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Uma estranha no ninho

Em Floripa, deparei-me com uma selva sofisticada de adolescentes oriundos de diferentes partes do país. Na mesma escola, tinha gente de Brasília, de Goiás, de São Paulo, do Paraná, de Minas, do Rio Grande do Sul, e daí por diante. Mas também havia os manezinhos, que era como os nativos da ilha se autodenominavam. Eles adoravam tirar sarro dos "de fora".

Em meio à selva, cada qual tentava parecer melhor que o outro. Eu me sentia muito mal e não permitia isso, de forma alguma. Muitos adolescentes passavam por cima da dignidade para serem aceitos nos grupinhos. Eu preferia ficar sozinha, com minha autopreservação e meu orgulho intactos, do que deixar que as pessoas me humilhassem por causa do meu jeito, do meu sotaque, da minha mãe estrambótica, ou da minha condição financeira.

O período do Ensino Médio foi terrível. Na escola, eu era a "estranha no ninho". Em casa, sofria com a conduta cada vez mais agressiva de minha mãe. Depois que deixamos nossa terra natal, ela foi perdendo o controle... E me arrastou por uma correnteza de transformações atordoantes. Talvez, a mais importante de todas tenha sido a piora na sua conduta. Mamãe começou a revelar um lado cada vez mais sombrio e perigoso – antes mascarado por atitudes mal-humoradas.

Seus ataques de raiva surgiam sem aviso - por qualquer motivo, ou por motivo algum. E durante esses ataques, tanto eu, quanto nossos cães, éramos espancados e xingados para toda a vizinhança ouvir. Ela nos batia com qualquer coisa que tivesse à mão - cabo de vassoura, pedra, cadeira, cinto, sapato, faca, garfo... Carrego até hoje as marcas no corpo e na alma. Lembranças vívidas de cada ataque de raiva que a transformava numa criatura irracional.

Mas, além de irracional, havia um componente frio de maldade. Dona Selma fazia questão de me informar, todo santo dia, que ela me considerava um lixo; alguém que não prestava para nada. Ela falava abertamente que eu fui o resultado de uma gravidez indesejada. Foi meu avô quem impediu o aborto.

A coisa toda era "esquizofrenizante"... Uma paródia de "Dr. Jekyll and Mr. Hyde". Sem plateia, ela era uma pessoa descontrolada e imoral. Na frente dos outros, disfarçava. Tornava-se quase uma mãe exemplar. Era capaz, num mesmo dia, de distribuir agressões físicas e psicológicas – para depois, em seguida, posar de boa mãe diante das pessoas com as quais tentava conviver socialmente. Até demonstrava orgulho por ter criado uma "boa" filha; dizia para quem quisesse ouvir que estimulava minhas potencialidades (Ela nunca deu bola para as minhas potencialidades, nem quis saber o que eu fazia nas horas vagas, a não ser que rendesse alguma grana, ou que eu não a incomodasse). Evidentemente, Dona Selma não resistia à tentação de deixar claro para suas amigas que, se eu tinha me tornado uma garota responsável e educada, foi graças à boa educação que me deu.

Graças ao seu bom exemplo.

Eu podia ter enlouquecido, ter tentado o suicídio, ter engravidado do primeiro cara que aparecesse na tentativa de sair de casa (como muitas garotas fazem), ou ter parado nas drogas. Tinha tudo pra ser uma adulta fracassada. Olhando para trás, nem sei como consegui aguentar o rojão.

***

Ao mesmo tempo em que minha mãe me desprezava, ela precisava de mim. Estava sozinha, numa cidade estranha. Suas amizades não duravam muito... E, claro, ela desejava que eu, de alguma maneira, mantivesse o seu padrão de vida.

Nossa realidade financeira somou-se aos problemas familiares. O padrão de vida caro de Florianópolis consumiu todas as nossas economias. Se não bastasse isso, o país passava por mudanças políticas radicais, que influenciaram o modo de vida e de consumo do povo brasileiro.

No início dos anos 90, a sociedade viveu a hora mais escura. Uma crise desencadeada pelo Plano Collor destruiu milhares de famílias. Muitas perderam tudo, em decorrência da retenção dos investimentos em fundos e poupanças. A classe média foi massacrada.

Nós duas não fomos exceção.

Por causa da "glória" do passado, minha mãe nunca se acostumou à queda vertiginosa em nosso padrão de vida. Queixava-se de tudo que faltava e, por alguma razão que só ela conhecia, atribuía a culpa a mim.

Se na infância, eu era o estorvo, na adolescência, passei a ser parte do problema.

- Se você conquistasse um bom marido, não estaríamos nesta situação! Se pelo menos fosse competente para arranjar um amante rico...

Prostituição. Isso mesmo. Ela queria que eu me dedicasse a conquistar os homens para arrancar dinheiro deles. E, se eu não estava disposta a dar para alguém em troca do nosso sustento, então eu devia estar disposta a trabalhar como uma escrava para bancar os seus luxos.

Por um tempo, eu até fiz isso. Isto é, trabalhei como uma moura. Dos 16 aos 18, consegui estágios remunerados. Dos 18 aos 20, cheguei a trabalhar em dois empregos ao mesmo tempo, só para pagar suas excentricidades e dívidas acumuladas.

Eu acordava às cinco da manhã e voltava para casa perto da meia noite. Quando chegava em casa, não encontrava nem uma janta pronta, e a casa estava imunda, para eu ter que limpá-la. Minha mãe passava o dia todo assistindo TV, dormindo, e quando não fazia essas duas "atividades", saía para fazer compras em shoppings e comer em restaurantes caros.

Parece texto de novela mexicana?

Não, o meu pesadelo era bem real!

***

Mesmo sem dinheiro suficiente para pagar um cursinho, estudei por conta própria e consegui passar no vestibular. Fiquei entre os primeiros colocados.

Eu tinha 20 anos.

A Federal é gratuita, mas... Paradoxalmente, os alunos que a frequentavam pertenciam à classe média alta. Universidade gratuita não era para gente pobre. Era para gente de posses, com família importante. Pobre tinha que pagar universidade particular, cujo acesso parecia ser menos difícil.

Um contrassenso. Mas o Brasil era assim, mesmo. Quem realmente precisava de ajuda, não recebia. E quem tinha condições de pagar, obtinha toda a ajuda e todas as facilidades do mundo.

Enfrentei graves problemas financeiros, quando iniciei o primeiro semestre do curso de jornalismo. A universidade acarretava aos alunos, de forma direta ou indireta, custos provenientes de diversos serviços. Tínhamos de nos alimentar, de utilizar transporte, de comprar livros, de gastar com toneladas de textos, os quais os professores deixavam nas reprografias dos centros, para que os alunos procurassem.

Para piorar a minha situação, tive que abandonar os empregos, pois os horários não fechavam com a faculdade. Minha mãe foi à loucura, porque isso significava que ela teria que se virar... Mas como suas amigas estavam orgulhosas por me ver na faculdade, ela tinha que disfarçar e colaborar minimamente... Esse colaborar durou muito pouco. Logo ela voltou a me atormentar porque eu não ganhava mais dinheiro para ela.

Enfim, foi um período muito complicado para mim.

Comecei a fazer "bicos" na própria universidade para juntar um dinheirinho extra. Logo de cara, os professores perceberam que eu escrevia muito bem – qualidade essencial para o curso que eu estava fazendo. Eles passaram a me confiar pequenos serviços. E me pagavam por eles.

Eu transcrevia fitas e mais fitas, contendo entrevistas e anotações de pesquisas. Eu também passei a orientar e, às vezes, redigir trabalhos acadêmicos para os meus colegas estressados e sem tempo, ou sem paciência para estudar. Cheios da grana, eles não hesitavam em pagar para alunos como eu, pesquisarem por eles.

A clássica versão da aluna CDF, embora pobretona, rodeada por ricaços com rendimento escolar medíocre. Eles não tinham com que se preocupar. Naturalmente, os pais montariam excelentes consultórios para que iniciarem a carreira com o pé direito. Arranjariam uma vaga para eles em alguma instituição. Ou até deixariam o período sabático durar indefinidamente, depois da faculdade. Até lá, eles dariam qualquer jeitinho para serem aprovados a cada fase do curso.

Quando não podiam me pagar em dinheiro vivo, nós fazíamos trocas. Às vezes, pagavam-me as refeições, ou me davam o passe do refeitório para que eu lanchasse em sua conta. Havia quem me emprestasse o próprio apartamento – nas imediações da universidade – a fim de que eu pudesse pernoitar. Períodos difíceis, em que a grana estava curta demais até para a passagem de ônibus. Numa ocasião, além da grana curta, o chuveiro lá de casa queimou, em pleno inverno, e a superducha da casa de alguém veio bem a calhar.

Lembro-me que, em certa ocasião, os alunos ricaços me convenceram a formar um grupo de estudos porque fui a única aluna nota 10 numa matéria particularmente difícil. Todo o restante da turma ficou pendurado, com notas abaixo de sete. Obviamente, eles se desesperaram.

Um deles até pagou uma multa minha, de um livro atrasado, na biblioteca da universidade. Eu o havia convencido de que o livro era essencial para os estudos que nós iríamos começar.

Tá, eu menti, mas caramba! Eles não abriam a carteira assim, tão fácil. Queriam pagar menos do que as aulas particulares valiam. Se eu fosse cobrar no valor de mercado... Se pensar bem, muitos deles se formaram graças a mim. Nada mais justo que ajudassem com uma mísera multa de biblioteca, a qual eu nem consegui pagar sozinha.

Eu detestava ter que "vender" meus conhecimentos para me manter na universidade. No íntimo, eu sentia que estava me prostituindo.

***

Minha primeira grande lição de vida foi: as pessoas não fazem nada sem esperar algo em troca... Nada é de graça. Os ricaços não me ajudavam por amizade, muito menos pelos meus belos olhos. Acho que alguns nem gostavam de mim, porque eu sempre tirava notas mais altas que eles, sem precisar estudar muito. Eu geralmente prestava atenção à aula, e era só.

O auxílio que me davam, quando me davam, era proporcional aos favores intelectuais que eu podia lhes prestar para que conseguissem manter suas notas semestrais. Eu assumi o papel da "chata-porém-necessária".

Este foi o período mais solitário da minha vida. O estudo e a comida se tornaram minha tábua de salvação. Acabei engordando 15 quilos, em menos de um ano.

Por conta disso, o repertório de xingamentos de minha mãe se ampliou. Não só eu "não servia para nada" como passei a ser a "baleia que não servia para nada".

***

Nem fiquei tão gorda assim, na verdade... O peso tinha se distribuído bem pelo corpo todo – já que sempre fui muito magra. Mas, para a profissão que escolhi, gordura não pegava nada bem.

Alguns dos meus professores não gostavam de gente gorda. Ainda mais que eu não pertencia a nenhuma família poderosa. Havia o preconceito contra gordos e pobres que as pessoas habilmente mascaravam, porém, tudo era motivo para tratar o gordo pobre com desdém. Ainda mais se fosse mulher.

Em relação aos meus colegas, tive que enfrentar as trapaças de gente que competia pelas melhores notas. Daria material suficiente para escrever uma saga... Nem vou me alongar nesta parte da minha vida. Mas preciso reconhecer que a entrega do diploma foi o meu momento de glória.

Meus quinze minutos de fama.

***

Eu me lembro da formatura como se fosse ontem. Minha mãe me atazanou o dia inteiro, reclamando que não tinha uma roupa nova para usar no evento, que não tinha dinheiro para ir ao cabeleireiro, ou à manicure... Até me ameaçou, dizendo que não iria comparecer porque suas condições para tal não eram as "ideais". Parecia uma diva reclamando ao seu agente por não ter lhe proporcionado os caprichos necessários para que se dignasse a cantar.

Bombardeou-me com as mais variadas humilhações - mais até do que sua cota habitual. Não fez o menor esforço para me fazer sentir bem, sabendo o quanto aquele dia era importante para mim. Eu estava prestes a receber o prêmio de melhor aluna do curso. Algo conquistado unicamente pela minha competência, independente da minha gordura e pobreza; independente da ajudinha de alguém.

Como sempre, Dona Selma convenientemente se esqueceu de que aquele era para ser o meu dia de glória, não o dela.

Eu já estava muito debilitada por causa de uma infecção nas amídalas, seguida de uma crise respiratória... Aquele clima desagradável que ela provocou o dia todo foi tão desgastante, que no final, eu só queria que a formatura passasse logo.

Foi numa noite abafada de novembro, em um salão de festas de um hotelzinho à beira-mar. Passamos pelo ritual de entrega dos diplomas, porém, o da premiação foi a parte. Quando recebi minha medalha, mamãe sequer olhou para mim. Sua atenção estava focada na reação das pessoas, que me aplaudiam.

Não tive dinheiro para comprar um ingresso para a festa dos ricaços, depois da cerimônia. Era necessário pagar previamente uma quantia x, todo mês. Então, eu optei pelo essencial – a beca, o capelo, as fotos, e o local da cerimônia.

A verdadeira comemoração aconteceu depois do evento, sozinha, em casa, apenas com os meus cães. Passei a madrugada assistindo a uma maratona de filmes, pois a dor de garganta não me deixou dormir. Lembro até hoje o filme que estava passando no Corujão – O Enigma do Abismo.

Ah, como eu amo o Ed Harris!

***

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