Capítulo 50
A superfície escura do Lago Negro refletia as estrelas.
Os olhos prateados de Draco reflectiam o pequeno estilhaço de safira na sua mão. Era tudo o que restara do medalhão de Ravenclaw, o brilho azul permanecendo na pedra preciosa como uma recordação de Laurel. Como se Draco precisasse de uma. Ele iria sempre recordar-se dela: o seu sorriso gentil, a gargalhada debochada, os olhos penetrantes, a voz suave, os cabelos flamejantes. Ele iria lembrar-se de tudo porque era impossível esquecê-la.
Laurel embrenhara-se tanto na vida dele que nunca a conseguiria esquecer.
Apertou a safira contra a sua mão, colocando-a no bolso. A brisa quente soprava no rosto dele, arrepiando-lhe a pele sempre fria. Parecia um fantasma na noite; pele clara, cabelos claros, olhos claros, roupa escura, noite escura, águas escuras e imóveis à sua frente.
Dentro do castelo, havia um ambiente de paz e harmonia que agonizara Draco nos poucos minutos que lá tivera. Quando Harry levantara o corpo de Laurel, o Malfoy soube que não ficaria ali nem mais um segundo. Ele precisava ir onde ela estaria, mesmo que fosse somente na sua memória. O Lago. A superfície cristalina daquele lugar assistira a alguns passeios deles, ao choro de Laurel quando Sirius morrera e ela se agarrara a Draco a chorar, a beijos trocados na calma das poucas tardes que tinham tido juntos, a sessões de leitura em que ela lia e ele a ouvia, tranquilo como raramente se sentia.
Aquele era um dos locais preferidos dos dois. O outro era o dormitório de Laurel, nas masmorras dos Slytherin. Nas últimas noites em Hogwarts, tinham dormido sempre juntos, o corpo pequeno de Laurel encaixando perfeitamente no grande de Draco.
Recordava-se de uma certa noite em que lhe perguntara se já tinha ido ao dormitório dos Ravenclaw. A ruiva abanara a cabeça, com um sorriso tranquilo no rosto e vestida com o uniforme dos Slytherin sempre bagunçado e sem gravata.
" Não é o meu lugar" respondera, encolhendo os ombros, "Sou uma Slytherin aqui em Hogwarts".
Ela fora uma Slytherin. Astuta, orgulhosa, esperta, debochada, a língua afiada quando precisava, principalmente quando Draco tentava provocá-la e rebaixá-la, muitos anos antes. Nunca resultara. Era impossível deitar Laurel abaixo fosse de que maneira fosse.
Enquanto os outros Slytherin o idolatravam, Laurel detestava-o. Ela era tudo o que ele nunca conseguira controlar.
Isso fora um desafio desde que a conhecia.
- Está uma noite bonita, não está?
A respiração ficou presa na garganta de Draco. Cerrou os punhos, comprimindo os maxilares e os lábios, sentindo-se irritado. Revirou os olhos, bufando:
- Ótimo, agora estou a ouvir coisas.
- É normal... Tens ouvidos para isso.
Draco olhou para o céu. A voz atrás de si era tudo o que ele desejava ouvir, nem que fosse só mais uma vez. As estrelas brilhavam, como se rissem. Talvez estivessem a rir dele e da sua infelicidade. Abanou a cabeça, soltando uma risada irónica. Estava delirante.
- Então voltaste para me atormentar? Como um fantasma? - questionou o loiro, recusando-se a olhar para trás.
A voz atrás de si riu-se, fazendo o coração de Draco apertar-se dentro do peito.
- Tenho motivos para te atormentar?
- Estou a delirar, por isso, tudo é possível.
- Porque não te viras e percebes que não estás a delirar?
Draco sorriu, os olhos prateados fixos na superfície do Lago Negro.
- Alguém que eu amei responderia que sou demasiado cobarde para enfrentar o que quer que seja. Talvez por isso eu nem sequer me consiga virar.
- Quem disse isso não disse nenhuma mentira, pois não? - questionou a voz, suavemente - Não és a pessoa mais corajosa do mundo, Draco Malfoy. Temos de ser realistas.
O vento soprou, trazendo a Draco o odor a jasmim dela. Ouviu os passos dela, macios na relva cor de musgo. Sentiu-a parar perto das suas costas, a proximidade acelerando o coração de Draco.
- Alguém que amaste? - questionou a mulher atrás de si, num tom baixo - Já não amas?
Draco fechou os olhos, o vento soprando com mais força no seu rosto, despenteando-lhe os cabelos loiros. Inspirou fundo, tomando coragem para enfrentar o impossível.
Virou-se, fitando os olhos safira brilhantes de Laurel Ravenclaw, cujo rosto erguido o enfrentava com as sobrancelhas erguidas, aguardando uma resposta.
- Nunca conseguiria deixar de a amar, nem mesmo que quisesse.
Laurel sorriu. A mão pequena dela tocou-lhe no rosto, tão quente em contraste com a pele gélida dele.
- Olá, Draco.
O rapaz abanou a cabeça. Não era possível. Ela não podia estar ali.
- Eu vi-te... Eu senti-te morrer.
- Eu sei. - Laurel afagou-lhe o rosto, com carinho - Mas a Morte fez uma escolha. Eu ou Voldemort. - ela sorriu, gentilmente - Eu tinha algo que me prendia aqui. Ele não.
- Eu não percebo...
Laurel lançou-se ao pescoço dele, num gesto repentino e brusco que fez Draco cambalear para trás. Ao sentir o coração dela bater contra o seu, ele expirou profundamente, apertando-a contra si tão desesperadamente que teve receio de a esmagar.
- Estás aqui. Estás mesmo aqui.
A Ravenclaw assentiu, as lágrimas escorrendo do seu rosto abaixo, os braços rodeando-o fortemente.
- Estou aqui e não vou a lado nenhum, Draco. Prometo.
**
O castelo estava vazio.
Os bruxos tinham abandonado Hogwarts, rumo às suas casas, ao hospital, a Azkaban para levar os Devoradores da Morte que tinham sobrevivido e rumo ao Ministério, o qual fora completamente derrubado e perdera toda a sua estrutura.
Draco fora com Lucious e Narcissa rumo à Mansão Malfoy, onde ficariam até serem julgados. Kingsley Shakelbolt, que fora nomeado Ministro da Magia temporário, deixara os Malfoy irem para casa a pedido de Laurel. Ela não iria permitir que os colocassem em Azkaban só porque sim e Shakelbolt, que assistira à jovem mulher voar durante a Batalha, invocar relâmpagos, vento e magia da mais pura e rudimentar, a qual ainda congelara um Devorador da Morte vivo, não se atrevera a negar-lhe isso.
Laurel era a neta de Dumbledore e aqueles olhos safira impunham respeito a qualquer pessoa, adulto ou jovem.
Todos tinham deixado o castelo, com exceção das três amigas. Laurel sabia que Meredith e Ashley aguardavam a sua história e recusavam-se a deixá-la sozinha um segundo que fosse, não fosse ela desaparecer como se de uma miragem se tratasse. Assim, as duas seguiram a Ravenclaw, que subia as escadas do castelo num silêncio tranquilo.
À medida que as escadas mágicas se mexiam, como sempre, os quadros nas paredes ganhavam vida, aplaudindo efusivamente ao porem os olhos em Laurel. Esta sorria, ligeiramente confusa. Não era nenhuma heroína, pelo menos não se considerava uma. Toda a vida tivera um papel a desempenhar para que o reinado de Voldemort terminasse de vez. A única coisa que fizera foi cumpri-lo.
Talvez estivesse a ser modesta mas era isso que sentia.
Aa gárgulas destruídas do gabinete de Dumbledore soltaram um gemido ao vê-la. Sabia que Harry estivera ali momentos antes, também ele em busca do mesmo que Laurel agora procurava. Ainda assim, o rapaz não tinha a bondade e gentileza de Laurel. A jovem compadeceu-se das estátuas, erguendo a mão num gesto suave e agitando-a, a magia saindo naturalmente de si. Lentamente, as gárgulas ergueram-se no ar, regressando ao seu lugar, as falhas no seu corpo sendo consertadas e reconstruídas.
- Obrigada, Miss Ravenclaw. - disse a gárgula da direita, na sua voz rouca.
- Quer entrar? - questionou a da esquerda, prestável.
A ruiva assentiu. Atrás dela, Ashley e Meredith trocaram olhares, seguindo-a, em silêncio.
Uma melodia recebeu-as no momento em que Laurel adentrou no gabinete do Diretor, tão tranquila e doce que as envolveu num conforto agradável. Fawkes baixou a cabeça à passagem da Ravenclaw, a qual sorriu, acariciando as penas flamejantes da fénix. Os quadros na parede irromperam em aplausos, exceto um. O único que lhe interessava.
- Olá, avô. - saudou a jovem, aproximando-se.
Dumbledore sorriu, recostado na sua cadeira como fizera tantas vezes. Laurel passou por ele, sentando-se no seu cadeirão e apontando às amigas que se sentassem à frente dela. Os olhos safira procuraram os azuis de Dumbledore, brilhantes.
- O avô sabia. - afirmou, cruzando as mãos no colo.
O antigo Diretor encolheu os ombros.
- Tinha uma teoria.
Laurel revirou os olhos.
- Como sempre.
- Eu nem acredito que a Guerra terminou. - confessou Ashley - Até parece mentira.
- Nem eu. - concordou Laurel, olhando para Meredith - Lamento o que aconteceu à tua mãe, Mer. Como está o teu pai?
Meredith olhou para baixo. Ley deu-lhe a mão, sabendo o que ela sentia. Ambas tinham perdido a mãe naquela Guerra. Todas elas tinham perdido muito naquela Guerra.
- Ele vai ficar bem. - respondeu a Lovelace, encolhendo os ombros - Daqui a umas semanas já vai estar rumo à Índia à procura do povo mais antigo do mundo. - fez uma pausa, suspirando - Ele realmente amava-a.
Laurel pensou em Amanda Lovelace. Era quase impossível imaginar a mulher fria e cruel que conhecera dar a vida pela filha que quisera matar, tantos anos antes. Contudo, não duvidava. Amanda era uma mulher imprevisível, beirando o insano. Era capaz de qualquer coisa, incluindo amar.
- Bem, não o podes deixar ir para a Índia sem ir ao nosso casamento. - comentou Ashley, com um sorriso alegre no rosto sujo de terra e sangue.
A Ravenclaw engasgou-se, os olhos arregalados.
- O quê?!
- Temos muita conversa para pôr em dia. - disse Meredith, rindo - A começar pela conversa que estamos à espera... Vais explicar como é que voltaste à vida ou temos de implorar?
Ela contou-lhes. Sobre a Profecia dos Herdeiros, sobre Salazar Slytherin, sobre os Malfoy e a Cobra dos Puros. Sobre Draco. No final, Ashley ficara estática, o choque bem presente na sua expressão, enquanto Meredith cruzava os braços, as sobrancelhas erguidas e um sorriso debochado na face.
- Afinal o rapaz até serviu para alguma coisa, é isso?
- Meredith! - repreendeu Ley, rindo.
- O que foi? É verdade! - Meredith fitou Laurel - Salazar era matreiro, não era? Um filho bastardo para atormentar as Ravenclaw? Credo, que maníaco.
- Muito. - concordou Laurel, recostando-se - Mas acabou. A maldição, o pacto de sangue, a Magia Negra... Acabou.
Ley fitou-a, com pesar.
- A um preço elevado.
Laurel assentiu, levando a mão à zona abdominal, onde nunca nada estaria. Talvez estivesse sempre destinada a ser a última Ravenclaw; talvez por isso a profecia sempre fosse sobre ela e não sobre outra qualquer, como Cora. A ruiva encarou a melhor amiga, com um sorriso esperançoso no rosto.
- Há outras soluções. Posso adotar, por exemplo. Draco foi criado com toda a história do sangue-puro e de deixar descendentes legítimos mas... Talvez os ideais dele tenham mudado. Primeiro ainda tenho de perceber se ele quer casar comigo... - Laurel encolheu os ombros, embaraçada - Pedi-lhe em casamento para contornar a magia da Cobra dos Puros. Ele aceitou mas... Não sei...
- Aquele rapaz é louco por ti. - disse Meredith, com firmeza - Tenho a certeza absoluta que não quer outra coisa senão ter-te como mulher.
- Afinal de contas, ele salvou-te. - disse Ashley, sorrindo.
Laurel Ravenclaw sorriu. Levou a mão ao peito, onde o medalhão de Ravenclaw um dia estivera. Sentiria falta de ter um pedaço de Rowena sempre consigo, protegendo-a e reconfortando-a quando estava nervosa.
Estava livre.
O Rei Negro morrera.
O Cavalo Branco prevalecera.
A Rainha Branca saíra vitoriosa.
E o Cavalo Negro salvara-a.
- Laurel. - a ruiva focou a sua atenção na Hufflepuff, os olhos âmbar da mesma brilhantes de curiosidade - Porquê o Draco? Eu sei que te apaixonaste por ele mas... Ambos sabemos que ele não era a escolha certa. A escolha segura. Houve uma altura em que podias ter escolhido Harry, o teu Herdeiro de Gryffindor. - Ashley fez uma pausa, fitando a Ravenclaw com seriedade - Porquê o Draco?
- Harry é tudo o que eu sou: bondoso, corajoso, altruísta. Não preciso de alguém que me relembre quem sou; eu sei quem sou. - Laurel encolheu os ombros, sorridente - Draco desafiou-me a ser mais. Melhor. Mais segura, mais confiante, obrigou-me a não ficar calada, a defender-me, a crescer. Ao contrário do Draco, o Harry nada me acrescentaria. Para além disso, foi por Draco que me apaixonei. Não escolhemos quem amamos, não é?
- Não. - respondeu Ashley, apertando a mão de Meredith, que lhe sorriu - Não escolhemos quem amamos.
- Estou esfomeada. - comentou Laurel, pondo-se de pé - Vamos embora?
- Então é isto? - questionou Ashley, olhando de uma para a outra - É este o final da história?
Meredith Lovelace sorriu maliciosamente.
- Claro que não. Ainda temos um casamento para preparar!
Ashley Hufflepuff riu, enquanto Laurel Ravenclaw semicerrou os olhos, conhecendo a amiga muito bem.
- Isto não vai correr bem, pois não?
- Definitivamente não.
As três riram, juntando-se e entrelaçando os braços umas nas outras.
Podiam ter perdido tudo mas uma coisa não tinham perdido.
A sua amizade.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro