Capítulo I -
~ Eirie ~
Prisão de Azkaere – Contenção
Naquela noite nem mesmo o mais rápido que consegui correr para chegar a ela foi suficiente. Não existiam pensamentos mais aterradores do que os que invadiam minha mente quando deixei os outros para trás ouvindo apenas explosões e a voz de Morkereth me repreendendo, ordenando que voltasse para o lado de fora. Eu o desafiei a que tentasse me impedir e continuava desviando dos obstáculos à frente, avançando por eles com um aperto por não encontra-la de imediato. Eu teria feito qualquer coisa para impedir que Kronzo a ferisse. No entanto, quando localizei, a tomei em meus braços e segurei em meu colo vi que seu sangue jorrava por todos os lados. Olhos, narinas, boca, ouvidos e até pelos poros em uma profusão escarlate como se tivesse implodido. E eu já não conseguia sentir sua respiração enquanto a carregava para fora dos escombros do Templo e isso começava a causar uma angústia ainda mais pesada, como se me faltasse o ar. Era uma sensação estranha com a qual eu já estava um pouco familiarizado. Medo, talvez. Medo de perdê-la para sempre, tal como perdi minha mãe, minha irmã, meu pai... enfim, quase todos em minha vida. Dentro de mim, Morkereth fazia questão de martelar as dezenas de vezes que havia tentado impedir que nos aproximássemos no início quando nos conhecemos, pois acreditava que se eu gostasse da companhia dela, poderia facilmente arriscar jogar no ralo tudo o que sempre fui preparado para fazer. Tudo o que ele precisava que eu fizesse. Eu tentava ignorar sua agitação dentro de mim e me preocupava em manter-me preparado para qualquer notícia, segurando as mãos geladas dela dentro das minhas quentes, numa tentativa fracassada de aquecê-la, principalmente quando nem mesmo os maiores esforços de Alexandra e Brandon ao tentarem reanimá-la através de feitiços funcionaram, pois, provavelmente ela já estava sem vida. Lumina também a examinou e descobriu que a alma de Lizlee permanecia presa em algum lugar entre os espectros da luz e da sombra ou seja, a vida e a morte, apesar de o corpo aparentemente ter perecido. Isso acendeu em mim uma espécie de esperança cruel de que a teria de volta e então pedi – na verdade, praticamente implorei – para Alexandra e Brandon a enfeitiçarem de modo a manter seu corpo conservado por determinado tempo, esperando seu retorno. Mas à medida que os dias se passavam e nada mudava, a esperança foi se esvaindo e eu percebi que talvez devesse deixá-la descansar. Eu também precisava dar isso a mim mesmo.
— Acho que devemos dar um enterro decente para ela. — Eu disse me apresentando perante a espécie de votação secreta que realizamos para decidir o destino do corpo dela. — Mas, também temo que se descobrirem a localização do túmulo possam vir violá-lo em busca de sua matriz ou da deusa Koresa.
— Por que não tenta falar com Morkereth sobre Koresa? Ele a conhece melhor do que qualquer um de nós. — Sugeriu Kell.
— Porque não é sobre ela que estamos falando e sim sobre... — suspirei e baixei a cabeça me concentrando — sobre a Lizlee.
— Mas pelo que sabemos Koresa está no Pêndulo e o Pêndulo está em Lizlee. Se Morkereth localizar Koresa talvez possamos... vocês sabem.
— Ela está morta, Tamasha! Lizlee está morta e não há como mudar isso.
— Você não tem certeza sobre isso. — Retrucou ela.
— Eu já tentei!
Me exaltei, desesperado. Philip se levantou na mesma hora em um dos cantos do local.
— Vamos dar uma pausa por hoje! Avisaremos o dia da nova reunião.
Todos os outros foram saindo, não muito felizes, enquanto Phil me obrigava a sentar em uma das cadeiras ao redor da mesa. Ele viu que estávamos apenas nós ali e foi se encostar em uma pilastra em que poderia me olhar de frente.
— Já fazem dois meses... — Comecei. — E não tem doído menos.
— Eu sei disso.
— Acontece que eu não sei se devia sentir isso, principalmente, depois do que fizemos...
— Eirie, nós fizemos a coisa certa. Protegemos ela. De uma maneira um pouco errada, mas sim, nós a protegemos.
— Você só cometeu dois grandes erros. O de se apaixonar e o de parecer um sociopata perto dela. — Exclamou Alexandra entrando pela porta. — Mas eu sei que é difícil para você acertar tantas vezes seguidas. — Completou sarcástica.
— Não seja tão dura.
— E eu deveria fazer o quê? Passar a mão na cabeça dele e lhe dar uma estrela por ter tentado?
— Só estou dizendo que não somos todos como você.
— Faltou dizer o quanto sou fria. E só para constar, eu também gostava dela, mas seria uma hipócrita se fingisse que Eirie não errou em como decidiu agir com o que fizemos. — Ela falava se dirigindo a Philip antes de se virar para mim. — Quer um conselho? Você precisa de ajuda profissional e não de alguém que te bajule.
Philip se preparava para fazer uma objeção mas eu intervi com um aceno de cabeça.
— Alexandra Aloysia Maeren Gregor? — Um guarda da Azkaere chamou batendo continência bem na porta.
— Sou eu!
— Isto é para a senhorita.
Ele entregou um envelope para ela e saiu, batendo outra continência. Ela tomou para si e disse ainda percorrendo as linhas do texto.
— A Ordem me convocou para estar em uma audiência.
— Você quis dizer, interrogatório. — Retrucou Phil.
— Não será a primeira vez.
— Você precisa de companhia? — Perguntei.
Ela bateu palmas e a carta virou pó, provavelmente estava encantada, Phil tossiu e isso arrancou dela um meio sorriso sádico que pareceu reluzir em seus lábios e olhos mas logo se apagou.
— A única pessoa que poderia ir comigo está ocupada demais no momento. — Ela se referia a Brandon. — Vou sozinha e mando notícias assim que puder.
— A falta que faz internet e um celular.
Essa lembrança, tal como as poucas que ainda me restavam do mundo antigo, me fez querer ter o poder de voltar bem no início disso e desfazer tudo. Talvez ficar na época em que minha vida era um borrão por conta do coma e assim, quando acordasse, ter a chance de fazer tudo de outra forma.
"Vamos? Projeto de Regente!"
— Philip, você escutou isso? — Falei alto, um pouco sobressaltado.
— Não escutei nada. Não seria Morkereth falando com você?
— Não. É uma voz feminina.
— Tempo demais na Azkaere faz isso com nossas mentes.
Ele passou por mim e deu dois tapas no meu ombro, saindo da sala em seguida. Nem cinco minutos depois disso escutei a resmungação de Otávio pelos corredores antes mesmo dele me encontrar e bufei bem descontente.
— Eirie! Eirie eu sei que está aí em algum lugar. Temos que ir para o Palacete em Tempestuosa, agora.
Não fiz sequer um movimento então ele bateu o pé e começou a gritar.
— Com isso eu quis dizer "agora mesmo".
— Em primeiro lugar, eu não trabalho para você! — Fiquei de pé diante dele começando a ficar irritado e eu sabia como aparentava estar prestes a explodir nessa situação. — E em segundo, apenas caso ainda não tenha percebido, o Palacete agora também é propriedade do Guardião Supremo do Forte Dourado. Se contente com esse teto aqui e pare de choramingar.
— Eu não sabia que lidava assim com crianças.
Levantei os olhos de Otávio para a direção da entrada. Ele aproveitou a deixa e saiu depressa. Uma garota de cabelos longos e brancos, usando a túnica habitual da Ordem de Lanóvia, muito parecida com Alexandra – exceto pela fisionomia bem menos rígida e traços mais delicados – veio sorrindo e desamarrando as faixas douradas e verdes, simbolizando a sua Casa, que mantinham a vestimenta fechada.
— Olívia! — Exclamei surpreso. — O que está fazendo aqui?
— A pergunta por trás dessa deve ser "quando vai embora?". Mas não se preocupe, eu apenas estava voltando de um casamento e já retornarei com Alexandra para Lanóvia.
— Um casamento?
— Parece que as pessoas ainda acreditam no amor.
Olívia acabou cobrindo a distância entre nós dois num tempo curto demais, no entanto, fingi não ter sido afetado por sua atitude.
— Você, com certeza, não é uma delas. — Retruquei.
— E você, é?
Fiquei algum tempo tentando entender a confusão que se formara de repente em mim. Não era exatamente difícil saber a resposta. Olívia estava manipulando minha visão de modo a parecer que era com Lizlee que eu estava interagindo ali naquele momento. Mas era tão real quanto se fosse e eu estava tentado a tocar. Me afastei de Olívia tentando colocar os pensamentos no lugar.
— Para mim, o dever vem em primeiro lugar e com você não deveria ser diferente. Principalmente porque nem sabe o que sente por essa garota.
— Desde quando se tornou vidente para saber o que sinto e por quem sinto?
Ela suspirou olhando para o teto como se buscasse as palavras certas para dizer.
— Nossa posição exige sacrifícios que você não parece compreender.
— Eu não tenho mais uma "posição", Olívia. Então não precisa continuar insistindo nesse arranjo que nossos pais fizeram.
— Será que não percebe que eu quero você e que existe a chance de um futuro sólido comigo? — Seus dedos finos e leves deslizavam sobre meus ombros de alto a baixo. — Podemos expulsar os Guardiões e retomar Monigram. Reger juntos!
Eu podia senti-la recostando a cabeça em minhas costas e me envolvendo em uma espécie de abraço por trás. Ela segurava firmemente em minha camisa amassando-a entre seus dedos.
— Você não quer abrir mão do controle e não precisa. Eu posso devolvê-lo a você. — Sussurrou ao pé do meu ouvido. Sua voz era perigosamente envolvente, como um jogo em que os dados estavam manipulados para favorecer apenas a ela e mesmo assim sempre havia quem se atrevesse a jogar e dobrar a aposta. — Ela pode fazer isso?
— Ela poderia, mas não o faria.
— Porque era fraca. — Replicou enquanto eu buscava me manter o mais longe possível.
— Porque seria egoísmo da minha parte. Principalmente depois do que ela sacrificou pela liberdade daquelas pessoas.
— A liberdade dessas pessoas é relativa ao que elas valem em nosso sistema, portanto, ela se sacrificou por nada.
— Não acredito no que acabou de dizer.
Na verdade eu esperava isso dela. Eu conhecia bem Olívia e ela sempre foi inatingível, intangível e impenetrável, além de extremamente possessiva, manipuladora e de se achar a juíza do certo e errado, a dona da verdade.
— Eirie, sobrevivência é uma causa egoísta. Ou você acha que o altruísmo é que ainda nos mantêm como raça?
Fiquei encarando a porta sem no entanto devolver qualquer palavra em discordância. De repente Olívia se aproximou pela minha esquerda e entrelaçou seus dedos com os meus.
— Eu preciso ir. Quer que eu leve o seu pequeno problema para passar uns dias em Lanóvia? É o lugar mais seguro na situação atual e um motivo para ir me visitar depois.
— Leve-o. Mas não espere que eu vá te visitar.
Soltei nossas mãos com um único movimento e voltei para a mesa. Ela se virou. Sorriu maliciosamente. Jogou o capuz sobre a cabeça e saiu deslizando como fumaça.
Ela estava correndo em minha direção. Em seus lábios havia o sorriso mais lindo do mundo. Com o vento e o movimento de cada passada seu cabelo vermelho parecia crepitar como fogo em chamas altas. Estiquei minha mão quando estávamos muito perto e ela segurou mas, como nas vezes anteriores, o chão se abriu e ela deslizou para dentro de um buraco profundo. Usei minhas duas mãos para puxá-la. Seu sorriso se apagara e agora o medo nublara seus olhos castanhos. Ela caiu. Como em todas as outras noites eu a perdi mais uma vez.
— Acorda, donzela! — Phil me deu um tapa na bochecha e atirou algumas roupas em cima de mim. Peguei e dei uma olhada.
— Estamos indo tomar café ou escalar uma montanha? — Questionei ainda esfregando os olhos.
— Nós vamos treinar.
— Numa montanha? — Ironizei levemente dramático.
Ele me encarou de volta e cruzou os braços. — Com a Guarda de Azkaere.
— Ah! Não, obrigado.
— Não te dei opções. — Phil puxou a coberta.
— Esses caras me odeiam e podem entrar na minha mente. Acho que não existe uma combinação pior.
— Se te serve de consolo, eles odeiam basicamente todos os membros das famílias regenciais. Não é pessoal. — Ele deu aquela risada bem conhecida. Significava que eu estava ferrado. — Te espero no refeitório em dez minutos.
Queria ter dito que não iria de qualquer forma mas quando abri a boca ele já havia saído, se beneficiando do fato de ser rápido e sumir como um fantasma. É claro que demorei muito mais do que os dez minutos impostos por Phil entre resolver se realmente me levantaria da cama, me aprontar para ser comido vivo pelos soldados e chegar no refeitório que ficava em um dos níveis mais baixos – fato comum em todas as zonas da Contenção – provavelmente só pelo prazer de ver os soldados sendo obrigados a descer todas aquelas escadas logo pela manhã.
— Onde está todo mundo? — Fingi estar me aquecendo.
— Foram na frente.
— Ah, que pena! Fica para outro dia então. — Virei para sair e Phil congelou minhas botas no chão.
— Sério isso? — Apontei para meus próprios pés enquanto desaprovava com um movimento de cabeça.
— É só um exercício para os novatos. Você com certeza tem mais treinamento que eles.
— Mas ainda existem os que controlam mentes e meu treinamento não pode impedir isso.
— A Liz começou a controlar portais e eletricidade. Talvez você possua outra habilidade escondida que só precisa ser descoberta.
Senti meus pés se soltarem do chão logo tentei saltar fugindo pela escada mas senti uma sensação perturbadora vinda de dentro de mim.
— Tudo bem! Eu vou com você. Só... por favor, não faça isso de novo.
— Da próxima vez lembre-se que, na sua idade, pelo menos 60% do seu corpo é composto por água.
Tive de correr para acompanhar meu amigo que quase me matara no refeitório menos de um minuto atrás e corremos mais ainda para chegar ao grupo que já estava em formação na àrea de treinamento com bolinhas de tinta e equipamentos diferentes a tiracolo. Sem fazer menção de questionar, humildemente me coloquei ao lado de Philip em uma das pontas da fileira, tentando imitar os demais, quando ouvi meu nome ser chamado. Não respondi de imediato e logo percebi que aquilo fora um erro.
— Prefere que te chamem por "Vossa Alteza Regencial"?
— Preferia que não me chamassem. — Respondi quase que inaudivelmente, porém Phil ouviu e me deu uma cotovelada. Dei um passo a frente.
— Recrutas! Eis o alvo para esse exercício.
— Como assim?
— Espero que tenham escolhido corretamente suas "armas" pois nesse exercício não será permitido utilizar seus poderes. Meu conselho é: sejam criativos. — O homem, que acredito ser primeiro sargento, me encarou com aspereza e depois se virou. — Aonde pensa que vai? — Indagou a Phil quando este saiu de sua posição.
— Sou o Guardião dele. É meu dever segui-lo e protegê-lo. — Phil rebateu dando de ombros como que para mostrar que estava apenas cumprindo uma obrigação.
— Descumpram a regra mais básica e sofrerão punições. Precisam de uma vantagem, senhores? — O homem zombou e os recrutas também mas eu admitia que precisava aceitar aquilo.
— Posso ter um arco? De preferência com flechas.
— Muitas exigências, Alteza. — Ele moveu a mão e eu acompanhei com os olhos. — Tente não matar meus recrutas.
Ao reconhecer o brasão esculpido precipitei-me até os guardas que caminhavam para nós e tomei o arco juntamente com a aljava de flechas brilhantes que eles traziam consigo colocando-a em minhas costas. Observei também que as outras armas estavam dentro de uma espécie de maleta com tampa de vidro.
— Onde encontraram as minhas coisas? — Peguei uma a uma e fui escondendo em lugares estratégicos.
— Eu diria que somos bons em encontrar o que foi perdido. Enfim, a caçada começa em cinco...
Antes que a contagem terminasse Philip e eu começamos a correr. Os recrutas vieram logo atrás quando lhes foi dada a permissão.
— Eu disse que seria divertido.
Phil me ultrapassou na corrida dando gargalhada. Ele pulou no galho de uma árvore, se balançou para cima e começou a escalar. Tive de me virar já que a intenção era sairmos todos vivos. Sujos, mas vivos.
— Morkereth, temos uma habilidade especial?
"Sua habilidade especial é ser resistente o suficiente para me comportar nesse seu corpo limitadamente humano e a minha não é da sua conta." — Ele respondeu.
— Morkereth você é um idiota sem graça.
"Você acabou de conhecer a minha capacidade reflexiva. E agora acabou de achar engraçado o que eu disse."
— Sim, eu achei. Você é afiado, eu gosto disso.
"Eu sabia. Consigo prever suas reações com base na assimilação de comportamentos prévios, portanto, como você é bastante reativo sempre tenho muito trabalho a fazer. Não execute o movimento que pretende ou vai ferir os recrutas à sua esquerda."
Dei uma olhada e concluí que seria uma queda bem feia para eles se eu realmente atacasse por ali, então girei dois punhais entre meus dedos, cravei ambos na árvore que me servia de esconderijo e comecei a escalar. Conferi se estava em um galho seguro, ele rangeu um pouco mas confiei em sua firmeza. De repente um som de assobio longo, agudo e familiarmente entrecortado me despertou. Phil e eu utilizávamos aquilo como um sinal. Vasculhei e encontrei Philip há algumas árvores dali sinalizando algo. Ele retirou do bolso bolinhas da tinta vermelha que nos foram entregues para marcar quem fosse atingido durante o exercício e parecia indicar para que eu atirasse nelas. Procurei a melhor localização possível naquelas circunstâncias, consertei a postura e posicionei uma flecha contra a corda do arco. Segurei-a entre meus dedos. Respirei. Esperei ter o grupo passando entre nossas árvores. Com um timing impressionante, Phil lançou as bolas no ar nas quais eu mirei para acertar, uma a uma, estourando-as acima das cabeças deles e marcando-os com a "tinta da eliminação". Salvo uma ou duas flechas que erraram o alvo. Eles até tentaram correr mas nem sabiam de onde vinha o ataque o que com certeza não ajudou.
— Seu desgraçado! Por que não desce daí? — Um deles gritou, limpando os olhos de onde escorria tinta.
— Você não está em posição de me enfrentar.
— Tem medo de descer pois sabe que está em desvantagem.
— Mackel, vamos voltar. — Uma recruta o puxou pelo braço.
— Esse ódio todo não te leva a lugar algum. — Phil falou e todos olharam na direção da outra árvore.
— O tratado que os Regentes assinaram é o que nos obriga a estar aqui e lutar para defender os interesses desses merdas.
— Não fui eu quem assinou o tratado.
— Mas é o seu sobrenome nele.
Pulei do meu galho na árvore direto para o chão e marquei a testa dele com a tinta vermelha.
— Pensando bem, eu deveria ter jogado no seu nariz.
Os outros tentaram me impedir, no entanto, eu ameacei atirar tinta neles. O garoto puxou e lançou o meu arco no chão. Olhei para o objeto inanimado e suspirei descontente.
— Assim você machuca a Addie.
— Idiota, você deu nome ao seu arco?
— Sim e às minhas flechas também. — Retirei qualquer uma da aljava e mostrei. — Essa aqui, por exemplo, se chama Mackel. Se os seus dois neurônios fizerem um trabalho razoável entenderá o motivo.
Completei com um tom de ameaça. Eu não gastaria minhas flechas com aquele cara mas não o deixaria ir embora pensando que me desafiaria e ficaria por isso mesmo. Ao longe na floresta escutamos um pedido de socorro que provavelmente era o outro grupo de recrutas e por um momento deixamos a desavença de lado. Quando chegamos ao local havia um rastro de sangue e todos se escondiam atrás das pedras. Havia um garoto ferido por isso os gritos. Alguém de fora havia os atacado.
— Mackel, leve os outros daqui em segurança e chame ajuda médica. — Ele balançou a cabeça afirmativamente. — Phil...
— Já sei.
Ele correu na direção oposta à Contenção. Eu me aproximei do menino encostado na pedra. Ele estava perdendo muito sangue devido a um terrível ferimento na jugular. Tentei estancar o sangramento mas na verdade sabia que ele tinha poucas chances de sobreviver. Ele parecia desesperado. Seus olhos vidrados como se estivesse sufocando.
— Olha, se concentra em mim. Consegue me dizer seu nome?
— Klaus. — Respondeu engasgado.
— Você é da Ordem?
— Casa Wolprínia.
— O lobo sob a lua prateada.
Ele fez que sim para a menção do brasão de sua Casa e começou a recitar devagar ainda engasgando. — A lua prateada guiará... o retorno...
Klaus segurou em meu braço agora com os olhos cheios de lágrimas. Eu me lembrava do verso e ajudei-o a continuar.
— O retorno do lobo ao seu lar. Pois ele esteve perdido...
— Mas nunca sozinho.
Ele gemeu de dor. Eu usei a mão vaga para girar minhas lâminas entre os dedos e no fim apresentei-lhe o resultado.
— Klaus da Casa Wolprínia, você merece essa insígnia por sua coragem e bravura em exercício.
— Essa insígnia realmente tem valor?
Pensei em responder que não e que nem as que a Guarda dava tinham. Mas aquele garoto não tinha nem idade para estar ali naquela mórbida posição.
— Sou uma Alteza Regencial, é claro que vale.
— Você não parece ser o babaca que todos dizem. — Quase sussurrou.
— Talvez eu seja.
Coloquei a insígnia no uniforme acima de seu peito e em seguida seu aperto afrouxou em meu braço. Seus olhos que antes – até mesmo próximos da morte – eram profundamente castanhos, não tinham mais brilho e ficaram parados olhando para mim. Eu os fechei e, pela primeira vez em décadas, sussurrei uma prece por sua alma.
— Uma pena. Ele era tão jovem.
Vagarosamente ergui o olhar lançando-o do corpo do garoto para um homem alto e ruivo que despreocupadamente limpava a lâmina de uma afiada faca dourada.
— Quem é você e o que quer?
— Vai dizer que não se lembra de mim, querido sobrinho?
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