Chào các bạn! Vì nhiều lý do từ nay Truyen2U chính thức đổi tên là Truyen247.Pro. Mong các bạn tiếp tục ủng hộ truy cập tên miền mới này nhé! Mãi yêu... ♥

XVIII - Ακράσια

Um barulho gutural ecoou das sombras da cela do Vrykolaka, fazendo com que eu me encolhesse, puxando o ar com força e fechando os olhos. Um barulho semelhante ao arrastar de botas na areia veio da cela a minha direita. Ouço o que parece ser alguém bufando, me fazendo esticar o pescoço, mais atenta. Me levantei e ousei olhar para o interior da cela diante de mim que subitamente se tornou silenciosa e aperto meus dedos contra o metal frio, me sobressaltando quando alguém faz estalar a grade ao lado.

- Não se preocupe com aquela coisa. - Uma voz grave, aparentemente masculina, disse. - Provavelmente já amanheceu, e ele está inconsciente. -

    Afrouxei o aperto nas barras, sentindo meus ombros relaxarem. Seja quem fosse que tenha falado comigo, possuía um tom casual de quem estava já acostumado com aquilo. Aparentemente havia então um jeito de contar o tempo aqui em baixo, por mais perturbador que fosse nosso indicativo. Virei o rosto, tentando ver quem era o dono daquela voz, mas apenas vi uma mão estendida para fora das grades, suja com sangue mas de um tom reluzente de cedro que se destacava sobre as chamas.

- Achei que essas criaturas deveriam retornar aos seus túmulos. - Pensei em voz alta, fazendo com que o dono daquela mão, que reparei então que faltava um dedo, deixasse ecoar uma risada rouca.

- Ele morreu aqui. Foi assim que se tornou essa criatura horrenda. - Ele responde, me fazendo engolir em seco. Sua mão gira, exibindo a palma marcava por uma tatuagem indistinguível rasgada por uma grossa cicatriz. - Antes, era um homem que tentou ocupar a força as terras de um senador. -

    Suas palavras me fizeram voltar os olhos para a cela escura. Não havia passado nenhum instante sequer na minha cabeça que aquele ser um dia havia sido um homem, talvez com família. Apoiei a testa contra a grade, sentindo um peso recair sobre meus ombros. Muitas pessoas ali poderiam ter alguém que não veriam novamente, alguém que esperassem reencontrar. Fitei meus próprios pés; naquele momento eu me senti verdadeiramente sozinha.

- Se eu fosse você... - O homem aconselhou. - Aproveitaria do momento para dormir. -

    Mesmo que ele não pudesse me ver, assenti, soltando as grades e dando alguns passos para trás antes de caminhar de volta para o final da cela e me deitando ali. Ouvi passos ecoando da cela ao lado, como se ele fizesse o mesmo. Um silencio quebrado apenas pelas chamas no corredor se instalou, somando ao cansaço que já dominava meu corpo, me fazendo adormecer.

    Tive um sonho angustiante em meu rápido sono, onde estava amarrada a um cavalo que corria em disparada por um campo de batalha onde havia vários soldados mortos, com diferentes armaduras e cores, ostentando símbolos que não passavam de um borrão sobre meus olhos. Podia sentir o peito do animal acelerado, o calor correndo em suas veias. O animal corria cada vez mais rápido, mais rápido que eu imaginei que um animal desses pudesse correr. Sentia meu estômago se remoer em vertigens, e quando não podia ver mais nada, eu acordei.

    Me sentei ainda com a respiração ofegante, como se realmente tivesse montado naquele animal veloz, que avançava para o desconhecido. Girei as pernas para as apoiar no chão e comprimi as costas contra a parede, fechando os olhos e tentando me acalmar. Os abri novamente ao ouvir passos ecoando da minha direita, mas meus olhos focaram na cela a frente, que continuava no mais absoluto silencio. Aproveitei para me levantar e caminhar até o cocho que eles implantaram ali, como se estivéssemos em um estábulo.

    Enchi as mãos em concha na agua que não era muito fria e impossível de dizer se limpa, e lavei meu rosto com ela, soltando uma lufada de ar antes de beber da agua que não tinha um gosto muito agradável mas era agua de qualquer forma. Sequei as mãos na barra da túnica e suspiro enquanto o som da areia raspando contra o piso ecoava ao meu lado.

- Estou curioso. - A voz do homem surgiu através da parede. - O que a fez parar aqui? Eu não lembro qual foi a ultima execução de uma mulher aqui. -

- Eu acertei o rosto do meu... Dono quando ele tentou me tomar a força. - Respondo.

- ...Isso geralmente acaba com açoite. - O ouço murmurar e suspiro.

- Aparentemente Caligula não se contentaria com isso. - Pronuncio o apelido com desgosto.

    Ainda sentia raiva. Ainda tinha nojo e repulsa dos seus toques. Sabia que mesmo que o tempo voltasse, eu agiria da mesma forma. Aparentemente, a resposta fez o homem se calar. Esperava que ele fosse me acusar de mentirosa, mas pelo visto ninguém duvidava mais das atitudes do imperador, e poucos eram aqueles que tinham poder de conseguir enviar um condenado para esses locais.

    Me assusto quando gargalhadas ecoam pelos tijolos, e encaro a parede espantada. Ouço um barulho semelhante a um tapa contra a rocha, seguido de mais algumas risadas. Pisco algumas vezes, respirando fundo e voltando a me sentar, balançando a cabeça. Provavelmente ele queria se divertir as minhas custas. Os homens pareciam ver um certo humor nisso.

- Você bateu no imperador? - A voz soava mais clara, provavelmente ele havia caminhado para as grades. - Pelos deuses, você é corajosa! -

    Ele parece gritar de entusiasmo, me fazendo erguer o rosto para o vazio, o ouvindo bater com as mãos nas grades. Franzo o cenho, tentando decidir como iria interpretar aquele ultimo comentário. A sombra de seus dedos se estende pelo corredor, inquietos como se possuíssem uma energia os dominando.

- Confesso que não esperava por isso. - Ele prossegue. - Mas você fez o que muita gente cobiçava em seus mais profundos desejos. Eu só gostaria muito de ter visto como ele ficou. -

    Ele volta a rir, me deixando com a boca entreaberta de surpresa. Ele estava rindo do imperador, no final das contas. Pressiono meus lábios, fitando minhas próprias mãos antes de me levantar e caminhar também até a porta da cela.

- E você? - Pergunto. - Como veio parar aqui? -

- Eu fazia certos trabalhos que ninguém quer sujar as mãos fazendo, e acabei sendo pego ao me livrar de um nobre que estava sequestrando jovens para trabalharem em seu bordel. - Ele responde.

- Ao menos você completou o trabalho? - Perguntei sem medir as palavras.

- Ah, eu fiz aquele bastardo perder as bolas que achava que tinha. - O homem diz soltando uma risada amarga.

- Que ele apodreça no Tártaro. - Respondo apertando minhas mãos em punhos.

- Certamente ele agradeceu por chegar lá. - Vejo sua mão se fechar também. - E quanto a você, tem um nome? -

- Aurora. - Respondo descansando a testa contra as grades.

- Aurora. - Ele repete. - A mulher que ousou bater no imperador! -

    Uma risada fraca escapa por meus lábios, fazendo com que eu me perguntasse silenciosamente qual foi a ultima vez que eu tive o prazer de rir involuntariamente. Certos momentos surgiam em lugares estranhos, e este era completamente inadequado.

- E você? - Pergunto, virando o rosto na direção de sua cela.

- Bayek. - Ele responde.

- Você não é daqui. -

- Tampouco você. - Ele retruca, me fazendo rir mais uma vez. - Grega, certo? -

- De Atenas. E você? -

- Siuá, no Egito. - Ele responde. - Agora, pelos deuses, como você veio parar em Roma?! -

- Matando meu esposo. - Respondo e pressiono meus lábios

- Devo agradecer por haver essas barras de ferro nos separando? - Ele pergunta, mas acaba rindo com a própria fala e me fazendo rir também.

    Giro meu corpo deixando que meus ombros se apoiassem na parede e suspiro. Bayek era um homem agradável, que de certa forma aliviou um peso enorme no meu corpo. Era um assassino, mas eu também. E praticamente todos no palácio, incluindo o imperador. Todos tinham sangue nas mãos, o valor desse sangue é que define se o leva ao poder ou a morte. Quanto mais eu pensava, menos horrível se tornava o fato de eu ter matado Andrik. E eu o teria matado de novo. Com o mesmo ímpeto de antes, o mesmo que me dominou ao ver seus olhos na besta ainda adormecida na minha frente.

    Um rangido alto veio do fundo do corredor, me fazendo recuar para longe das grades. Passos então ganharam força, e mais portas foram abertas. Engulo em seco, sentindo minhas pernas se fundirem ao chão, se recusando a se afastar ainda mais. Chamas iluminaram o corredor com mais intensidade, e pelas sombras vi a porta de Bayek ser aberta, e o puxarem de la. Prenderam suas mãos com grilhões de ferro, e logo o puxaram para buscar mais presos.

    Foi então que ele ficou completamente no meu campo de visão. Era mais alto que a maioria dos guardas, e nitidamente mais forte. Possuía símbolos desconhecidos por mim em seus ombros e braços expostos, e pela linha dos desenhos, presumi que estes se estendiam até suas costas. Tinha cabelos escuros e grossos, arrumados em mechas de uma maneira que também nunca havia visto antes. Não estavam trançados mas estavam fixos no lugar, batendo em seus ombros.

    Estava todo sujo de sangue, e algo me disse que não apenas do dele. A barba por fazer ainda possuía indícios do aparo original, contornando seus lábios cheios e perfeitamente desenhados, lábios que se assemelhavam aos do deus Eros nas lendas, e que se destacavam em sua pele cor de cedro. Seu rosto possuía traços suaves, sem muita definição e com um nariz largo mas que combinava com o desenho do seu rosto. Suas sobrancelhas eram cheias e angulosas, de um preto intenso como carvão, assim como seus olhos amendoados e duros, que pareciam absorver o calor das chamas para si. Ao redor dos olhos ele possuía uma espécie de tintura que os tornavam ainda mais escuros.

    Quando seu olhar encontrou o meu, meus pés retomaram forças e caminharam instintivamente até a porta da cela, onde minhas mãos se chocaram contra o ferro. Ele ergueu as sobrancelhas me olhando antes de me oferecer um meio sorriso, olhando para os lados antes de se inclinar na minha direção e sussurrar.

- Então esta é a Aurora, a mulher que ousou desafiar o imperador. E que mulher. - Ele alarga seu sorriso, me fazendo rir mais uma vez.

- E este é Bayek, o forasteiro que veio desafiar os romanos de frente. - Respondo, o fazendo fixar aqueles olhos que apesar de serem escuros como a noite, pareciam conter o calor do sol neles. - E que eles estão retirando aqui. -

- Aparentemente eu fui escolhido para lutar hoje. - Ele diz, me fazendo arregalar os olhos o que o faz rir. - Não se preocupe, não é a minha primeira, e não é fácil me derrubar. E nem a você, Aurora. Você está aí, presa, mas você está livre em sua alma. Você não abaixa a cabeça e nem deve fazer isso. És diferente das outras mulheres daqui, e eles a temem por isso. Use esse medo, Aurora. Você tem um poder que eles não podem tomar de você. Não esqueça disso. Mesmo se eu não retornar. -

    Fitei seu rosto sério e duro, tão certo em suas palavras que me deixaram sem alguma. Ele acena com a cabeça para mim, e eu retribuo o gesto quase sem perceber. Os soldados então fazem os outros homens - e feras - andarem, o tirando do meu campo de visão.

    Um nó se formou na minha garganta, e comprimi minhas mãos contra meu peito, desviando o olhar para o teto, que soltou um fio de terra conforme tudo tremia, e vozes, inúmeras vozes e passos, ecoavam lá de cima. O espectáculo iria começar. Engoli em seco. Que os deuses protegessem Bayek.

    Era como estar de volta presa aquela escuridão que me assombrava quando tinha apenas quinze ciclos. Aquele anseio por saber alguma coisa quando tudo parecia estar oculto para você. Estava aflita, não por mim mas pelo homem que estava lá em cima, e nenhuma certeza sobre seu destino chegava aqui em baixo com os gritos da multidão, que não faziam mais sentido algum. O tempo parecia não avançar, e eu estava começando a me assemelhar a criatura que ficava na minha frente, andando de um lado para o outro. O que não avançava do tempo, meu coração ganhava de velocidade se assemelhando ao cavalo do meu sonho.

    Isto é, até o portão ranger novamente. E então meu coração parou de bater, e minha boca se abriu involuntariamente emitindo um som que eu não ouvi, mas que chamou a atenção dos guardas que retornavam com os homens. Com menos do que levaram, e todos feridos. Bayek estava sendo praticamente arrastado por dois soldados. Avancei contra a cela, encarando os homens com nervosismo.

- Miles¹! Por favor, vocês não podem deixa-lo sozinho! Ele pode morrer! - As palavras surgiram impulsivas em minha garganta, sem eu ter controle algum sobre elas.

- E você pensa que alguém aqui se importa com a morte de mais um?! Pois já irá tarde! - Um dos soldados ri.

- E se ele morrer em sua cela, e se tornar uma besta como aquela? Que o impedirá de atacar os homens que guardam essa parte? - Retruquei, sentindo meu sangue ferver.

    Os homens se entreolharam, antes de assentir e caminharem na direção da minha cela e abrirem a porta, largando o pobre homem de qualquer forma ali. Corri para segurá-lo, quase caindo com ele por conta de seu peso, e com dificuldade tento recuar com ele até o sulco onde poderia deita-lo.

- Já que está tão preocupada, que cuide dele então. E se ele se tornar uma besta, que mate você então. - O homem responde, antes de sumir no corredor.

    Decido ignorar o comentário e desisto de caminhar com Bayek até o sulco, o ajudando a se deitar com cuidado no chão mesmo. Ele respirava pesadamente, e seu corpo tremia como se estivesse com pequenos espasmos. Suor cobria seu rosto que adquirira um tom esverdeado e sangue empapava sua blusa. Puxo com cuidado o tecido que ele tinha enrolado no pescoço, de um azul intenso com um bordado delicado em branco e me levanto, caminhando apressadamente até o cocho e mergulho o pano na agua, o torcendo e me ajoelhando a sua frente.

    Ele abre a boca para falar algo, mas se limita a suspirar quando deslizo o pano cuidadosamente por seu rosto, enxugando o suor e limpando da poeira e qualquer outra coisa que estava agarrada a sua barba. Passo o pano por sua testa, reparando em uma cicatriz que ele tinha ali, que não passava de uma linha fina e quase imperceptível, semelhante a outra que ele possuía abaixo do seu olho esquerdo. Pouso a mão em sua testa, e ele abre os olhos os fixando em mim.

    Desvio o olhar para sua blusa, percebendo que meus dedos estavam levemente trêmulos ao segurarem o tecido e o ergo com cuidado, mesmo assim o fazendo gemer quando o mesmo descolou da sua pele. Seu tronco estava coberto de sangue, com um corte horizontal que rasgava sua barriga, aparentemente fundo, mas não tanto a ponto de mata-lo.

- Quanto tempo uma mulher não tira minhas roupas... E infelizmente não era nesse tipo de situação que eu desejava. - Ele diz, soltando uma risada fraca que logo se transforma em uma tosse que o faz gemer de dor por contrair o tronco, fazendo mais sangue sair da ferida.

- É serio que isso é a primeira coisa que passa pela sua cabeça nesse momento? - Estreito os olhos, antes de me levantar e ir lavar o pano, retornando para limpar a sua ferida, o que lhe fazia contorcer o rosto em uma careta de dor.

    Volto a limpar o pano, que mancha a agua de vermelho por uns instantes e volto a limpar sua ferida, retirando o excesso de sangue do seu tronco. Ele então move as mãos com dificuldade, retirando então uma adaga de suas vestes e agarra meu pulso, me encarando com a expressão subitamente dura quando me faz segurar a arma.

- Só tem um jeito de impedir que eu sangre até a morte. - Ele diz. - Eu preciso que você mergulhe a lamina na agua, e em seguida estique seu braço para fora da cela, e deixe o metal adentrar as chamas da tocha. Quando este ficar vermelho, você vai pressionar a ferida com ela. -

    Abro a boca, mas desta vez quem fica sem palavras sou eu. Eu não era capaz de imaginar a dor que causaria, mas ele estava certo. Era o único jeito de salva-lo. Me levanto e lavo a lamina na agua corrente, depois caminhando para a borda da cela, o olhando uma ultima vez antes de esticar meu braço para fora, pressionando meu corpo contra a parede e as grades para conseguir mergulhar a lamina nas chamas. Encarei com dificuldade naquela posição o metal ser engolido pelo fogo no que pareceu ser uma eternidade até que o ferro estivesse no tom das chamas.

    O cabo ardia contra a palma da minha mão, mas isso não era nada. Nada perto do que ele iria sentir. Me ajoelho ao seu lado, fitando seus olhos. Ele assente, e eu volto a encarar a ferida, respirando fundo antes de pousar a lamina contra a sua pele e afundar. Afundei em seguida minha outra mão em seu peito, enquanto ele gritava e tentava se curvar. Lagrimas involuntárias escorreram por suas bochechas, e o cheiro de carne e sangue queimado tomou minhas narinas me causando náuseas.

    Com dificuldade me levantei com a arma na minha mão. A lamina não era grande o suficiente para fechar todo o corte. Eu teria que fazer mais uma vez. Recuei, voltando a esquentar o ferro nas brasas do archote. Me ajoelhei do outro lado. Desta vez, não olhei para o mercenário, apenas espalmei minha mão em seu peito acelerado e afundei a lamina mais uma vez contra sua pele, o fazendo gritar de dor mais uma vez.

    Soltei a lamina, a deixando cair no chão enquanto fitava a larga mancha preta e avermelhada que tomou o lugar do corte em seu tronco definido e ofegante. Segurei sua blusa mais uma vez, rasgando sem dificuldade a parte que havia sido cortada junto com ele e lavei o tecido antes de começar a enrolar o mesmo ao redor do seu tronco, que Bayek fez um enorme esforço para erguer, gemendo com o toque do tecido contra a pele.

- Sabe, você pode sobreviver a isto. - Murmuro, o fazendo abrir os olhos mais uma vez. - Eu sobrevivi ao chicote. -

    Ele me fitou com o cenho franzido, e eu não sabia se por desconforto ou se por confusão. Ergui minha túnica, me desfazendo da bandagem que cobria as marcas em minha coxa. Ele encarou as feridas e entreabriu os lábios, depois voltando a me olhar. Enrolo o tecido e o uso para enxugar seu rosto. Ele estava com febre, e eu não sabia como faria para baixá-la. Ele interrompe meus movimentos segurando em meu pulso, me fazendo soltar o tecido e segura então minha mão, a envolvendo com a sua que era coberta por cicatrizes.

    Olho para ele, finalmente percebendo como meu peito estava acelerado também. Seu polegar acaricia a lateral da minha mão. Uma forma de agradecimento silenciosa, de alguém que não deveria falar naquele momento. Afasto minha mão para seus cabelos ásperos e passo meu polegar por sua têmpora com cuidado. Bayek fecha os olhos, abrindo um sorriso sem mostrar os dentes. Ele estava fraco, e eu não fazia ideia de quanto sangue ele perdeu. Ali não tinha muito o que fazer. Me levanto e caminho até o balde razoavelmente limpo que tinha ali, e encho um pouco dele, o apoiando próximo ao homem.

- É a única forma de te fazer beber agua. E você precisa. - O ajudo a se inclinar e beber a agua toda, antes de largar o balde de lado.

- Você está muito preocupada com um homem morto, Aurora. - Bayek diz, tossindo com a voz rouca.

- Eu não quero que você morra, Bayek. - Respondo com a voz baixa, sentindo meu lábio tremer e seguro sua mão mais uma vez, a apertando levemente.

- Estamos todos aqui para morrer, mesmo que não seja hoje, eu vou morrer. - Ele diz, desviando seu olhar para a lamina caída não muito longe de nós. - Mas eu quero que você lute quando for sua vez. Guarde aquela adaga para você. -

- Eu não tenho chances, se você já voltou assim... - Paro de falar ao perceber seu olhar se estreitar.

- E você acha que meu oponente sequer voltou? - Ele pergunta.

    Balanço a cabeça negativamente, esboçando um sorriso. Ele tosse mais uma vez, e eu vejo um pouco de sangue começar a surgir sobre as queimaduras. Olho novamente para ele preocupada, mas ele faz um gesto de indiferença com a mão. Seguro em seu rosto, encarando aqueles olhos negros e calorosos de perto. Desta vez, era eu quem mantinha a expressão dura.

- Eu falei sério. Eu não vou te deixar morrer. - Digo sem desviar meu olhar.

- Você diz isso porque você é gentil, Aurora. - Ele diz, erguendo sua mão para tocar meu rosto e esboçando um sorriso fraco enquanto me fitava. - E isso é o que te diferencia dos outros. É belo e raro, como você própria. -

    Sorrio o ouvindo, mas meus olhos se enchem de lagrimas que rapidamente escorrem pela minha face, mas ele as seca com seu toque suave, me fazendo o olhar de volta. Ele então gentilmente me puxa para si, plantando um beijo no meu rosto. O toque dos seus lábios fez o ar escapar pelos meus lábios e eu me viro de frente para ele, perto demais de seus olhos escuros, e da sua boca. Não ouso olhar para além dos seus olhos, sentindo sua mão em meus cabelos.

- Descanse, Aurora. Nós dois precisamos. - Ele diz.

    Assinto, me afastando e respirando fundo. Caminho para o sulco, mas paro diante dele e me ajoelho, sussurrando uma oração a Apollo. Pedindo sua proteção, pedindo para que com seu dom de cura ele salvasse Bayek. Que seu fogo limpasse suas feridas. Me deito contra a pedra e encaro o teto vazio, sentindo meu peito pesar. Estava cansada, e apesar dos meus esforços, não conseguia dormir.

    Me levanto novamente, caminhando na direção de Bayek, que parecia ter conseguido dormir. Me ajoelho diante dele, o sentindo quieto demais. Toco em seu rosto, que estava frio se comparado ao que estava antes. Balanço seus ombros por instinto, não obtendo reação. Deito a cabeça em seu peito, não sentindo pulso algum. Volto a segurar seu rosto, sentindo meu peito bater com força, minha respiração falhar.

- Não... Bayek, não... - Sinto as lagrimas banharem meu rosto, mas desta vez sem ninguém para as impedirem de cair.

    Ouço o tilintar de uma moeda cair, me fazendo desviar os olhos para o objeto dourado que rola na minha direção. Seguro a mesma, a limpando e deixando um beijo nesta antes de abrir a boca dele com cuidado, guardando a moeda abaixo de sua língua.

- Que sua travessia com Caronte² seja pacifica, meu amigo. E que os juizes vejam sua força e sua coragem na hora do seu julgamento e lhe encaminhem para o Elisio³, onde você poderá desfrutar de riquezas inimagináveis. - Murmuro, me abaixando e deixando um beijo em sua testa.

    Caminho até a adaga e a seguro junto ao lenço azul de Bayek e a enrolo nele, a apertando contra meu corpo. Aquilo também era culpa de Caligula. O imperador era responsável por todo o sangue que era derramado em Roma, especialmente ali. Caligula era o pior dos assassinos, e a lembrança de tê-lo revidado agora me causava a mesma sensação que eu tinha ao lembrar de ter matado Andrik. E, se eu pudesse, agora mataria o imperador.

    Sou despertada dos meus pensamentos pelo som rastejante e o sibilar de uma serpente que possuía a mesma cor da pele de Bayek, com manchas pretas adornando seu corpo cilíndrico. O animal seguiu até o corpo do homem, se enrolando lentamente em seu braço, formando uma espiral com o próprio corpo, repousando sua cabeça no peito do homem. Podia jurar que o animal me encarava, mesmo sem se mover dali.

    O silencio então se instalou no lugar, agora sem a voz grave de Bayek para preenche-lo, ou mesmo os sons guturais da caverna do vrykolaka, que agora estava subitamente quieto. Até mesmo a colubrum⁴ havia parado de sibilar. Apenas o crepitar das chamas, que estalavam como ossos se quebrando, preenchiam o lugar; O barulho parecia aumentar o calor, como se o fogo da tocha me alcançasse, como se eu fosse a barra de ferro mergulhada nas chamas, me consumindo aos poucos.

    Um fogo que era aumentado por eu estar tão longe da minha terra natal, por ter sido expulsa de lá. Que ardia com as lembranças daquele maldito casamento, do olhar frio do homem que outrora foi meu pai, e da dor nos olhos da minha mãe. Um fogo que me consumia ao me lembrar de Andrik, de seu irmão, do persa que destruiu minha coxa. Uma chama que não se apagou com a viagem de navio que me trouxe até Roma, onde eu fui vendida, revendida e humilhada ainda mais. Onde homens como Cneu e Protogeles pensaram que podiam me intimidar, e um imperador louco queria me matar.

    Mas aquilo tudo só me fazia sentir ódio no momento. Um ódio incontrolável e bestial que tomou conta de mim e fechou meus ouvidos para os gritos que sairam da minha garganta, e para a dor quando esmurrei a parede até minhas mãos ficarem cobertas por meu sangue. Eu não havia percebido nem que havia despertado a atenção dos guardas, não até um abrir a porta da cela, e caminhar na direção do corpo de Bayek.

    Quando ele se aproximou, a serpente avançou e grudou suas presas no pescoço do homem, fazendo com que outro entrasse as pressas e a puxasse num ato impensado e desesperado, que fez com que o sangue do amigo espirrasse nele mesmo. Ele largou a serpente, que então desapareceu, e recolheu o corpo de Bayek e colocou em uma carroça, seguido do corpo do amigo, e voltou a trancar a cela, me deixando sozinha com o crepitar do fogo.

═════════════════════════

╔════ ⊰ ✵ ⊱ ════╗
Glossário
╚════ ⊰ ✵ ⊱ ════╝

✵ 1 - Miles - Soldados (latim)

✵ 2 - Caronte - Entidade grega que desempenhava a função de barqueiro que transportava as almas para o reino dos mortos. Para fazer a travessia, entretanto, o morto deveria portar um dracma (moeda grega). Por isso era costume deixar uma moeda sobre a língua do falecido.

✵ 3 - Elísio - Uma espécie de "paraíso" grego, para onde a alma dos heróis vão após a morte.

✵ 4 - Colubrum - Serpente. (Latim)

Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro