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✥-- Capítulo Três --✥

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— Como?

Era a primeira vez que a voz de Esther soava, e Youssef não pode evitar o choque com o forte sotaque ouvido naquela única palavra.

— Nós não podíamos nos arriscar — Khalil começou a explicar no lugar do amigo —, sabemos que como vocês estavam dispostos a morrer pelo evangelho, também são confiáveis para guardar nosso segredo.

O coração de todos ali soava disparado, o choque e a desconfiança era perceptível em seus rostos, medo de estarem sendo enganados. Os soldados não os julgavam, eles próprios tremiam em pensar que poderiam ser denunciados, mas o anseio pela comunhão era maior.

— Vocês são cristãos? — Amil questionou temeroso.

— Creio em Deus Pai, Todo-poderoso, Criador do Céu e da Terra. Creio em Jesus Cristo, seu único Filho, nosso Senhor, o qual foi concebido por obra do Espírito Santo; nasceu da virgem Maria; padeceu sob o poder de Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado; ressurgiu dos mortos ao terceiro dia; subiu ao Céu; está sentado à direita de Deus Pai Todo-poderoso, donde há de vir para julgar os vivos e os mortos. Creio no Espírito Santo; na Santa Igreja Universal; na comunhão dos santos; na remissão dos pecados; na ressurreição do corpo; na vida eterna. Amém.

Esther abriu a boca algumas vezes surpresa em ver o homem que a segurou recitando o credo apostólico, aquele criado pela igreja ainda nos primeiros séculos quando viram a necessidade de firmar a sua fé contra as heresias espalhadas.

— E por que vocês estão aqui?

— Nós ouvimos falar que hoje o mundo estava comemorando o nascimento do Salvador, foi citado entre os soldados como uma oportunidade para capturar cristãos. Então vimos a chance de aprendermos, ansiamos por essa oportunidade, de cultuarmos com pessoas que confessam a mesma fé.

A voz de Youssef demonstrava fragilidade, no fim ele sussurrou envergonhado por demonstrar aquela fraqueza, mas sabia da necessidade em ser sincero, de contar a verdade, mesmo significando demonstrar uma brecha daquelas.

— Que Deus os abençoe, Esther, pega por favor as coisas para a ceia, temos irmãos ilustres essa noite.

Amil também estava com medo, temia tudo aquilo ser um teatro para capturá-los, mas ele compreendia que não mudaria o morrer ou não, e aquela era uma oportunidade para pregar para os dois.

— Bom, a responsável por hoje é a irmã Esther — o líder cristão apontou para a mulher sentada no centro arrumando o vinho e o pão —, basta vocês saberem que ela não é daqui, então vão estranhar o sotaque carregado.

— Esther não é seu nome verdadeiro, é? — Youssef questionou a título de curiosidade, e também preocupado com a segurança da moça corajosa.

— Não!

Ela controlou-se para não ceder às lembranças do seu verdadeiro nome e da sua amada família, de como seu gêmeo a apelidara ainda pequenos, quando ele não conseguia pronunciar certo. Aquelas memórias apesar de reconfortarem-na, também doíam, o medo de nunca mais poder vê-los e temor pelo futuro que a aguardava.

— Bom, se fosse eu iria te aconselhar a mudar, é o melhor para a sua segurança e dos que você ama — o homem explicou.

— E, dando um voto de confiança a vocês, ela também é a única daqui que já leu a Bíblia de capa a capa, e mais de uma vez — Safira, esposa de Amil, se gabou sorrindo para a amiga.

— Como?

Quem perguntou dessa vez era o jovem Khalid. O maior anseio do rapaz era poder ter acesso ao conhecimento divino, mas sua posição apenas dificultava mais essa necessidade, pois se fosse pego, seu castigo como soldado era muito maior.

— Digamos que onde moro temos livre acesso a Bíblia, e ninguém valoriza — sussurrou a última parte.

Os dois compreenderam sua posição de não revelar, sabiam dos riscos da jovem por causa disso e não se atreveram a perguntar além, mesmo sua curiosidade sobre o mundo lá fora sendo muito maior. Sabiam que ela provavelmente viera do Ocidente, era conhecido que lá não existia a perseguição religiosa. 

Amil fez uma bela oração agradecendo pela vida dos soldados, e pelo livramento daquela noite, por terem os guardado.

O grupo ali reunido era formado por apenas cinco pessoas, cinco cristãos em busca de conhecerem mais a Deus. Porém, o desejo e anseio daquele pequeno número era superior a muitas igrejas cheias do Ocidente, pois todos sabiam o perigo de estarem ali, e se entregavam verdadeiramente para aquele momento.

Para Esther, mesmo tendo visto vários cultos daquele, todos a tocavam de maneira sobrenatural. Quando comparava a própria realidade dela no Brasil, a moça agradecia pela oportunidade de estar ali, e orava para Deus trazer mais liberdade para aquelas pessoas.

Após os hinos cantados com lágrimas nos olhos, toda a atenção foi focada na brasileira, pois ela era a responsável por trazer o sermão da noite.

— Porque um menino nasceu, um filho se nos deu, e o principado está sobre os seus ombros, e se chamará o seu nome: Maravilhoso, Conselheiro, Deus Forte, Pai da Eternidade, Príncipe da Paz.

Ela começou novamente a recitar o capítulo do profeta messianico, pois Youssef e Khalil não haviam ouvido da primeira vez. Após terminar, Esther sentou-se sobre os joelhos explicando sobre a necessidade de um Salvador.

— Hoje, no Ocidente principalmente, comemoramos o aniversário de Cristo. Infelizmente lá a data é muito mais comercial do que religiosa, e também existem discordâncias sobre a data exata do nascimento, que provavelmente não foi exatamente neste mês. Enfim, nossa principal mensagem é que o mundo não pode salvar a si mesmo.

Utilizando-se de suas lembranças dos versículos bíblicos, ela citou Romanos 3:12:

— “Todos pecaram e foram destituídos da glória de Deus, não há ninguém que busque, nem um sequer.”

Ganhando confiança aos poucos, Esther começou a falar sobre a depravação total, a nossa insuficiência de buscar ao Senhor por conta própria, o quanto o desprezamos e cuspimos em seu rosto satisfeitos em ficarmos no nosso lamaçal de pecado.

— E por causa disso, não tínhamos capacidade de nos salvar, então Deus enviou seu único Filho para nos redimir dos nossos pecados, pois Deus é justo, e a punição deveria ser aplicada a alguém — Amil completou para ajudar sua irmã em Cristo. 

Os três cristãos da sala tentavam ser cautelosos no falar, não sabiam até onde era o conhecimento dos soldados sobre as Escrituras, por isso sempre olhavam para os dois buscando qualquer traço de confusão ou dúvida.

Eles fizeram várias perguntas, não era sempre que tinham a oportunidade de conversar com alguém que já leu a Bíblia completa e com tantas informações sobre Deus. 

Ao fim do estudo, Amil fez uma oração para encerrar e agradeceu pela vida dos soldados.

— Nos conte como conheceram o evangelho — Safira, esposa de Amil, pediu animada para ouvir mais um testemunho.

Khalil também retirou seu lenço sentando ao lado dos amigos e começou a narrar sobre quando foram tocados pela luz do mundo.

— Nosso objetivo era matar aqueles cristãos — iniciou.

A conversa durou horas, cada um falou sobre sua conversão e discutiram mais sobre as escrituras. 

Nenhum dos cinco sequer imaginava o laço invisível que se formava naquele momento, a parceria que duraria até a morte entre meros cinco cristãos escondidos tentando sobreviver mesmo em meio a perseguição. Nem Youssef e Esther imaginavam o quanto suas vidas seriam entrelaçadas dali para frente. 

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FIM

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