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29. Raphael

Acordando de sobressalto com o sol batendo em seu rosto, Raphael decidiu tomar um banho demorado e trocar de roupas. Não via a hora de experimentar mais algumas peças do guarda-roupa incrível que o sobrinho do professor possuía.

Após se aprontar e se sentir divino, ele resolveu descer até a cozinha, e encontrou o professor preparando o café. Não esperava ter dormido tanto, mas sentia-se renovado e pronto para continuar o trabalho na tradução.

_ Bom dia professor! _ Ele disse ao entrar na cozinha. _ Eu acabei dormindo mais do que queria.

_ Eu fiquei preocupado com você, mas não quis acordá-lo. _ O professor disse, servindo-lhe o café. _ Você parecia bem cansado.

_ Como assim preocupado? _ Raphael perguntou surpreso. _ Quanto tempo eu dormi?

_ Você dormiu por quase dois dias. _ O professor respondeu. _ Quando eu acordei e vi que estava dormindo, eu levei a tábua até você, o brilho dela parecia fraco, mas á medida que o tempo passava ela aumentava, como se dormir estivesse recarregando sua conexão com ela. Por isso a levei de volta e o deixei dormir o quanto precisasse.

_ Eu preciso continuar a tradução! _ O jovem disse, levantando-se de sobressalto. _ Mikael deve...

_ Sente-se já rapaz! _ O professor ordenou interrompendo-o. _ Você cuidou de mim, e agora é minha vez de fazê-lo por você. Você não vai sair daqui enquanto não se alimentar direito.

_ Me desculpe. _ Raphael disse, sentando e acalmando-se. _ O senhor tem razão.

Após se alimentar, Raphael voltou ao escritório a fim de continuar o trabalho, mas mesmo vendo que a placa voltara a brilhar e ele a traduzir os símbolos, decidiu antes de tudo, a ler o que já havia traduzido.

Na primeira parte do relato, Lelahel fala sobre a chegada da comitiva divina na terra. De como a linha de frente preparou o local entre as montanhas e árvores, e prepararam a segurança, mais por protocolo que por ameaça.

Com clareza de detalhes ele descreve a cena: Querubins com seus dois pares de asas, a tocar suas harpas e trombetas faziam uma espécie de corredor por onde os grandes Serafins passaram, exibindo suas seis asas resplandecentes como sendo a guarda de honra da trindade suprema.

Na parte mais alta da clareira aberta pelos anjos, foram dispostos o grande trono central, e dois tronos menores o cercando à esquerda e à direita.

No grande trono do centro o Senhor dos Exércitos se manifestou após um grande trovão e um clarão de relâmpago e logo após, seu filho surgiu no trono à sua direita e a chama do seu santo espírito tomou o trono à sua esquerda, completando a trindade.

Os sete grandes Arcanjos se posicionaram de pé como soldados à frente dos exércitos de anjos, e suas asas eram como chamas coloridas de acordo com suas graças.

De todos ali, segundo o ponto de vista de Lelahel, os Arcanjos eram os que estavam mais à vontade na terra, uma vez que eram os incubidos de protegerem os homens, e sempre foram os intermediários na relação entre Deus e sua criação.

O jovem agora se preparava para continuar o trabalho, após reler o que já havia traduzido. Assentando-se na cadeira confortável do escritório do professor, ele conferiu o equipamento e iniciou a leitura sem fazer ideia do quanto ainda precisaria ler até que terminasse sua tradução.

Agora a tradução se referia a um Serafim chamado Elemiah. Lelahel descrevia suas seis asas como se fossem de puro fogo, e dizia se tratar do porta-voz de Deus. O Serafim havia tomado o centro da arena, e falou às legiões como que transmitindo a mensagem do Altíssimo.

Elemiah iniciou o discurso enumerando as falhas dos homens, principalmente dos que receberam dons e os utilizaram para seus próprios propósitos indo na contramão dos planos de Deus. Segundo ele, o objetivo divino de ceder partículas de seu espírito a alguns humanos, era de que eles evoluíssem e liderassem os demais sem se afastar dos desígnios do criador. Porém eles se ensoberbeceram e acabaram por ignorar a origem desses dons, passando a acreditar só em si mesmos. Desta forma, a esperança de Deus na humanidade se esgotou, e ele decidiu retirar da terra esses dons, mudando os últimos planos que foram feitos.

Os Humanos que receberam essas partículas do espírito divino seriam arrebatados, e seu livre arbítrio retirado, de modo que eles construíssem a Nova Jerusalém, dessa vez sem erros, enquanto os demais seriam abandonados junto com a terra. O serafim ainda disse o dia e a hora que aconteceria esse arrebatamento, e Raphael viu que batia perfeitamente com o dia em que essa bagunça toda começou.

Após relatar o discurso de Elemiah, Lelahel voltou a atenção para os arcanjos que pareciam descontentes com a decisão anunciada, até que o arcanjo chamado Gabriel, ajoelhando-se perante os tronos, anunciou um protesto que pegou os outros anjos de surpresa, e foi seguido pelos demais arcanjos.

Desta vez o próprio Deus se levantou, e decidiu condená-los por rebeldia, e os destruiria ali mesmo não fosse a intervenção do seu filho, que se levantou e pediu a palavra.

Raphael pode sentir a tensão do momento nos relatos de Lelahel, que continuou relatando o argumento do filho de Deus, que assumiu um papel de advogado dos arcanjos, dizendo ao Pai que eles, como sendo os anjos mais próximos dos homens, foram criados e instruídos a amá-los e defendê-los e só protestavam a favor deles, por isso. O Filho sugeriu então que eles fossem enviados para que encarnassem na terra, como ele próprio já havia feito, e passassem a viver com os humanos depois que todo Espírito Santo fosse retirado dela.

E assim foi feito, o porta-voz Elemiah anunciou a decisão de Deus, e o Senhor dos Exércitos se retirou com um clarão seguido do Filho e da chama do seu Espírito.

Lelahel ainda descreveu a retirada de toda comitiva, que com exceção dos arcanjos que se rebelaram, saíram coreograficamente, enquanto eles foram escoltados como prisioneiros.

Os símbolos da tábua de pedra à sua frente pararam de mudar, e Raphael entendeu que o relato de Lelahel havia acabado. Ele tinha tudo gravado em sua mente, mas o que se destacava era o fato dos arcanjos terem defendido os humanos, a ponto de questionarem o próprio Deus. Abrindo o navegador do computador ele digitou "Arcanjos" na barra de pesquisas, e dos nomes que apareceram dois lhe chamaram a atenção: Raphael e Mikael.

_ Não podemos negar que o fato de você estar aqui lendo essa placa divina, mostra que você é especial e tem uma importância grande nesse momento. _ Ele disse para si mesmo, parafraseando o que o professor havia lhe dito mais cedo. _ Enfim estamos mais conectados do que imaginamos, Mick.

_ Arcanjo Raphael, quem diria! Ele continuou antes de soltar uma gargalhada alta.

Olhando pela janela, ele pôde ver que já era noite e pensou se deveria voltar ao hospital imediatamente, ou esperar o dia amanhecer, mas vendo que já era tarde decidiu esperar. Enquanto se levantava para dizer ao professor que a tradução havia terminado, um barulho vindo da porta de entrada chamou sua atenção. Era como uma explosão e rapidamente ele cobriu a placa e seguiu na direção de onde veio o som.

Chegando à entrada da sala, ele se abrigou atrás da parede enquanto observava uma figura estranha com uma barra de ferro nas mãos. O objeto parecia estar em brasas emanando um brilho incandescente e o professor Veccio estava de pé à sua frente com uma espingarda nas mãos.

_ Quem é você e o que faz aqui! _ O professor gritou, apontando a arma para o invasor.

_ Olha só que medo, o senhor tem uma arma! _ Zombou o estranho soltando em seguida uma gargalhada sinistra.

A voz da figura parecia ter vários tons simultâneos, como se mais de uma pessoa falasse ao mesmo tempo e sua postura era de quem não temia a arma. Com um movimento rápido, com a barra de ferro ele golpeou a arma que o professor lhe apontava, e a mesma se partiu como manteiga resistindo a uma faca quente, ficando inutilizada.

_ Eu posso te matar e procurar sozinho! _ Disse o invasor se aproximando e se posicionando centímetros a frente do professor. _ Mas eu estou sem paciência, então é melhor me dizer onde está se não quiser que essa barra incandescente lhe faça algumas tatuagens.

_ Eu não posso lhe dizer nada se não souber do que se trata. _ Respondeu o professor, corajosamente postado á frente da figura que parecia ter o dobro de sua altura.

_ Você tem razão seu verme! _ Ele respondeu soltando outra gargalhada sinistra, estendendo a mão e agarrando o pescoço do professor quase o sufocando e levantando-o a quase um metro do chão. _ Estou atrás de um item divino que rastreei até aqui, e imagino que saiba do que se trata.

_ Solte-o monstro! _ Raphael gritou irrompendo pela porta, mas foi surpreendido pela barra de ferro que foi lançada na sua direção atravessando o seu peito e arremessando-o com força contra a parede, prendendo-o a mesma como se fosse um quadro.

_ Odeio ser interrompido! _ Raphael pode ouví-lo dizer ainda segurando o professor que parecia estar aterrorizado. _ Esse jovem é seu filho, velho? Na verdade não importa, ele já vai morrer.

_ No escritório! _ Disse o professor, já quase sem ar. _ A placa está no escritório.

_ O escritório eu encontro sozinho. _ O invasor disse, arremessando o professor contra a parede próxima de Raphael, que pôde ouvir o barulho de ossos se quebrando.

Enquanto o monstro passava em frente a ele, o jovem pôde ver que a criatura tinha mais de dois metros de altura, e não parecia humano. Seu rosto tinha feições animalescas, e seus olhos eram completamente negros. Após a figura monstruosa passar, ele segurou a barra de ferro com as duas mãos tentando se soltar, mas ela tinha se enterrado vários centímetros na parede. O objeto com certeza havia atravessado seu pulmão e ele estava com dificuldades para respirar. A barra ainda estava em brasas, mas talvez por estar entrando em choque, ele não sentia o seu calor.

_ Quem diria hein Raphael? _ Ele disse para si mesmo. _ Depois de tudo o que passou em sua vida, toda rejeição que sofreu você encontra alguém como o Mikael, e morre logo em seguida. É bem ironico como todo o resto da sua existência!

Mas ele havia prometido que iria voltar, e o pastor podia estar precisando de seus cuidados, então ele teve uma idéia maluca e virando-se para a porta, torceu o tronco o máximo que conseguiu e alcançando a lateral do vão, o agarrou com toda força que lhe restava, e uma luz azul anil pareceu tomar-lhe os dedos.

Com uma força que desconhecia ele puxou seu corpo em direção à porta, fazendo com que a barra incandescente se movesse lateralmente, rasgando seu tórax. Mesmo sentindo uma dor indescritível, ele não desistiu ou diminuiu a força, e depois de alguns minutos a barra havia atravessado pele, carne, músculos e ossos e ele se libertou, caindo no chão com o tórax partido, lutando para respirar com o único pulmão que havia lhe restado, e sentindo que iria apagar a qualquer momento.

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