XXV - τριαντάφυλλα
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Aviso: Gatilho!
Violência explícita
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Recuo um passo, sentindo meu peito se afundar e meu sangue gelar. Me viro agarrando a espada com firmeza, mesmo sabendo que em vão, observando os portões sendo abertos, e de dentro deles rosnados ecoarem para a arena. A multidão aclama, chama pelos animais. Ofego, puxando o ar repetidas vezes para o meu corpo, e balanço a cabeça negativamente. Eu havia vencido, eu havia derrotado o gladiador, eu havia sobrevivido a luta, eu estava tão perto de derrotar o imperador, não, eu não poderia morrer assim, tão perto.
Os animais então saem das cavernas, umas quinze ou mais leoas de pelagem dourada, e começam a circular a arena, me observando, rosnando baixo. Engulo em seco com dificuldade, sentindo meu peito se apertar e lágrimas empoçam meus cílios antes de escorrerem por meu rosto. A ferida latejava de dor, e o sangue que continuava a descer por ela certamente estava atraindo os animais famintos. A espiral das leoas ia lentamente diminuindo, se aproximando cada vez mais e com os olhos fixos em mim.
Então elas se viram, formando uma posição de defesa ao meu redor. Relaxei meus ombros, olhando espantada para os animais que haviam fechado um cerco ao meu redor, e senti aflorar, da espada, e correr por todo meu corpo, uma energia, uma força que eu nunca havia sentido antes. A ferida subitamente parou de doer, e eu pude inspirar para dentro dos meus pulmões o ar da arena, que fedia a areia aquecida, sangue e ruína.
Voltei meu olhar novamente para o imperador, e mesmo na distância em que estávamos um do outro, pude ver o ódio que ardia em meu peito refletido em seu olhar. Eu não estava mais com medo, eu não precisava estar. Firmei minha mão na espada, finalmente entendendo. Eu não precisava ter dúvidas ou medo; essa era a vontade de Ares, a batalha não iria se voltar contra mim. Mantive meu olhar fixo em Caligula, não precisava me virar para os animais para saber que eles também o encaravam.
Uma das leoas solta um rugido que ressoa por todo o ginásio, fazendo com que os pelos da minha nuca se arrepiassem. Protogeles se inclina rapidamente na direção de Caligula e diz alguma coisa. Sinto as mãos do imperador segurarem com mais força os braços da cadeira, sua perna balançava sobre a toga. Me viro para o narrador mascarado, que estava um pouco acima de mim, e começo a correr em sua direção, saltando e agarrando o muro da varanda, o que fez com que todos ali se afastassem.
- Soldados! Matem-na! Detenham essa escrava! - Caligula grita, se pondo de pé em um movimento rápido.
Os homens rapidamente começam a avançar na minha direção, assim que eu consigo colocar os pés na varanda e eu seguro a espada em uma pose defensiva, apesar de não ser necessário. Os animais avançavam e saltam em suas direções, abocanhando suas lanças e derrubando os soldados na arena. Não me virei para olhar, os gritos e a multidão agitada tentando sair do ginásio já me diziam muito. Me virei, aproveitando o caminho livre, e começo a correr na direção de Caligula. Ele e Protogeles arregalam os olhos, e começam a correr. Alcanço o local onde ele antes estava, e avisto o túnel lateral por onde eles desapareceram. Empurro as pessoas que estavam em meu caminho sem prestar atenção em quem eram, e entro no túnel que era bastante semelhante ao que me arrastaram para dentro das prisões.
O lugar era estreito e escuro, e um tanto abafado, o que fazia ecoar os passos de Caligula e Protogeles, o que me possibilitou continuar a perseguição mesmo não os enxergando mais. Conseguia ouvir passos atrás de mim também, o que me fez correr ainda mais rápido. Não sabia como, mas a ferida não estava me incomodando no momento. Os corredores faziam curvas e curvas, meu coração batia acelerado com medo de que eu os perdesse. Tinha que desviar de ratos para não tropeçar nestes, e as vezes me abaixar para não ser agarrada por uma teia de aranha.
Finalmente consigo avistar a túnica de Caligula, que era clara e contrastava com as paredes de pedra. Me forço a correr mais, surpresa de ainda não ter perdido o fôlego ou me cansado. Estico meu braço, conseguindo agarrar o tecido e fecho meus dedos ali dando um puxão que quase desmancha a parte superior da túnica, mas que faz o homem parar a força. Ele tenta se desvencilhar, mas eu avanço e agarro seu braço, erguendo a espada até a lâmina roçar em seu pescoço. Isso o faz parar, com os olhos arregalados e os dentes trincados. Olho por cima do seu ombro, mas não vejo Protogeles. Provavelmente ele já estava longe. Mordo meu lábio inferior, com raiva de tê-lo deixado escapar.
- Como ousa? - Caligula diz, entredentes, me fazendo voltar a encará-lo. - Não pode me matar! Eu sou o imperador! Eu sou Roma! E você não passa de uma... escrava. Você não é ninguém, como se atreve?! -
- Calado. - Minha voz sai mais como um rosnado, impaciente com seus gritos escandalosos. Pressiono o fio da lâmina contra seu pescoço, e logo um filete de sangue surge sobre o bronze. - Você sangra, posso matá-lo facilmente. -
- Uma escrava burra não entenderia a merda que está fazendo. - Ele cospe, com a voz carregada de desprezo. - Sabe o que a minha morte traria para este império? -
- Aurora. Meu nome é Aurora, e há muito eu não sou uma escrava. - Retruco, avançando mais um passo em sua direção, reparando no suor que estava fazendo seus cachos loiros grudarem em sua testa. - Eu sou a escolhida por Ares para matá-lo. Os deuses há muito não estão a seu favor, e se eu faço isso, é por Roma. Você que não é nada além de um louco que ousa se chamar de deus, não passa de um homem que nunca conseguiu chegar ao topo de nada inteiramente, e acabou de cair. Eu, Caio Julio Cesar Germânico, sou a sua ruína, e isso é a vontade dos deuses, a vontade do patrono do império. -
Antes que ele pudesse responder, eu soltei seu braço e afastei a espada de seu pescoço, a segurando com ambas as mãos e a erguendo antes de afundar a ponta da mesma no peito de Caligula, fazendo com que a lâmina o atravessasse. Seus olhos se arregalam de forma que achei que iriam saltar para fora, e ele abre a boca para falar algo porém a única coisa que escore da mesma é sangue, que desce por seu queixo e faz uma linha por seu pescoço.
Caio de joelhos conforme seu corpo tomba no chão, a ponta da espada se fincando no mesmo. Ali, no escuro, sem ninguém assistindo, o imperador caiu. Sangue rapidamente começa a se empoçar no chão e embebedar a túnica do mesmo e molhar meus joelhos. Lágrimas escorriam dos olhos de Caligula, escorrendo por suas têmporas. Afrouxo meus dedos do cabo da espada, mas uma mão trêmula e ensanguentada a segura. Ergo meu olhar novamente para ele, com o cenho franzido.
- Minha... Minha que-querida Drussill... - Ele engasga, mais sangue sai da sua boca. - O que você está fazen... Fazendo nesse... Nesse lugar escuro? -
Ele tenta forçar um sorriso, e eu recuo minhas mãos, agora sujas de sangue, e me levanto. A respiração dele começa a falhar, e ele engasga de novo. Suas mãos não se sustentam mais, e tombam para o chão, inertes. Alucinando pela última vez, o imperador morreu. Viro meu rosto, tendo a impressão de ter visto algo, mas estava escuro demais para se dizer.
Então um clarão se fez, e a espada que Ares havia me dado, se torna um largo feixe de luz. Recuo alguns passos, usando meu antebraço para proteger meus olhos da luz forte, que logo se desvaneceu. E onde a espada estava fincada, uma rosa desabrochada e azul havia florescido dentro da ferida, com as folhas manchadas pelo sangue que ainda escorria, dessa vez com mais intensidade, pelo chão.
Fito a flor e o corpo de Caligula, incapaz de me mover, até ser despertada pelo som de passos largos e me viro rapidamente, me deparando com o chefe da guarda do imperador, o responsável por sua proteção. Meu coração se acelera, ao vê-lo parado diante de mim, com a espada na mão e os olhos arregalados fixos no corpo do homem que ele deveria proteger. Rapidamente puxo a adaga de Bayek que estava presa em minha túnica e aponto em sua direção, recuando um passo. Ele então volta a me olhar, afastando um pouco mais sua espada.
- Para trás. - Digo, firmando meus pés de forma que pudesse me virar e voltar a correr por esses corredores.
- Eu não vou lhe machucar. - Ele diz, recuando um passo e erguendo os braços, fitando rapidamente o corpo do imperador. - Eu vi tudo. -
- Então sabe o que eu posso fazer. - Estreito os olhos.
- Eu a ouvi na arena. - Ele solta o ar. - Eu sou devoto a Marte, e eu sei que isso foi obra dele. Eu jamais avançaria contra uma enviada do meu senhor. -
Meu braço vacila, e eu o fito, sentindo meu peito ainda acelerado. Não sabia se deveria confiar, e isso me fez recuar mais um passo. Ele olha para a direção em que veio, antes de voltar a me olhar e avançar um passo na minha direção. Baixo meu olhar para o pingente da Águia em seu peito, e ele volta a olhar para o local de onde veio, depois para o corpo de Caligula, depois para minha ferida, e então volta a olhar em meus olhos.
- Escute, você não tem muito tempo. Logo o resto dos guardas pretorianos estarão aqui. - Ele diz, e eu abaixo a adaga, relutante. - Por favor, pegue a minha espada, siga em frente até encontrar um corredor com uma porta marcada por um crânio de lobo a sua direita. Lá você vai encontrar uma escadaria, suba por ela e vire a esquerda. Você sairá em um beco. -
- Por que eu confiaria em você? - Fito a espada, que ele me estendia pelo cabo, com a lâmina voltada para baixo, e depois volto a encará-lo.
- Por Marte. Pela fé que você tem nele, e na forma que ele faz as coisas. - Ele estende a espada novamente. - Agora vá.
Seguro a espada, respirando fundo e assentindo. Ele olha novamente para minha ferida, depois para o corredor. Prendo a adaga novamente e começo a avançar em frente, ouvindo passos ecoando não tão distantes agora pelo corredor. Começo a andar mais rápido, segurando firme no cabo da espada, tentando me convencer de que não era uma armadilha.
- Espere! - Ele dá alguns passos na minha direção. - Você tem para onde ir? Onde se esconder? -
Balanço a cabeça negativamente. Ele volta a olhar para trás, e então para mim. Ele passa a mão no rosto, suspirando antes de voltar a me olhar, como se incerto de seus pensamentos. Olho da direção do corredor escuro atrás dele, onde os sons começavam a ficar mais altos. Eu estava ficando sem tempo.
- Me espere lá então. - Ele diz. - Se eu não aparecer... Fuja para o porto. Entre na grande taverna, e procure por Ezio. Ele poderá te ajudar. -
Assinto, olhando para ele uma última vez antes de começar a correr. Após algum tempo, cruzando com inúmeros corredores escuros, alguns com portões de ferro, outros sem nada, outros com portas estranhas, o som de passos ficou distante. Paro de correr, sentindo a ferida em minha cintura voltar a doer e ofego, pousando a mão nela e sentindo o molhado de sangue. Uso a adaga para rasgar um dos ombros da minha túnica e envolvo o tecido ao redor da minha bainha improvisada e do machucado para conter pelo menos um pouco do sangue.
Caminho, agora sem muita pressa, sentindo fisgadas na minha perna também. Puxo o ar, sentindo o suor e o sangue grudados no meu corpo junto a areia e seguro com mais firmeza a espada que carregava. Daquela distância, nada podia ser ouvido com exceção dos ratos que corriam pelos corredores abafados. Com a mão escorada na parede, forço minha vista ante a escuridão em busca da maldita porta com o crânio de lobo.
Sinto meu estômago se revirar, e mordo meu lábio inferior. E se não houvesse porta nenhuma, e ele estivesse me enganando? Balanço a cabeça, era pouco provável. Ele havia sido preciso demais sobre o que fazer e para onde ir, caso ele não aparecesse. Não me agradava muito a ideia, mas eu não tinha muita escolha. Fora a possibilidade de não aguentar e acabar morrendo em um desses corredores escuros, ficando para os ratos.
Me arrasto por mais algum tempo, me deparando com outra porta e suspirando ao ver o crânio pálido de um lobo pregado a porta. Puxo sua dobradiça, mas não consigo abrir a porta, que estava emperrada. Enfio a ponta da lâmina em sua abertura, e uso a espada para fazer a madeira ceder. Caminho um passo para dentro da escadaria, sufocando um grito ao ouvir o sibilar de uma cobra próximo aos meus pés. Recuo um passo, e o animal preguiçosamente se move na minha direção. Penso em usar a espada para afastá-la, mas ao me inclinar para isso reparo que o padrão de suas escamas me era familiar.
- Impossível. - Murmuro, notando as cicatrizes do animal, e a estranha marca, a maldita marca, que Bayek também tinha. - Como você chegou tão longe?! -
Me abaixo, e me arrependo do movimento, e a cobra rapidamente se enrosca em meu braço até se acomodar em meus ombros. Solto uma risada fraca, rouca. Minha garganta estava seca. Não era possível, mas o animal estava ali. Me forço a levantar, e começo a subir os altos degraus de pedra úmida, fazendo algumas pausas depois de subir alguns por conta dos ferimentos.
Quando chego ao final da escada, havia uma pequena portinhola pouco acima da minha cabeça. Puxo seu ferrolho e com um pouco de força, ela cede. Luz invade o local onde eu estava, e eu precisei de um instante para me adaptar a ela. Olho novamente para cima, os céus estavam tomando um tom roxo. O sol estava começando a se por.
Seguro na beirada da abertura, e me impulsiono para cima. Preciso tentar mais de uma vez para conseguir sair dali de dentro. Volto a fechar a porta, e fico de pé. Olho então para o meu redor, buscando saber onde estava. Era um beco, e atrás de mim havia uma parede sem janelas ou portas aparentes. Havia lixo e caixotes abandonados ao meu redor. Na rua diante de mim, não parecia haver muito além de Insulas¹. Dava para perceber que era uma estreita rua lateral, e até onde eu sabia, no meio do nada.
Me escoro em um canto, próximo aos caixotes que poderiam me cobrir e me oferecer alguma segurança, e deixo meus joelhos cederem. Não me recordava muito do porto, e menos ainda sabia sobre como ir para lá. Faziam anos desde que eu cheguei aqui, e a última vez que saí foi para ir ao fórum com Lucio antes de Caligula me comprar. Com exceção de quando fui levada para aquele salão, para ser exibida. Não havia como eu sair desse jeito e conseguir alcançar o porto, ainda mais com essas feridas.
A noite havia se instalado, Nyx² havia coberto a cidade com seu manto estrelado. Apoio a cabeça na parede, sentindo meus olhos pesarem. Estava exausta, meu corpo todo doía, e eu estava com sede. Não sabia quanto tempo eu devia esperar, ou se eu aguentaria esperar. Toco a cabeça da serpente com a ponta de dois dedos meus, sujos do sangue do homem que eu havia acabado de matar, em uma caricia suave e esboço um sorriso.
- Acho que deveríamos mudar meu nome para "Aurora, a mulher que derrubou o imperador". - Murmuro para o animal. Algo me dizia que Bayek seria capaz de ouvir de onde estivesse.
Talvez eu devesse sentir culpa, mas no momento não estava sentindo nada além de alivio ao pensar no que havia feito. Havia vingado a morte de Bayek, e mesmo tendo conhecido ele por tão pouco tempo, ele merecia ser vingado. E havia feito a vontade dos deuses. A vontade de Ares. O que fosse acontecer depois disso, estava nas mãos deles e das Moiras.
Depois de um tempo, o som de passos me faz erguer a cabeça e me forçar a despertar. Me sentia fraca e um pouco zonza, mas isso não iria me impedir de tentar me defender se necessário. Uma figura surge no beco, e por um instante não se move. Me escoro mais contra a parede, ouvindo o som de pedras se quebrando quando a pessoa penetra mais a fundo no lugar.
- Aurora? - A voz familiar me chama, e meus músculos relaxam.
Abaixo a adaga, que faz um baque surdo contra o chão de pedra. O ruído pareceu atrair a atenção dele, que avança até mim. Seus olhos encontram o meu na escuridão antes de descerem por meu corpo, analisando minhas feridas. O pano em minha cintura já estava encharcado de sangue. Ele arregala os olhos ao perceber a cobra, e faz menção em atacá-la com uma adaga mas eu ergo uma mão.
- Não... A machuque. Por favor. - Murmuro.
Ele assente, relutante, e se abaixa. Ele pega a espada de volta, que estava apoiada ao meu lado, e guarda na bainha em um movimento silencioso. Eu me esforçava para manter os olhos abertos, mas até isso parecia exigir um grande esforço de mim.
- Você consegue andar ainda? - Ele pergunta.
Tento me levantar, e ele me ajuda, mas apoiar a perna no chão faz toda a lateral direita do meu corpo explodir de dor me fazendo gemer. Sinto uma mão dele repousar em minhas costas com firmeza, e em um movimento rápido ele move a outra para meus joelhos e me suspende. O ato causa ainda mais dor no meu corpo, mas seria pior me manter de pé. Ele caminha comigo pela rua estreita e escura, que aparentemente estava deserta salvo por nós dois.
Ele então atravessa uma pequena saída para a rua principal, onde havia uma biga puxada por três cavalos encostada próxima a um dos prédios. Sou carregada até lá, onde ele me põe sentada com cuidado no fundo da carruagem. Desejo poder agradecê-lo, mas ele logo olha tudo ao redor e monta na mesma, fazendo com que os cavalos disparassem pelas ruas. As imagens foram se tornando cada vez mais borradas, até tudo ficar preto.
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Glossário
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✵ 1 - Insulas - Apartamentos que haviam em Roma. Era uma residência dominante das regiões mais pobres. Possuíam o tamanho de kitnets. (Latim)
✵ 2 - Nyx - Deusa/Titã grega que representa a noite e as estrelas.
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