Epílogo - parte 3
- Estás bem?
Laurel virou-se, encarando o rapaz dos olhos verdes. Harry aproximava-se dela, as mãos enfiadas nos bolsos das suas calças sociais, a camisa ligeiramente amarrotada e a gravata desabotoada. Tinham isso em comum, a tendência para as suas roupas ficarem uma bagunça ao longo do dia. A própria Ravenclaw há muito que soltara o cabelo, outrora atado no alto da cabeça e ornamentado com pérolas reluzentes. As ondulações ruivas de cabelo caíam ao longo do corpo, emoldurando-lhe o rosto, enquanto os ganchos de pérolas repousavam na pequena mala que trazia a tiracolo. Algures durante o casamento, arregaçara as mangas do vestido azul-safira que usava, pouco se importando com a Marca Negra no seu antebraço. No seu pulso, as pulseiras continuavam no mesmo sítio, uma cobra, outra dragão, cada uma delas com o seu significado.
- Estou bem. - confirmou a jovem, sorrindo-lhe - Hoje estou bem. Amanhã um novo dia espera por nós.
- Eu ouvi sobre os julgamentos. Lamento imenso pela Meredith.
Laurel assentiu, suspirando.
- Não consigo deixar de pensar que a culpa é minha. Fui eu que a pôs nesta situação. - fez uma pausa, fitando-o com seriedade - Vais testemunhar a favor dela, certo?
- Eu...
- Harry, neste momento a tua voz é a mais poderosa do país. - afirmou Laurel, dando um passo na sua direção - Preciso que dês o teu parecer no julgamento dela. Se não quiseres participar no de Draco e no meu eu compreendo...
- É óbvio que vou testemunhar por ti, Laurel. - interrompeu Harry, pousando-lhe a mão no ombro - Achas mesmo que vou deixar que alguma coisa te aconteça? E... Bem... - Harry olhou para cima, como se algo tivesse a ser arrancado de dentro de si - Eu testemunho para o Malfoy também. Mas só porque és tu. Se fosse por outra razão qualquer...
A Ravenclaw soltou uma risada, empurrando o rapaz na brincadeira:
- Deixa-te disso! Tu e o Draco ainda vão ser verdadeiros amigos. - Harry abriu a boca para protestar mas Laurel calou-o, sorrindo - Ele faz parte da minha vida e vai fazer sempre. Se nós os dois somos amigos, vocês vão ter de pelo menos conseguir estar na mesma assoalhada mais de cinco minutos.
- Vocês vão mesmo casar?
Laurel encolheu os ombros, constrangida. Aquela questão do casamento estava a atormentá-la, a incerteza corroendo-a lentamente. Quando pedira Draco em casamento, fora uma jogada que fizera para ter a sua magia de volta, muito embora casasse com o Malfoy com todo o gosto. Ela amava-o e não se via a casar com mais ninguém, por isso, era óbvio que ela queria que o noivado fosse real. Ao encontrá-lo, em Hogwarts, Draco chamara-a de "minha noiva" mas Laurel nunca esperara que a possibilidade de se vir a casar com o homem que amava fosse real.
Afinal de contas, ela não era suposto estar viva.
Por isso, ela não sabia. Não sabia se Draco queria ir em frente com o casamento, não sabia até que ponto ele estava ciente de que o pedido de casamento ocorrera por outros motivos que não o casamento em si, não sabia sequer se Draco queria construir uma vida com ela. Por mais que a amasse, Draco ainda era um Malfoy, um puro-sangue para quem ter herdeiros era muito importante, ainda para mais agora que tinham conhecimento do sangue de Slytherin que lhes corria nas veias. Ele iria querer continuar a sua linhagem, como todos os Malfoy antes de si.
E Laurel nunca lhe poderia dar isso.
- Talvez. - respondeu, esboçando um sorriso amarelo - Por isso vão ter de ficar amigos. Por mim. Sim?
Harry engasgou-se, desconcertado.
- Amigos é uma palavra muito forte... Que tal só "colega"? Não, até isso parece ser excessivo... "Conhecidos"? Serve?
Os dois riram, confortáveis. Os olhos esmeralda de Harry brilharam ao fitar Ginny, a qual dançava animadamente com Ron no meio da pista de dança. Laurel sorriu, feliz pelos dois. A ruiva mais nova não poderia ser mais perfeita para o Gryffindor, com a sua garra e determinação. Há muito que Ginny deixara de ser a rapariga perdida e assustada que conhecera numa casa-de-banho assombrada, agarrada a um diário que não lhe pertencia e a pedir ajuda à Ravenclaw apenas para a induzir a adentrar na Câmara dos Segredos. A Ginny à sua frente era muito diferente da antiga e Laurel gostava dela, como gostava de todos os Weasley.
- Devias ir dançar com ela, parece ser divertido. - disse Laurel, sorrindo a Harry, que retribuiu.
- Vou já. Laurel... E o Teddy?
- O que tem o Teddy? - questionou, de sobrolho franzido.
- Somos os padrinhos dele. Um de nós deve adotá-lo ou continua com a Andromeda?
- Fica com a Dora, claro. - respondeu a Laurel, prontamente - Ela é a avó dele. Eu e tu podemos visitá-lo as vezes que quisermos e ajudarmos em tudo o que eles precisarem mas a Andromeda não tem mais ninguém. Não lhe vou tirar a única coisa que lhe resta.
- Eu só estou a perguntar porque... É o teu irmão e... Tu...
Harry calou-se, baixando os olhos, envergonhado e embaraçado por trazer o assunto à baila. Mais uma vez naquela noite, Laurel levou a mão à barriga, involuntariamente.
Pensara nisso, claro. Criar Teddy, o seu irmão mais novo, poderia ser a única oportunidade que teria de alguma vez criar um filho. Prometera a Remus que o protegeria mas Teddy era filho de Nymphadora, filha de Andromeda Tonks, a avó de Teddy. Andromeda era, no fim do dia, família. A antiga Black ficara agradavelmente surpreendida ao conhecer Laurel, a filha do seu primo Regulus, e a Ravenclaw afastara de imediato a ideia de ficar com Teddy depois de os ver juntos. Avó e neta amavam-se e Laurel ficaria feliz de ser apenas a sua irmã mais velha e madrinha.
- Teddy fica com a Dora. - respondeu, com simplicidade.
O Potter assentiu, percebendo o seu desconforto. Ele nunca fora propriamente a pessoa mais sensível do mundo, por isso, acabava sempre por dizer ou fazer algo que não devia. Vendo a expressão cabisbaixa da Ravenclaw, suspirou, exasperado:
- Desculpa, eu não queria...
- Está tudo bem. Eu estou bem, Harry. - assegurou a ruiva, sorrindo gentilmente - Agora vai aproveitar este casamento, está bem?
Harry pestanejou. Ergueu a mão, estendendo-a na direção dela.
- Só vou se vieres comigo. Dá-me a honra desta dança, Miss Ravenclaw?
Laurel riu, aceitando a sua mão. O seu coração batia devagar no seu peito, a tristeza e a realidade querendo invadi-la mas não se deixaria consumir, não hoje, pelo menos.
Hoje, o amor, a amizade, a vida.
No dia seguinte, a realidade.
- Concedo pois, Mister Potter.
**
O casamento continuava pela noite fora. Havia música, dança, comida, bebida e muita magia. O ambiente descontraído era exatamente o que todos precisavam para se sentirem vivos e vitoriosos, mesmo que a dor e o luto não tivesse desaparecido.
Laurel dançara a noite toda, junto dos seus amigos. Por algum motivo, sempre que sentia os olhos de Draco postos em si, corava e forçava-se a não olhar para ele, como se o estivesse a evitar. Ela não queria evitá-lo. Contudo, a insegurança e o receio do futuro de ambos atormentara-a todo o dia e ela não estava preparada para sair da sua bolha de felicidade causada pelo casamento das suas amigas.
Claro que a sua energia tinha um limite e a Mansão Ravenclaw possuía dentro das suas paredes milhares de exemplares do seu bem mais precioso: livros. Ao fim de umas boas horas de dança e alegria, a jovem Ravenclaw refugiara-se dentro da sua mais recente casa, a qual ainda não tivera tempo de aproveitar. O mais engraçado daquele lugar era que, apesar das paredes da sala de estar serem completamente tapadas por estantes cheias de livros, ainda existia uma biblioteca igualmente repleta de livros da cabeça aos pés. Eram bastante antigos, desde os tempos de Rowena até Cora, um mundo de conhecimento e sabedoria que Laurel ainda não tivera oportunidade de explorar.
Por isso fora parar à poltrona confortável da biblioteca a meio do casamento de Ashley e Meredith, sentada de pernas cruzadas sem se importar com os vincos que iria deixar no seu vestido curto e rodado cor de safira, um livro sobre mitos e lendas do mundo bruxo aberto no colo.
Ela lia tranquilamente quando a voz fria e sussurada dele perto do seu ouvido a fez estremecer, arrepiada:
- Escondida?
Laurel pôs-se de pé, bruscamente, atirou o livro de forma desajeitada para cima da poltrona e ajeitou discretamente o vestido, sentindo-se corar ao ver Draco Malfoy encará-la, com uma sobrancelha erguida num gesto discrente.
- N-Não. - respondeu ela, sentindo-se corar - E-Eu estava apenas a descansar os pés...
- E o livro foi parar-te às mãos sem que tu quisesses?
A ruiva encolheu os ombros, inocente. Draco esboçou um sorriso de lado, aproximando-se dela, os olhos cinzentos perscrutando-lhe o rosto.
- Sabias que os casamentos são ocasiões extremamente românticas? - perguntou o rapaz, esperando que ela assentisse, confusa - E sabias que duas pessoas tão românticas como nós não tiveram sequer oportunidade de dar um beijo?
- Tu não és romântico. - ripostou a Ravenclaw, rindo.
Draco suspirou, colocando delicadamente a madeixa loira de Laurel para trás da sua orelha, afagando-lhe o rosto com o polegar.
- Tens estado a evitar-me. - afirmou, sem rodeios.
- Não, não tenho...
- Ambos sabemos que não consegues mentir-me, Ravenclaw. - Draco pegou-lhe na mão, apertando-a suavemente - O que se passa? Estás com dúvidas sobre o nosso casamento?
- Ainda vamos ter um casamento?
- Porque razão não haveria? Tu pediste-me em casamento, eu aceitei. Na verdade...
- Draco, nós não podemos casar.
O Malfoy ergueu os olhos, bruscamente. Laurel prensou os lábios, afastou-se dele e abanou a cabeça, dizendo:
- Nós não podemos casar. Não podemos construir uma família, não podemos ter uma vida em conjunto...
- Dás-me a honra de saber o porquê dessa ideia absurda? - rosnou Draco, os olhos faiscando na sua direção.
- Porquê?! Porque nós nunca poderemos ter filhos! - a voz de Laurel tremeu, à beira do choro - Eu fiz os exames. Verifiquei. É... Impossível. Há outras opções, como a adoção mas... Tu és um Malfoy. Queres ter filhos, deixar descendentes, de preferência puros-sangue... Vocês são obcecados com isso e tu...
- Eu sou obcecado por ti.
Laurel engasgou-se, as bochechas coradas ao vê-lo aproximar-se dela, como um predador. O olhar dele sobre ela era possessivo, cru, apaixonado. Draco nunca fora um homem de emoções; era frio e pouco sensível, os sentimentos sendo nada mais do que uma fraqueza. Agora, ele fervia, a raiva gélida queimando-o internamente.
- Eu perdi-te, Laurel. Estavas morta nos meus braços. Como ousas sequer achar que eu não te vou querer por causa de sangue? Como ousas pôr em causa o que sinto por ti dessa maneira supérflua e ridícula?
- Draco, e-eu...
- Tu morreste. Eu senti-te morrer. Achas mesmo que vou correr o risco de te perder novamente? - questionou o loiro, os punhos cerrados, furioso - Posso ser um Malfoy e com muito orgulho mas tu mostraste-me que sou mais que isso. Sou Draco, o rapaz que é obcecado por ti, que faria tudo por ti, que fez tudo por ti. Por Merlim, eu mudei de lado, deixei os meus pais, pus em risco a minha vida por ti. E tu estás a dizer-me que nós não podemos ficar juntos porque tu não podes ter filhos? Laurel, eu quero-te a ti! Ainda não deixei isso claro?!
Laurel pigarreou, limpando as lágrimas que lhe escorriam pelo rosto abaixo.
- Acho que ainda não foste muito claro, não...
Sorriu, observando-o revirar os olhos. Draco olhou-a nos olhos, surpreendendo-a. Ele olhava para ela como se ela fosse a jóia mais preciosa do mundo. No seu fato preto, camisa cinzenta aberta no colarinho e os cabelos loiros desalinhados, Draco era lindo.
E era dela.
- Eu ia esperar que o casamento terminasse mas... - retirou algo do bolso, os olhos prateados brilhantes - Estou a ver que não há melhor altura que esta.
Ajoelhou-se à frente dela, com uma pequena caixa de veludo na mão. Laurel susteve a respiração, sentindo o coração bater fortemente contra o seu peito. Draco sorriu, nervoso.
- Quando me pediste em casamento, eu estranhei. Não pelo facto de seres tu a pedir-me em mim, és diferente de qualquer pessoa e não esperava menos de ti. Estranhei pela altura, pela forma como o fizeste, pela razão que o fizeste. - Laurel prensou os lábios, baixando os olhos - Sei que foi por um qualquer plano que arranjaste para sair daquele quarto onde estavas presa. Está tudo bem, eu teria aceitado fosse como fosse. - Draco encolheu os ombros - Sou teu. Ambos sabemos disso. És a minha melhor amiga, a jovem gentil e bondosa que acreditou em mim, que viu para além de mim, que me escolheu a mim. Quero aproveitar cada dia ao teu lado, crescer contigo, aprender contigo, amar-te todos os dias. Eu sou teu, Laurel. Por isso... - abriu a caixa, revelando o seu conteúdo - Laurel Ravenclaw, aceitas casar comigo?
A Ravenclaw soltou uma exclamação de surpresa, levando as mãos à boca. Os olhos safira arregalaram-se, banhados em lágrimas.
A sua emoção não era somente pelo pedido. Era pelo anel.
O aro de ouro branco ostentava um coração feito de um cristal muito especial. A jóia brilhava num tom esmeralda enquanto estava próxima de Draco, adotando o familiar tom azul-safira quando o Malfoy ergueu o anel na direção da Ravenclaw.
O medalhão de Ravenclaw continuava a brilhar, aquecendo o coração de Laurel com a sua presença familiar.
Uma semana antes, quando a perdera, Draco guardada um pedaço da pedra preciosa para se recordar de Laurel. Agora, ali estava, desenhado para ela.
Porque é que ainda brilhava? Laurel não sabia. Também não lhe interessava. Para o bem ou para o mal, o medalhão fazia parte de si e da sua história.
- É lindo. - murmurou, emocionada.
- Estou à espera de uma resposta, Ravenclaw.
Laurel ergueu a sobrancelha na direção dele, sorrindo, matreira.
- Se me pressionares muito vou levar uns quantos dias a pensar na resposta...
- Laurel!
- Eu aceito! É claro que aceito!
Draco soltou um suspiro, os ombros descaindo num gesto de alívio. Ao pegar no anel, esta brilhou a verde-esmeralda, reconhecendo nele o sangue Slytherin. Laurel estendeu a mão, a pele arrepiada ao sentir o frio do anel em contraste com o seu corpo quente. O cristal tornou-se safira, o coração tão semelhante ao original.
- Mandei fazer há uns dias atrás. - contou o rapaz, visivelmente orgulhoso do seu feito - Admite, eu tenho muito bom gosto.
Laurel revirou os olhos, puxando-o e pondo-se em bicos de pés para o beijar. A mão pousada no peito dele sentia o coração acelerado quase saltar-lhe do peito. Afastou-se, olhando-o com os olhos arregalados.
- Tu estás nervoso!
- Nervoso? Eu? - Draco bufou, abanando a cabeça - Claro que não. Porque eu haveria de estar nervoso? Era óbvio que ias aceitar.
- Óbvio? Talvez seja melhor reconsiderar...
- Nem te atrevas, Cabeça de Fósforo.
- Eu dou-te a Cabeça de Fósforo na cara, Draco Malfoy.
Os dois riram, felizes. O som da música romântica que tocava no jardim invadiu a biblioteca, envolvendo-os. Draco estendeu-lhe a mão, puxando-a para si quando ela aceitou. Laurel pousou a face no peito dele, deixando que ele a guiasse, os olhos fechados para aproveitar ainda mais o contacto entre eles. Sentiu Draco apertá-la suavemente, beijando-lhe o topo da cabeça num gesto de carinho e afeto.
Dançaram pela noite fora, num silêncio profundo que dizia mais do que mil palavras.
Estavam juntos. Felizes. Vivos.
- Promisit mihi. - sussurrou Draco ao ouvido de Laurel, fazendo-a sorrir.
Minha Prometida.
Desta vez, aquela frase era a certa.
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