American boy
— Seu boletim é impecável, senhor Lupin.
O diretor na minha frente virou as páginas do papel olhando cada detalhe atentamente. Ele tinha uma barba grande, e um semblante sério e ao mesmo tempo carinhoso. Parecia ser o tipo que todos os alunos gostavam. Em algum momento ergueu as sobrancelhas, surpreso com o que tinha lido.
Minhas mãos suavam com o nervosismo. Encarei meus próprios pés, apenas esperando por uma resposta sua. Esse internato seria uma chance incrível para mim, se eu quisesse ser professor, precisaria de uma escola que me preparasse de verdade. Mesmo que esse não fosse o principal motivo que me fez vir pra cá...
A cada linha que eu via seu olhar passar, meu coração acelerava mais. Não saberia o que fazer caso não me aceitassem.
— Suas notas do colégio que vieram, são excelentes. Seus professores não deram nenhuma reclamação de seu comportamento em sala de aula, muito pelo contrário, só te elogiaram como aluno. O senhor tem um currículo admirável nessa idade.
Passei a mão pelos fios do meu cabelo, dando um suspiro de alivio. As coisas estavam se saindo melhores do que planejei. Se Dumbledore estivesse mesmo impressionado, eu poderia esperar uma chance de me tornar aluno em Hogwarts.
Eu até pude ser um bom aluno na sala e ir bem nas provas, mas não sou a melhor pessoa no quesito paciência e controle. Nunca faltei com respeito, mas conseguiam me tirar do sério muito fácil. Fico muito feliz que não mencionaram isso, seria horrível Dumbledore saber que tenho uma boca bem suja quando quero.
— Fiquei curioso senhor Lupin. Não identifiquei nenhum problema no que me foi mandado e escrito nos papéis. Notas perfeitas, bom comportamento em sala. Então, por qual motivo saiu da antiga escola?
Mordi o meu trabalho inferior em claro nervosismo, essa era a pergunta que temia que o diretor fizesse.
Não gosto de falar sobre esse assunto, porque sei que ninguém entenderia se eu tentasse explicar. O silêncio as vezes é a melhor escolha.
— É o último ano do Ensino Médio, diretor Dumbledore, meus pais acreditam que eu deveria ir para uma escola com um ensino a altura para me levar para uma boa faculdade. Eles foram atrás de diversos colégios da cidade, e chegaram à conclusão de que Hogwarts era a melhor opção.
Não era totalmente mentira. A tempos meus pais falavam sobre me trocar de escola, sempre me dizendo que meu futuro era o mais importante, e que não se importavam com o dinheiro que precisava que pagar.
Aquilo me incomodava, eu não queria que eles gastassem dessa forma comigo. Sempre recusei quando eles começavam com esse assunto. Me empenhava na minha antiga escola o máximo que podia, fazer com que eles tivessem orgulho de mim.
Sei que queria o melhor pra mim, mas também sei que as condições que vivíamos não eram justas para que eles trabalhassem o dobro e gastassem dinheiro comigo dessa forma.
Dumbledore ouviu minha resposta, concordando com a cabeça, como se entendesse.
— Compreendo... — passou a mão pela barba branca pensando. — Raramente recebemos alunos no último ano, mas acredito que o senhor saiba que Hogwarts é um internato sério. Não são permitidas brigas, drogas e meninos e meninas dividirem o mesmo dormitório. Estou confiando em você para seguir as regras.
Segurei para não revirar os olhos com a frase "não pode meninos e meninas no mesmo dormitório". Quem criou essa regra idiota, esqueceu que nem todos se interessam pelo sexo oposto. Eu sou um deles, inclusive.
Pela forma que ele falou, quer dizer que eu...consegui? Eu entrei?
— Muito obrigado senhor — apertei a mão dele.
Eu não estava acreditando. Iria estudar em uma das melhores escolas de Londres, parecia um sonho.
— Vou verificar quais dormitórios podem ter uma vaga para você, e lhe informar quando chegar amanhã cedo. Também passaremos os horários de suas aulas e algumas atividades extras, se tiver interesse. Praticar alguma coisa pode ser muito bom para seu currículo e histórico, já que algumas faculdades exigem algumas experiências a mais.
Naquele momento pude me permitir sorrir, eu já começaria amanhã em Hogwarts. Jesus! Nem parecia real o que estava acontecendo.
Meu maior problema seria fazer amigos, não sou o melhor em socializar com outras pessoas. Sempre prefiro ficar no meu canto, lendo meus livros e ficar nos meus pensamentos.
Era mais confortável e muito menos trabalhoso.
— Não vou decepcioná-lo — garanti, e Dumbledore balançou a cabeça em concordância.
— Hoje conversarei com seus colegas de quarto, sei que se vão se dar muito bem.
Agradeci a Dumbledore e sai da sala, desci as escadas muito rápido, queria dar uma olhada na escola um pouco, quem sabe procurar os melhores para me esconder e ficar em paz.
Os corredores eram tão bonitos e antigos, que me sentiam dentro de um castelo da época medieval. Todas aquelas esculturas de mármore, as pilastras eram um pouco parecidas com a cultura greco-romana. Me senti dentro de um filme.
Parecia que tinha algo familiar naquele lugar, como se eu o conhecesse a muito tempo, até mesmo de outras vidas.
Consegui enxergar os alunos dentro das salas de aula, com os quadros cheios de conteúdos escritos de cima a baixo. E a partir de amanhã eu faria parte de tudo isso.
Mesmo com toda aquela arquitetura para as salas de aula, o prédio dos dormitórios era moderno e dividido em núcleos.
Vermelho, verde, amarelo e azul.
Eu não fazia ideia do que significavam, mas sempre gostei de azul, espero que seja lá o meu dormitório.
Enquanto caminha pelos corredores, totalmente deslumbrado, algo me chamou a atenção.
Pude ouvir um som de música vindo de uma das salas, não identifiquei o instrumento de primeira, então segui o barulho até a primeira chegar na sala que estava saindo aquela melodia tão gostosa.
A porta estava meio entre aberta então quis dar uma espiada. Que mal teria? Pude ver pelo canto que eram três garotos tocando uma música que eu nunca ouvi falar. A melodia era quase um rock, mas seu ritmo não era tão agitado, era como um pop agitado com som de guitarra no fundo.
Foquei em observar os garotos para ver seus rostos, mas meus olhos pararam imediatamente em um deles. Seu cabelo era mais comprido em um tom muito preto, quase dando no ombro, seus olhos eram um castanho bem escuro, me fez lembrar a floresta atrás da minha casa quando era outono.
Ele pingava suor e parecia se divertir com isso.
Tinha um sorriso divertido nos lábios, e...Nossa que sorriso. Era do tipo que te chamava a olhar, mesmo que tentasse evitar a todo custo. O formato do seu rosto era tão bonito e definido, sua mandíbula marcada e o piercing na sobrancelha o deixavam tão sexy.
Eu sabia que tinha que parar de olhar mas parecia impossível, meu corpo parecia não me obedecer.
O jeito que ele dedilhava a guitarra em suas mãos era completamente hipnotizante, ele sabia muito bem o que estava fazendo.
Ele vestia uma calça jeans preta, uma blusa branca e uma jaqueta de couro por cima. Aquele estilo combinava muito com ele, por algum motivo lhe caia muito bem.
Infelizmente seus pensamentos foram interrompidos quando senti alguém tocar no meu ombro.
Era uma garota de cabelos longos ruivos. Seus olhos eram verdes e suas feições eram muito bonitas. Ela me olhou curiosamente, provavelmente se perguntou quem era o estranho parado no corredor.
— Por acaso você está perdido? Precisa de ajuda para achar a saída? — ela me perguntou.
— Ah, me desculpe. Eu não tinha a intenção de ficar aqui parecendo um stalker obsessivo, ou qualquer coisa estranha. Só fiquei distraído.
Droga. Por que eu falei essas coisas? Agora sim ela vai me achar um idiota estranho.
Para minha surpresa ela soltou uma risada baixa, como se meu nervosismo fosse muito engraçado.
— Sinto muito se te assustei. Eu sou uma das monitores da grifinória, minha função é garantir que os alunos não façam nada errado pelos corredores. Mas pelo jeito, você não é aluno, então imaginei que precisasse de ajuda. Prazer, Lily Evans.
Ela me estendeu a mão para cumprimentá-la e eu apertei.
— Na verdade, me tornarei aluno a partir de amanhã e quis dar uma olhada na escola antes de ir embora. Sou Remus Lupin.
— Fico feliz em saber disso, garanto que você vai gostar muito de estudar aqui. Sabe, Hogwarts tem um dos melhores preparos para os alunos quando se trata de estudos e até mesmo para a vida. Mas, se me permite perguntar, o que distraiu você atrás dessa porta?
Ela tentou ver por trás de mim, e eu me enfiei na sua frente para impedir. Sei que ela vai me achar muito esquisito por ficar olhando os alunos atrás da porta. Não queria causar essa impressão logo na primeira vez que nos víamos.
— Não é nada interessante, será que pode me mostrar para que lado é saída, por favor?
Tentei mudar o assunto e ela me olhou como se desconfiasse que eu estava tentando distrai-la.
— Tudo bem então, é só seguir reto até o final e então virar para a direita, logo você vai ver o portão da saída. — ela indicou com a mão.
Me preparei para ir mas ela segurou meu braço.
— Sabe, Remus, eu consigo muito bem entender sua distração — ela piscou para mim, me deixando completamente envergonhado — Espero que seja da grifinória também, adoraria que nos tornássemos amigos.
Ela sorriu e soltou meu braço. Respondi que também gostaria e comecei a andar o mais rápido possível para ir embora.
Ouvi alguns gritos vindos de trás e me virei rápido para olhar. Lily tinha entrado na sala que estavam tocando e gritando com eles que ali não eram o lugar, que se queriam tinha uma sala de música para isso.
Apressei ainda mais para não correr o risco de me verem. Quando saí para fora, respirei ofegante.
Que sentimento foi aquele que me invadiu? Foi tão estranho, eu senti como se todos aqueles sentimentos fossem tão familiares e tão reais. Parecia que algo me prendia naquele chão e naquele garoto bonito de jaqueta de couro.
Mas que besteira, eu devia estar delirando, com certeza. Aquilo era impossível, eu nunca vi ele na minha vida para me sentir assim.
Durante o caminho de volta para casa, não conseguia tirar aqueles olhos castanhos da minha cabeça. Eu me sentia totalmente culpado por estar fazendo isso, ou pensando nisso.
Não era certo bisbilhotar as pessoas daquele jeito. Eu deveria parar de ser tão curioso, isso só vai me trazer problemas.
O ônibus parou no ponto que desço, que graças a Deus não é tão longe de casa.
Ao abrir a porta, senti alguém pular em mim e me esmagar com um abraço. Quando notei que era a minha mãe, abracei de volta.
Dona Hope sempre foi muito carinhosa e amável com todos, eu sempre amei o jeito que ela ficava animada todo dia que eu chegava em casa. Mesmo que morássemos na mesma casa e me visse todos os dias, ela nunca desanimou ou se mostrou cansada.
Me recebia feliz e de braços abertos, não importava a situação.
— Meu filho, estou tão orgulhosa de você. — falou se afastando de mim — Acabei de receber um recado do diretor, me contando que você entrou. Eu nunca duvidei da sua capacidade, tenho o filho mais inteligente do mundo.
Sorri ao ver como ela estava feliz. Ver minha mãe orgulhosa de mim fazia tudo valer a pena.
— Isso pede uma comemoração. Seu pai ainda não chegou do trabalho, mas quando ele chegar já aviso ele que hoje o jantar vai ser especial. Hoje, você vai escolher o quer comer. Posso preparar o prato que quiser. E claro de sobremesa, teremos bolo de chocolate que eu sei como você gosta.
Depois que ela citou o bolo de chocolate, fiquei até mais animado. Chocolate era uma das minhas paixões.
— Então, enquanto a senhora prepara tudo, eu vou lava a louça e já deixar a mesa organizada, o que acha?
Ela sorriu e partimos para o trabalho. Contei para ela como era o colégio por dentro e também todas as oportunidades que teria lá dentro. Não quis contar sobre a experiência que tive olhando para o garoto da sala de música, achei desnecessário comentar.
Quando meu pai chegou, também ficou muito feliz com a noticia. Nós tivemos um jantar muito divertido, pedi para minha mãe fazer lasanha porque estava com vontade.
Na hora de ir dormir, fiquei tão ansioso que não conseguia pregar o olho. E mesmo tentando pensar em qualquer outra coisa, minha cabeça voltava a imagem do garoto na sala de música.
Eu não podia ficar pensando nele, não era certo. Eu tinha um namorado que eu amava muito. Pensar naquele garoto tatuado estava fora de cogitação.
Amanhã vai ser um dia bom, vai ter tanta matéria e coisas para me preocupar que eu nem iria mais lembrar da existência dele.
Eu não podia lembrar.
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