Capítulo 40
Ashley não tinha a certeza como é que ainda estava de pé.
Sentia-se exausta, física e emocionalmente. O sofrimento da melhor amiga misturado com o seu próprio pesar pela morte de Remus Lupin era um peso muito grande nos seus ombros. Ainda assim, ela continuava. Talvez fosse por haver tanta gente a precisar dos seus cuidados e das poções que trazia consigo. Talvez fosse a sensação de dever que sentia, tão dedicada à tarefa de medibruxa como Madame Pomfrey, que circulava por ali com os mesmos cuidados e atenção que ela.
- Ginny, viste a Meredith? - perguntou ao se aproximar da ruiva, calando-se de imediato.
O corpo de Fred Weasley jazia à sua frente, com um último sorriso gravado no rosto. À sua volta, os Weasley tinham-se reunido, o rosto mergulhado em lágrimas de Mrs. Weasley cortando o coração a Ashley. Molly perdera um filho e não havia dor nenhuma maior do que essa. A Hufflepuff afastou-se, sentindo-se nauseada. Apressada, correu para fora do Salão, encostando-se à primeira janela que encontrou. Num ímpeto, debruçou-se, vomitando o pouco conteúdo que tinha no estômago.
Desta vez, ela cedeu ao cansaço, o corpo escorregando até ficar sentada no chão, arrepios involuntários subindo-lhe pela coluna, o rosto coberto de suores frios.
Braços invisíveis rodearam-na, ajudando-a a levantar-se. Com a visão ligeiramente turva, Ashley franziu o sobrolho ao ver Harry Potter levantar o seu Manto da Invisibilidade, o rosto fitando-a com uma preocupação que ela nunca esperara dele.
- Estás bem? - perguntou o Grynffindor.
- Ficarei. - respondeu, Ley, sincera - Os corpos... as mortes... É demais.
- Eu sei.
A Hufflepuff suspirou, limpando a boca com a manga da camisa. Os arrepios tinham parado, o estômago acalmando-se o suficiente para ela se endireitar, pronta para continuar.
- Viste a Meredith? - perguntou a Harry, vendo-o abanar a cabeça.
O seu coração bateu mais forte, começando a ficar desesperado. Não havia sinais da Lovelace em lado nenhum e Ashley não vira o seu corpo, o que significava que ela estava viva. Mas onde é que ela estava? Teria Voldemort a apanhado e matado para a fazer pagar pela sua traição? Estaria ela por aí caída, ferida e a precisar de cuidados?
- Ashley, onde está a Laurel?
- Com... Remus.
O rosto de Harry transfigurou-se, o horror espalhando-se lentamente pelas suas feições. Ele não sabia que Lupin morrera. Baixou os olhos, os ombros descaindo num gesto de impotência e rendição. Também ele estava cansado, percebeu Ashley. Também ele queria que a Guerra terminasse.
- Eu levo-te até ela. - disse Ley, pousando-lhe a mão no ombro num gesto de conforto.
O Menino que Sobreviveu assentiu, esboçando um sorriso fraco.
- Obrigada, Ley.
Os dois Herdeiros começaram a andar. Harry colocara novamente o Manto e Ley perguntava-se porquê, embora não importasse realmente. Se ele se queria esconder e não receber os olhares de esperança das pessoas que queriam lutar ao seu lado, problema dele e não dela. Ela tinha mais com que se preocupar.
Como a ausência de Meredith Lovelace, por exemplo.
- Ashley. - chamou Harry, a cabeça fora do Manto aguardando que ela se virasse para ele; quando o fez, o Grynffindor prensou os lábios, com pesar - Snape está morto. Voldemort matou-o. Ele... ele sempre esteve do nosso lado. Como Meredith. - o rapaz fez uma pausa, engolindo em seco - Tu sabias, não sabias?
Os olhos âmbar de Ley perderam-se no vazio. Severus Snape, o hediondo professor de Poções que a aterrorizara nos primeiros anos em Hogwarts. Snape, o seu mentor, o homem que lhe ensinara tudo o que ela precisava de saber para ser uma excelente pocionista. O professor que, contra todas as hipóteses, acreditara nela e fizera dela uma mais valia naquela Guerra que tantos feridos fizera.
- Sim. Eu sabia. - respondeu Ashley, a emoção bem presente na sua voz - Nunca soube os motivos, nem quis saber mas... Ele era um bom homem. Ensinou-me tudo o que sei.
- Lamento muito.
A Hufflepuff assentiu. Nenhum dos dois disse mais nada, ambos seguindo caminho. Ao adentrarem no Salão Nobre, os olhos de Ashley dirigiram-se imediatamente aos de Laurel, o instinto dizendo-lhe sempre onde a Ravenclaw se encontrava. A ruiva fitava-a, como se a esperasse. De mãos entrelaçadas com Draco Malfoy, parecia mais calma, a sua inteligência e lógica sobrepondo-se à emoção e ao luto. Os seus olhos desviaram-se ligeiramente para onde Harry se encontrava, a ligação entre eles quase visível de tão forte. Com lentidão, Laurel soltou a mão de Draco, beijando-lhe a bochecha e sussurrando algo ao seu ouvido antes de lhe virar as costas, caminhando na direção de Ashley a passos largos.
Laurel nada disse, passando por Ashley com um aceno de cabeça suave. A morena seguiu-a, ciente da proximidade dela com Harry. Os três saíram novamente do Salão Nobre, parando num corredor silencioso e vazio. Hogwarts estava completamente desfigurada. As paredes do castelo estavam muitas delas destruídas, os corredores místicos cobertos de pedra e poeira. O silêncio reinava, algo que nunca acontecera. Havia sempre ruído, fosse dos alunos a conversar, dos professores a dar aulas, dos quadros a tagarelarem uns com os outros, de Filch a reclamar da vida com a sua gata Mrs. Nora. No que parecia outra vida, Hogwarts era cor, era Magia, era encanto.
Agora, estava mergulhada num silêncio pesado e sofrido.
- Sabias que eu sou um Horcrux? - perguntou Harry, de chofre, ao mesmo tempo que removia o Manto da Invisibilidade do seu corpo.
Laurel prensou os lábios.
- Há alguma coisa que eu não saiba? - questionou, amarga.
- Dumbledore...
- Fez o que tinha de fazer. Ele escondeu-te a verdade para teres a oportunidade de cresceres como um rapaz normal... Bem, o mais normal possível. - Laurel encolheu os ombros, cansada - O meu avô era frio e calculista, um homem muito inteligente, mas ele amava-te, como me amava. No final do dia, Albus Dumbledore faria tudo por um Bem Maior.
Harry assentiu, fitando a ruiva com intensidade.
- Eu tenho de morrer.
- O quê?! - exclamou Ashley, chocada - Mas a Profecia...
- Sim, tens. - interrompeu Laurel, lançando um olhar significativo à Hufflepuff - E tem de ser Voldemort a matar-te.
- Vou agora para a floresta. Ron, Hermione e Neville sabem que têm de matar Nagini, a cobra é o último Horcrux. Depois...
- Voldemort morre.
As palavras saíram apáticas da boca de Laurel. O coração da Hufflepuff apertou-se ao perceber a situação impossível em que Laurel se encontrava: de alguma forma, a Ravenclaw sabia que a Profecia dos Herdeiros se iria cumprir, mesmo que Harry morresse; no momento em que os dois Herdeiros se defrontasse, Laurel morreria. Mesmo que isso não acontecesse, mesmo que a Profecia dos Herdeiros não se cumprisse, se Nagini morresse e alguém conseguisse matar Voldemort, Laurel morreria.
Uma Ravenclaw nunca poderá viver sem um Slytherin.
Os braços de Harry rodearam o corpo pequeno e magro da ruiva, num abraço apertado e sentido. Laurel fechou os olhos, o rosto perfeitamente encaixado no ombro dele, os dois corpos entrelaçados como se fossem um só. Duas metades da mesma moeda. Quando se afastaram, Harry virou-se para Ashley, os olhos esmeralda brilhantes.
- Obrigada por tudo, Ley.
- De nada, Harry.
Os três Herdeiros entreolharam-se. A Hufflepuff e o Gryffindor nunca se tinham dado particularmente bem mas ambos tinham algo em comum: Laurel. A Ravenclaw tinha a capacidade de unir as pessoas, a sua gentileza e sagacidade trazendo à tona o que de melhor existia em cada um deles.
- A Ley acompanha-te. - disse Laurel, recuando um passo.
- Acompanho? - perguntou Ashley, franzindo o sobrolho.
- És a Herdeira de Hufflepuff, Ley. Proteges-nos até ao fim.
As duas entreolharam-se. Havia questões mudas nos olhos âmbar de Ashley, a tensão entre elas quase palpável. Sentindo isso, Harry pigarreou e disse:
- Eu vou andando.
- Eu já te apanho. - murmurou Ley, os olhos fixos na melhor amiga.
O Grynffindor desapareceu, o Manto cobrindo-o por completo. Laurel ficou a vê-lo afastar-se, não precisando de ver os seus contornos para saber exatamente onde ele estava.
- Vais dizer-me a verdade? - questionou Ashley, colocando-se ao seu lado, ambas fitando o horizonte.
Os campos de Hogwarts estendiam-se à frente delas, tão familiares. Ao longe, o Lago Negro onde tantas vezes se tinham sentado estava quieto, como se também as criaturas que ali habitavam sentissem a tensão que existia à superfície. O campo de Quidditch, a cabana de Hagrid... a Floresta Proibida onde Ashley quase perdera a sanidade. Onde Laurel percebera pela primeira vez que tinha um grande papel a desempenhar na derrota de Voldemort, quando os centauros a encontraram. Onde Harry se dirigia, ciente do que o esperava.
- Encontrei-vos.
Meredith Lovelace aproximou-se das duas, os saltos pretos que usava batendo ruidosamente no chão de mármore do castelo. Os olhos negros dela arregalaram-se ao ver Ashley dirigir-se a si, os braços da Hufflepuff rodeando imediatamente o seu pescoço.
- Estás a sufocar-me!
Ashley soltou-a, batendo-lhe no braço com força.
- Onde estavas?! Não te encontrei depois da batalha e ninguém sabia de ti! - Ley engoliu as lágrimas, nervosa - Pensei que te tivesse acontecido alguma coisa.
- Eu estou bem, flor. - afirmou Meredith, apertando-lhe o ombro - Fui às masmorras ver se estavam todos bem e saber que nenhum Devorador da Morte entrou lá dentro.
- Ashley, está na hora de ires. - disse Laurel, sem emoção - Harry está à tua espera. Ele precisa da tua força.
- Onde é que ele foi? - perguntou Meredith, confusa.
- Meredith, aconteça o que acontecer... - Laurel fitou a Lovelace, os olhos safira com um brilho letal pouco característico da ruiva - Mata-o. Mata o Senhor das Trevas.
- Se eu o matar, tu morres. - retorquiu Meredith, de sobrolho franzido - Posso não saber mais nada mas isso eu sei.
Laurel não respondeu. Ashley engoliu em seco.
Ela já estava morta de qualquer das formas.
- Promete que o matas. Não importa o que aconteça.
A voz da Ravenclaw era suave, como a brisa gélida de uma noite de Inverno. Meredith nada disse, os olhos negros vasculhando o rosto da amiga, vendo a razão porque Laurel lhe pedia aquilo a ela e a mais ninguém. A Lovelace era a única fria o suficiente para cumprir o pedido de Laurel, mesmo que isso custasse a sua Morte.
- Eu prometo.
Laurel assentiu. Virou-se para Ashley, que suspirou.
- Já estou a ir. - resmungou, entristecida - Meredith, toma. - estendeu a pequena mala que trazia sempre à cintura, entregando-a à Lovelace - Ajuda quem conseguires. Se não souberes qual a poção a usar, pergunta a Madame Pomfrey. Fazes isso por mim enquanto não volto?
- Claro, flor. - Meredith piscou o olho às duas, com um sorriso singelo no rosto - Até já, queridas.
A morena virou as costas, deixando as duas Herdeiras sozinhas. Laurel fez menção de sorrir para Ashley, um sorriso que em nada confortou a Hufflepuff. Curiosa, perguntou:
- Onde é que tu vais? Enquanto Harry está na Floresta?
O sorriso de Laurel desapareceu, a sombra assolando novamente o seu rosto. A dor emocional que sentia passava em ondas para Ashley, que não precisou que ela lhe respondesse para saber exatamente onde ela ia.
- Despedir-me da única família que me resta.
Ashley assentiu.
Draco.
**
Harry caminhava a passos decididos para a Floresta. Ashley acompanhava-o, os olhos âmbar procurando entre as árvores algum sinal de perigo. O Gryffindor tinha de chegar inteiro a Voldemort e apenas a ele. Enquanto isso, os olhos esmeralda dele fitavam o chão pensativo.
- Podes ficar por aqui. - disse Harry, suavemente.
Ashley abanou a cabeça.
- Eu...
- Ley, se fores até Voldemort, ele mata-te só porque sim. És a Herdeira de Hufflepuff, ele odeia-te.
- Mas a Laurel...
- A Laurel quis dar-me força e eu agradeço. - o rapaz sorriu, encolhendo os ombros - És sempre uma boa companhia. Tens sempre um sorriso para dar. Mesmo depois de tudo o que te aconteceu, continuas a ser luminosa e radiante. É impressionante.
Ley abanou a cabeça. Ela não se achava nada impressionante, muito menos com Harry à sua frente. Quantas vezes o rapaz sobrevivera? Quantas vezes ele provara a sua coragem e a sua capacidade de altruísmos infinita? Ashley nunca fora capaz de o culpar pela morte de Cedric, como Amos Diggory fizera. Como podia, se Harry fizera questão de trazer o corpo do seu irmão até ela? Se Harry se sentira sempre responsável pela sua morte?
Ele era uma boa pessoa, por muitos defeitos que tivesse.
- Foi um prazer conhecer-te e viver aventuras contigo, Harry. - disse Ashley, estendendo-lhe a mão.
- Digo o mesmo, Ley. - Harry fez uma pausa, fitando-a com intensidade - Protege-a, por favor.
Laurel. A outra parte de Harry, a qual ele sempre se importaria. Amor, Amizade ou Magia, não interessava nada de onde vinha aquela ligação entre os dois. A única coisa que importava era que seria sempre poderosa, eterna e transcendente.
- Sempre. - respondeu a Hufflepuff, sorrindo - É o meu papel nesta história.
Harry assentiu, os ombros descaindo de alívio.
- Adeus, Hufflepuff.
- Adeus, Gryffindor.
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