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Prólogo

Quarta Feira, 26 de Abril de 2017

Jo

Pela primeira vez depois de onze anos de casados, abro o tablet dele e com as mãos trêmulas e sujas de sangue, digito a senha. Eu sempre soube a senha, mas nunca me passou pela cabeça olhar qualquer coisa que não fosse minha. Eu tenho princípios, princípios ferrenhos.
Na verdade, não tem nada a ver com isto. Há anos minto a mim mesma que faço as coisas porque quero. Não é verdade. Faço ou não faço coisas por medo de alguém. Mesmo agora que ele está ali no chão ensanguentado, a boca entreaberta vertendo sangue devagarzinho, os olhos esbugalhados, o medo não passa. Ainda folheio as fotos no iPad e ao mesmo tempo olho para ele, para ter certeza de que não vai levantar. Meu estômago está embrulhado, meus olhos ardem.

"Devia estar feliz por estar viva, sua vadia" penso comigo.

As fotos aparecem grandes na tela do aparelho. Ele com meninas, fotos imundas, fotos de gente assassinada. Mas sorrio. Está tudo ali. Sinto vontade de chutar o rosto que agora está dentro de uma poça de sangue.

"Vai sujar meu sapato" penso e logo desisto. Tenho que descer o morro ou vou chegar atrasada. Tenho uma primeira cliente às 9h da manhã de hoje.

Entro no banho, o chuveiro elétrico na posição inverno e o mínimo de água de forma que a água caia fervente nos meus músculos rígidos. Penso num corpo morto, frio sob a água quente. Deve ser bom estar envolto em água quente quando se está morto, penso e sorrio. A ideia de um corpo morto frio em água gelada me aterroriza, e me dou conta de não saber se o corpo dele está frio ou quente. Já tomei banho e não vou mais tocá-lo. Hora de sair para o trabalho.

Passo a chave na porta. Antes de sair olho para a casa e me asseguro que o pano de prato está colocado de forma estratégica na janela. Nosso código. Desço a rua. O dia está chuvoso. A rua de asfalto irregular brilha com suas poças saltitantes uma vez que pingos grandes e esparsos pipocam em sua superfície. Os edifícios irregulares e de cores sujas pelo limo da umidade do Rio também adquirem uma cor mais escura, úmida. 

Os passantes apressam o passo ou abrem guarda chuvas baratos, acostumados com os pingos grandes que vem e vão com a rapidez usual das chuvas de verão. Alguns param debaixo das marquises plásticas dos estabelecimentos comerciais. Algumas mulheres recolhem roupas penduradas em fios presos nas fachadas de maneira irregular através de janelas desalinhadas. A maior parte dos prédios é formada por vários andares desordenados, onde o fato de terem sido construídos em momentos diferentes como uma extensão vertical desenvolvida ao longo de anos, fica bem evidenciada, especialmente pela diferença entre estes andares. Alguns exibem janelas quadradas, outros retangulares, às vezes uma basculante como se fossem um amontoado de peças mal encaixadas de quebra-cabeças de fornecedores distintos. 

Os prédios foram construídos tão juntos que lembram uma dentadura que não aceita fio dental. Dá a impressão de formarem uma cadeia de dominós apoiados uns nos outros onde a falta de um colocaria em perigo todo o conjunto.

Na ruas muitas motocicletas se movimentam de forma errática por entre veículos de transporte e pessoas e logo somem em vielas duvidosas como animais ariscos.


Ao lado de uma loja de bebidas pacotes de seis garrafas de Coca Cola são empilhadas perto de montanhas de cervejas em 6 packs, estrategicamente colocadas quase em frente a uma loja de carnes com o convidativo nome de "Império do Churrasco". Poucos metros depois uma rua estreita se transforma em uma viela escura, onde ninguém jamais entra sozinho e por livre e espontânea vontade.

Por entre os prédios da parte da favela que sobe o morro, vê-se um mar de tijolos, indicando que o crescimento vertical continua. 

Um poste pintado de rosa salmão onde deveria ser branco exibe um layout confuso de propagandas sobrepostas sugerindo serviços escusos ou igrejas inusitadas. Passo por um cartaz com os dizeres: "Tarot Búzios Quiromancia" em letras grandes e logo abaixo. "Agora com o recém descoberto tarot egípcio", além de "Sigilo absoluto". Mais abaixo "taróloga Dra. Jo".
Sim, sou eu.

Na parte superior do mesmo poste um emaranhado de fios consolida o sentimento entrópico. Na esquina sacos de lixo pretos e azul-anil se amontoam esperando uma coleta que não chegou. Dois cães emaciados tentam encontrar alguma caloria em meio aos pedaços de plástico, enquanto um anúncio grande pintado atrás promete "dinheiro na hora", o que não parece interessá-los.

Um pouco mais adiante uma pilha de tijolos evidencia alguma nova construção que está sendo planejada. Vendo as edificações verticais apinhadas lado-a-lado, apoiadas à parede rochosa da montanha, fica difícil imaginar onde estes tijolos vão se acomodar no todo. A criatividade de algum carioca vai achar uma resposta, penso. Sorrio.

Um ônibus desce a rua estreita com um letreiro "Governo do Estado do Rio de Janeiro". A rua, que não parece ter sido feita para veículos, comporta o ônibus em meio a cães e pessoas e todos descem o morro como em câmera lenta.

Continuo descendo muito rápido, evitando a massa viscosa, a cabeça latejando de alívio e ansiedade. Será que iriam achá-lo antes de eu voltar para casa? Seria ideal. Senão vai acabar que eu vou ter que chamar a polícia. Sinto uma euforia estúpida. "Calma, calma sua idiota. Tu teve uma sorte absurda.", digo a mim mesma.

No finalzinho da rua da Alegria passo num mercadinho. Compro um saco de pães e uma mortadela inteira. Preciso de algo rotineiro para voltar a calma. A lembrança do sangue pingando pela boca dele em gotas pegajosas tem que ser rapidamente afastada.

Sigo até o complexo esportivo, sacola da padaria na mão e abro a porta do prédio. Subo as escadas mal-cuidadas até a porta onde se lê "taróloga Dra Jo – Vou resolver a sua vida". Nem sempre eu leio o que está escrito lá, impresso em papel couche e já meio ondulado pela umidade. Mas sempre que eu leio, eu não deixo de sentir um pouco de escárnio.

Entro, fecho a porta, olho o relógio: 8h da manhã. Tempo para comer meu desjejum sem remorso.
Pego uma faca, sento no chão, corto a mortadela, abro o pão com as mãos e coloco a mortadela dentro. Para mim esta é uma comida de festa.

Quando eu tinha uns 4 ou 5 anos, em alguns dias difíceis, eu costumava ficar na porta de um supermercado pedindo comida, ali por aquela região ao redor da Rocinha. Em um dia de extrema fome, nem lembro bem porque, talvez o dia anterior tenha sido um dia onde minha tia não voltou para casa, pedi a uma mulher uma moeda.  Ela falou que não tinha, mas iria trazer algo para mim. Ela era bem arrumada, cheirosa. Devia ter uns 30 anos. Fiquei ao lado do carro dela, esperando. Na pona dos pés olhei para dentro do carro. Havia um grande buquê de flores. Meu estômago rugia porque fome de menino é a pior que tem. Hoje eu nem consigo sentir fome daquela maneira, uma fome de lembrança, de um oco doído e roído, que até hoje arde no pensar. A moça voltou com duas sacolas. Uma ela pôs na minha mão. A sacola era pesada. As pessoas não costumavam me dar sacolas, mas sim um pão ou às vezes um pacote de salgadinho. 

Ela me deu um sorriso carinhoso, entrou no carro e se foi. Sentei no chão do estacionamento, cheia de curiosidade sobre o que havia ali. Ela havia comprado um saco de pão e uma enorme mortadela. Lembro da voracidade com que consumi os dois sentada no chão. Até hoje sentar no chão com pão e mortadela ativa algum hormônio feliz no meu cérebro. Como agora.

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