IV - Καταδίκη
╔════ ⊰ ✵ ⊱ ════╗
Aviso: Gatilho
Agressão física
╚════ ⊰ ✵ ⊱ ════╝
Eu não sei como ao certo, mas consegui reunir forças para encher a baniéra¹ e me lavar. Isso me ajudou a lidar com a dor física, não que tenha adiantado muito. Eu tinha esfregado meu corpo com tanta força que passou a arder. Eu queria arrancar minha pele, eu não suportava a ideia de me manter assim, é como se as mãos dele ainda estivessem ali, além das marcas. E havia o sangue, misturado com seu liquido, seu suor e sua saliva. Eu tinha vomitado antes de entrar no banheiro só de me recordar dos seus beijos. E ainda havia o corpo estirado no quarto.
Eu me sequei e me cobri, o máximo que podia. Inclusive enrolei um manto em meu rosto, escondendo meus cabelos e a marca na minha bochecha. Eu não consegui comer, eu não consegui nem sequer sair do banheiro mas eu precisava sair dali, eu precisava da ajuda dos meus pais. Ao menos eu esperava que eles pudessem me ajudar. O sol já havia se posto havia muito e a lua já descansava sobre a acrópole² quando eu finalmente saí da casa de banhos. O quarto fedia, a sangue que já havia secado e a vinho, além do cheiro podre e acre que exauria do corpo sem vida de Andrik. Não tive coragem de me aproximar o suficiente para fechar seus olhos, e agora havia uma mosca pousada sobre ele.
Cobri a boca com uma mão e saí apressada do quarto, tão preocupada em evitar a imagem do homem naquele estado por minha causa que acabo esbarrando em um vaso e tropeçando. Por pouco não caí, mas o barulho me assustou. Desço as escadas rapidamente e deixo aquela casa maldita, ainda decorada com os ornamentos da festa. Maldito casamento que se tornara minha punição. Saio da casa silenciosamente, para não despertar a atenção de ninguém que morasse por perto e começo a caminhar pelas ruas escuras.
A lua já minguava, tendo agora apenas 2/3 do que tinha quando deixei minha casa. Cada movimento que eu ouvia, seja o vento ou um cachorro de rua, eu me sobressaltava. Tinha medo de alguém me ver, uma mulher desacompanhada a noite sempre atrai olhares, mas para minha sorte não havia uma alma humana na rua. Especialmente por causa do meu pavor de um homem me encontrar, me arrastar para um beco e me violar novamente. Suspiro. Como eu era burra, eu deveria ter carregado algo para me proteger. Mas o quê? Teria que ser algo que não chamasse a atenção. E agora era tarde demais para voltar, e essa era a ultima coisa que eu pretendia fazer também.
Finalmente paro diante da casa dos meus pais, e suspiro de alivio, e algumas lagrimas também caem por esse mesmo motivo. Era minha ultima centelha de esperança, meu ultimo refugio. Abro o portão com facilidade e entro, então os cães começam a latir e vem correndo, mas param ao sentir meu cheiro e abanam o rabo, lambendo minha mão e eu faço carinho neles antes de seguir até a porta e bato nela até um criado atender desconfiado, mas assim que eu tiro o manto da minha cabeça e digo que queria falar com meu pai ele de prontidão me reconhece e me manda entrar, perguntando se eu quero alguma coisa e recuso, aguardando enquanto ele subia e o chamava.
Rapidamente outros criados acendem velas e pude reparar em seus olhares confusos que estavam procurando alguém que tivesse vindo comigo, e provavelmente se perguntavam o que eu fazia ali sozinha tão tarde. Ouço os pesados passos do meu pai descendo as escadas e respiro fundo, sentindo meu estômago se embrulhar. Ele então me olha com os olhos arregalados, provavelmente reparando em meu rosto e pescoço e meus olhos se enchem, e eu corro para abraça-lo no mesmo minuto que minha mãe aparece, e abraço os dois começando a chorar de alivio, me sentindo segura por um breve instante.
- Onde esta Andrik, seu marido? - Meu pai pergunta me soltando e se afasta - Quem fez isso contigo? -
- Ele fez, bampá³ - Soluço - Ele me machucou... Ele... -
- Onde ele está, Aurora? - Meu pai pergunta, o rosto sério - Isso não justifica você vir sozinha aqui a essa hora! É muito mais perigoso sair na rua sozinha! Se um homem estranho acha que és algum tipo de escrava. Algum meteco⁴ ou... -
- Iria fazer o mesmo que Andrik fez comigo! - Retruco
- E o que aconteceu? Onde ele esta? - Meu pai pergunta
- Ele... - Soluço, o ar saindo dos meus pulmões - Ele está morto! -
- Como?! - Meu pai segura em meus ombros, os olhos arregalados
- E-eu não tinha escolha - Meu pai gelou me encarando - F-foi um acidente! Um mal entendido, eu não... eu não quer... não queria fazer isso! - Volto a chorar, a culpa me consumindo. O que eu havia feito?
- Minha querida... - Minha mãe chorava, segurando o ombro do meu pai tentando atrair sua atenção - Podemos resolver isso, podemos dizer que alguém invadiu a casa ou... -
- Cale a boca! - Meu pai vocifera e a empurra, me fazendo me encolher. Seu rosto estava vermelho de raiva. Eu nunca o havia visto tão nervoso na minha vida - Eu não vou encobrir as merdas dessa vadia! Eu não irei sujar minha honra por uma... assassina! -
- Bampá... - Choramingo e ele se vira para mim, me desferindo um tapa no rosto.
O que Andrik havia feito comigo doera, doera muito. Mas esse tapa doeu mais. Meu pai, o único homem que eu jurava que queria meu melhor, que me amava e me protegeria, escolheu ele. Andrik mesmo morto havia tomado ainda mais uma coisa de mim: a minha família.
- Nunca mais me chame assim! Você não é minha filha, você é uma puta assassina! - Ele grita, e então me agarra pelo braço - Eu nem sei o que fazer com você! Como ousa vir na minha casa depois de cometer um ato tão sujo?! -
Eu não consigo responder, não tinha forças. Tudo parecia se desmoronar, eu perdi tudo de dentro para fora. Eu achei que meu pai fosse me salvar, não terminar de me condenar quando eu mais precisava de alguém. Eu não sabia dizer nem o que ele faria comigo agora, mas talvez eu mereça e seja tudo isso que ele falou. Mas desta vez eu não temia o que iria acontecer. Ele havia me rejeitado, eu perdi minha família, meu lar. Nada seria mais assombroso que isso.
Eu estava sozinha agora, contra o mundo. Talvez até mesmo contra os deuses. Eu não tinha mais como mentir agora, ou escapar. Ou pedir ajuda. Eu não tinha mais como fugir disso, e tampouco me restavam forças para isso, como se minha alma estivesse tão ferida e exausta quanto meu corpo. Meu pai gritava algo com a minha mãe, mas eu não entendia direito, como se as vozes fossem abafadas por algo, enquanto a energia que me restava aos poucos era drenada pela briga.
No final, tudo fora em vão. Eu me casei contra a vontade, fui levada para o quarto contra a vontade, abusada da mesma forma e mata-lo não mudou isso, não mudou a dor que havia em meu ventre, não impediu meu sangue de escorrer e meu corpo de ser exposto. Não adiantou reunir foças para vir aqui, não consegui ajuda. Eu havia perdido tudo, e não ganhei nada com a morte dele. A única pessoa punida ali era eu. E eu não havia feito nada, e quando o fiz, apenas piorou tudo.
Naquele momento eu não chorava. Eu não conseguia, me sentia cansada demais para isso. Um estado de torpor tomou minha mente e meu corpo, e tudo pareceu se desligar ao meu redor, como se eu não aguentasse mais, e ruísse por completo se ouvisse as palavras que meu pai proferia ao se referir a mim, a quem ele negava agora ligações afetivas. Talvez eu realmente não aguentasse, não quando eu finalmente processasse a ideia de não ter mais ao que me agarrar.
O que eu faria agora? O que eu poderia fazer?! Eu não era nada, apenas uma mulher ateniense, uma viuva negra, uma assassina. Eu não sei porque eu esperava ajuda; eu sou a verdadeira ameaça da historia, Andrik estava seguindo com as tradições, e eu me esquivava o tempo todo delas. Talvez por isso os deuses não me ajudaram, eu estava sendo uma tola. E isso custou a vida do homem que eu deveria servir o resto da minha vida. Eu era a única que merecia sofrer.
A sensação de torpor foi rompida com esse pensamento. Eu estava com nojo, nojo de mim, da minha covardia, do meu medo, do que eu havia feito. E raiva, eu estava com raiva, porque algo no meu peito gritava que ele mereceu, parte de mim recusava a culpa, e queria culpa-lo por todo o meu sofrimento. Essa situação conflitante duelava em meu coração, mas ambas admitiam que eu tinha sangue nas mãos, que eu havia roubado uma vida.
Eu iria pagar por isso, parte de mim querendo protestar ou não. Eu iria pagar... Por ter me tornado esse monstro, essa pessoa odiosa e cruel. As lagrimas desciam amargamente pelo meu rosto, eu não aguentava mais chorar! Eu queria gritar, arrancar meus olhos mas não queria continuar chorando! Eu não era digna de pena ou misericórdia, a auto-piedade não era uma opção; eu não era digna disso. Não foi um erro, foi uma vida. Não só uma, pois eu havia perdido a minha também, eu havia perdido tudo, e não merecia nada do que tive. Eu não era uma boa pessoa.
Mas parte de mim lutava contra essa ideia. Foi um acidente, eu não quis mata-lo, eu só queria afasta-lo, ele estava me causando dor e... E se eu era um monstro por isso, eu quero saber, os monstros nasceram ou foram feitos assim? Foi uma consequência infeliz, eu estava assustada! E eu não sabia agora o que pensar, quem eu era ou o que eu havia feito. Parte de mim absorvia e concordava com as palavras do homem diante de mim, e parte queria protestar contra elas. Eu não conseguia falar, e não estava certa se respirava.
Então ele se vira novamente para mim, e meu corpo todo parece endurecer. Ele estava furioso, seus passos pesados e rápidos faziam minha mente gritar para que eu corresse, mas meus pés pareciam estar fixos no chão. Ele estava então diante de mim, mas não me encarava, nem sequer me olhavam, como se ele estivesse com nojo de mim. Mas isso não o impediu de agarrar meu braço com uma força brutal. Tento me desvencilhar, mas ele me segura mais forte.
- P-pai! Você está me machucando! - Suplico, enquanto tentava me soltar, mas ele me puxa contra si
- Eu deveria machucar muito mais, eu deveria... - Ele respira fundo - Eu nem sei! E não me chame assim, ouviu?! - Ele grita, me segurando de frente para ele, assinto assustada
- E-eu não quis machuca-lo... - Tento explicar mais uma vez
- Fez pior! O matou! Você é uma porca assassina, e há de pagar pelo que fez! - Ele diz
- Eu não queria fazer nada disso! Eu só queria que ele parasse! - As lagrimas voltaram, junto com a lembrança de Andrik sobre mim, e o desespero
- Parar o que, exatamente? - Ele fala em um tom baixo, me segurando de forma que eu tinha de encara-lo - De te comer, que é a sua única utilidade? - Ele rosna
- E-eu... - O parecia me faltar
- Cale a boca! Eu estou farto das suas explicações - Ele diz
Ele então aumenta o aperto e começa a me arrastar para fora do cômodo. Tento lutar contra ele, mas ele era forte e eu não tinha mais forças. Ele começa a me arrastar para dentro da casa, meu braço tomado por uma dor agonizante. Eu chorava, suplicava e gritava, e ele apenas fazia mais força, me empurrava contra as paredes e me xingava. Eu podia ouvir minha mãe soluçando ainda na estrada. Ela não podia fazer nada, eu não podia ser salva.
Eu não sabia o que ele faria comigo, e minhas ultimas forças estavam sendo gastas em uma luta onde minha única motivação era o pavor. O medo do que ele faria comigo. E esse medo só cresce quando ele começa a me arrastar pelas escadas. Tento me soltar, me jogar pela escada, mas ele me agarra pelos cabelos, me fazendo gritar de dor. Ele passa um braço pela minha cintura e me prende ao seu corpo, subindo comigo. Meu corpo tremia, meu peito batia com força e violência enquanto eu tentava em vão escapar. Eu não iria reviver aquela noite, não.
Ele me arrasta para o corredor na direção do meu quarto. Finco meus pés no chão, e ele os chuta me fazendo perder o equilíbrio e voltar a ser arrastada por ele. O que ele queria? Por que ele estava fazendo isso? Se ele queria me punir ainda mais... Minha mente estava exausta, mas meu corpo parecia lutar com todas as suas forças para não sofrer de novo. Mas chegamos diante do quarto, e eu o olho apavorada, suplicante. Abro a boca para dizer algo, para lhe implorar que não me fizesse mal, mas em seu olhar só havia desprezo. Sua expressão era de nojo.
- Nem gaste suas palavras - Ele diz
E então ele abre a porta, e me atira para dentro do quarto e fecha e tranca a porta comigo ali sozinha. Alivio e exaustão percorrem meu corpo, mas eu ainda estava assustada demais, não conseguia me levantar do chão e ali me encolho, chorando. Chorava pelo susto, pela dor, pelo olhar dele e seus xingamentos. Por não ter mais nada, por ter tirado a vida de um homem e perdido a minha com isso. Eu me tornei a inimiga da minha própria família.
O quarto estava um breu, e vultos pareciam dançar nas paredes e no teto, e debaixo da cama que era o único cômodo aparente ali. Com o tempo me adaptando a escuridão, pude olhar melhor ao redor, e não havia nada de útil, nada que eu pudesse usar para iluminar o ambiente, ou para dar um fim a essa vida miserável. Pela borda das janelas dava-se para ver que estava começando a clarear, então deduzi que amanhecia. Não sei se minha mãe conseguiu dormir, como ela estava. Se meu pai havia punido ela pelo ocorrido ou descontado nela.
Me levanto, e começo a ver se havia como eu sair dali. A porta ainda estava trancada, e as janelas também. Suspiro e começo a caminhar pelo cômodo, mas meu corpo rapidamente se cansa e escoro minhas costas contra a porta e me sento, abraçando meus joelhos, fechando os olhos e encostando a cabeça ali. Podia ouvir a movimentação dos criados, e a voz do meu pai, junto a outra voz masculina. Abro os olhos, colando meu corpo contra a madeira desesperada para entender o que diziam, mas não consigo entender nada.
Não havia nada para se beber ou comer no quarto, e eu não sei quanto tempo ficaria aqui. Talvez essa fosse minha punição, ficar no escuro definhando até a morte. Meu corpo sofrendo com todos os tipos de dor, com cada tapa, cada investida contra a parede, com o que meu marido havia feito comigo, com o estresse e o medo, com o frio, a fome e a sede. E tudo poderia piorar. A ideia apavorante me fez chorar mais, e rezar baixinho, com a voz fraca e tremula. Minha garganta se arranhando a cada palavra enquanto eu implorava por proteção e ajuda.
- Heya, Athena, e me ajude. - Sussurro.
═════════════════════════
╔════ ⊰ ✵ ⊱ ════╗
Glossário
╚════ ⊰ ✵ ⊱ ════╝
✵ 1 - baniéra - banheira
✵ 2 - Acrópole - parte alta da cidade, onde ficam os templos e as bibliotecas
✵ 3 - Bampá - papai
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro