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Estava no meu terceiro ano de faculdade e o primeiro semestre tinha começado algumas semanas antes. Coincidência ou não, a chuva que caía lá fora, tal como hoje, tinha feito com que me arrastasse até esta mesma biblioteca em busca de um novo título de leitura. Tinha percorrido imensas estantes e lombadas quando os meus olhos encontraram o livro perfeito: O vermelho e o negro, de Stendhal. Era dos meus livros favoritos, daqueles que lia e relia incontáveis vezes até, por algum infortúnio, perder o meu exemplar. Retirei o livro do seu aconchego e estudei o seu aspeto exterior antes de começar a andar de costas para sair daquele corredor, com a cabeça na lua e sem ligar nenhuma para a crença popular de que andar de costas ensina o nosso caminho ao Diabo. Claro que acabei por chocar com alguém.

Assustei-me. Tinha estado tão concentrado no livro que nem tinha reparado no homem que se encontrava mesmo ao meu lado, de pé, a olhar as estantes.

—  Peço desculpa — tinha ele dito, ao dar um passo atrás, tentando recuperar o equilíbrio da pilha de livros e papéis que transportava nos braços.

—  Eu é que deveria pedir desculpa. Estava tão distraído que nem o vi. — Baixei-me para apanhar as folhas caídas. — Ninguém me manda andar sem ver para onde vou.

Sorri de forma simpática ao devolver os papéis e subi ao andar de cima, onde todas as mesas de estudo se encontravam dispostas a toda a volta do espaço, numa varanda com vista para o piso térreo. Sentei-me na penúltima mesa. Normalmente ficava sentado no chão do andar de baixo, encostado a uma qualquer estante, mas tinha vestido calças novas e lavadas, acabadinhas engomar naquela mesma manhã antes de sair de casa.

Ele apareceu-me à frente pouco depois. Todas as mesas da biblioteca se encontravam ocupadas, pelo que a cadeira à minha frente era a única que sobrava. Ele perguntou-me se eu não me importava de que ele se juntasse a mim e eu empurrei a cadeira com o pé por baixo da mesa em resposta. Grato, ele caiu pesadamente no assento à minha frente, espalhando os papéis pelo tampo amadeirado.

Decidi meter conversa ao fim de uns minutos.

—  Não encontrou nada para ler?

Os seus olhos escuros levantaram-se dos papéis que estava a organizar para se focarem na minha cara quando percebeu que era com ele.

Ele era relativamente magro. Não tinha barba ou bigode e o seu cabelo, apesar de negro, era exactamente igual ao do River Pheonix, naquele filme com dois ou três anos chamado "Pequeno Nikita". As suas roupas tinham estilo, apesar de lhe darem um ar recatado e intelectual e era possível entrever a armação de uns óculos escondida por de baixo de um conjunto de papéis.

—  Não. Nunca encontro. — Soltou um pequeno sorriso e levantou umas folhas. — Os números acabam sempre por me fazer companhia.

Soltei uma gargalhada. Ele pareceu estudar-me.

—  Com que então faz parte desse grupo de pessoas que consegue olhar para uma folha de cálculo e tirar-lhe algum sentido.

— Pode dizer-se que sim — comentou.

Dobrei o canto da página que o meu indicador tinha estado a marcar, entalado entre as folhas, e pousei o livro no colo, fechado.

—  Os números e as contas nunca foram o meu forte. — Estendi-lhe a mão direita. — Sandro Silva. Estudante de sociologia.

Ele aceitou a minha mão e trocámos um aperto.

—  Rúben Faria, professor ajudante de matemática.

Lembro-me perfeitamente de como o meu queixo quase caiu, literalmente falando. Pelo que conseguia ver, tínhamos praticamente a mesma idade.

—  Bem me parecia que não estava no seu habitat natural.

Foi a vez dele de soltar uma curta e nasalada gargalhada.

—  Culpado. Mas a biblioteca do meu pavilhão é praticamente inexistente e está sempre a abarrotar pelas costuras. Claro que tenho um pequeno gabinete, que divido com outros num cargo semelhante ao meu, mas sinto-me claustrofóbico quando a divisão está cheia e o silêncio torna-se ensurdecedor quando a mesma não tem ninguém. — Cruzou a perna de forma elegante, mas discreta. —  A vossa biblioteca é tão encantadora que não me importo de ter de atravessar mais de metade do campus para vir para aqui trabalhar.

Olhei de relance os papéis por organizar.

—  Se precisa de trabalhar, então não o incomodo mais.

Procurei a página que deixei marcada, mas não tive tempo de abrir o livro.

—  Agradeço o gesto, mas acho que já fiz o suficiente por hoje. — Ele olhou o seu relógio de pulso. — Os meus amigos devem estar no bar. Acho que vou lá beber um copo. Posso oferecer? Isto é, se não tiver nenhum compromisso.

Acabei por aceitar o seu convite.

Tinha medo de me sentir deslocado no meio dos seus amigos e ter de inventar uma desculpa qualquer para me vir embora, visto que ele era professor, mas a meio do caminho recebi a confirmação de que tínhamos, realmente, quase a mesma idade e que os seus amigos eram todos da nossa faixa etária. Fiquei bastante mais tranquilo, tanto que até Rúben notou, tendo passado o resto do caminho até ao bar local a gozar comigo.

A nossa caminhada não foi longa porque o bar não ficava longe da universidade. O livro da biblioteca voltou para a sua prateleira e os papéis que ocupavam o tempo do ajudante de professor acabaram no banco do pendura do seu carro, que continuou parado no seu lugar de estacionamento do campus.

Quando chegámos ao bar, o Rúben apresentou-me a todos os seus amigos. Era um grupo de cerca de dez pessoas, homens e mulheres que, pelo que percebi, se reunia ali com frequência. A maioria deles era estudante universitário excepto o próprio Rúben e mais dois colegas, também eles professores assistentes. No entanto, estes dois últimos eram mais velhos que os demais membros do grupo que, apesar disso, se integravam na perfeição.

A saída acabou pela madrugada e eu estava tão bêbedo que nem sei como cheguei a casa com a bicicleta. Escusado será dizer que o dia seguinte foi de gazeta.

A minha convivência com o Rúben passou a ser frequente. Na faculdade, encontrávamo-nos imensas vezes na biblioteca, sentados naquela que passou a ser a nossa mesa. Houve alturas, especialmente quando a nossa mesa estava ocupada, que nos encontrávamos no seu gabinete para estudar, se este estivesse vazio, ou então num banco escondido entre os arbustos numa parte esquecida do campus pela maioria.

Eu ficava sempre fascinado pelo seu conhecimento. Rúben era um verdadeiro génio no que tocava a números, razão pela qual se tornou professor assistente tão novo. Quando não estava a preparar matéria para leccionar, ele entretia-se a criar ou refutar uma qualquer teoria matemática. Já não me lembro bem dos pormenores, mas eu admirava o modo com ele me tentava, inutilmente, explicar o que estava a fazer. Tinha uma verdadeira paixão pela exactidão dos números e não parecia ser-lhe difícil transmitir essa paixão a terceiros, quer fossem adeptos de matemática ou não.

Apesar da minha falta de interesse na área, eu adorava ouvi-lo falar sobre ela. Cheguei mesmo a faltar a algumas das minhas aulas para ir assistir às dele. Verdade seja dita, não percebia grande coisa que lá era discutida. Mas era fácil de perceber que ele se destacava de entre os seus pares que, por vezes, tinham dificuldade em acompanhar o seu raciocínio.

Saíamos à noite sempre que podíamos, quer estivéssemos sozinhos ou acompanhados. E foi graças a todas essas saídas que descobri que, ao contrário do que seria de pensar, dada a sua postura na universidade, o Rúben era até bastante extrovertido, com um imenso gosto por uma boa conversa. Gostava de se rodear de amigos para beber e fumar, um hábito que eu acabei por ganhar às suas custas. Não ligava a literatura ou a livros. A política, tanto interna como externa, irritava-o, pelo que era um assunto considerado tabu entre nós. Não apreciava desporto, nem nunca tinha praticado nada. E, segundo me dizia, não tinha qualquer interesse.

Tinha uma aversão ao consumismo, apesar dos seus vícios. Gostava de ver filmes — e quantos não fomos nós ver juntos, sentados no fundo de uma sala escura, escondidos de todos apesar de estarmos bem à vista — mas não era nenhum entendido em cinema e nem todos os géneros cinematográficos lhe agradavam. Adorava ouvir música, fosse ela de que género fosse, independentemente de ser estrangeira ou nacional. Mas, acima de tudo, tinha uma enorme paixão pela dança.

Saíamos para dançar pelo menos uma vez por semana. Rúben apanhava as irmãs, Tina — diminutivo de Cristina — e Raquel, em casa de ambas antes de me vir buscar à porta de casa dos meus pais, onde vivia na altura. Por vezes saíamos só nós os quatro, outras vezes convidávamos mais amigos para beber e dançar. Eram sempre noites muito divertidas e acabavam quase sempre por ser memoráveis.

Sempre que o via dançar, não podia deixar de pensar que ele parecia um bailarino com gosto pelos números em vez de um matemático com gosto pela dança. Rúben dançava de tudo. Qualquer dança, qualquer estilo, qualquer ritmo, com ou sem par. E ele fazia aquilo tão bem, de forma tão natural, que dançar até parecia fácil. Qualquer um que olhasse para ele se sentiria contagiado pelo bichinho da dança e era compelido a juntar-se-lhe, eu inclusive. Por várias vezes tentei acompanhá-lo e aprender, juro que sim, mas o facto de ter dois pés esquerdos, ambos de chumbo, tornavam-me um motivo de chacota para a plateia, em especial para as raparigas. Eu acabava sempre sentado ao balcão, ou nas escadas da portas das traseiras a fumar, por vezes acompanhado por Tina que, segundo ela, se cansava facilmente.

Em retrospectiva, acho que ela se estava a tentar mostrar interessada em mim. Cheguei a dormir com ela uma vez, depois de uma festa na praia, numa noite em que estava completamente bêbedo. Se soubesse na altura que havia sentimentos envolvidos da parte dela, jamais o teria feito. Não sei do que conversamos nessa noite antes de adormecer, mas ela ficou chateada comigo de tal maneira que nunca mais me falou até hoje.

O ano de faculdade acabou. Passei parte das curtas férias de Verão na casa de família, no Alentejo, com os meus pais, tios, primos, avós e irmão mais velho. A minha prima Alice, cinco anos mais nova que eu, passou quase todo esse tempo vestida de preto, de luto. Mal tínhamos chegado ao Alentejo quando, pela rádio, se soube da morte de António Variações, a dia 13 de junho, que tinha estado internado desde maio. Ela ficou bastante abalada. Era uma grande fã.

Muitos dias mais tarde, quando a opinião pública chegou à conclusão que a broncopneumonia poderia ser, no final das contas, SIDA, considerada o castigo divino para os homossexuais, prostitutas ou consumidores de drogas, a minha tia proibiu-a expressamente de ouvir mais músicas do cantor. Como boa católica que era, não podia deixar que a filha ouvisse músicas de um pecador, não fosse a sua devassidão passar para a jovem Alice através do som da sua voz. No entanto, como a propriedade era grande, com três pequenas casas perdidas no meio de um terreno de vários hectares, a sua vontade não foi cumprida. A Alice arranjava sempre maneira de se escapulir dos pais para se balouçar ao som de António Variações.

Regressei a casa antes do início de agosto. Nos dias livres de Rúben, combinámos ir à praia em conjunto com o grupo de amigos habituais. Nos dias em que não combinava nada, ficava em casa. E foi num desses mesmos dias que o meu coração se encheu de orgulho patriótico, ao testemunhar em segunda mão e a cores o maratonista Carlos Lopes a bater um recorde olímpico em Los Angeles, que lhe valeu uma bem merecida medalha de ouro. Durante semanas, não se falou de outra coisa. Até Rúben, que repudiava tanto o atletismo como o futebol pela sua "falta de graça", foi apanhado a elogiar o novo herói da nação.

Quando a faculdade recomeçou, eu fui procurar trabalho. Precisava de dinheiro para os estudos e para o tabaco e não podia dar-me ao luxo de pedir aos meus pais, tendo em conta que eu ainda vivia no seu sótão. Arranjei emprego num restaurante não muito longe da faculdade, para poder trabalhar nas horas de almoço e jantar e poder ir às aulas entre um turno e o outro. O meu tempo para os amigos passou a ser mais escasso, mas eu fazia um esforço para conciliar tudo.

Passou o aniversário de Rúben, a fins de novembro, sem que eu fosse avisado. Fui convidado para a pequena comemoração depois da data, mas senti-me mal por não lhe ter oferecido nada para além da única cerveja que ele me deixou pagar. Fui de férias a matutar no assunto. Queria oferecer algo que simbolizasse a nossa amizade ou que fosse especial para ele. E pensei tanto nele e na nossa relação que achei perfeitamente natural perceber que tinha sentimentos, que a sociedade não acharia naturais, por Rúben. Nunca antes me tinha sentido atraído por um homem mas não fiquei assustado por descobrir que a minha mente acabava sempre por pensar nele de uma forma muito antinatural.

Durante as férias para o Natal e o Ano Novo, não nos encontrámos uma única vez. Ele tinha recebido a visita de uns primos do interior, que já não via há algum tempo e que lhe monopolizaram todo o seu tempo livre.

Quando regressámos à faculdade, eu sentia uma certa urgência em estar com Rúben. Mas nunca estávamos sozinhos, o que me obrigou a agir como se nada tivesse mudado. Mais tarde ou mais cedo acabaria por ter uma oportunidade para lhe abrir o meu coração sem trazer nenhum embaraço público para qualquer um de nós

E essa oportunidade chegou quase no final de janeiro, para meu alívio.

Estava um nevoeiro cerrado, que prometia chuva que nunca chegou a vir e o restaurante onde eu trabalhava fechou para o dia de folga, apesar de ser dia de semana. Fui encontrar-me com Rúben na hora de almoço para termos a companhia um do outro enquanto finalizávamos os trabalhos que tínhamos em mãos. A nossa mesa do costume na biblioteca estava ocupada e o gabinete dele, segundo o próprio, estava impossível. Passámos então a tarde num banco escondido entre os arbustos numa parte esquecida do campus.

A sua proximidade estava a deixar-me ansioso. Lembro-me muito bem de sentir o coração a querer sair-me do peito quando mudei de posição no banco e quase colei as nossas pernas. Ele pareceu não notar. Indeciso, encarei o seu rosto, plenamente focado nas fórmulas matemáticas escritas no papel que segurava. Queria que ele soubesse o que eu sentia, mas tinha medo de estar a dar um passo maior que a perna. Quando ele virou a cabeça para mim, para saber porque o olhava por tanto tempo, inclinei-me para o beijar. Por pouco não falhei os seus lábios, tal era o meu nervosismo. Ele foi apanhado desprevenido, mas as suas mãos foram parar ao meu maxilar quando um roçar de folhas deslizou pelo seu colo até que estas se amontoassem sem qualquer ordem no chão de relva.

O meu desejo e a profundidade do beijo fez com que me esquecesse que estava a beijar um homem. Fez-me esquecer de que aquilo era errado a todos os níveis — apesar de eu sentir que não o era — e das consequências que aquilo traria para ambos, se fossemos apanhados. Por uns segundos, não passávamos de duas almas que tinham cedido a um desejo carregado de luxúria, que nos levou a partilhar um beijo eletrizante.

Uma das suas mãos tinha largado os meus caracóis para percorrer a minha fina camisola sobre os meus abdominais quase inexistentes até chegar ao cinto que me segurava as calças, pronta a folgá-lo, quando ele se imobilizou de repente e afastou a cabeça, terminando o beijo. Parecendo lembrar-se de algo, Rúben tirou o seu corpo de cima do meu e levantou-se do banco com um ar sério, endireitando a camisa.

Foi como se me tivessem atirado um balde de água fria para cima. Todo o desejo que sentia por ele naquele momento se extinguiu enquanto eu me levantava do banco, onde o seu corpo me tinha obrigado a deitar segundos antes.

—  Desculpa.

Amuado, comecei a juntar as minhas coisas para sair dali, antes que um clima constrangedor se instalasse. Ele agachou-se à minha frente, segurando-me nas mãos para me impedir de continuar.

—  Não é que eu não goste de ti. — Largou-me as mãos, sabendo que tinha a minha atenção. —  Só não quero ir demasiado rápido, demasiado cedo. É óbvio que nunca estiveste com nenhum homem antes. Não quero que acordes amanhã, completamente arrependido. Quero que tenhas a certeza de que é isto que tu queres.

—  É isto que eu quero — disse, num tom de voz baixo para o eventual caso do nevoeiro estar a esconder alguém nas imediações que nos pudesse estar a ouvir — Tenho a certeza. Eu quero-te a ti.

Ele deu-me um sorriso amarelo antes de recolher as suas coisas e se colocar de pé.

—  Não tenho assim tanta certeza.

Ele afastou-se a coberto da bruma. Ainda sentado, os meus olhos deixaram de o conseguir seguir ao fim de poucos passos. Deixei passar uns minutos valentes antes de sair em direção à minha bicicleta, para ir para casa, sem dar importância à aula obrigatória que teria naquela tarde.

Durante duas semanas mal o vi. Apesar dos meus esforços para o encurralar na faculdade e lhe falar, ele conseguia evitar-me sempre. Durante esse mesmo tempo, também não foi a nenhum dos bares que costumávamos frequentar. Perguntei por ele aos amigos que tínhamos em comum, inclusive a Tina, mas nenhum deles me respondeu. Se sabiam onde ele se escondia quando não estava a trabalhar, não me queriam contar. Talvez tivesse sido ele a pedir-lhes segredo. Talvez quisesse provar que o ditado "Longe da vista, longe do coração", não era apenas um dizer popular.

Para meu infortúnio, não sabia a sua morada, pelo que tive de aguentar a distância que ele estabeleceu entre nós.

A meio de fevereiro deixei de ver o seu carro no parque de estacionamento. O que, de algum modo, não me surpreendeu. Apesar das saudades, tentei esquecê-lo. Tentei convencer-me que não estava realmente apaixonado, que era apenas um fascínio por uma pessoa completamente fora de série, como nenhuma outra que eu alguma vez tivesse conhecido. Que, no fundo, era apenas um interesse de sociólogo.

Quando, uma semana depois, encontrei o carro dele à porta do campus, senti uma inexplicável alegria. Não tinha tido sucesso a tentar esquecê-lo. E ainda bem que não.

Nesse mesmo dia, esperei até ao final do tempo de aulas. Depois de um casal sair da porta que dava para o gabinete de Rúben para o corredor vazio, ganhei coragem e entrei. Por uma qualquer feliz coincidência, ele estava lá dentro.

Um outro professor com ar de filósofo lunático levantou a cabeça quando entrei. Ele era o meu único estorvo.

Devo admitir que não sei bem o que me passou pela cabeça para fazer o que fiz a seguir. Num impulso, que me deixou tão atónito quanto ao homem, retirei do meu bolso duas notas de baixo valor e sibilei um desaparece ao pousá-las em cima da sua secretária. O olhar do homem saltou entre mim e Rúben, que até àquele momento não me tinha visto, para depois pegar na nota e sair com ar desconfiado.

Rúben afastou-se da sua secretária quando deixei cair as minhas coisas no chão e tranquei a porta atrás do outro homem, deixando-nos sozinhos. Ele pôs-se de pé e, mal o tive ao meu alcance, agarrei-o para o beijar. Demorou uns segundos até ele me forçar a afastar.

—  Eu sei o que quero — disse num sussurro, impedindo-o de falar — Eu sei o que sinto. Não é capricho nem curiosidade infantil. É desejo. O mais puro desejo que alguma vez senti. Tão forte e genuíno, que não esmoreceu desde a última vez que nos tocámos. Que, pelo contrário, só aumentou e me fez sofrer com a distância. E desta vez só te deixo ir embora se me olhares nos olhos e me disseres com sinceridade que não me queres.

O silêncio que se seguiu foi sufocante. Tinha medo de o perder. De o afastar da minha vida para sempre.

Talvez sem saber muito bem o que me responder, ele tornou a beijar-me, tão violentamente que acabei sentado em cima de uma secretária qualquer perto da porta.

—  Está bem — disse ele entre beijos. As minhas mãos viajaram de forma nervosa pelo seu corpo até pararem perto das suas nádegas, onde as suas mãos as capturaram — Mas vamos com calma.

Sentei-me direito, afastando-me dele, para poder olhar os seus olhos escuros. Podia notar que ele ainda não estava seguro das minhas intenções. Que ainda julgava que eu haveria de me arrepender um dia.

— Se é isso que tu queres.

Não pude deixar de saltar do tampo da secretária com um suspiro aborrecido.

Os seus dedos magros envolveram o meu pulso. Rodei o meu corpo na sua direção, apenas para encontrar um sorriso malicioso, capaz de desarmar qualquer um.

—  Não acredito que pagaste ao Nuno para sair do gabinete. E que trancaste a porta a seguir.

—  Nem eu — gargalhei.

— Vou ter de ameaçar espancá-lo até à morte, sabes? Pelo bem das aparências. Tem de apanhar um susto tão grande que não considere nem por um segundo partilhar com alguém as suas suspeitas.

Espantei-me com a brutalidade da sua afirmação, especialmente pela aversão que ele tinha à violência, mas compreendi que era necessário. Se tivesse feito melhor as coisas, o homem não teria sido implicado no nosso segredo.

Antes de sair do seu gabinete, ele explicou-me que tinha estado doente na semana anterior e eu retirei da minha mala uma cassete que tinha comprado como prenda de aniversário para ele nas férias e que não lhe chegara a dar naquele dia de nevoeiro. Era um conjunto de várias músicas ao som das quais ele adorava dançar, que tinha estado na minha mala desde o retorno às aulas.

Entreguei-lha com um Parabéns atrasados! e saí da divisão, fingindo agradecer em voz alta uma qualquer explicação. O tal professor Nuno estava sentado no chão do outro lado do corredor, a olhar para mim enquanto me ia embora com cara de poucos amigos. Como, no final das contas, eu e o Rúben não fomos acusados de nada nem tivemos qualquer tipo de problema, deduzi que o segredo da nossa relação iria para o caixão com aquela infeliz testemunha.

Apesar do clima íntimo e diferente do normal que se instalava quando estávamos sozinhos, publicamente, nada tinha mudado. A nossa amizade mantinha-se intacta, tal como as saídas frequentes com amigos. E ninguém pareceu notar as diferenças que o nosso pequeno romance trouxe para nós.

Lembro-me que trocávamos beijos nos corredores vazios da biblioteca da faculdade, caricias discretas a coberto da escura sala de cinema ou leves roçares de pele, fosse braços, mãos ou apenas a pontinha dos dedos, nas saídas à noite. Era arriscado, mas éramos jovens e deixávamos que a paixão nos guiasse.

Nem sempre estávamos juntos. E quando estávamos, eu esforçava-me para não ser eu a iniciar o contacto físico, para não parecer demasiado carente. Ele tinha-me pedido que fossemos com calma e eu queria respeitar os seus desejos acima de tudo. Mas era difícil. Especialmente por saber que, da parte dele, não havia qualquer tipo de exclusividade.

Nunca tínhamos falado sobre o assunto. E eu sabia que não o podia exigir. Não quando eu não tinha a certeza de conseguir satisfazer todos os seus desejos e necessidades com eu imaginava que outros homens, e talvez também mulheres, faziam. Por muito que me custasse admitir, eu também queria levar as coisas com calma. Não me sentia assustado com o facto de, eventualmente, virmos a ter relações sexuais. Era natural que assim fosse. Mas na altura não me sentia preparado e Rúben notava-o à légua.

Em maio, no meu aniversário, ele ofereceu-me o objecto que ainda hoje me é mais querido: um exemplar de O vermelho e o negro. Nessa altura a nossa relação já tinha evoluído o suficiente para que a necessidade que tínhamos de nos tocarmos fosse quase insuportável. Por acordo mútuo, íamos dar o próximo passo, sem qualquer tipo de reserva.

Mas nunca chegou a acontecer. No meu aniversário os meus pais voltaram a casa mais cedo e nem eu nem ele achámos que seria prudente continuar. As paredes eram demasiado finas e seria um escândalo enorme se se descobrissem as nossas orientações sexuais. Tive de o apresentar como um amigo que tinha vindo apenas reaver algo e que já se encontrava de saída.

Nos dias seguintes parecia impossível ficarmos sozinhos. As nossas agendas estavam tão cheias de compromissos que nunca havia tempo suficiente para nós e, quando havia, os nossos dias livres ficavam desfasados. Depois morreu-me a avó e meteram-se os exames finais e o casamento do meu irmão pelo meio. Nas férias parecia que tudo se iria resolver, mas as dele começaram mais tarde que as minhas por causa dos seus deveres académicos e o meu patrão ofereceu-me um aumento em troca de um dia completo de trabalho, que eu não pude recusar por estar apertado de dinheiro. E, por fim, o Rúben adoeceu no início de julho, de tal maneira que teve de ser transportado para um hospital na terra dos pais para que a sua família se pudesse encarregar dele.

Soube, já para os finais de agosto, por um amigo em comum que tinha falado com o primo dele poucos dias antes, que o Rúben não tinha sobrevivido.

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