XX - θανάσιμα
╔════ ⊰ ✵ ⊱ ════╗
Aviso: Gatilho
Alucinações
Pânico
Mutilação
╚════ ⊰ ✵ ⊱ ════╝
Protogeles gritou com os guardas, para que retornassem para perto dele, e pude notar seus olhares sendo tomados pelo espanto - e arrisco dizer que até mesmo uma certa satisfação - ao reparar no sangue que escorria do braço do homem. Ele gritava tanto com os guardas que eu não conseguia processar tudo que ele dizia, até que dois dos soldados abrem e entram na cela, carregando grilhões consigo.
Fito aqueles perversos olhos cor de âmbar, desejando cuspir naquele sorriso imundo que se espalhava por seu rosto. Os homens agarram minhas mãos e fecham o aro de ferro em meus pulsos, que tombam com o peso assim que eles os soltam, prendendo então meus pés e atrelando a corrente até dois ganchos que haviam próximos ao sulco. Um deles puxa a adaga, o fio da lamina ainda refletindo o vermelho do sangue de Protogeles e exibe para ele.
- Senhor? O que fazemos com isso? - O homem pergunta.
- Deixe aí. - O desgraçado responde, com ares de indiferença. - Talvez ela use para fugir. -
Sua risada se espalha pelo salão, e os homens saem trancando a cela, desaparecendo todos no corredor. Quando o silencio se instalou de volta no lugar, meu ombros voltaram a pesar e meu coração pareceu parar de martelar contra meu peito. Caminho até a adaga de Bayek, passando a mão por seu cabo de osso, onde havia uma cabeça de águia na ponta, e uma serpente envolvendo o restante. Passo meus dedos pelo relevo, observando meu reflexo no aço afiado.
Não sabia de onde vinha aquele fogo que me dominava, que parecia se alimentar da minha raiva e me dava coragem para tomar atitudes impensadas e perigosas. Toco a mancha que se formara ali com o sangue de Protogeles antes de limpa-lo na barra da minha túnica e enrolo a faca novamente em seu tecido azulado. Sorrio levemente, imaginando como Bayek reagiria se me visse dirigir palavras tão sórdidas a um dos homens de mais influencias ao imperador, atacando-o em seguida.
Ainda não podia acreditar que tinha feito isso, mas faria novamente. Era impensável, e ao mesmo tempo, prazeroso. Me deito, fazendo com que as correntes chacoalhassem e aperto a adaga contra meu peito, estremecendo com o incomodo do peso e a frieza do metal contra meu corpo, mas que não havia muito o que fazer. Deveria aproveitar que era dia, e descansar, como o dono do tecido azul em minhas mãos aconselhara.
- Eu não tenho escolha agora, tenho? - Sussurro para a arma.
Bayek pediu para que eu lutasse, para que eu enfrentasse a situação com ímpeto e usasse minha raiva. O desejo dele iria se realizar, mesmo que não fosse mais uma decisão minha, ou que eu tivesse alguma chance. Sabia que não tinha contra guerreiros treinados, mas iria tentar. Iria cair, com certeza, mas não sozinha. Não mais. Deixei então que meus olhos se fechassem, e que os cheiros que aquele tecido guardassem preenchessem minhas narinas enquanto me rendia ao sono.
Eu estava presa. Não aos grilhões, mas amarrada a uma estaca coberta de palha ao redor. Havia uma multidão sem rostos eufórica gritando coisas que eu não conseguia entender. Tendo me libertar das amarras, porém estas estavam bem atadas. Tambores soavam com a mesma intensidade que meu peito batia. Olhei ao redor, sentindo minha visão embaçar pelo medo, quase perdendo o equilíbrio e a força nos pés ao cruzar meu olhar com o rosto de Bayek.
Um grito faz com que eu gire a cabeça para o outro lado, fitando Cneu mas ainda sendo incapaz de entender o que ele dizia. Ergo meu rosto, encontrando então Protogeles de braços cruzados e um sorriso cruel em seu rosto. Trinco meus dentes, tentando mais uma vez me soltar e arfando ao sentir as cordas me cortarem a pele. Aperto meus dedos em punhos, com tanta força que as unhas se cravam na minha pele e sinto minha mão umedecer. Não precisava olhar para deduzir que era meu sangue.
Então, fez-se silencio. Todos os olhares se voltaram em uma única direção. Acompanho os demais, observando Caligula se aproximar do campo de visão de todos, com os braços abertos e uma coroa dourada de louros em seus cachos longos. Ele olha para mim, com o azul insano de seus olhos me consumindo, esperando. Ele não diz nada, apenas suspende os braços no ar, fechando as mãos em punhos com o polegar estendido.
A multidão volta a falar, mas tudo parecia abafado e distante, exceto o som dos tambores, que pareciam rufar de dentro da minha cabeça. Corri meus olhos pela multidão, mas nenhum rosto familiar estava mais lá. Volto a encarar Caligula, que ainda possuía os olhos fixos em mim, e com o braço tremulo e um ultimo olhar de ódio ele abaixa a mão em um sinal de negativo.
Eu não precisava ter ido a uma execução imperial para bem saber o que significava. Minha morte havia sido decretada. Me lanço para a frente, tentando fazer com que as cordas se soltassem. Me debato contra a estaca, puxando meus braços com força, sentindo meu peito galopante como um cavalo selvagem, o ar me escapando e minha voz se partindo em um grito estridente enquanto lagrimas escorriam em excesso por meus olhos.
Um soldado então se aproximou com uma tocha em sua mão. Tento me soltar mais uma vez, com força, machucando meus braços e pulsos no processo. O homem permanece indiferente ao meu esforço, e simplesmente larga a tocha aos meus pés, e rapidamente toda a palha a minha volta começa a pegar fogo. Fecho os olhos com força, ouvindo os gritos que escapavam da minha garganta conforme o fogo consumia o meu redor e produzia uma chama que alcançava meu peito.
Mas, ao invés do cheiro de palha e carne queimada, o cheiro de sangue e rosas me invadiu. Foi então que eu abri os olhos, percebendo que não sentia dor. O fogo me tomava, me engolia, mas parecia fazer parte de mim. Ele me queimava, consumia minha carne e minhas vestes, mas não me feria. Retribuo o olhar de ódio para Caligula, desejando que aquele fogo o eliminasse, queimasse-o e levasse abaixo a arena junto.
Foi então que a sensação me tomou, aquela raiva que consumia meu sangue, e eu gritei. Não foi um grito de desespero ou medo. Foi um grito de ódio. Um grito de guerra. Um grito que se espalhou pelo local não só como o fogo, mas com o fogo junto. As chamas tomaram as arquibancadas, a multidão, todo o prédio. E o imperador. Eu ardia, enquanto Caligula queimava. Observei com uma estranha satisfação sua pele se derretendo, feridas se abrindo e rapidamente escurecendo como carvão.
Ergui minha cabeça, deixando um sorriso se formar em meu rosto enquanto o cheiro forte de rosas ainda preenchia o ambiente. Me recordei das palavras de Bayek, e relaxei contra a tora. Eu era Aurora, a mulher que ousou erguer a mão contra o imperador. Aquela que ousou queima-lo. As amarras se soltaram, consumidas pelas chamas. Abri então os braços, mas para receber meu fim pelo fogo. Não tinha mais medo, estava em paz. Fechei os olhos, inspirando profundamente uma ultima vez.
Abri os olhos, por um instante incerta sobre onde estava, até reconhecer a cela. Me sentei, aturdida e passei a mão na testa. Havia sido apenas um sonho, mas intenso o bastante para fazer minha cabeça latejar. Estava coberta de suor, e podia jurar que o cheiro de rosas queimando ainda estava impregnado no meu nariz. Me levanto esfregando os olhos, parando em frente ao cocho e então analisando as palmas das minhas mãos. Praticamente intactas. Mergulhei as mesmas na agua, lavando meu rosto e bebendo um pouco de agua.
Respiro fundo, sentindo meus ombros tencionarem-se. Tudo indicava, especialmente o rastejar dos grilhões vindos da outra cela em frente a minha, que me restava apenas uma única lua. Um bater de asas me fez abrir os olhos e franzir o cenho, virando o rosto na direção do som. Observo a figura negra pousada na grade da minha cela, tranquilamente arrumando suas penas cor de obsidiana com seu bico brilhante. Caminho a passos lentos e hesitantes, sem acreditar ainda no que estava diante dos meus olhos.
Esfrego meus olhos com certa brutalidade, piscando algumas vezes. Não era um sonho, e nem uma alucinação. Como raios o maldito corvo havia entrado ali, não fazia ideia. Respiro fundo, passando as mãos nos cabelos. Esse bicho me perseguia, não era possível ser outro corvo. Também não era possível que essa criatura tivesse me seguido até aqui. O animal então virou seu pescoço, me encarando com aqueles olhos negros.
Dei mais um passo na sua direção, estreitando os olhos. O animal então abriu as suas asas que pareciam absorver a luz da tocha atrás dele, se equilibrando e afirmando suas pequenas patas nas grades. Suas garras negras quase se curvando completamente contra o ferro. Sentia minha respiração pesar, meu peito se acelerar enquanto olhava para o animal. Um único corvo negro diante de você só podia significar uma coisa: morte. E o animal sempre escolhia me agourar. Desviei meu olhar para onde a adaga de Bayek estava enrolada, considerando matar o maldito, mas algo em meu interior sabia que não mudaria muita coisa.
Voltei a olhar na direção do animal, que ainda me observava. Dei mais um passo em sua direção, fazendo o animal erguer suas asas e se inclinar levemente, grasnando para mim. Trinco o maxilar, sentido minha garganta fechar. Era o meu fim, e eu sabia disso. Não precisava daquele animal ali me amaldiçoando. Eu só queria um pouco de paz a sós naquele lugar.
- Saia daqui! O que você está fazendo aqui?! Você não vai me levar, seu animal maldito! - Gritei.
O animal pareceu se assustar, batendo suas asas e grasnando mais uma vez. Sinto minhas pernas amolecerem, e caio de joelhos diante do animal, o encarando com ódio e cerrando minhas mãos antes de bater com elas nas grades, fazendo o animal se assustar e sair voando, desaparecendo da minha vista.
Deixo as mãos caírem no chão, ouvindo o baque surdo do metal contra o chão e suspiro. Percebo então que estava cercada por manchas de sangue. Do sangue de Bayek. Engulo em seco, me levantando lentamente incapaz de desviar os olhos, recuando até a parede e apoiando as costas ali. Fechar as feridas não adiantou de nada, o destino dele já estava decidido. O fio de sua vida havia sido cortado. E amanhã seria a hora do meu.
Sou interrompida do meu pensamento pelo alto guincho que ressoa da cela do vrykolaka, antes de seus grilhões e seu corpo se colidir violentamente contra as grades, a pele amarelada e murcha opaca contra as chamas. Seus olhos brancos não deveriam ser capazes de distinguir algo, mas eu juro que vi medo refletido neles.
Um medo que gelou minha espinha quando a criatura teve suas costelas se abrindo sozinhas, rasgando-lhe o tronco e virando para o lado oposto como uma macabra borboleta, que fez o ser perder os movimentos, e deslizar até o chão lentamente. Não havia sangue em seu corpo, mas a visão dos seus orgãos tombando para fora do corpo me fez se dobrar para frente e vomitar. Ou chegar perto disso, já que eu não tinha o que por para fora.
Olhei novamente na direção da adaga, correndo na direção dela fazendo com que o barulho dos grilhões balançando preenchesse meus ouvidos. Alcanço a adaga com as mãos tremulas e a respiração ofegante. Olho ao redor, tentando captar qualquer ruído que quebrasse aquele silencio poderoso. Suspiros e baques surdos, como se corpos caíssem e não se mexessem mais, foram se intensificando.
Volto a me ajoelhar, sentindo meu peito acelerar com força. Seguro a adaga com força, sentindo o medo me dominar como se fosse uma adaga de gelo cravada nas minhas costas. O fogo das tochas subitamente aumenta como se recebessem novo combustível, e sinto minha visão ser embaçada por lagrimas. Penso em Athena, deusa protetora da cidade que eu cresci, senhora de todos dali, e comecei a murmurar sua oração.
- Saúdo Athena, senhora plena de si, de incomparável inteligência. Athena pronoia, Alakomene, Alea. Eu te chamo, Deusa, e me ajoelho diante de ti não porque me humilhe ou eu tema tua presença, mas me curvo porque teu poder é incrível. Eu a admiro, tua forma de guiar é subtil e eu aceito. Tuas palavras são claras e eu ouço. Cada peça que move é um golpe certo, sem desperdício, sem perdas. Então me ajoelho e recebo teu poder, tua boa vontade. Athena Etra... - Ofego, incapaz de continuar.
Não quando o silencio voltou a dominar o lugar, sendo então interrompido pelo som de passos. Passos firmes, que esmagavam a areia em um ruído semelhante ao quebrar de ossos. Aperto mais a faca nas minhas mãos, sentindo minha garganta se fechar, e fecho meus olhos, buscando as palavras, tentando retomar a oração cada vez com mais dificuldade. Os passos pareciam cada vez mais altos. Mais próximos.
Seja o que fosse, parecia derrubar todos como uma peste. Meu sangue gelou, minha boca tremia assim como o resto do meu corpo. Busco respirar fundo, pressionando o cabo da arma contra meu peito, não ousando olhar na direção do corredor. Puxo o ar para meus pulmões, sentindo minha boca cada vez mais seca. Sinto uma lagrima escorrer por minha bochecha, e tento mais uma vez invocar a presença da deusa, implorando por proteção, seja do que fosse.
- Saúdo Athena, senhora plena de si, de incomparável inteligência. Athena pronoia, Alakomene, Alea. Eu te chamo, Deusa, e me ajoelho diante de ti não porque me humilhe ou eu tema tua presença, mas me curvo porque teu poder é incrível. Eu a admiro, tua forma de guiar é subtil e eu aceito. Tuas palavras são claras e eu ouço. Cada peça que move é um golpe... - Paro de murmurar ao ouvir os passos cada vez mais próximos, e então cessarem, deixando o ambiente ser preenchido apenas pelas fortes batidas do meu peito.
- Você sempre esteve rezando para os deuses errados. -
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro