Capítulo 3 - parte 2
Tenham uma boa leitura!
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TIA CRIS
Antônio não era passional, sempre agiu com praticidade. Fazia o que era para ser feito e nada mais do que isso. Na educação de Maurício e Heloísa, ensinou coisas boas como lealdade, honestidade e respeito. Apostou em boas escolas, tentou cercá-los de pessoas que julgava como melhores influências, viajou o mundo com a finalidade de lhes aumentar o conhecimento cultural e deu tudo que um pai abastado poderia dar.
Por outro lado, exigia resultado imediatos de sua didática paternal. Meu irmão não conseguia entender que nenhum filho é igual ao outro, então estava sempre cometendo o erro da comparação.
Maurício era o seu menino de ouro. Já Heloísa, seu calcanhar de Aquiles. Os motivos eram incontáveis. O primeiro era a falta de habilidade que Antônio tinha em lidar com uma menina. Meu irmão era ríspido e exigente, faltava carinho em suas cobranças. Além disso, a imagem da ex-esposa estava estampada no físico e na personalidade de Heloísa. Era como se o ar otimista e jovial de Mônica estivesse o tempo todo ao seu redor, fazendo-o lembrar que seu amor não foi o suficiente para manter sua mulher por perto. Minha sobrinha representava o estopim de sua amarga derrota conjugal.
Contudo, Helô não se dava por vencida quando o assunto era conquistar o próprio pai. A menina estava sempre enchendo-o de abraços, beijos e palavras carinhosas. Antônio ficava desconcertado, algumas vezes tentava se esquivar, mas sempre tinha seu espaço invadido.
Após a amnésia, o quadro havia mudado. A garota expansiva com quem estávamos acostumados saiu do banheiro desconfiada e varrendo os olhos pelo quarto. Provavelmente procurando Hans, que se despediu de nós assim que chegamos. A enfermeira já estava pronta para cumprir sua função. Heloísa encarou o pai por alguns segundos, ela o reconhecia pelas fotos que eu mesma havia mostrado no telefone. Não disse nada, apenas fez um aceno com a cabeça e foi em direção a maca.
Antônio não sabia como conversar com a própria filha. Geralmente, era ela quem puxava assunto, falando pelos cotovelos e fazendo perguntas só para chamar a atenção do pai. Meu irmão era quase sempre impaciente e econômico com as palavras. Mas, naquelas condições, ele precisava encontrar uma maneira de interagir com a menina. O jeito foi se comportar como um médico em pleno exercício. Refez as perguntas que André tinha feito e depois disse que ela veria a doutora Ângela semanalmente.
Não dei chance para Antônio cogitar em passar a noite no hospital. Ele precisava estar descansado para qualquer eventualidade que acontecesse. Me prontifiquei dizendo que ficaria com minha sobrinha. Pai e filha teriam tempo para se resolverem e se conectarem.
Na manhã seguinte, Heloísa me pediu para trançar seu volumoso cabelo cacheado. Ela quis se arrumar da melhor forma possível para encontrar a filha. Aconselhei Antônio a preparar a casa para sua chegada. Pedi que providenciasse girassóis, suas flores preferidas, em vasos espalhados por todo ambiente, que Julieta cozinhasse algo que ela gostasse e que Anelise deixasse Helena pronta para receber a mãe.
Hans e Maurício nos buscaram no hospital. Durante o trajeto, era nítido o nervosismo e a ansiedade de Helô. Ela olhava para a rua através da janela, ao mesmo tempo em que enrolava os dedos na barra de seu vestido. Coloquei minhas mãos nas suas e disse:
– Tudo vai ficar bem, minha querida.
Seus olhos foram para nossas mãos, e depois de um breve silêncio me fitou.
– Espero que ela saiba quem sou eu. – sorriu, sem graça ao mencionar seu encontro com a filha. – Porque eu mesma não sei.
– Vocês duas terão muito tempo para se entrosar. Se acalme.
– Relaxa, Baixinha. Crianças são fáceis de lidar. O problema é quando crescem, viram adolescentes e pensam que o auge dos seus treze anos contêm mais sabedoria do que os quarenta, cinquenta anos dos pais. – Maurício começou a falar no banco da frente. Hans dirigia pelo trânsito livre de domingo, mas estava atento ao que conversávamos. – É por isso que sou feliz com meu trabalho. Meu público alvo é infantil.
– E o que você faz? – Helô perguntou interessada.
– Vendo brinquedos.
– Vende brinquedos?
– Isso mesmo. A tia Cris não te contou? O verdadeiro negócio que dá dinheiro de verdade para essa família? Que coisa feia, dona Cristina Nielsen! Omitindo informação à minha irmãzinha desmemoriada. Como a senhora acha que ela vai reagir quando souber que seu salário na emissora não paga nem o que ela gasta por mês no salão de beleza?
– Cala a boca, Maurício. – Hans resmungou entredentes, mas Heloísa riu do humor arriscado do irmão.
Eu já havia contado para ela sobre a quantidade de médicos em nossa família. Cinco, no total. Meu pai era clínico geral aposentado, Karen intensivista, Viktor ortopedista, Antônio e Hans neurologistas. Mas não tive tempo de detalhar o que a outra parte da família fazia. Acontece que éramos bons empreendedores. Eu e minha mãe tínhamos duas casas de festas infantis, que passaram a ser administradas por Anelise. Mas Maurício se referia às duzentas lojas de brinquedos e games que tínhamos espalhadas pelo país.
Tudo começou quando Soren e Antônio abriram uma loja de brinquedos. O negócio caminhava moderadamente bem, então resolveram inaugurar uma segunda loja. Na época, minha mãe recebeu como herança as terras de meu avô. Já estava adaptada à vida urbana e sem interesse algum em criar gado de corte. Portanto, decidiu vender mais da metade do patrimônio herdado. Pegou parte do dinheiro e investiu na expansão da sociedade dos cunhados. De duas fomos para doze lojas espalhadas por todo o estado. Com muito trabalho, o negócio prosperou, chegando a todas as capitais do Brasil e principais cidades. O único dos netos que demonstrou interesse nas redes de brinquedos foi Maurício. Isso foi bom, pois Antônio não conseguia ser tão atuante no empreendimento por causa de seu trabalho no hospital. Soren se encarregou de ensinar o sobrinho tudo que sabia.
– Um treinou o filho do outro – concluiu Maurício, após sua pequena explicação.
– Como assim? – Heloísa não havia entendido sua última frase.
– Nosso pai ensina Hans o que ele sabe sobre ser neurocirurgião e o tio Soren me ensina a ser empresário. Vale lembrar que nosso pai mal tem tempo de pisar na sede da empresa. Quem colocou a mão na massa foi nosso tio gringo.
– O jeito que você fala faz parecer que Antônio não contribuiu com a sociedade, o que não é verdade. – falei, pensando que o comentário poderia gerar conclusões precipitadas na cabeça de Heloísa. – Eu e Soren morávamos na Dinamarca, Hans era pequeno e eu estava numa gravidez de risco por causa dos gêmeos. Precisava da minha mãe por perto, mas não tínhamos como vir morar no Brasil sem saber qual seria nossa fonte de renda. Quem teve a ideia de abrir a primeira loja foi seu pai, que entrou com o capital, enquanto meu marido contribuiu com o trabalho.
– Mas a sorte foi o nosso bisavô bater as botas. O mineiro era um mão de vaca, nunca fez questão de ajudar a única filha que teve. Não adiantou ser avarento, pois quando morreu tudo passou a ser da nossa querida avó, que não perdeu tempo em transformar as fazendas do velho em redes varejistas.
– Que maneira horrível de contar uma história tão bem-sucedida, Maurício! – Falei, sem saber se ria ou repreendia meu sobrinho.
– Só estou contando a verdade.
– Então você me disse isso tudo para explicar que o seu emprego é o que sustenta nosso estilo de vida. – Helô interrompeu, completamente inserida no assunto.
– Não, sua tonta – ele se virou para trás. – Foi para dizer que crianças são muito menos complicadas que nós.
Heloísa sorriu com o que o irmão tinha dito e voltou a olhar para a janela. Mas o clima tenso não existia mais.
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Os olhos de Heloísa observavam com atenção o jardim e a fachada da casa suntuosa onde sempre viveu. Era fácil entender que forçava sua mente em busca de algo. A porta principal estava aberta, nos esperando. O lugar, que quase sempre era frio, estava claro, arejado e cheirando a carne assada. Escutamos alguns resmungos de recém-nascido que vinham da sala ao lado do hall. Minha sobrinha não hesitou em ir em direção ao som. Seguimos logo atrás e o que vimos foi comovedor.
Anelise estava sentada no sofá ninando Helena, enquanto Heloísa petrificou no meio da sala.
– Quer segurá-la? – Anelise sorriu para a Helô, que apenas afirmou com a cabeça de um jeito receoso. – Então senta aqui do meu lado. – o pedido foi acatado e Anelise aconchegou a bebê nos braços da mãe. Depois se afastou para fotografar aquele momento. Visualizou o seu feito na tela do telefone e sussurrou emocionada: – Perfeito. Vocês duas juntas de novo.
Helô estava alheia ao que acontecia ao redor. A verdade é que estava vidrada na pequena criatura que carregava. Helena começou a fazer barulhinhos com a boca, como se reagisse à presença da mãe.
– Oi para você também, Helena. Sou sua mãe, mas pelo visto você já sabe disso, não é mesmo? – Helô sorriu e algumas lágrimas escorriam por sua face. – Meu Deus, como você é linda, bebê! Tão linda que chega a doer dentro do meu coração. – ela levantou o olhar em nossa direção. – Vocês têm certeza de que ela saiu de dentro de mim? Vocês não estão brincando? Porque se isso for uma brincadeira já aviso que não devolverei a quem quer que essa belezinha pertence.
– A gente não brincaria com isso. – Anelise respondeu, se aproximando.
– Que bom. – Helô voltou a observar a filha. – Posso não me lembrar de nada, mas sei que esse é o melhor sentimento do mundo.
– Porque isso é amor verdadeiro. – Anelise sentou ao seu lado.
– Eu sei. Também sei que faz muito tempo que sinto esse amor.
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