eles podem cumprir. Estou ajudando na formação deles. O que há de errado?
— Seu julgamento pode estar afetado depois de tanto tempo misturada com esses... com esses seres repulsivos.
— Eles não são nenhum pouco repulsivos. São bons amigos, solidários, determinados e corajosos. Eles, no mínimo, aprendem a conviver com o que não entendem. Ao contrário de nós.
Antes que mamãe pudesse dizer qualquer coisa uma Mischouz-luo apareceu e pediu para falar-lhe a sós, prestando as reverências a nós ambas com certa pressa, o que denunciava a urgência do assunto.
— Da próxima vez, pelo menos tenha a decência de executar um feitiço de bloqueio.
Minha mãe me olhou com algo como pena ou vergonha na expressão e se retirou com a mestra. Suspirei em alívio assim que as duas saíram do meu campo de visão. Ela estava certa nessa parte. Deixei expostas as minhas memórias. Se não fosse mamãe outra pessoa poderia ter descoberto que estive tão perto de ceder novamente aos meus sentimentos por Philip e aí estaria tudo arruinado. Eu não poderia permitir que isso se repetisse.
— Venci? Eu venci. Alexandra. Olha, eu venci. — Ignel gritou entusiasmado. Sorri e o parabenizei mais por uma demonstração de pura civilidade. O Mischouz-lê encarava incrédulo o tabuleiro à sua frente aparentemente procurando saber onde errou.
— Alexandra, vamos logo com isso.
Olívia batia com força na porta pouco mais de uma hora depois de lhe avisar que iria na tal festa. Naturalmente ela deu um jeito de entrar e sentou mostrando-se impaciente. Andei com várias peças de roupas nos braços e as estendi sobre a cama esperando que ela opinasse.
— Já pediu sua purificação?
— E eu tenho que me purificar do quê? Rebateu. Eu a encarei. — Tudo bem, vou me purificar e te espero lá fora.
— Peça a uma mestra. A mamãe está em uma reunião secreta no momento.
— Ah, use esse decotado nas costas.
Olhei para o vestido e logo retirei do meio das outras roupas. Olívia sempre tivera mais senso de moda do que eu, então era melhor confiar em sua escolha. Depois de ajustado ao corpo, fui até o espelho e dei uma balançada no cabelo de um lado para o outro tentando achar a melhor posição para ele, mas sem sucesso. Passei as mãos em minhas bochechas. Cobri as marcas que ainda apareciam com um pouco de maquiagem. Aquilo não passava de um disfarce, pensei. Encontrei minha irmã e partimos.
Não demorou muito até que estivéssemos na entrada da festa com mais um monte de pessoas tão atrasadas quanto nós procurando um espaço para estacionar. A música parecia alta mesmo do lado de fora e, a julgar pela reputação de Blatter, o lado de dentro estaria ensurdecedor e repleto de convidados sob o efeito de drogas. Logo que nos enfiamos no meio das pessoas fomos vistas pelo anfitrião que caminhou diretamente para nós – ajustando um de seus ternos vermelho-vinho Hollunya – como se não houvessem outras pessoas chegando.
— É uma honra recebê-las em minha casa. Exclamou Blatter ao nos cumprimentar e sinalizar para um garçom. — Aceitam?
— Que tipo de substâncias psicoativas tem aí? — Questionou Olívia rindo e apontando a taça que ele segurava.
— Nada que depois as deixem sãs com facilidade.
Gargalhou sinistramente e estendeu uma taça para cada uma de nós. Olívia virou tudo de uma só vez e em seguida correu cortando entre nós. Acompanhei seu movimento e avistei Aressa que era para onde minha irmã estava se dirigindo.
— Novas descobertas? — Ergui a taça para ele.
— Esta não. Mas tenho testado uma nova droga capaz de te fazer reviver, o momento da sua escolha, até às mínimas sensações. — Aquilo me deixou intrigada. Seria mesmo possível? — Quer provar? O efeito passa assim que a memória chega ao fim. E mesmo que pareça durar horas, não vai demorar nem 30 minutos e você poderá voltar pra festa como se nada tivesse acontecido.
— Pensei que com a proximidade dos testes você estaria ocupado em desenvolver algo para aumentar ou fazer surgir as habilidades necessárias a um bom desempenho.
— Estou fazendo ambas as coisas.
Blatter gesticulou como se quisesse me mostrar. O acompanhei até seu opulento e extravagante escritório que ficava em uma ala mais reservada. Ele guardava algumas amostras em um cofre refrigerado muito bem protegido, porém, pareceu confiar o suficiente para revelar o segredo diante dos meus olhos. Coletou com cuidado e entregou o comprimido esverdeado em minhas mãos. Fiquei olhando por um bom tempo sem me mover.
— Não vai fazer efeito se não ingerir. — Ele me encarava com uma sobrancelha arqueada. Devolvi um olhar de "Ah, me poupe!" e ele deu de ombros. — Posso sair se quiser privacidade. É só me procurar quando terminar.
Assenti e o jovem feiticeiro sorriu, saindo e fechando a porta atrás de si. Suspirei. Coloquei o comprimido na boca e virei a taça com a bebida rosada que ainda carregava comigo. Sorvi tudo e só então pensei se pelo menos Blatter teria um antídoto caso desse errado. De qualquer forma, estava feito. Rapidamente comecei a sentir uma mudança na temperatura. E tão logo descobri que felizmente Blatter estava certo. As imagens, os sons, as sensações eram pulsantes e extremamente vívidas. Os beijos, o toque, o suor, a respiração, o movimento dos nossos corpos, o prazer... era quase palpável de tão real. Embora dessa vez, por algum motivo, eu tenha me sentido mais entregue do que antes. Entretanto, quando atingi o êxtase, algo como uma sirene soou na minha cabeça em um zumbido estridente e prolongado que quase me impediu de escutar a voz de Philip confessando que me amava. Mas eu tinha ao meu favor a certeza imutável de que ele tinha dito. Aquelas palavras nunca saíam da minha cabeça e embora sentisse o mesmo por ele, eu nunca dissera. Se naquela época eu soubesse o que se sucederia, teria feito uma escolha diferente? Esta pergunta permaneceria sem resposta ainda por algum tempo, pois agora havia mais com que me preocupar. Quando abri os olhos, ainda fora de mim, enxerguei minha mãe parada na minha frente apertando meu rosto entre suas unhas de modo a deixar marcas. Blatter também estava lá alertando dos perigos de se retirar bruscamente alguém de suas lembranças.
— Onde está a sua irmã? Onde está Padma? — Ela gritava descontrolada e me sacudia de um lado para o outro. — Diga onde ela está, sua desgraçada.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro