Capítulo 17
Agora...
- MEREDITH! MEREDITH, NÃO!
Ela não respirava. Não podia. Se o fizesse, a dor seria real, o sangue seria mais do que líquido quente a inundar-lhe as roupas, o frio do aço da adaga tornando-se real.
No que ela estava a pensar?
Os joelhos de Meredith cederam, exatamente no instante em que Ashley Desaparatou por completo. Um suspiro de alívio escapou-lhe pelos lábios, o corpo caindo no chão duro e frio.
No que ela estava a pensar?
Não estava. Claro que não estava. A mulher fria e sem emoções nunca existira, era apenas uma personagem que Meredith criara para enfrentar o mundo.
Primeiro o facto de ser a criança nascida em Azkaban. Depois, por ser a filha de Amanda Lovelace, neta de Grindelwald. Por fim, por ser uma Devoradora da Morte.
A máscara caíra. Claro que tinha de cair. Belatrix lançara uma adaga na direção de Harry Potter, numa tentativa de o impedir e ao resto do grupo de escapar.
Ashley estava na frente.
Com dificuldade, Meredith arrancou a adaga do seu corpo, sentindo braços rodearem-na. Os olhos negros de Amanda não a recriminavam, o que era exatamente aquilo que ela esperava que a mãe fizesse.
Meredith não pensara. Ela agira e a máscara caíra. Nada a impediria de proteger Ashley, nem mesmo o medo de ser apanhada e de ser morta por traição. Acontecesse o que acontecesse, ninguém tocava na mulher que amava.
- Fica quieta. - ordenou Amanda, erguendo a varinha - Narcisa, vai buscar toalhas.
- Cissy, não te mexas. - a voz de Bellatrix inundou-lhe os sentidos, deixando-a alerta - A tua filha protegeu o Potter. Ela é uma traidora e deve ser morta por isso!
- Toca na minha filha e a mulher morta aqui és tu, Bella. - ripostou Amanda, sem sequer olhar para a mulher - Cissy, por favor.
Meredith gemeu de dor, sentindo o feitiço de Amanda formigar na ferida aberta que tinha no abdómen. A mão pálida de Narcisa Malfoy entrou no seu campo de visão e a sua voz fez-se ouvir perto dela, embora não a visse.
- Leva-a daqui, Amanda. O Senhor das Trevas está a chegar e vai estar para lá de enervado por ter sido chamado sem termos o Potter para lhe entregar. Se ele descobre que a Meredith o protegeu...
- Ela não o protegeu. Meredith protegeu Ashley, não o Potter.
Meredith sorriu ligeiramente na direção de Draco Malfoy, cujos punhos cerrados tremiam de nervoso. Não era pessoa para defender ninguém mas ali estava ele, numa tentativa discreta de proteger a amiga da jovem que amava.
- Eu... Consigo... Aparatar. - murmurou, afastando Amanda com o braço - Deixa-me ir.
Amanda nada disse. Bellatrix Lestrange abriu e fechou a boca, recuando um passo ao ver o olhar ameaçador da Lovelace mais velha. A outra engoliu em seco, fitando-a com uma raiva reprimida. Ninguém ousava contrariar Amanda Lovelace, nem mesmo a mulher mais enlouquecida. Ela era a preferida do Senhor das Trevas e Bellatrix odiava-a e respeitava-a por isso.
- Ele está a chegar. - proferiu a voz de Lucious Malfoy, à distância.
- Deixa-me ir. - resmungou Meredith, com irritação - E fica com as toalhas, já estão encharcadas.
Amanda bufou, olhando para cima. Parecia pensativa, os olhos conflituosos fechando-se com um suspiro enervado. Com um safanão, puxou o corpo da filha para si e as duas Aparataram, deixando um silêncio constrangedor para trás.
**
Escuro. Porque estava tudo escuro?
Precisava levantar-se. Fugir. Procurar Ashley e mostrar-lhe que estava viva.
Ou não estava?
Estava com Amanda. A mulher tirara-a da Mansão e levara-a sabe-se lá para aonde. Precisava levantar-se. Não podia confiar na Devoradora da Morte, não depois de tudo o que esta lhe fizera. A culpa de ter nascido em plena Azkaban era dela. Amanda era a vilã da sua história, uma mentirosa compulsiva que seduzira o pai para se esconder das autoridades. Uma criminosa, uma assassina.
Não era?
O cheiro de sangue intenso. Perdera muito sangue, tinha até algum nos seus lábios, o sabor horrível a metal desnorteando-a. Precisava levantar-se, fugir, cuidar-se sozinha. Nunca precisara de ninguém, não era agora que ia precisar, muito menos da mulher que nunca estivera lá para ela.
Quantas vezes desejara ter uma mãe?
Uma verdadeira mãe?
Matthew fizera esse papel, no meio do seu caos e distração. Viajava muito e deixava-a muitas vezes sozinha mas, das poucas vezes em que Meredith chorava, era ele que a abraçava. Era o seu pai que se preocupava com ela, que cuidava dela quando estava doente. Mesmo que estivesse ausente muitas vezes, mesmo que ela tivesse tido de crescer rapidamente para poder cuidar dele também, Meredith amava o pai como não amava ninguém e devia-lhe tudo. Ele fizera o melhor por ela, nunca desistindo dos seus próprios sonhos e objetivos e isso fora um exemplo para ela.
Nunca precisara de uma mãe, muito menos uma que fosse uma criminosa e lhe tivesse manchado a vida quando dera à luz na prisão mais terrível do mundo.
Estava escuro. Muito escuro. Estaria morta?
Não podia.
Não podia morrer.
Laurel precisava dela. A amiga contava com ela.
Ashley precisava dela.
Ley.
**
- Ela está a acordar?
- Sim. Se continuares em cima dela vai ser um pouco difícil ela respirar, não achas?
- Por Merlim, pensei que ela...
- A pensar morreu um burro, Matt. Acho que ela já te ouve.
- Mer? Querida? Consegues ouvir-me?
As pálpebras pesadas abriram-se lentamente, os olhos negros fixando-se no rosto por barbear de Matthew Lovelace. Um gemido de dor e frustração escapou-lhe pelos lábios vermelhos, sentindo uma mão apertar a sua.
- Não devias estar aqui... - murmurou Meredith, ligeiramente zangada - Como estava a América?
- Demasiado pacífica para a minha pessoa, querida. - respondeu o pai, na brincadeira - Como te sentes?
- Como se tivesse sido atropelada por um autocarro. - Meredith rangeu os dentes, levando as mãos ao abdómen coberto de ligaduras - Quão mau foi o corte?
- Mau? Podias ter morrido! Onde é que estavas com a cabeça quando...
- Matthew, deixa os histerismos para depois, por favor.
Meredith colocou-se de pé bruscamente, pondo-se em frente ao pai de forma cambaleante. Encostada à parede mais próxima, Amanda Lovelace revirou os olhos, entediada.
- Não vou tocar num fio de cabelo do teu pai, queridinha. - fez uma pausa, fitando as unhas com um falso desdém - Não sabia a quem mais recorrer e Matthew...
- Como é que o encontraste? Pai, sai daqui...
O pânico corria-lhe pelas veias, a obrigação de proteger bem vincada no seu ser. Sempre tinha sido assim, ela por ele, ele por ela. Matthew era um membro da Ordem e, pela forma como Amanda se mantinha afastada dele, tinha a certeza que a Devoradora da Morte sabia disso.
- Meredith, está tudo bem, confia em mim. - Matthew pousou a mão no ombro da filha, circundando-a com o braço ao vê-la cambalear para trás, fraca - Anda, vem comer alguma coisa. Perdeste muito sangue, conseguimos estancar a ferida e acho que a adaga não atingiu nenhum órgão mas mesmo assim, precisas de repouso, Mer. Fiz-te uns ovos mexidos... - fez uma pausa, passando a mão livre nos cabelos de forma desajeitada - Não estão lá grande coisa mas...
O mais velho guiou-a pela casa, a qual Meredith desconhecia. Era pequena e pouco mobilada, os móveis antigos cobertos de pó demonstrando que alguém não vivia ali por um bom tempo. A cozinha, por outro lado, estava limpa e com a cuba coberta por loiça a secar. Devagar, Meredith sentou-se na única cadeira que existia, defronte para uma pequena mesa de madeira. Matthew colocou um prato com ovos mexidos ligeiramente queimados à frente da filha, que lhe sorriu, achando engraçado a falta de jeito que ele tinha para cozinhar e que nunca conseguira ganhar.
- Obrigada.
Amanda observava-os, em silêncio. Havia remorso na sua expressão, um sentimento que Meredith nunca esperara que a mãe tivesse. Matthew tagarelava, procurando distrair a filha da situação em que se encontravam, pelo menos enquanto comiam. O coração de Meredith encheu-se de alívio ao ver o pai agir normalmente com ela e não dececionado como ela esperara que acontecesse.
- Estou de saída. - anunciou Amanda, desencostando-se da ombreira da porta - Inventarei alguma coisa para que o Senhor das Trevas esqueça que protegeste a Hufflepuff. Foi uma jogada muito perigosa...
- Não foi jogada nenhuma. - ripostou Meredith, pousando o garfo no prato - Agi por impulso e para proteger a mulher que amo. Prefiro lutar pelo que acredito do que morrer como uma cobarde, Amanda. - fez uma pausa, respirando fundo - Se o Lord me quiser castigar por isso...
- Castigar? Ashley é um alvo a abater, ele acha que ela é um perigo porque sabe da ligação entre a Hufflepuff e a Ravenclaw. Ele quer Ashley morta e enterrada, achas mesmo que só vais ser punida? Podes ser minha filha e fazeres de conta que és uma Devoradora da Morte mas ele mata-te, Meredith. Sem hesitar.
- E tu? - questionou Meredith, erguendo as sobrancelhas - Disseste que, se eu o traísse...
Amanda fitou-a, os lábios pressionados numa linha fina. Era impossível saber o que se passava dentro da cabeça dela, o rosto completamente indecifrável. Matthew observava-a, os olhos normalmente aluados e perdidos em sonhos e pensamentos completamente focados na mãe da sua filha, como se aguardasse uma atitude da parte dela com esperança.
Como é que ele ainda tinha esperança naquela mulher?
- Retorna quando te sentires recuperada. - foi tudo o que a Lovelace mais velha respondeu, recusando-se a enfrentar o olhar de Matthew - Não te demores e não faças mais nada estúpido. - virou as costas, parando por instantes e lançando um olhar de canto ao único homem do apartamento - Adeus, Matthew.
Matthew Lovelace engoliu em seco.
- Adeus, Amanda.
Quando a porta da rua bateu, anunciando a saída de Amanda, o pai encostou-se à bancada, soltando um suspiro. Meredith observou-o, mastigando lentamente os ovos mexidos. Matthew era muito fácil de ler, o seu rosto um livro aberto.
- Ainda a amas. - afirmou, sem dúvidas.
Matthew encolheu os ombros.
- Nunca vou deixar de a amar. É a mãe da minha filha, a mulher com quem casei. Isso não significa que voltarei a ter qualquer envolvimento com ela mas... Sim, claro que a amo.
- Pai, desculpa ter-me juntado a eles...
- Remus contou-me, querida. Foi a Herdeira de Ravenclaw que te pediu para o fazeres, para seres uma agente dupla, certo? - Meredith assentiu, surpreendida - Fizeste a coisa certa e eu não podia estar mais orgulhoso.
- Mas tu não devias estar aqui...
- Meredith, posso não ser um guerreiro mas sei distinguir o Bem e o Mal e não sou um cobarde. Sou mais forte do que pensas. - garantiu, passando-lhe a mão pelo topo da cabeça, acariciando-a.
Meredith assentiu, insegura. Levou outra garfada à boca e mastigou, observando o espaço onde se encontrava.
- Que sítio é este? E como é que Amanda te encontrou?
- Esta era a minha casa de solteiro. Amanda sabia que não estaria na nossa casa, é uma localização demasiado óbvia então percebeu que eu estaria aqui. Não podia levar-te para o St.Mungus, o Quem-Nós-Sabemos controla o hospital e o Ministério por isso trouxe-te para aqui, para ganhar tempo e pedir-me ajuda. Estavas em muito mau estado, filha, ainda pensei que... - Matthew engoliu em seco, abanando a cabeça - És muito corajosa, querida. Muito mesmo.
A mais nova reprimiu as lágrimas. Sentia-se tão cansada e desgastada que nem sequer conseguia imaginar-se a regressar para junto de Voldemort e da sua maldade. Queria virar as costas e fugir, juntando-se a Ashley e a Harry Potter na sua demanda para destruir o Senhor das Trevas mas sabia que não podia,.
Amanda pagaria com a própria vida se Meredith desertasse, principalmente agora, que mentiria ao seu Senhor para a proteger.
E, tal como Matthew, continuava a amá-la, mesmo não a conhecendo, mesmo odiando-a por ser uma criminosa, mesmo sendo uma mulher insana e fiel a uma criatura cruel e sem coração.
Amanda Lovelace ainda era mãe dela e Meredith não podia deixar de a amar.
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