Chào các bạn! Vì nhiều lý do từ nay Truyen2U chính thức đổi tên là Truyen247.Pro. Mong các bạn tiếp tục ủng hộ truy cập tên miền mới này nhé! Mãi yêu... ♥

Capítulo 38

12000 palavras - Arco final

Por Edan

Dou passos apressados pelo hospital, percebendo os vários olhares que lançam a mim, pelo jeito todos curiosos com o motivo da minha pressa, ou apenas me julgando. Eu mesmo estou surpreso comigo, não sei porquê, mas estou com isso martelando na minha mente. Aquela foto de uma garota tão idêntica a Anne. Não consigo acreditar na possibilidade de que ela já existia na minha vida, mas eu não me lembrava dela.

Acho que fiquei a noite toda acordado, e não foi por insônia, mas sim por tentar me forçar a lembrar de qualquer coisa, mas não consegui.

Até mesmo acho que já sonhei com essa garota de cabelos escuros, mas sequer me lembro em detalhes. Tudo que me vem em mente é um grande mar escuro, e apenas alguns flashes borrados. Por mais que eu queira, ainda não consigo ter uma imagem completa na minha mente. Bem, eu realmente gostaria de ter algumas respostas, mas não consegui nada nessa noite.

Desde o momento que cheguei na escola, até o sinal que indicou o término da última aula, estive inquieto. Fiquei batendo os dedos na mesa, olhando de um lado para o outro, ansioso pelo momento de voar para longe daquela sala e vir aqui para o hospital. Pelo menos as pessoas estão perguntando menos sobre Anne.

Os únicos que perguntam são Leandro e Raquel, justamente por eu ser quem mais está com Anne em todos os momentos desde sua internação. Eu literalmente vou correndo para casa, alimento o Mítico e a Kayle e saio para o hospital, muitas vezes sem nem comer nada.

Hoje foi um dia que aconteceu exatamente isso.

Estou em frente ao quarto de Anne, entrando lentamente. Deixei a foto bem guardada dentro de um caderno dentro da minha mochila, será a primeira coisa que irei questionar ela.

Vejo Anne sentada na cama, debaixo de algumas cobertas que, se não me engano, já vi em sua casa. Provavelmente seus pais devem ter trago devido ao clima estar esfriando bastante. Apesar do frio, a janela está bem aberta e entrando muito vento, imagino que deve ter sido ideia dela.

Termino de olhar em volta e foco em Anne. Vejo que ela perdeu um pouco da cor da sua pele, se tornando levemente mais pálida, aparentemente com a pele mais seca, e os cabelos não tão arrumados como sempre estiveram, e sua expressão parece mais cansada, o olhar também está um pouco mais fundo.

Meu corpo treme com o que vejo, o estado em que ela está agora... Por que a Anne?

Ela está com o olhar cerrado para uma folha em sua mão. Anne vira a folha de um lado, e então para o outro. Acabo pendendo a cabeça para o lado ao ver isso.

- O que está fazendo? – Questiono, olhando para ela por alguns segundos.

Ela mantém seu olhar da mesma forma, girando a folha algumas vezes – Tentando entender o que eu fiz aqui. Olha só!

Tomo a folha em minhas mãos, vendo só um monte de rabiscos em várias curvas, mudanças bruscas, sem uma forma, sem uma aparência. Ergo uma sobrancelha, virando um pouco a folha para a esquerda, logo então para a direita. Viro de cabeça para baixo, olho para o verso, e depois para o lado certo.

Parece muito uma coisa que uma criança teria feito as pressas – Eu não tenho a menor ideia do que você fez aqui... O lado em branco está mais bonito.

- Idiota! – Ela diz rindo, pegando a folha da minha mão, olhando da mesma forma, agora com sua expressão tomada por curiosidade.

- O que estava planejando quando fez... "Isso"? – Digo, encarando a folha.

Ela balança a cabeça – Nem eu sei, só comecei a rabiscar sem parar, passando um monte de lápis de cor sem nem pensar e deu nisso.

- Tempo vago da nisso. – Digo, balançando a cabeça.

- E isso é uma coisa que tenho de sobra por aqui... – Eu olho em volta, notando só agora algumas folhas rabiscadas e espalhadas sobre o móvel ao lado da cama, acho que consigo contar umas dez folhas, isso sem contar as que ela deve ter guardado ou jogou fora. Anne percebe que estou olhando para as folhas, e então ela se estica para alcança-las. – Se quiser, pode ver.

- Claro, eu quero. – Pego as folhas em minha mão, percebendo que algumas delas Anne deixou sobre o móvel, e se prontificou em guardar elas. – Essas eu não posso ver?

- Não, elas são uma coisa pessoal. – Ela diz, com um sorriso brincalhão.

Acabo dando de ombros, começando a olhar os desenhos. É impressionante que esse foi um motivo que fez Anne se tornar tão próxima de mim, por mais que a minha vontade naquele tempo era só de dar um jeito de sair do radar de Anne.

Muitos deles são de personagens em lugares variados, uns aparecem em cenários abertos, em grupos animados, mas mesmo se aparecem sozinhos parecem fazer algo potencialmente envolvente, tipo o rapaz segurando caixas que me fez lembrar do Leandro, ou da garota de cabelos presos com um pequeno bastão em uma mão e uma barra de chocolate na outra que claramente é uma imagem da Raquel.

Ela fez uma imagem de cada um.Imagino a falta que deve estar sentindo deles... Será que... Ela também sente dor junto a saudade?

Fico olhando para os traços, em como as formas que ela utiliza se diferem das que eu uso, é o estilo dela. Algo que brinca entre os detalhes do realismo, mas unidos a um toque cartunizado, tornando um estilo que ela sabe bem fazer. Tão impecável.

- Gostei, está bom como os que me mostrou da primeira vez. – Digo, devolvendo os desenhos a ela. – Apesar que estou curioso sobre aqueles que guardou.

- Aqueles você vai ficar curioso, até estarem prontos. – Ela me responde, cruzando seus braços.

- Então tá né, se faz questão... – Dou um suspiro, lembrando do assunto que eu precisava falar, me virando para minha mochila e procurando o caderno – Tenho que te perguntar algo...

- Assim de repente, parece sério. O que é? – Ela me olha curiosa, logo levando seus olhos para a minha mochila.

Alcanço o caderno, indo diretamente para a última folha onde deixei a foto que peguei no álbum. A pego e lanço meu caderno sobre a mochila, me virando para Anne – Veja isso.

A primeiro momento, Anne olha para mim e então para a foto. Sua expressão é de confusão, mixada a curiosidade de uma criança. Ela olha por alguns segundos, dando um sorriso – Olha só que coisinha mais linda, eu vi essa foto lá na sua casa. Você era um fofo quando criança Edan.

Fico sem jeito com o que ela fala de maneira tão repentina. Desvio o olhar por um segundo, sem muito sucesso em ignorar o que ela diz – Não isso... Olhe essa menina...

Espera um pouco. Anne disse que viu essa foto lá em casa? Mas como? E aliás, quando? Se me lembro bem, em todas as vezes que Anne foi em casa recentemente, ela esteve perto de mim, e o máximo que fazia era ir para a sala ou o quintal.

Será que nos tempos em que Anne ainda era extremamente invasiva comigo, ela vasculhou o guarda roupa dos meus pais sem que eu soubesse?

Não deixo de me incomodar com essa possibilidade, e também refletir o quão longe Anne pode ter ido quando era invasiva. Não acredito que ela pode ter ido tão longe assim... Se bem que, de que adiantaria reclamar logo agora?

Volto minha atenção a Anne e lembrando o que preciso perguntar. Ela continua observando a foto, mantendo seu sorriso – Estou olhando. O que tem ela?

- Ela é você? – Digo, atraindo o olhar de Anne de imediato.

Anne me olha com surpresa em seu rosto. Ela não me responde, apenas me olha de uma forma que não consigo interpretar – O que?

- Foi isso que ouviu... – Abaixo um pouco meu olhar, pensando no quão ridículo isso pode estar sendo, mas eu insisto nisso – Essa menina é você Anne? Você já me conhecia?

Um silencio recai no quarto, os sons de fora do quarto ou do mundo fora desse hospital parecem distantes demais agora. Poucos segundos aguardando a resposta de Anne me parecem uma eternidade, me deixando ainda mais ansioso por sua resposta.

Vagarosamente, um sorriso surge no rosto de Anne, que logo se torna uma gargalhada que ecoa pelo quarto. Anne ri sem parar, se encostando em mim e apoiando uma de suas mãos no meu braço. Ela ri, de uma forma leve, descontraída, como a muito tempo não fazia, mas não sei dizer o motivo disso.

A vejo secando uma pequena lagrima que surgia nos cantos dos olhos, e logo volta a me olhar, tentando segurar o riso – Ora Edan, é claro que não!

Agora sou eu quem está surpreso com isso, não esperava essa reação. – Mas... – Me aproximo, olhando novamente a foto em mais detalhes – Ela é tão idêntica a você. O mesmo formato de rosto, os olhos idênticos aos seus...

Vejo Anne erguendo o indicador, o que me faz parar de falar no mesmo momento – Vou te dar só um argumento, que vai dizer se essa menina sou eu ou não. Olha bem para ela, ela é morena, certo? – Concordo com um gesto de cabeça, enquanto Anne passa uma mão pelo seu cabelo lentamente – E como você pode ver, eu sou ruiva natural, nunca pintei meu cabelo na vida. Pode até perguntar para meus pais se quiser confirmar.

Olho para Anne, pisco algumas vezes. Eu me enganei a esse ponto?

Passo os olhos da menina da foto para Anne algumas vezes, e a garota ao meu lado começa a rir de novo. Minha cara deve estar simplesmente hilária nesse momento, por mais que a aparente confusão que cometi não me faz ter nenhuma vontade de rir.

- Espera, mas... E a sensação de já te conhecer na primeira vez que te vi? – Questiono.

- Você lembra que estudamos juntos desde o começo do ano? Lembra que eu sento bem ao seu lado e você nunca tinha reparado em mim? – Anne ergue uma sobrancelha, voltando a rir.

Tento falar algo, qualquer coisa que seja, mas não consigo encontrar palavras adequadas.

- E aliás, a menina é parecida comigo sim, acho que o rosto lembra um pouquinho sim, é só um pouquinho mais bochechuda, olha que fofinha... Talvez seja por isso que pode ter achado que era eu, mas não. Essa menina não sou eu, seu bobo. – Ela diz, olhando novamente para a foto em suas mãos, se aconchegando em mim – Acha mesmo que se eu te conhecesse desde criança, eu iria esconder ou me afastar de você?

Abaixo os olhos, enquanto abraço Anne. Estou inconformado em ter me enganado – Tem razão, acabei confundindo tudo.

- Tudo bem, eu preciso admitir... Ela é idêntica a mim mesmo, é uma surpresa. – Anne da um suspiro, juntando sua mão a minha – Acho que entendo você ter achado isso, talvez até eu confundiria. Se eu a encontrasse na rua, diria até que é uma irmã gêmea perdida... Mas é só isso, uma menina parecida.

- Deixarei isso para lá... – Digo em um sussurro, olhando para Anne. – Tem novidades?

Anne me olha, já sabendo o que quero saber. Ela faz um gesto afirmativo com a cabeça – Tenho, mas não é uma notícia boa...

Ouvir isso me amedronta, a ponto de um frio no estomago surgir na hora. – Me conte...

- Meu estado está piorando... E pela cara que o doutor fez hoje cedo quando minha mãe estava aqui, acho que estou piorando bem rápido. – Vejo Anne me dando um sorriso entristecido.

Não sei o que falar, na verdade... Eu não tenho o que falar. Minhas palavras sumiram.

- E o pior, por mais que os médicos me examinem... Eles não tem a menor ideia do que pode estar acontecendo comigo, os exames não acusam nada. – Anne solta um riso fraco.

- Não sei como consegue rir estando nessa situação... – Digo, sentindo o peso na minha voz.

Anne se vira para mim, e nossos olhos se encontram. Seu sorriso se mantém, enquanto pequenas lagrimas caem pelo seu rosto – Eu estou rindo... Mas é de desespero. Estou com medo.

Me concentro um pouco, e agora consigo perceber em mim tudo que Anne está sentindo. Ela está com medo, assustada, sentindo tanta dor nesse momento que não sei como ela consegue resistir. Com tantas incertezas que mal consigo contar. Seu medo está ainda maior hoje, ela também sabe de sua condição, sabe como as coisas estão andando.

Ela também sabe que está morrendo.

E eu não posso fazer nada para impedir isso.

- Calma... Vai ficar tudo bem... – Eu digo, mas tenho dúvidas das minhas próprias palavras.

- E se não ficar...? – Ela diz em um sussurro, abaixando seu olhar – E se eu não sair daqui...?

- Não diga isso... – Como vou conseguir dar algum conforto a ela, se não tenho certeza do que estou falando?

Tenho as mesmas duvidas que ela, por mais que eu queira, não sei se Anne conseguirá sobreviver a isso.

Eu sou incapaz de fazer qualquer coisa por Anne, e isso me causa ainda mais dor.

- Eu não deveria pensar nisso... – Ela diz, dando um sorriso e apertando minha mão – Eu estou com medo, assustada com tudo que está acontecendo... Não sei o que vai acontecer comigo, nem se irei sair daqui... Mas não vou perder minhas esperanças...

Mantenho meu olhar baixo, tudo que sinto agora é dor e uma tristeza que me consome mais e mais a cada novo segundo... Por ver como Anne está, por não poder fazer nada por ela. Por simplesmente assistir como ela sofre pela sua doença, ver como ela está cheia de incertezas... Ver tudo isso, e ser incapaz de fazer qualquer coisa que seja para aliviar seu sofrimento, só faz com que eu me sinta ainda pior.

- Ei Edan... – Ouço Anne me chamando, sua voz é carinhosa, calma... Diferente de tudo que sente dentro de si, ela consegue me transmitir calma – Promete que não perderá as esperanças também? Faça isso por mim?

Respiro fundo, contendo uma estranha sensação que sinto crescendo no peito. Olho para ela, e apesar de tudo, de todas as sensações, de todas as dúvidas, do medo que sente, o sorriso que ela carrega em seu rosto é verdadeiro. Vendo isso, eu confirmo com a cabeça. – Tudo bem, eu prometo sim.

- Obrigada Edan... – Escuto ela dizendo em um sussurro, encostando sua cabeça no meu ombro, me envolvendo em um abraço – Obrigada por não desistir de mim...

*****

Mais um dia com Anne, um dia mais difícil do que eu gostaria. Apesar do que falamos, de eu ver como Anne está, acabamos nos distraindo em algumas conversas enquanto desenhávamos, as novidades do dia a dia. Anne sempre fica muito curiosa pelo que acontece no meu dia, seja por algo que eu vi na televisão ou na internet, algum acontecimento da escola, ou qualquer coisa que seja. Acho que isso é ainda maior por ela não poder sair daqui para nada.

Penso agora que Anne deve se sentir confinada. Eu quero cada vez mais fazer algo por ela, mas sei que não consigo. Saber disso só me machuca, mas não adianta pensar nisso.

Estou deixando Anne novamente lá naquele quarto. Eu sei que ela sorria para mim na hora que saí, mas à medida que eu me afastava eu conseguia ouvir como seu coração chorava.

Eu não tenho um lugar para ir agora, minha casa está vazia sem a presença dos meus pais. Meus animais estão alimentados, então me permito andar. Fecho melhor minha blusa e visto o largo capuz até cobrir boa parte do meu rosto. É o bastante para me proteger do vento frio que percorre a cidade, e me ponho a andar pela cidade, observando a tudo. Sinto que o desanimo que há um tempo havia desaparecido parece ter voltado com mais intensidade.

Caminho sem um rumo, olhando para as pessoas a minha volta, para as lojas... Olhando para o mundo. As coisas acontecendo rápido, as luzes das lojas, os carros, as conversas em alto tom, tudo tão rápido que eu sinto dificuldades para acompanhar. Uma cidade pequena com um ritmo cada vez mais rápido. Porém, por mais que eu ande, por mais que eu veja o mundo, não adianta.

Nada está me interessando, e eu sei que sou o próprio culpado disso tudo.

Eu deveria ter me contido, impedido que as coisas acontecessem dessa maneira. Eu sabia que as coisas aconteceriam dessa forma. Eu deveria odiar Anne, odiar com toda a minha força da mesma forma que eu odeio Leandro e Raquel.

Eu tentei, com tudo que podia, mas eu não consegui impedir. Eu amo Anne, e sei que irei me arrepender profundamente por isso.

Prometi a ela que iria me manter calmo, que não iria perder as esperanças, mas tudo que consigo sentir agora é medo. Da mesma forma que Anne, eu estou apavorado com o andar de todas as coisas, junto à sensação de impotência que cresce a cada novo dia.

Por que as coisas precisam ser assim?

Me foco em apenas caminhar. Preciso aliviar a cabeça, e não ficar pensando tanto nisso. É difícil demais, sei que estou pensando demais e não consigo parar, mas eu devo tentar me distrair como eu puder. Preciso me distrair. Olho em volta, observando a cidade em cada pequeno detalhe, cada situação. Eu anseio que tudo isso possa me fazer divagar, ir para longe e me desprender da realidade.

Não sei quantos passos eu dou, quantos lugares eu passo e vejo, buscando por algum alivio. Normalmente é isso que busco quando fico olhando o horizonte, algum alivio. Quando finalmente percebi que havia um ao meu lado, ele começa a desaparecer. A vida é bem injusta.

Chego a um local que já estive por muitas vezes. O mesmo lugar onde vi Anne a primeira vez, o parque. Da mesma forma que eu estava sem vontade de entrar no parque naquele dia, eu não sinto nenhuma vontade agora, mas mesmo assim eu entro.

O parque está escuro em grande parte, as únicas luzes vem de alguns postes dispostos em alguns pontos nas trilhas principais do parque com várias moscas rodeando as lâmpadas, porém o restante é tomado de puro escuro, e a noite está tornando tudo ainda mais profundo. Olhar em volta não faz sentido, afinal mal enxergo a arvore mais próxima. Apesar das muitas pessoas passando ao redor, tudo que ouço são meus passos e mais nada. Nenhuma voz, nenhuma risada. Nada, a sensação que tenho é que o mundo está mergulhando em um silêncio absoluto.

Novamente eu percebo como não me encaixo. Como estou vagando sem rumo, certo de que por mais uma vez, não existe como eu consiga me encaixar... Mas por que?... Sempre me foi normal viver assim sozinho... Solitário e abandonado vagando por ai, buscando algo, almejando algo que eu mesmo não sei... Mas então por que agora eu sinto frio?

Enquanto ando, percebo algo. Uma grande estrutura de pedra, a mesma onde eu sei que as várias estatua de anjos estão dispostas. Caminho até a entrada, vendo que uma faixa impede a passagem, mas se nunca me impediu antes... Por que impediria agora?

Não tenho nada a perder, então apenas entro, passando por baixo da faixa. O espaço aqui é diferente, como a estufa costumava ser. O ar é mais leve, e entrar aqui hoje, me trás uma sensação estranha, que não sei dizer se é boa ou ruim. A escuridão dessa noite em especifico torna tudo completamente diferente. Entro no espaço onde todas as estátuas estão, onde todos os anjos mostravam feições felizes, tão únicas que são indescritíveis, mas não é isso que encontro.

Eu olho para cada estátua, são exatamente as mesmas que vi antes, as mesmas expressões esculpidas em seus rostos, a mesma felicidade... Mas agora, com a escuridão que a noite trás, levemente quebrada apenas pela pouca luz da lua por entre algumas nuvens, algo está muito diferente em cada uma dessas estátuas... Todos os anjos parecem...

Não parece... Eles estão chorando...

Encaro cada uma das estátuas, me aproximando de uma delas em passos lentos e tocando seu rosto. A sensação ao toque, olhando assim tão de perto me faz sentir que todas carregam a mesma tristeza que eu carrego.

A tristeza é um sentimento tão forte assim, que até os anjos podem sentir?

Me lembro de Anne nesse momento, em como ela deve estar agora. Como ela deve estar se sentindo nesse momento... Sozinha, presa em um quarto de hospital. Fecho os olhos, encostando meu rosto na pedra esculpida, sentindo uma forte vontade de chorar. Eu sei que não vai resolver nada se eu chorar, mas nesse momento... Chorar de tristeza é tudo que posso fazer agora.

Eu estou sofrendo por nada...? Não... Eu sofro por algo, pela vida daquela que por algum motivo, me viu maior do que eu sou. Enxergou um significado que não consigo ver em mim... Eu tive a imensidão a minha frente, mas agora estou prestes a perde-la...

Eu quero fugir... Correr para longe, desaparecer na esperança de que tudo acabe.

Ouço algo ensurdecedor de forma repentina. O som forte de um trovão, propagando-se pelo céu me causando a impressão de que o som iria se perpetuar para sempre. Neste momento, acho que o ar acabou de ficar um pouco mais pesado – O que está fazendo aqui garoto? – Escuto uma voz familiar atrás de mim, me fazendo abrir os olhos.

Um clarão surge no céu, um momento antes de eu olhar por cima do ombro. Havia alguém ali parado, bem no centro desse espaço com todos os anjos.

Olho melhor, percebendo ser o mesmo rapaz que estava naquele pequeno restaurante, antes de Anne precisar voltar ao hospital. A mesma feição jovem de antes, com um sorriso descontraído e com alguns fios do cabelo levemente ondulado não tão longos caído em volta do rosto, ficando um pouco abaixo dos ombros. Eu não o respondo, não tenho que dizer nada a ele, apenas viro meu rosto, fechando os olhos.

- Você sabe que este local está com a entrada proibida, não é? – Ele insiste em falar. Justo agora que eu não quero falar com ninguém.

- A faixa na entrada também não te impediu de entrar... – Respondo, olhando para o chão.

Escuto ele dando uma risada – É verdade, apesar que conheço quem esculpiu tudo isso, e meio que tenho uma certa "liberdade" para entrar.

- Que bom... – Digo simplesmente.

Passam-se alguns segundos e não ouço nada vindo dele. Acredito que ele tenha ido embora, mas não escutei seus passos em nenhum momento – Você está passando por um grande sofrimento, não é garoto?

Ergo um pouco meu corpo, dando um suspiro pesaroso e me virando para encarar ele nos olhos. Penso em responder de forma grosseira por não estar com paciência nenhuma para conversar, mas me contenho com uma força que nem eu sabia que tinha – Está tão obvio assim?

- É, um pouco sim... – Acabo cerrando o olhar. Ele está com as mãos nos bolsos da bermuda que usa, veste também uma camisa branca e chinelos e em uma expressão física e facial descontraída. – Eu sei que é intromissão, mas, não quer conversar sobre isso?

- Não, mas agradeço. Por favor, será que agora pode me deixar sozinho? – Digo, mantendo meu olhar cerrado.

Ele deu de ombros ainda com um leve riso, andando até próximo de uma estátua, sem retirar as mãos dos bolsos. – Eu até poderia fazer isso, mas não acredito que seria a ação certa... E pelo tom da sua resposta... Sim, você está mesmo passando por algo difícil.

Não respondo, sequer quero olhar na direção dele, tudo que quero é que ele vá embora. Percebo que mais um clarão surge repentinamente, iluminando o céu e todo o ambiente a minha volta.

- Sabe garoto, é difícil passar por uma perda, eu sei como é... – Ele diz de repente, encarando a estátua como se enxergasse algo muito além do que eu posso ver. Ele carrega um sorriso e um olhar que me parecem ser de compreensão, talvez até mesmo tristeza contida dentro de si, apesar de estar visivelmente descontraído – Todos nós passamos por uma na vida, é completamente inevitável... Mas não pense que irei dizer para não sofrer ou para tentar ficar bem, afinal, deixar com que tudo isso flua para fora é uma das formas de sabermos que ainda estamos vivos e temos sentimentos vivos, além de alguma humanidade.

- Eu não passei por nenhuma perda... – Respondo, tentando ao máximo não ser ríspido.

- Ah, mas passou sim... – Ele diz, olhando em minha direção. A sensação que tenho é a mesma de quando Anne me olha. É como se ele estivesse encarando minha alma. – Não tente negar. Isso está muito claro nos seus olhos, eles carregam dor. Você está sofrendo.

Recuo um passo, encontrando a estátua atrás de mim. O tom de sua voz carrega uma estranha seriedade além de parecer ter certeza do que diz, coisas que não condizem com sua expressão despreocupada. O pior, é que ele está certo. Não consigo acreditar que estou sendo tão transparente, mesmo sem contar nada.

- Quantas outras coisas você não está sentindo... Quanta dor sente escondido de todos, quão sozinho e desesperado... Quantos pesadelos deve ter todas as noites quando fecha os olhos. Imagino que esse sofrimento te impeça de dormir bem...

Que? Ele consegue ver tudo isso? Quem é esse cara?

- Diga-me... Isso tem a ver com a sua amiga, não é? – Ele continua, passando seus olhos para outra estátua, se aproximando calmamente. – Ela parecia péssima aquele dia na lanchonete. Ela também deveria estar sofrendo bastante naquele momento, e você mal parecia ter notado.

Cerro o olhar e fecho o punho, desviando o olhar dele. Aperto os dentes, respirando fundo ao máximo para me manter calmo – Eu não acho que tenho que te falar qualquer coisa...

- É, acertei. Tem a ver com ela sim... Neste momento, ela está muito mal, piorando cada vez mais... Não é? – Ele da um suspiro pesaroso, apesar de manter a mesma expressão descontraída acompanhado de um sorriso de canto. Agora que percebo, ele simplesmente afirmou isso, como se soubesse como Anne está – Desculpe se estou sendo intrometido demais e te irritando. Em parte é curiosidade, em outra é que eu meio que tenho uma culpa nisso.

Estranho o que ele acabou de dizer. Como assim tem culpa nisso? Eu quero falar, mas não consigo organizar meus pensamentos, tudo está se embaralhando cada vez mais.

- Olha, acho que vou te deixar em paz agora Edan. – Ele diz, me pegando de surpresa. Ele... Sabe meu nome, mas como? – Imaginei que conversarmos um pouco poderia te ajudar, mas acho que acabei bagunçando mais as coisas. Sei bem como está sofrendo, primeiro foram seus pais... E agora isso tudo acontecendo com a Anne, ver a dor dela e ser incapaz de ajudar. Você não deveria sofrer tanto...

Me viro para ele, querendo perguntar como ele sabe meu nome, como sabe da Anne, dos meus pais. Quero arrancar qualquer informação que ele tem, mas simplesmente paro de imediato.

Um calafrio sobe pela minha espinha com o que vejo. Ele acabou de retirar um longo sobretudo negro detrás da estátua e jogou sobre o ombro.

O cara do casaco.

Ele me encara, mantendo um esmagador silêncio por longos segundos. Seu rosto ostenta um sorriso que não sei decifrar – Imagino que queira ficar sozinho, e eu entendo seus motivos. Sinto muito por tudo...

Não sei o que falar, somente algo surge em minha mente – Por que está aqui?

Ele me encara com uma calma assombrosa estampada em seu rosto. Encaro seus olhos, eu posso ver no escuro dos olhos dele que existe o mesmo abismo que sempre enxerguei em mim mesmo, mas com ele tem algo diferente... Não, não só parece, ele tem pleno controle desse abismo.

- Eu estive todo esse tempo observando uma pessoa, teve um incidente há muitos anos atrás e me comprometi a acompanhar as coisas... E nesse meio tempo, notei que tanto antes como agora você esteve por perto dessa pessoa, e você desenvolveu uma "característica" em especial devido essa proximidade.

- Você só conseguiu me confundir... – Consigo dizer.

- É, eu tenho esse talento de confundir as pessoas, além de acabar piorando algumas coisas sem querer. – Ele da um sorriso de canto, começando a vestir o sobretudo negro. – Não se preocupe com isso. Em uma próxima vez eu te explico.

Um novo clarão ilumina o céu e com esse clarão percebo algo. Da mesma forma que vi antes, tanto na festa como na minha mente, tenho a impressão de ver imensas asas enegrecidas em suas costas, como se fossem moldadas da mais pura escuridão, até mesmo a sombra no chão aparentou isso...

É como Tamires disse, ele é um monstro... Quem, ou o que ele é?

- Em uma próxima vez nada, eu quero que me explique isso agora! – As palavras saem por entre meus dentes. Apesar do meu receio, quero saber o que ele esconde.

Ele solta um pequeno riso, erguendo seu rosto de leve em um sorriso e olhar destrutivos. – De que adiantaria te explicar qualquer coisa agora? Você realmente quer algo nesse momento, além de desaparecer?

Paro no instante que escuto isso. Meu corpo treme, mas me forço a avançar – Você ainda não me respondeu. Eu quero saber nesse instante!

Mal consigo me aproximar mais dele, e sinto meu corpo arremessado para trás repentinamente. Fecho os olhos e sinto minhas costas batendo contra o chão de pedra. Perco o ar, gemendo de dor pelo impacto tão repentino. Ele nem se mexeu, então como isso aconteceu?

Abro meus olhos, e para a minha desagradável surpresa posso ver ele parado, bem ao meu lado. Novamente me olhando de cima, como se eu fosse algo completamente insignificante. – Você deseja saber?... Edan... Tudo que você me mostra é que desistiu, está perdido, sozinho e sem esperanças... Então para que quer saber?

Não tenho palavras nesse instante. Encosto minha cabeça no chão, mantendo meus olhos fechados... Eu... Ele está certo... Estou perdido, solitário, e estou prestes a desistir de tudo...

- Você quer morrer, não é? – Ouço ele dizendo, me fazendo olhar em sua direção novamente.

Nesse instante, um sorriso e olhar mortais são direcionados a mim. O ar parece ter ficado ainda mais pesado nesse instante. Estou temendo pela minha vida, acuado no chão, incapaz de me mover. Ele aponta sua mão em minha direção, mantendo o mesmo sorriso que passa uma falsa serenidade, mascarando uma intenção plenamente assassina.

Antes que eu sequer tente me erguer, ele pisa no meu peito, me empurrando contra o chão em uma força gigantesca, acho até sobre-humana... O ar me foge com esse golpe, qualquer chance que eu tinha de fugir acabou de desaparecer... Ele... Ele pode me esmagar, eu sinto isso, eu sei disso. – Eu posso dar o que tanto deseja. Basta dizer se é isso que quer.

Respiro fundo, olhando para ele. Um novo clarão surge nos céus causado por mais um raio, tornando a imagem desse homem a coisa mais assombrosa que já vi na minha vida. Seu sorriso se mostra mais profundo e intenso, aguardando por minha resposta. Estou tremendo, somado a todos os sentimentos e a tristeza que eu já tinha até o momento. Sinto medo...

O sorriso dele aumenta por um instante, porém intenção assassina que vem dele parece ter desaparecido de seus olhos – Certo... Quem cala, consente, e seus olhos me deram a resposta. Foi um prazer te conhecer Edan... – Ele diz isso, e sinto que um impacto invisível atinge e perfura meu peito, empurrando mais meu corpo ao chão.

Um fio congelante se espalha em um piscar de olhos fazendo meu corpo se contorcer, meus olhos apertam. Esse fio gélido se intensifica, que congela mas arde, queima meu corpo por dentro, uma dor aguda explode em meu peito... Diretamente do meu coração, como se ele estivesse sendo esmagado ao mesmo tempo que é dilacerado. Eu grito.

Grito, arfo, tento me desvencilhar de uma dor intensa que aumenta mais a cada instante. Ela queima meus pulmões, minha garganta. Sinto meu corpo inteiro queimando, e a dor não para, simplesmente não para.

- Eu deveria ter te matado anos atrás, evitaria muitas coisas... Aqueles dois devem estar te esperando... – Ouço sua voz sádica abafada entre meus gritos. Consigo olhar em seus olhos de relance, vendo uma calma macabra em seu rosto, unido a um sorriso assustador. A pressão do meu peito alivia, mas logo recebo um novo chute me empurrando ainda mais forte contra o chão, e meu ar desaparece com esse golpe. Mais dor se espalha com o impacto recebido, tenho a impressão de ter afundado no chão – Diga-me garoto, como prefere isso? Prefere que eu te esmague contra o chão, incinere cada parte do seu corpo, eletrocutado por um raio, rasgado e consumido pela escuridão, ou que eu termine de estraçalhar seu coração de uma vez por todas? Pode escolher... 

A cada segundo tudo piora, a dor parece eterna, me causando desespero. Tento desesperadamente aliviar o que sinto, mas não consigo. Sinto medo, mas não por apenas por mim. Por Anne, pelo risco de deixa-la sozinha, pela dor que ela terá que suportar sozinha.

Não enxergo mais nada, tudo começa a se apagar, tudo que sinto é dor. Dor e mais dor, intensa e contínua. – P... Pa... – Tento falar em vão.

É forte demais.

Eu não posso lutar contra isso. Não tenho como resistir ou sobreviver a ele.

Ele vai me matar.

Repentinamente a dor cessa. Meu corpo vai ao chão. Sem perceber, eu me contorcia no chão. Meu pulmão clama por ar, me obrigando a arfar desesperado, tentando me recuperar. Sinto o suor pelo meu corpo, sentindo um calor sufocante que nunca senti antes. Meu corpo está simplesmente esgotado, não consigo me mover – Qual o problema? Achei que você tinha desistido... Por que me pediu para parar?

Arfo, sentindo um cansaço esmagador pelo meu corpo. Sequer consigo manter meus olhos abertos ou minha cabeça erguida. – Eu ainda... Não desisti dela... – Digo, com a voz rouca.

Ela é a unica que eu ainda não desisti... Que ainda restam esperanças...

- Tem certeza disso? – Ele me questiona.

Olho em seu rosto, e não vejo mais aquele instinto assassino de momentos atrás, não vejo nada daquilo, ele me vê com outros olhos agora... Como consigo, assinto balançando a cabeça. Essa é a verdade, ainda não desisti, ainda não contei coisas... Ainda não admiti coisas...

Ele sorri, se afastando de mim dando alguns passos atrás, com um sorriso sereno – Pois bem...

Devagar eu me ergo, não sentindo mais nenhuma dor em meu corpo. É como se nunca houvesse acontecido nada comigo, mesmo assim, me mantenho distante dele.

O cara do casaco me encara, com um pesar nítido se formando em seu rosto, ao mesmo tempo que uma tranquilidade é presente – Estou indo. Cuide da Anne, ela precisa de você mais do que nunca... Isso é, se você for capaz de continuar firme. Espero que não tenham sido apenas palavras vazias.

Antes que eu possa dizer qualquer coisa, um novo clarão surge no céu, e ele apenas se vira e sai andando. Apesar de tudo que acabou acontecendo, ele tem respostas para muitas das minhas perguntas.

Ponho-me a ir atrás dele para questionar tudo o que eu conseguir. Sou maluco por ir atrás dele depois do que acabou de acontecer, mas é preciso. Tenho que saber.

Ele disse que tem culpa, então ele deve ter alguma relação com o que Anne está passando, e eu quero respostas. Mas assim que passo pela saída do local, um novo clarão ilumina tudo a minha volta, e não a mais ninguém. Ele desapareceu por completo.

Permaneço estático. Ele sumiu, como se nunca estivesse aqui. O vento sopra, o som das folhas das arvores se agitam, unindo-se ao som de uma tímida gota que logo se intensifica, inundando o lugar com o solitário som da chuva.

Meus olhos se perdem pelo chão. Ele parece saber muito mais coisas do que eu imagino. Eu nunca tinha visto seu rosto antes, mas já ouvi sua voz, que não sei o porquê de não ter reconhecido logo de imediato.

Outra coisa me vem em mente. Ele disse que tem culpa, por acaso a doença de Anne tem alguma coisa haver com ele? Será que os dois já tiveram algum contato antes, e tudo que ela está passando, ela estar morrendo... Tudo isso é causado pelo cara do casaco?

E mesmo assim, ele me pediu para cuidar dela... Mas como? Eu tenho tantas dúvidas...

Eu realmente sou capaz de cuidar da Anne?

*****

Estou na cozinha de casa, encarando meu celular desbloqueado sobre a mesa, enquanto apoio meu rosto na mão. Estou vendo algumas, das várias fotos que acabei tirando com todos, ou que eu estive incluso sem perceber.

São fotos desde a viagem até antes de Anne entrar no hospital, e a grande maioria foram à própria Anne quem tirou e logo depois me mandou e me deixou incluso. Imagino que Raquel adorou saber que haviam mais fotos onde eu estava incluso, mesmo sem saber.

Como uma linha do tempo, eu fico olhando as fotos. Momentos em frente da casa, na cozinha ao lado de fora onde teve o churrasco, algumas dentro da van, na cachoeira.

Logo vêm outras, na sala de aula, onde sempre estou distraído olhando para meu caderno e Anne tirava sem eu perceber. Isso explica ela rir sozinha em vários momentos.

As próximas são do meu aniversário, até eu encontrar a mesma foto que Anne deixou na parede de seu quarto. Ver isso me arranca um pequeno sorriso, que logo se dissipa.

- Você está morrendo de saudade dela, não é? – Escuto Raquel, o que tira minha atenção do meu celular. Olho em volta, da minha irmã para todos os outros. Leandro, Iris, Carol e Tamires. Todos decidiram vir aqui hoje para me animar, vendo como estou para baixo nesses últimos tempos.

- Eu estou vendo ela todos os dias nas últimas três semanas... – Digo em voz baixa, refletindo o tempo que acabei de falar. Anne já está internada há três semanas. Nem eu mesmo consigo acreditar em quanto tempo ela está lá.

- Mesmo assim Edan... Você sente falta dela aqui... – Ela diz, com serenidade na voz, o que me faz concordar balançando a cabeça.

Leandro abaixa o olhar, juntando as mãos. – Quase um mês, todos nós sentimos falta dela.

- Como ela está? – Carol me questiona, com a voz vacilante. Ela tem tomado cuidado toda vez que fala de Anne comigo. Imagino que ela tem medo de me deixar mal.

- Bem... – Eu começo, tentando escolher as palavras. Eu evitei falar, e todos evitam perguntar a situação, por mais que eu veja como estão preocupados. Eu não vou me sentir bem se mentir para eles, vendo como tudo está acontecendo – Na semana passada ela ainda conseguia sair da cama, mas... Ela não está mais andando, e não está mais conseguindo se mexer direito.

Vejo como todos ficam com a notícia. Dentre todos, Raquel é quem pareceu ter ficado mais abalada. Eu sei como as duas são amigas próximas, que já não se veem há alguns dias. Receber uma notícia dessas deve ser horrível.

- E até agora... Mesmo procurando, os médicos parecem não saber o que Anne tem. – Digo, sentindo o peso nas minhas palavras.

- Todo esse tempo e eles não sabem? – Iris questiona, olhando para cada um de nós. – Isso não deveria ser possível.

- Não mesmo, e nós ficamos como? – Raquel responde, com seu olhar perdido pela mesa.

Definitivamente, falar de Anne se tornou um assunto complicado. Eu poderia até dizer que não se importam ou apenas querem sair daqui e fofocar. Poderia esperar algo assim da Tamires, e ainda mais de Carol, dizer que não sentem o que eu, Leandro e Raquel sentimos, mas sei que não é o caso. Posso ver como elas também estão sentindo a falta da presença de Anne, essa falta também está machucando elas.

Apesar disso, percebo algo. Todos aqui sentem receio de falar de Anne perto de mim. Acho que dentre todos, eu sou quem mais está afetado pelo que está acontecendo. Por estar sempre com Anne, vendo como sua doença está avançando e mesmo assim apoiando ela, estando ao lado todos os dias, fazendo tudo que eu puder para impedir que ela sofra sozinha.

Em uma das visitas que fiz a Anne, prometemos um ao outro que não iriamos desistir, que apesar de tudo, iriamos continuar insistindo, torcendo por sua melhora.

Eu não vou deixar que ela passe por isso tudo, não quero que Anne sofra sozinha e não deixarei que isso aconteça. Se for para ela passar por toda essa dor, sofrer tanto assim, eu estarei com ela e compartilharei do mesmo. Não importa o que me aconteça, eu continuarei ao seu lado.

- Eu continuarei indo visitar ela, e qualquer novidade irei contar a vocês... – Digo, quase em um sussurro.

- Amanha diga a ela que nós estamos torcendo pela melhora dela... – Tamires diz, tocando meu ombro. Ela da um suspiro, olhando para cada um na cozinha – Todos nós estamos. Queremos, e vamos ver ela saindo do hospital.

- Definitivamente sim, logo ela volta pra gente. – Leandro comenta, com um pequeno sorriso.

- Eu não duvido disso... – Raquel comenta, secando os olhos.

- Claro, não é o fim. Ela pode, e vai melhorar. – Tamires diz.

- Então... Energia positiva, vamos continuar torcendo pela Anne. – Carol comenta, em uma tentativa de animar a todos. Aparentemente funciona, vejo um pequeno sorriso surgindo em cada um.

Dou um suspiro, olhando para todos – Pode deixar, eu direi a ela... Direi como esperam a melhora dela. Com certeza ela se sentirá mais animada.

Vejo como se animam, mas eu simplesmente não consigo compartilhar de tanta animação. Somente eu sei como Anne está, como seu estado vem piorando a cada dia. Eu sei, eu vejo em cada um dos pensamentos de Anne, o que ela pensa surge na minha mente, a dor que ela sente também me atinge, e eu sei o quão grande é a dor de Anne. Por isso é difícil para mim ficar animado com essas mensagens motivacionais.

Eu prometi para ela que não perderia as esperanças... Mas cada dia isso se torna mais difícil. Mesmo assim eu não vou desistir, do mesmo jeito que eu sinto que ela não desistiu. Continuarei ao lado dela.

Me levanto, indo até a sala enquanto todos conversam na cozinha. Eles tentam se manter animados como podem, e na verdade é melhor que seja assim. É melhor eles não verem o que eu vejo. Eles por exemplo, enxergam uma melhora milagrosa, eu enxergo o tempo acabando.... Eles enxergam duas rosas que estão murchando, uma rosa branca que está caída e brigando para se manter viva. O que enxergo é a vida de Anne, que a cada dia a abandona cada vez mais, mas mesmo assim ela não desiste e continua insistindo.

Eu sei como é sentir a vida abandonando. Eu tinha desistido de tudo, aceitei cair na escuridão que eu mesmo havia me tornado, e a chata resolveu se intrometer e ser uma luz para mim. Uma luz irritante e insistente, um sol que mesmo eu querendo afastar, se manteve comigo, sempre me olhando. E tudo isso acabou fazendo eu querer me erguer, e agora... Esse sol, essa luz está se apagando a cada dia.

A vida está abandonando ela, da mesma forma que esteve me abandonando. A diferença entre Anne e eu é que, eu havia desistido, e esteve lá para me ajudar...

Mas Anne simplesmente não desiste, ela é teimosa demais até nisso, mas eu não sou capaz de ajudar ela como ela fez por mim.

Eu queria ser teimoso e forte como Anne está sendo todos os dias. Queria conseguir lutar como ela está fazendo, ser o apoio que ela precisa... Mas eu simplesmente não consigo sozinho.

Eu sei que não adianta chorar... Eu sei que não adianta se desesperar e implorar por ajuda, porque não importa o quanto grite, essa ajuda nunca vem.

Mas agora não importa. Eu estou chorando, estou desesperado e implorando...

Alguém... Por favor, quem quer que seja... Alguém, por favor salve a Anne...

*****

Por mais uma vez estou caminhando por esses corredores brancos do hospital. Se tornou um caminho tão rotineiro para mim, até mesmo conheço vários dos enfermeiros, e alguns dos médicos e os seguranças já me cumprimentam quando passo por eles. Eles sabem tanto de mim quanto de Anne, então acabaram fazendo vista grossa para quando venho vê-la. Em vários momentos simplesmente fingindo que não estou mais tempo no horário de visita que o permitido pelas regras do hospital.

Alcanço o celular na minha mão, são 13:28h. Demorei para entrar hoje, mas acabei precisando pegar algumas coisas em casa. Uma delas foi o vaso com as duas rosas.

Decidi dar as rosas de presente para Anne, pelo menos algo diferente para ela... Não sei se ela vai gostar, afinal, a rosa branca não está tão bonita como costumava ser, e a rosa preta voltou ao seu estado caído de sempre.

Chego em frente ao quarto de Anne, conseguindo ouvir algo em minha mente – Ele ainda não chegou... Mas ele vai vir... Ele sempre vem...

Até os pensamentos de Anne parecem mais fracos.

Entro no quarto lentamente, olhando para Anne. Ela está deitada, olhando para o teto do quarto com uma expressão cansada. Ela me nota, virando seu rosto lentamente para mim, me dando um pequeno e singelo sorriso, que logo retribuo.

Ela está pálida de tanto ficar aqui dentro, seus cabelos ruivos continuam com a mesma cor bela, mas perderam seu brilho e gradualmente se tornaram opacos, sua boca está levemente seca, e atualmente ela sente dificuldades de se mexer ou permanecer sentada na cama sozinha. Seu corpo está muito mais magro. A dias ela deixou de andar... Mas mesmo assim, ela me olha, com o mesmo brilho de quando nos vimos a primeira vez no parque, e continua sorrindo para mim.

- Você veio... – Ela me diz, sua voz está fraca, quase em um sussurro.

- E continuarei vindo todos os dias... – Respondo, me aproximando com um sorriso entristecido no rosto. – Trouxe um presente, mas é uma pena que não esteja tão bonito...

Anne olha para o vaso com as rosas, se forçando a se erguer. Ver isso me dói, aproximo da cama e me sento, deixando o vaso entre nós, e a ajudando a se levantar. – Eu amei o presente, obrigada Edan...

A vejo tocando as rosas lentamente, passando os dedos pelas pétalas de ambas. Quase que ao mesmo tempo, uma pétala de ambas se desprende e cai sobre a cama. Nós dois sabemos o que isso significa. Mesmo assim, passam alguns segundos e ao mesmo instante, ambas as rosas se erguem e tornam-se um pouco mais belas.

Se nós tínhamos qualquer dúvida da lenda das Rosas Gêmeas, agora que vemos isso não restam mais dúvidas. Realmente estamos ligados, e assim continuaremos.

- Acho que nunca vi algo assim... – Eu digo, olhando das rosas para Anne.

- Você acha?... Eu tenho certeza... – Anne diz com um pequeno riso.

- Deixarei as rosas aqui sobre o móvel. Poderá ver elas todas as manhãs, até sair daqui. – Pego o vaso, deixando bem o lado da cama de Anne. Ela me acompanha, ainda sorrindo.

- Será bom acordar de manhã e ver algo que me lembra você... Meu idiota... – Ela diz, se deitando novamente em movimentos vagarosos.

- Você sabe que cada rosa representa um de nós... Eu sempre acordei de manhã e via algo que me lembrava você. Agora é sua vez, minha chata. – Vejo como ela sorri, e posso ouvir seus pensamentos. Ela ama quando a chamo dessa maneira. "Minha chata", e na verdade ela é isso mesmo. Nós somos estranhos, mas eu não ligo para isso. Me sento novamente ao seu lado, fazendo carinho em seu rosto. Lentamente Anne aconchega seu rosto na minha mão – Como está se sentindo hoje?

Ela respira fundo, me olhando calmamente – Meu corpo... Ainda dói bastante, os remédios não surtem tanto efeito... Mas a dor não é como antes... Eu já nem sinto meu corpo direito.

Abaixo o olhar. A preocupação e o medo que sinto me consomem. Respiro fundo – Não perderemos as esperanças... Você vai melhorar...

- Eu vou sim... E logo sairei daqui... – Anne segura minha mão suavemente. Ela fecha seus olhos, ainda retribuindo os carinhos que dou a ela. – Eu tenho novidades. – Escuto, mas não vi sua boca se mexendo. Anne falou diretamente na minha mente.

Fecho meus olhos, apenas sentindo a presença dela. – Quais novidades?

- Descobriram o que tenho... – Ela diz. Saber disso me dá um novo sopro de esperanças, os médicos finalmente descobriram o que Anne tem. Então existe a chance dela melhorar. Realmente existe uma chance – Não exatamente, mas... Eles encontraram o foco da doença.

- Essa já é uma ótima notícia. Quando soube? – Questiono. Eu sei que neste momento, não conversamos com palavras. Eu posso ouvir sua voz em minha mente... Na verdade, eu consigo ver Anne bem na minha frente, da mesma forma que vi meus pais antes deles me deixarem, um brilho parecido com o deles está em volta de Anne... E acho que ela também consegue me ver.

- Soube hoje de manhã, quando minha mãe tinha acabado de chegar... Vieram com os resultados de um exame, e encontraram que o foco da doença está dentro do meu coração, e é algo que se espalhou pelo meu corpo. – Ela me diz, mas posso sentir a preocupação vinda dela. – Eles acreditam que podem tentar tratar, e meu corpo iria se recuperando com o tempo... Mas será preciso uma cirurgia, e ela é de alto risco.

- Uma cirurgia de alto risco... – Digo, temendo por Anne.

- Sim, mas... Vale a pena arriscar. – Ela diz convicta. – Sabemos que é perigoso e eu estou morrendo de medo... Mas finalmente descobriram o que é, e eu tenho uma chance.

- Eu concordo... – Digo, ainda temeroso. – Se é o que pode te salvar, então sim. Definitivamente vale arriscar essa cirurgia.

Anne me da um sorriso – Eu arriscarei sim, arriscarei tudo nessa cirurgia... Apesar de assustada, eu vou tentar. Prometemos não desistir, não é?

- Sim, está certa. Prometemos um ao outro... – Sorrio para Anne. – Alias, eu quero te prometer uma outra coisa.

Recebo um olhar curioso de Anne, que acaba pendendo a cabeça para o lado – Outra coisa?

Afirmo balançando a cabeça – Prometo a você que estarei ao seu lado quando acordar da sua cirurgia.

- Será o primeiro que irei ver? Promete? – Ela me da um sorriso meigo.

- É o que pretendo. – Afirmo sorrindo.

Abro meus olhos, ao mesmo tempo que Anne também abre os seus. – É uma promessa... Quero te ver quando acordar da minha cirurgia.

Ela me lança um sorriso que eu logo retribuo – E você vai... Eu estarei aqui para você quando acordar. Prometo, minha chata.

- Acredito em você, meu idiota. – Ela diz em um sussurro.

- Você não me disse, quando será essa cirurgia? – Pergunto, segurando uma de suas mãos.

Ela pensa por alguns segundos – Só conseguiram marcar um horário para amanhã, quase a meia noite. Não tenho certeza.

- Perto da meia noite. Que horário para uma cirurgia... – Digo, erguendo as sobrancelhas.

Anne força um sorriso – Preferia que fosse hoje... Mas fazer o que...

Somente agora percebo como estou fazendo Anne se esforçar muito mais do que deveria. Por um momento, eu me esqueci de toda a dor que ela deve estar sentindo agora. Anne deveria estar repousando, e não se forçando a falar, isso é um erro. Acabo desviando o olhar e me sentindo culpado por isso. Mas ainda assim, ela aperta minha mão de leve, como se me dissesse que está tudo bem.

Hesito por um segundo antes de falar qualquer coisa de novo – Seus pais já estão sabendo?

Ela nega com a cabeça – Ainda não... Você pode avisar eles por mim?

- Claro, se eles não vierem hoje, eu irei a sua casa falar com eles... – Digo em um sussurro, acariciando seu rosto. – Quer que eu avise a Raquel e o Leandro?

Percebo como ela torce a boca por um instante – Eu... Não queria preocupar eles... Mas será bom que fiquem sabendo... Mas não vai se incomodar?

- Não se preocupe, não será nenhum incomodo... – Digo, dando um pequeno sorriso – Da mesma forma que eu, eles também estão torcendo para que você melhore logo.

Em movimentos bem lentos, Anne se vira na cama até deitar de lado – Eu formei ótimos amigos na escola... Não queria causar essa dor de cabeça toda em vocês...

- Entendeu agora por que eu não queria que vocês não se preocupassem comigo? – Assim que digo, Anne começa a rir fraco.

- Eu sempre te entendi... Só não aceitava... – Ela faz uma pausa, respirando fundo – Nós sempre nos preocupamos... Com quem gostamos... É por isso que eu, a Raquel e o Leandro... Continuamos te enchendo... Todos os dias...

Desvio os olhos, percebendo como sua voz está ficando cada vez mais fraca cada vez que ela continua falando – Já chega Anne. Você está se esforçando demais.

Dou um suspiro com o que digo. Não sei nem com qual tom de voz que falei, e tenho receio de ter sido grosso demais com ela. Viro meus olhos para Anne de novo, e ela ainda sorri da mesma forma carinhosa. – Desculpe, eu devia mesmo... Está só repousando... Só tenho uma última coisa a dizer.

Ela insiste em continuar falando, essa garota é mesmo teimosa. – E o que seria?

- Eu terminei aquilo que não te mostrei... Os desenhos que fiz, estão na primeira gaveta... Você saberá quais são... – Hesito por um segundo, me levantando e indo até o pequeno móvel ao lado da cama, indo diretamente onde Anne me indicou.

Abro a gaveta, vendo de primeiro momento um encadernado com um desenho muito mais caprichado na capa. Nunca o vi antes, mas sei que é de Anne. Olho mais pela gaveta, sendo o encadernado a única coisa realmente diferente dos demais desenhos em folhas soltas. Acredito que seja isso que ela se referia.

- "Uma pequena longa história..." – Leio na capa, voltando meus olhos a capa.

As letras estão desenhadas de maneira caprichada por frente ao desenho, com traços em tons vermelhos. Ao meio da folha, vejo uma garota desenhada de costas, uma de suas mãos erguidas enquanto várias pequenas pétalas caem ao seu redor, e uma estrada com arvores desenhadas em volta. Logo abaixo da folha vejo o nome de Anne nos mesmos tons vermelhos do título em uma posição que apresenta ela como autora. Olho os tons de cores que Anne usou na capa, a garota de costas possui um cabelo avermelhado, o que claramente significa que Anne representou a si mesma. As pétalas que caiam estavam em cores pretas e outras ela deixou em tons levemente brancos, representando as duas rosas. O restante da capa possui tons acinzentados como trevas.

Imagino quanto trabalho ela teve, até mesmo consigo sentir o quanto ela se dedicou.

- É um presente que fiz para você... – Anne diz sem se virar para mim. Olho do encadernado para Anne algumas vezes, caminhando até ficar de frente para ela. – Fiz com carinho... Nele, você entenderá tudo.

- Entenderei? – Olho para ela, segurando esse pequeno encadernado com as duas mãos.

- Sim... Tudo que eu deveria te contar, mas não consegui em palavras... – Ela diz com sua voz em um tom mais suave. Anne da um longo suspiro – Não veja aqui... Eu quero que leia com calma quando estiver em casa...

Olho para a capa uma outra vez. Acho que entendi sua ideia. Ela fez um pequeno livro usando apenas os desenhos que não me mostrou antes. Admito que estou curioso para abrir e ler o que Anne reservou para mim nesse livro... Mas respeitarei sua vontade. – Certo, verei em casa.

Ela me da um sorriso carinhoso – Obrigada Edan... Obrigada por tudo...

*****

Acabo de sair do hospital sendo recebido pelo vento frio da noite. O céu está aberto me permitindo ver o brilho forte da lua nesta noite, juntamente a tantas estrelas... Não tantas como o céu que pude ver quando estava viajando com todos, mas igualmente bonito. Gostaria que Anne pudesse estar vendo isso comigo.

Um pouco antes de eu sair, Anne acabou adormecendo. Ela me disse que estava sentindo muito cansaço, e me pediu para ficar com ela até ela dormir, e assim o fiz. Apesar de toda a situação que ela se encontra, ela estava calma quando dormiu.

Ajeito a mochila nas costas e começo a andar, não para casa, mas sim para a casa de Anne. Seus pais não vieram visita-la hoje, portanto é minha tarefa ir avisa-los sobre a cirurgia. Imagino que o próprio hospital já tenha ligado para eles avisando já quando viram a necessidade, mas mesmo assim, não custa nada ir lá avisar sobre isso.

Apesar de haver uma nova faísca de esperança sobre a melhora de Anne, ainda me sinto preocupado. Uma cirurgia de alto risco é realmente a única saída que ela pode ter nesse momento?

Sei que Anne está morrendo, e esperar por uma melhora milagrosa é uma verdadeira idiotice minha, mas a cirurgia também me deixa inseguro. Não fazer a cirurgia significa que a vida de Anne iria se apagar por completo, mas se a cirurgia der errado, eu também irei perder ela. Tudo que existe é uma chance, uma única chance. Sei que devemos nos agarrar a essa chance, e torcer que tudo ocorra bem... Eu sei que sim, mas é difícil.

Eu sinto medo... Mas eu sei que nem se compara com o que Anne está sentindo, é disparado muitas vezes maior do que eu estou sentindo. Sei disso por ver muito bem o que Anne sente, todo o desespero que ela não consegue mais esconder de mim.

Balanço a cabeça algumas vezes, apenas afastando todos esses pensamentos. Desde sempre, pensar demais sempre foi meu defeito, e agora não é um momento de pensar demais.

Aperto o passo, me focando em chegar logo na casa de Anne, andando bem mais rápido do que costumo, sei que minhas pernas irão me xingar depois, mas não me importo. Tenho algo a fazer, e não terá nenhuma dor que irá me impedir.

*****

Hoje é o dia, ou melhor a noite quando tudo será decidido.

Estou sentado com o corpo encurvado para frente na sala de espera. Regina e Carlos estão sentados ao meu lado, ambos estão igualmente tensos como eu. Do lado de fora, ocupando alguns bancos estão todos. Leandro e Iris, Carol, Tamires, Raquel e Ricardo. Para não fazer arruaça, decidiram esperar do lado de fora por qualquer notícia.

Lembro que ontem eu cheguei a casa dos pais de Anne quase dez da noite e contei sobre a cirurgia. Eles me contaram que Regina recebeu uma ligação logo pela manhã informando sobre a cirurgia, e ela avisou Carlos logo quando ele chegou em casa do trabalho. Ambos já estavam apreensivos quando cheguei, mas da mesma forma eufóricos pela notícia de haver uma chance para a filha, e me agradeceram por eu me dispor a ir tão tarde apenas para avisa-los.

Na manhã seguinte, a primeira coisa que contei para Raquel e Leandro foi sobre a cirurgia. Era para apenas os dois ficarem sabendo na sala, mas algum curioso pescoçou nossa conversa, e espalhou para a sala toda. Agora também tem uma classe inteira torcendo pela recuperação de Anne, eu acho que isso é uma coisa boa. Logo depois, contei para Tamires e Carol, ambas ficaram eufóricas com a notícia.

Todos estão torcendo por Anne.

Essa cirurgia tem que dar certo. Estou depositando todas as minhas esperanças nisso. Acabei de pensar em algo, eu sequer consegui parar para ler o livro que Anne me presenteou, mas irei ver assim que estiver em casa, isso eu garanto.

Pesco meu celular do bolso e vejo as horas. São 01:49h, e a cirurgia de Anne começou as 23:00h em ponto. Quase três horas de cirurgia, mas ainda permanecemos aqui. Olho sobre o ombro, e mesmo estando bem escuro, consigo enxergar todos do outro lado da porta de vidro do hospital. Forçando um pouco meus olhos, consigo perceber que Raquel está andando de um lado para o outro com certa pressa. Imagino a tensão que minha irmã está sentindo.

Calma Raquel, isso logo vai acabar. A Anne vai sair dessa.

Guardo meu celular no bolso, dando um suspiro inquieto. Bato o pé no chão incessantemente, esfrego as mãos por alguns minutos, balanço o corpo, cruzo os braços. Ficar tanto tempo sem uma notícia me deixa inquieto, mas tenho que esperar. Olho para o lado, Regina está com as mãos em frente ao rosto, olhando fixamente para o chão, enquanto Carlos a abraça. Fecho os olhos por um segundo, não consigo ouvir nenhum pensamento de Anne, mas consigo sentir ela aqui. Ela está fraca, mas ainda está aqui. Dou um suspiro, aumentando ainda mais minhas expectativas.

Olho para os corredores, onde um segurança e um médico conversam de forma descontraída. Desvio o olhar, mas volto logo em seguida, quando um homem surge, com uma prancheta em mãos. Ele saca um óculos do bolso do seu jaleco branco, e olha para a prancheta, visivelmente cansado. – Os parentes da paciente Anne se encontram?

- Sim, estamos aqui! – Carlos diz em um salto, Regina logo em seguida. Eu me encontro de pé antes mesmo que eu percebesse.

- Qual o resultado? – Regina questiona, com temor em sua voz.

Ele nos olha, dando um suspiro acompanhado de um sorriso cansado – Ocorreu tudo bem, a cirurgia foi um sucesso total.

Vejo os pais de Anne comemorando em um abraço caloroso, enquanto me viro para ir avisar todos sobre o resultado. Estou eufórico, animado com o resultado. Antes de ir, escuto o médico falando – Daqui a algum tempo, talvez uma hora, ela comece a despertar. Por enquanto vocês não podem entrar para vê-la por estarmos levando-a de volta ao quarto.

- Tudo bem, quando pudermos entrar, pode nos avisar? – Regina questiona.

- Sim, pedirei para que seja dado um aviso na recepção para quando puderem entrar. Mas não poderão entrar todos de uma vez para não cansar a paciente – Ele diz, levando a prancheta para baixo do braço. Vejo o médico olhando em direção à porta e passando um dedo pelo queixo, coçando uma barba inexistente – Digo isso porque, imagino que todos esses jovens parados bem na porta estejam esperando para saber da amiga.

Os pais de Anne se viram e olham em direção da porta, vendo que eles começam há sorrir um pouco sem jeito. Faço uma expressão de tédio. Não. Eles não fizeram isso. Me viro para a porta, e vejo todos com olhares de expectativa – Achei que tínhamos combinado de todos vocês esperarem lá fora...

- Desculpe Edan. – Tamires comenta, um pouco acuada – Não conseguimos segurar a Raquel quando ela viu vocês se levantando.

Dou um suspiro com o que escuto, e balanço a cabeça negativamente. – Tudo bem, vamos lá para fora. Vocês estão bloqueando a entrada.

Gesticulo algumas vezes, fazendo com que todos se afastem da porta, enquanto os pais de Anne falam mais algo com o médico. Assim que passo para o lado de fora, a madrugada fria me recebe, mas de uma maneira que eu não esperava. Ela me conforta de uma maneira agradável, quase me acolhendo. Acho que a notícia me deixou muito mais leve, e isso me deixa bem. Sigo com todos até próximo dos bancos, ficando longe o bastante da porta.

- Vamos Edan, pare de fazer mistério! Nos conte o que deu! – Raquel exige, colocando as mãos em meus ombros e me sacudindo de leve. Esse desespero dela me faz rir, o que causa um olhar de espanto em todos. Eu esperava fingir uma cara triste e depois contar que tudo deu certo, mas Raquel simplesmente me fez rir. Acho que nunca sorri ou ri na frente de nenhum deles.

- Tudo deu certo na cirurgia. – Consigo dizer, sem conter a minha própria animação. – A Anne vai ficar bem!

Vejo um largo sorriso crescendo no rosto de Raquel. Não apenas no dela, mas de todos aqui. – Vocês ouviram, foi tudo bem! Foi tudo bem! A Anne vai melhorar! – Raquel diz em total euforia. Eles começam a gritar e rir em empolgação, todos contentes com a notícia. Eles se abraçam e comemoram alto com a notícia, dando um abraço em grupo devido a toda animação. Eu não queria ter sido puxado para esse abraço em grupo, mas tanto faz, apenas me deixo levar por toda a empolgação deles.

- Quando ela poderá sair? – Iris me questiona, quando finalmente paramos de pular.

- Ainda não tenho ideia, mas já temos uma ótima notícia. – Respondo em total animação.

- O importante é que deu tudo certo, agora é a Anne se recuperar e pode sair! – Carol diz com total empolgação, enquanto todos acabam em mais um abraço empolgado.

- Se estamos assim, imagine o Edan, que ficou vindo todos os dias ao hospital. – Ricardo comenta aos risos animados.

Acabo dando de ombros, percebendo que Regina e Carlos se aproximam – Daqui uma hora e meia já poderemos entrar para ver a Anne.

- Tudo isso? – Raquel questiona.

- É o tempo que precisa para passar o efeito sedativo, e ela começar a despertar. – Regina continua, olhando na minha direção – Eles vão avisar quando pudermos subir para ver ela.

- Só mais uma hora... – Digo, respirando aliviado. Mas logo paro e penso em um pequeno detalhe – Uma hora e meia? O médico não falou uma hora?

- Falou sim. – Carlos comenta, o que me faz erguer uma sobrancelha – É uma hora e meia para nós. Você quem vai entrar para ver ela primeiro.

Olho de um lado ao outro, sem entender o que acabei de ouvir – Eu?

- É claro Edan, quem mais poderia ser? – Raquel comenta, cruzando os braços com um sorriso de canto – Você é quem esteve todo esse tempo aqui com a Anne, acho até que você é quem ela mais vai querer ver... Bem, você ou a mãe dela.

- Tudo bem, eu concordo em ele ir primeiro... – Regina diz, dando uma risada. – Acho que é normal o namorado querer ir primeiro. Darei esse benefício só por ser o Edan, mas não se acostume com isso.

Todos a minha volta riem com o que Regina diz – Bem, eu não sou o n... Ah que seja! O que isso importa agora?! – Digo revirando os olhos, fazendo todos rirem ainda mais, mas não ligo, estou igualmente feliz. Tanto faz se sou ou não namorado da Anne, pelo menos vou conseguir ver ela acordando, e cumprir minha promessa a ela.

Tudo que resta é esperar só mais uma hora.

*****

Estou andando pelos corredores novamente, sem conter minha própria empolgação. Olho para os lados, vendo alguns dos médicos e enfermeiros que acabei fazendo uma certa amizade no tempo que vim visitar Anne. Cumprimento aqueles que notam minha presença, outros que não notam simplesmente ignoro.

Olho meu celular, já passaram das 3 da madrugada, um pouco depois do imaginado, Anne deve estar bem perto de acordar, então tenho que me apressar para não falhar com minha promessa.

Chego ao quarto de Anne, respirando fundo e entrando. Vejo Anne deitada, com o corpo virado para cima. Ela dormindo está tranquila, como na última vez que vi ela. Me aproximo, me sentando na cadeira que sempre ocupei toda vez que a visitei, e me sento, olhando para ela.

- É, foi como você disse. – Digo empolgado, com um sorriso no rosto. Estou me sentindo um idiota por simplesmente estar falando com Anne enquanto ela ainda está adormecida, tenho certeza que ela não vai ouvir, mas e dai? Eu estou feliz, então que se dane. – Não devíamos perder as esperanças. Você estava certa Anne, eu deveria ter confiado mais em você. E agora, a cirurgia deu certo, e logo você vai poder sair daqui.

Me calo, olhando para Anne com expectativas. Ela vai acordar logo.

Deu tudo certo, a cirurgia foi um sucesso total. Logo o efeito da anestesia vai estar passando, ela vai acordar e estarei aqui para ela. Eu não precisava ter me incomodado, me contido tanto... Tudo acabou, eu não vou mais perder ela...

Agora sei que posso me entregar de verdade, não preciso mais ter medo.

Me balanço um pouco na cadeira, saco o celular e olha a tela. 03:38h da madrugada. É a qualquer momento. Não me deixe esperando muito tempo Anne.

Bato os dedos na perna, olhando para Anne, e então pelo quarto, ainda me mantendo empolgado. Saco o celular novamente e vejo as horas. 03:46h da madrugada... Tá bom, está demorando só um pouquinho.

Bato mais um pouco os pés no chão, conto até cem, assovia algumas músicas, olhando o celular após mais algum tempo... 03:58h... Viro meus olhos para o vaso onde estão as duas rosas. A rosa preta está bonita, e a rosa branca acabou de perder mais uma pétala. Cerro o olhar voltando a olhar para Anne. Seguro o braço dela lentamente, com um pequeno riso – Ei Anne, você está brincando comigo né? Vamos lá, abra os olhos, você não vai me assustar...

Escuto passos atrás de mim, o mesmo médico de antes acabou de entrar no quarto – Como a mocinha está?

- Não sei doutor, ela ainda não acordou... – Digo, olhando dele de volta para Anne.

- O que? – Ele questiona, chegando perto de Anne.

Percebo um olhar estranho surgindo nele, o que me deixa um pouco mais sério. Abro o celular e vejo as horas novamente. 04:00h da madrugada. Ao mesmo tempo que ele se vira para mim, com uma expressão preocupada. – Ela... Ela parece estar em coma.

O que...?

Nesse momento, em meio a madrugada eu soube... Isso ainda não tinha acabado.

Considerações finais: 

E ficamos aqui com mais esse capítulo, mais acontecimentos complicados por aqui... E novamente, as coisas apenas pioram. Bem, espero que continuem a leitura, que estejam gostando e... Até o próximo.

Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro