Capítulo 27
4237 palavras - Arco viagem
Por Edan
Sinto uma estranha brisa tocando meu rosto, o que me faz abrir os olhos. Não enxergo nada a minha volta. Está tudo tomado por um estranho escuro. O chão coberto por água, e absolutamente nada ao meu redor. Eu sinto que já estive aqui antes, mas não consigo me lembrar quando, nem como cheguei aqui.
Olho para minhas roupas, elas possuem tons cinza e todas são pesadas, acho que ideais para andar em um ambiente muito ameno, por mais que aqui eu simplesmente não sinta nada, nem calor, nem frio... Nada. Além disso, os sons aqui são limitados, apenas um gotejar distante, que me causa a sensação de ecoar neste lugar.
Sei bem que, se eu olhar em volta, não irei achar nada. Se eu andar, também não encontrarei nada, mas algo surge. Uma pequena luz surge a minha frente, vindo em minha direção, se tornando mais forte em cada segundo, ofuscando meu olhar. Quando volto a enxergar, estou em outro ambiente. Estou em um parquinho infantil. Vejo por aqui alguns brinquedos, gangorras, balanços, escorregadores e algumas barras de exercício um pouco mais distante. Sinto que o clima daqui está mais frio pela brisa que passa pelo meu rosto.
Percebo ao lado que existe um homem sentado sozinho em um banco, olhando atento para duas crianças que brincam empolgados. Consigo identificar que umas das crianças é uma garota de cabelos negros e olhos azuis que eu não tenho a menor ideia de quem seja afinal eu nunca a vi na minha vida, e a outra criança, de cabelos curtos e olhos verdes, claramente sou eu. Volto meus olhos ao homem, identificando ser meu pai.
Caminho até o banco, me sentando ao seu lado e observando o mesmo que ele. Olhando as crianças brincando uma ao lado da outra no balanço. Elas estão rindo sem parar enquanto continuam a brincadeira, e de soslaio, observo meu pai. Ele claramente está mantendo o cuidado para comigo, mesmo mantendo esse olhar sério. Ele sempre se mantinha sério e com essa expressão fechada, com certeza foi dele que puxei essa cara séria. Mas diferente de mim, era preciso pouco para fazer meu pai rir e bagunçar igual uma criança comigo e minha mãe.
- Você está muito sério garoto... – Ouço ele dizer repentinamente, me fazendo olhar para ele no mesmo instante – Aconteceu alguma coisa?
Não acredito... Ele consegue me ver?
- Bem... Mais ou menos... – Consigo dizer, abaixando o olhar – Várias coisas na verdade.
- Por que não me conta algumas dessas coisas? – Ele diz calmamente.
Arqueio as sobrancelhas – Bem, foram... Algumas perdas que tive... Mas não se importe, foram a muitos anos, não precisa se incomodar.
Francamente, eu sou muito idiota. Anos sem falar com meu pai, e quando eu tenho chance eu fico de frescura para falar... Mas aliás, como eu vou falar para meu pai que um dos motivos de eu sofrer tanto é a própria falta dele? – Me incomodo, não são todos que tem um olhar como esse seu. Parece que carrega um fardo pesado.
- Posso dizer que está certo. Estou precisando carregar muitas coisas sozinho, coisas que eu não sei se sou capaz de aguentar... – Paro de falar por um segundo, balançando a cabeça – Acho que na realidade eu sei sim, não sou capaz.
- Você tem uma visão muito pessimista. – Ouço ele dizer, dando uma pequena risada. – Mesmo se a situação for muito extrema, somos capazes de aguentar. Mas não precisa ser sozinho.
Ergo uma sobrancelha com o que meu pai diz. Uma conversa depois de tanto tem de tantos anos, e recebo uma lição de moral para não ficar sozinho. Está tudo bem, não poderia ser de outro jeito, na verdade eu prefiro assim.
- Aprendi isso com minha esposa, quando ainda estava na faculdade. – Ele diz, dando de ombros – É uma lição de vida.
Balanço a cabeça, desviando o olhar – Ela deve ser uma pessoa incrível.
Acho que pareci indiferente demais, mas não foi minha intenção. É minha mãe, mas nesse momento, eu nem sei o que pensar. – E como, ela é única. É sua mãe afinal.
Sou pego de surpresa, virando meus olhos para ele. Meu pai me observa com um sorriso.
- Achou que eu não iria te reconhecer Edan? – Ouço ele dizendo com uma risada calorosa, pousando uma mão sobre meu ombro – Seus olhos são frios, mas os mesmos do meu garoto brincando bem a minha frente. Soube na hora que era você.
Penso em falar algo, mas lentamente tudo para. Como se o tempo acabasse de parar, não vejo mais nada se movendo. Meu pai parou, as crianças brincando também pararam, estáticas no ar. Tudo começa a se tornar um grande mar cinzento partindo de mim como o centro. Lentamente tudo começa a desaparecer, dando espaço a apenas o mesmo espaço negro.
Eu poderia ter falado tantas coisas, dito tanto para o meu pai, mas... Eu não consegui mais do que poucos minutos. Acabo suspirando, sozinho em meio a um espaço negro.
Ao longe percebo algo, uma coisa cinzenta que me lembra uma imensa porta de pedra. Penso em me aproximar, mas quando dou um passo, algo cai a minha frente, me impedindo de continuar andando. Quando olho melhor, um vulto negro avança com a mão esticada em minha direção, muito mais rápido do que acho ser possível.
Fecho os olhos, esperando receber o impacto. Não sinto nada.
Abro os olhos, me vendo deitado na minha cama, arfando sem parar e com Carol deitada sobre mim. Passo uma mão pelo rosto, sentindo como estou suado.
Não sei o que aconteceu... Mas sinto uma imensa saudade me consumindo nesse momento.
*****
A van acaba de sair da estrada, entrando em um pequeno estacionamento com poucos carros. Assim que a van para, um a um começamos a sair, com a habitual bagunça que todos eles gostam tanto de fazer. Sério, várias vezes me sinto na escola com a bagunça de todos.
Saio da van, cobrindo meus olhos da luz. Me adaptando, começo a olhar melhor para o lugar, e principalmente aos sons. Olho melhor para a cachoeira a minha frente, ela é mais alta do que aparentava ser, embaixo tem um pequeno lago rodeado por algumas pedras, parecendo terem sido naturalmente esculpidas para poder se sentar nelas e aproveitar o pequeno lago formado na base dela. Fecho os olhos um segundo, o som da água invade meus ouvidos, é agradável, acho até relaxante. Olhando para o lado, vejo alguns carros estacionados ao lado da van, e passando meus olhos, da pra identificar uma pequena trilha indo em direção a parte embaixo da ponte, pelo jeito lá embaixo tem uma segunda cachoeira e mais um lago, quem sabe o que mais vai ter.
Eu falei para a Carol sobre a cachoeira que eu e Anne vimos quando todos fomos naquele mirante, mas eu acho que deveria ter feito isso quando estivéssemos sozinhos no quarto ou algo do tipo, e não descendo a trilha de volta com todo mundo em volta. O resultado disso é que, por algum motivo, todos prestaram atenção no que falei, acharam muito promissor e... Estamos aqui agora. O engraçado é que quando falei, ninguém além de mim disse que viu cachoeira alguma.
Hoje está um pouco mais quente que os últimos dias, claro, ainda está um vento frio, mas não precisamos sair totalmente agasalhados.
- Que lugar bonito. – Carol diz ao meu lado, atraindo minha atenção, ela abraça meu braço, ficando bem próxima de mim. Ela falou tão baixo que só eu devo ter ouvido ela.
- Sim, concordo com você... – Respondo, olhando em volta. – Aqui é bonito mesmo.
Ela dá um sorriso, nós ficamos para trás de todos, e vamos andando muito devagar, acho que nem estamos nos afastando direito da van – Sabe que eu estava brincando quando falei da cachoeira antes, não é?
- Sim, imaginei isso. – Dou de ombros, e continuo – Mas você falou tanto disso, que pensei em como você poderia gostar de vir mesmo.
Ela arqueia as sobrancelhas – Fez isso pensando em mim?
Reflito por um curto segundo sobre isso, de certa forma ela está certa – É, em maior parte... Acho que sim.
- Isso é bem bonitinho, principalmente vindo de você. – Carol termina de falar com um sorriso, ela se aproxima e me dá um suave e longo beijo. Ela me abraça carinhosamente, e logo retribuo sem nem hesitar... Eu não sei quando eu aprendi a gostar de abraços – Obrigada, de verdade Edan.
Carol então se afasta de mim lentamente, segurando uma das minhas mãos e demorando para soltar, me dando uma piscada e indo se juntar aos outros, que já estão espalhados ao redor da cachoeira, enquanto permaneço onde estou, olhando para todos.
Antes que eu pense em ir até eles, percebo algo, Anne está olhando em minha direção, isso me faz parar. Seu olhar e sua expressão são indecifráveis para mim. Me lembro do que aconteceu ontem, de tudo que ela me falou, isso me faz me sentir mal a ponto do meu estômago dar um nó. Me pergunto quanto será que ela viu... Olhando para ela, não sei o que está pensando agora, não consigo decifrar seu olhar. Anne está séria, me observando com o canto dos olhos. Logo em seguida ela desvia o olhar para baixo, sua expressão por inteira é algo que não sei descrever.
Realmente, algo mudou entre nós.
Respiro fundo, me forçando para ir até eles, por mais que eu não queira. Raquel está tirando fotos com Ricardo, e logo Iris e Leandro se juntam, e ficam conversando de maneira bem animada. Carol, Tamires e Paulo estão sentados nas pedras, vejo que todos deixaram os sapatos pelo chão e estão se atrevendo a pôr os pés na água. Pela cara que estão fazendo, está bem gelada, ainda assim eles aguentam e dão risadas. Anne e Fabiano estão indo pela trilha, rumando a cachoeira. Me aproximo e olho para baixo, tem mais algumas pessoas lá embaixo. É, não tenho muito o que fazer por aqui. Acabo voltando para a van, que está com a porta lateral destravada, me sento em um dos bancos e me limito a observar todos aqui. Acho que meu entretenimento quase sempre será observar quem me rodeia. Gostaria de ter trago algumas folhas e um lápis para pelo menos ficar desenhando... Ué, eu pensando nisso, assim do nada?
Que coisa estranha.
Percebo então Raquel apontando seu celular em minha direção por alguns segundos. Fico sem entender o que ela está fazendo. – Pronto, agora temos um registro que o Edan veio com nós.
- O que? – Questiono, sem sequer sair do meu lugar.
- É claro! Em todas as fotos que tiramos, eu não vi você em nenhuma. – Ela diz, me apontando um dedo como se me acusasse – Nem de fundo você aparece nas fotos, francamente.
- Mas... Qual o problema com isso? – Olho em volta. Pelo menos a Raquel não chamou a atenção de todo mundo. Só Ricardo está prestando atenção nela, além de mim.
- Como vamos dizer que você veio ou estava com nós aqui nesses lugares, se você não aparece em nenhuma foto? – Ela ergue os ombros – Parece até que você ficou sozinho todo o tempo.
Acho que não foi tão assim. Dessa vez eu não fiquei tão sozinho como costumo ficar em casa, isso deve ser um progresso que Raquel não está vendo. Ainda assim, balanço a cabeça concordando com ela – Foi mais ou menos isso mesmo.
Ela bufa por um segundo, se virando para seu namorado. Eles falam por um segundo em voz baixa, e vejo Raquel entregando seu celular a ele. Ela então se vira para mim, com um olhar quase maldoso, e vem andando em minha direção, entrando na van e ficando de pé, parada ao meu lado. Ergo uma sobrancelha ao ver isso – O que você está fazendo?
- Nada, agora olhe para lá e faça uma pose! – Ela diz, apontando em uma direção, que eu olho quase por instinto. Posso ver o namorado de Raquel mirando o celular em nós, e então fazendo um gesto positivo.
- Pediu pra ele tirar uma foto minha? – Eu olho para Raquel, sem entender onde ela quer chegar.
- Pedi pra ele tirar uma foto nossa. Minha e do meu irmão chatolinho. – Ela diz, com um sorriso vitorioso e me olhando de cima. – E não reclame meu caro, senão eu irei pedir pra ele tirar mais.
- Não estou reclamando... – Digo, torcendo para que Raquel se dê por satisfeita.
- Ah, é mesmo? – Raquel abre um largo sorriso, seu olhar quase se ilumina. Medo. Não quero nem saber o que ela está pensando. Percebo que Raquel olha na direção dos outros, que ainda estão na cachoeira. – Pessoal!!! O Edan está falando que ta livre pra tirar fotos! Quem quiser pode vir agora!!! – Ela berra. Estão olhando para mim. Espera um pouco, o que raios ela fez?
- O que?! Sério?! – Carol grita de volta, pulando para fora da cachoeira.
- Uma foto com o fantasma? Isso eu não perco por nada! – Agora Tamires quem pula para fora, e Paulo vem logo atrás.
- Alguém disse foto com o Edan?! – Escuto outro grito, vindo de outra direção. Leandro. Aliás, nem sei onde ele deve estar agora.
Dou um longo suspiro e tapo o rosto com a mão. Raquel, você me paga por isso.
*****
Estou sentado no sofá, Carol está sentada ao meu lado. Acho que ela está em dúvidas se fica só encostada no meu braço, ou então deitar no meu colo. Bom, ela pode decidir, eu não ligo.
Sentada no outro sofá, Raquel está junto de Iris, as duas estão olhando as fotos tiradas em seus celulares, e comentando algumas coisas entre si, que sequer tento prestar atenção. Na cozinha Carlos, Leandro, Paulo e Fabiano estão jogando o que parece ser truco, e se não me engano estão com várias latas de cerveja os acompanhando. Anne e Regina saíram para andar um pouco, Ricardo subiu para dormir, e não sei de Tamires.
- Fala sério Edan! – Raquel diz de repente, atraindo tanto minha atenção quanto de Carol – Foram quase trinta fotos, e em nenhuma delas você deu um sorriso sequer?
- Sei lá, acho que não sorri. Por que?
- Olha isso... Foto comigo, com a Carol... Com o Leandro e a Iris... – Ela para de falar e me olha. Pela sua cara, ela acabou de ficar mais indignada – Você nem mudou a pose!
Iris ri com esse comentário, enquanto Carol se vira um pouco pra me olhar. – Foi a mesma coisa que tirar fotos com um totem de pedra. – diz dando uma risada curta.
- Olhe pelo lado bom, pelo menos tirei algumas fotos. – reviro o olhar ao terminar de falar.
- Pelo menos temos uma recordação com você. – Raquel diz, virando seu celular para mim. Na tela está a minha foto com ela na van – Isso aqui meu caro, é uma relíquia.
Balanço a cabeça negativamente, e Iris então diz – Não tem como negar, eu também sei que você não tira fotos nem nada assim.
- Eu só não gosto. – Respondo. Posso sentir a carga de desânimo na minha voz.
- Tem algo que você gosta de verdade? – Iris me questiona, batendo um dedo em sua perna. Agora que percebo, essa é uma pergunta que todas já me fizeram em algum momento.
As três estão me olhando agora. A curiosidade de todas está nítida na cara delas. Ainda perdem tempo perguntando algo tão óbvio – Absolutamente nada...
- Pois eu duvido disso. – Carol diz com uma risada. – Eu tenho certeza que deve gostar de alguma coisa.
Prefiro não falar mais, acho que não me levará a lugar nenhum.
- Também acho, mas ele é teimoso demais para admitir isso – Raquel diz, voltando a olhar seu celular.
- Acho que você quis dizer "teimoso demais para qualquer coisa". – Carol comenta, e as três começam a rir.
Acabo as ignorando e levanto do sofá, acho que vou subir e deitar um pouco. Mas logo então uma outra ideia surge na minha mente. Vou para a estante, abro uma gaveta em busca de um caderno, ou qualquer coisa desse tipo, e logo dou a sorte de achar um com algumas folhas livres. Olho por mais um tempo e acho um lápis pequeno e bem gasto. Eu analiso, tentando descobrir se ele está bom o bastante para ser usado, e principalmente para descobrir se ele não irá quebrar no meio do uso. Assim que confirmo tudo, volto para o lado de Carol e me sento.
- O que vai fazer? – Iris que rompe o silêncio.
- Vou desenhar um pouco. Me deu vontade... – Uau, é tão estranho dizer isso. De novo essa vontade repentina de desenhar. Mas agora está tão forte, que eu não quero tentar resistir. Meu corpo está pedindo por isso, e eu não quero impedir isso.
- O que está pensando em desenhar? – Carol me pergunta, ajeitando sua postura ao meu lado e olhando para a folha. Ela pende levemente seu corpo para trás, o que atrai minha atenção quase de imediato – Podemos ver?
- Claro que pode, acho que não terá problema. – Respondo, voltando meus olhos para a folha, batendo a lateral do lápis no caderno.
Tanto Raquel quanto Iris acabam se sentando do meu lado, se ajeitando de forma que as duas consigam ver a folha. Penso por um segundo, e toco o lápis na folha, deixando os traços fluírem sem me prender muito. Não sei o que irá sair disso, estou apenas fazendo algo livre, que tanto minha mente e minha mão querem. Se movem de forma quase automática, como se possuíssem uma vontade e desejos próprios, que ainda se combinavam a mim. É como se uma energia fluísse de dentro do meu corpo, percorrendo através do lápis e sendo caprichosamente deixada na folha. Lembro aos poucos o que Anne tentava me instruir, das vezes que ela passou em casa me fazendo companhia e dando broncas, as coisas que ela dizia. Algo que Anne me disse uma vez me vem em mente, "Desenhar é uma das várias formas de ver a própria alma, e também uma das maneiras para ela se conectar e falar com o mundo".
Sei que agora, estou fazendo tudo que ela ficava me enchendo quando estava em casa, de forma quase que instintiva. Cada jeito de fazer os traços, pressão, ângulos. Coisas que eu fazia antes e o agora se misturam, surgindo algo novo, uma novo que me causa ansiedade para descobrir melhor o que é. Pela primeira vez em anos, desenhar não é algo totalmente vazio. Acho que lá no fundo, está sendo diferente, divertido.
Com o canto dos olhos, presto atenção em cada uma delas. Nenhuma falou mais nada desde que comecei a desenhar, todas olham para a folha a minha frente, tão concentradas que parecem estar vendo algo único. Por um segundo, as risadas altas na cozinha são abafados e parecem desaparecer. Um silêncio me rodeia, mas diferente de antes, eu não me sinto tão ameaçado como normalmente acontece.
- O que estão fazendo? – Escuto alguém falando, me trazendo de volta a realidade. Olho na direção da voz, Tamires, que está no alto da escada.
- Assistindo o Edan desenhando. – Carol responde, enquanto vemos Tamires descendo e vindo em nossa direção.
- O garoto aqui tem muito talento. – Escuto atrás de mim, atraindo minha atenção. Ricardo também estava me assistindo desenhar, mas não tenho ideia de onde ele apareceu. Ele me da uns leves tapas no ombro – Você é bem hábil, parabéns.
- Bem... Ah, obrigado... – Olho para minha folha, analisando o que fiz até agora. Somente agora percebo realmente o que estou criando. Uma estrutura que me lembra um monumento angelical, e uma pessoa parada de frente a esse monumento. Pelo que interpreto do meu próprio desenho, a pessoa está olhando para o anjo, acho que o admirando. A sensação que esse desenho me passa é algo como felicidade, esperança. Não desenhei um cenário de fundo, não é necessário. Sei que não é. – Mas isso não é muita coisa... Ainda nem está terminado.
- Estou ansioso para ver como vai ficar. – Ricardo diz rindo, mantendo seu apoio com os braços no sofá.
- Quer ver também Tamires? – Carol questiona, já batendo com a palma da mão ao seu lado no sofá.
- Claro, adorarei ver. – Ela diz rindo e se sentando, mas logo ela se ajeita de uma forma que parece mais estar deitada nas pernas de Carol. Eu a observo de soslaio.
Volto meus olhos ao desenho. Sei exatamente o que fazer para terminá-lo. Seguro o lápis e começo a fazer traços leves, criando efeitos de sombras em volta. Sigo esse movimento, primeiro em toda a base da folha, e logo em seguida eu faço o mesmo na parte superior da folha. Alguns riscos mais pelos cantos, e assim me dou por satisfeito.
- Bem, acho que agora terminei... – Digo, olhando em volta. Para minha surpresa, os olhares são diferentes agora. As garotas parecem chocadas e em silêncio. Olho para trás, Ricardo tapa a boca, e mantém um olhar sério para o desenho. Ninguém diz nada.
Olho melhor para a folha, vendo melhor o resultado final. Não vejo mais o que via antes. A ambientação por inteira do desenho mudou, tudo se tornou sombrio. O que sinto agora vendo esse desenho é tristeza, solidão, sofrimento, abandono... Dor... Medo... Desespero...
Tudo, menos esperança.
O anjo que antes havia na folha agora quase não existe, mal vejo suas asas. Ele não simboliza nada. Talvez apenas o símbolo vazio de uma esperança a muito abandonada, deixada para trás para ser esquecida e engolida pelo escuro.
Neste momento, o que Anne me disse volta a minha mente.
"Desenhar é uma das várias formas de ver a própria alma, e também uma das maneiras para ela se conectar e falar com o mundo".
É essa a minha alma? Isso que minha alma tem a dizer?
Eu mesmo não sei o que dizer. Não sei o que pensar. Minhas mãos tremem, sinto um suor inexistente caindo pelo meu rosto, e um calafrio macabro percorrendo todo o meu corpo.
- Nossa... – Raquel começa a falar, sua voz quase não sai. – ...Ficou bem...
- Eu não sei o que falar... – Iris comenta, endireitando sua postura.
- Ficou... Bom? – Carol pergunta, acho que para si mesma e a todos nós.
- Acho que sim... – Ricardo responde.
Mais um silêncio se estende. Continuo olhando o desenho, pensando na mudança que ele sofreu. Uma falsa aparência de tranquilidade, mas o final é apenas tristeza. Algo nele me incomoda, uma pontada de incomodo no fundo do meu peito, mas não sei interpretar o que é. Esse desenho é um reflexo de mim?
Dou um suspiro, destacando a folha lentamente do caderno – Bem, irei deixar guardado.
Me levanto, todos me olham. Não tenho ideia do que estão pensando. Com certeza, devo ter decepcionado as expectativas deles.
- Você está bem? – Raquel me pergunta.
Hesito um tempo, deixando o caderno e o lápis sobre o móvel. – Estou sim. Não se preocupe.
Me afasto se todos, subindo para meu quarto. Entro e vou para minha mala, dobrando a folha e colocando entre uma das roupas.
Escuto batidas na porta – Edan? – É Carol.
Me viro para vê-la, e Tamires está com ela. As duas estão me olhando. O clima está estranhamente pesado – O que é?
- Nada, nós só... – Tamires começa, mas logo para. Ao que parece, ela não sabe o que falar agora – Só queremos saber se quer ir lá fora tomar um ar.
Eu as observo, Carol então fala – Daqui a alguns dias estaremos voltando... Acho que devemos fazer mais que só ficar dentro de casa.
Balanço a cabeça concordando – Por mim tudo bem.
- Então... Agora vamos descer e ir lá fora? – Tamires diz, fazendo um gesto em direção ao corredor.
- Tenho uma ideia melhor... – Digo, saindo do quarto e indo direto para a porta, que agora faço questão de deixar destrancada para ir quando quero.
Assim que entro, já vou direto para um dos bancos e me sento. Olho para as garotas, que vem até mim em passos lentos. As duas pegam alguns bancos e se sentam.
Ficamos em silêncio, aproveitando o vento e o lugar. Acho que não temos muito para falar agora.
Considerações finais:
Ficamos aqui com esse capítulo. Bem menor do que o anterior (5 mil palavras a menos que o anterior) mas ainda assim dando um embasamento ainda maior sobre o Edan, sobre como ele se sente, sua mente e sua alma.
Espero que tenham gostado, esse é o penúltimo capítulo do arco da viagem. Espero de verdade que estejam gostando da história, estou me dedicando bastante para que seja uma leitura marcante de alguma maneira. Já sabem né, se tiverem opiniões, teorias, não hesitem em falar. Os encontro no próximo capítulo, até lá.
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