Capítulo 25
Olá,
o vídeo no topo é de uma banda brasileira de indie rock que se chama O Terno. Pois é, eu sei que o Hans combina mais com heavy metal e hard rock. Mas como a Helô é um pouco mais moderninha, tive que achar um meio termo, rsrsrs.
Essa canção é a cara desse capítulo.
Leiam até o final, porque lá em baixo tem outro link com uma surpresinha (acho que alguns gostarão).
Boa leitura.
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(ainda dentro das memórias de Helô)
HELOÍSA
As pessoas que me cercavam diziam que eu precisava ser paciente, pois a minha recuperação aconteceria a longo prazo. Até que um dia amanheci me sentindo incrivelmente bem. Acreditei que isso poderia ser um sinal de uma nova fase que se iniciava.
Foi muito bom sentir vontade de fazer coisas que há muito tempo eu não fazia. Eu queria correr no Parque Ibirapuera, visitar os meus avós, escutar Frank Sinatra e Fafá de Belém com meu avô, tentar fingir surpresa com as mesmas histórias contadas por vó Margarida, dar boas risadas com Laila e Anelise, sair sem rumo, fotografar coisas aleatórias, conversar com pessoas desconhecidas, treinar jiu-jitsu e, principalmente, fazer amor com Hans.
E, Deus, como eu queria isso! Eu sentia tanta falta de estar com ele de uma maneira mais íntima!
Eu sei, era óbvio que eu não conseguiria fazer todas essas coisas num único dia, mas eu estava revigorada, cheia de energia. Seria perfeito se essa sensação de vivacidade se estendesse por mais tempo.
Resolvi tomar um banho demorado. Uma boa uma esfoliação no corpo levaria embora células mortas e qualquer resquício de carga negativa. Lavei os cabelos com cuidado e passei meu hidratante preferido com aroma de morango. Eu me sentia tão bem que até meu olfato estava mais aguçado!
Hans havia dito que me visitaria no início daquela tarde. Então procurei dar um jeito na minha aparência. Não dava para fazer muita coisa, pois as lingeries mais bonitas estavam apertadas, as blusas cavadas salientavam o tamanho da minha barriga e tudo parecia muito pequeno no meu novo corpo.
Mas isso não afastaria o meu bom humor! Não mesmo!
Vestido envelope! Isso! Agora tenho que apertar essas gordurinhas! Onde estão as calcinhas de cós alto? E sutiã? Esquece o sutiã! Tudo preto! Dizem que cores escuras fazem a gente parecer mais magra!, eu pensava ao me vestir. Sorria, me perfumava, lixava as unhas, sorria de novo e passava gloss.
O resultado estava satisfatório. Minha beleza já tinha vivido momentos melhores, mas eu estava disposta recuperar todas as coisas que eu tinha perdido, inclusive a boa forma.
Quando Hans apareceu na porta do meu quarto, não pude me conter. Corri em sua direção e me agarrei ao seu pescoço. Ele correspondeu ao meu abraço no mesmo instante em que cheirava os meus cabelos, que já estavam secos e coroados de cachos grandes.
– Que saudade! – sussurrei mais para mim mesma.
Depois de um tempo, ele afastou sua cabeça para trás e, com suas mãos nas laterais do meu rosto, me olhou. Vi suas olheiras profundas, o cansaço tão aparente por inúmeras razões.
– Doze ou vinte e quatro? – Minha pergunta se referia aos seus plantões. Mas eu não precisava de uma reposta, porque estava visível que ele havia enfrentado uma longa jornada de trabalho.
– Vinte e quatro. – Respondeu, modesto.
Em seguida, ele afagou meus cabelos com cuidado para não desfazer os cachos. Com um sorriso contido, me analisou dos pés à cabeça e disse:
– Meu Deus! Como você é linda!
Sorri em reação ao seu elogio.
– Acordei me sentindo melhor.
– Você não sabe o quanto é bom ouvir isso. – Sua voz demonstrava alívio.
Ele colou as nossas testas, mas sem se prolongar, e deu um beijo rápido em meus lábios. Então, segurei o seu braço e o puxei para dentro do quarto. Seus olhos fizeram uma vistoria geral pelo ambiente limpo e organizado. A porta da sacada estava aberta, a luz do dia entrava trazendo vida ao lugar que nos últimos meses andava tão sombrio.
Em silêncio, observei-o se sentar na cama, apoiar os cotovelos nas pernas e num gesto quase imperceptível, fechou os olhos tomando um longo suspiro. Quando levantou as pálpebras, tentou sorrir novamente, mas tal ato parecia fatigante.
Seria era apenas cansaço? Eu suspeitava que não. Por outro lado, a doença que eu enfrentava aumentava a relevância das coisas e eu sabia que a minha visão da realidade poderia ficar completamente alterada. Se eu começasse a cismar que algo estava errado, um caos seria capaz de acontecer. Contudo, aquele não era um dia para criar encrenca. Dado isso, deixei de lado as picuinhas e resolvi distraí-lo com qualquer assunto.
– Você sabia que todos os dias a esposa de Einstein explicava o caminho que ele deveria percorrer até chegar no trabalho?
Ele estreitou os olhos e respondeu:
– Não.
– Pois é. Eu fico imaginando a pobre mulher todo santo dia dizendo "Benzinho, você segue nessa direção até o final da rua, depois vire à direita.". No dia que a senhora Einstein esquecia de explicar, ele se perdia. – Comecei a rir. – Imagina Albert Einstein perdido e perguntando a qualquer um na rua como se fazia para chegar na Universidade de Princeton? Quem seria capaz de esquecer o caminho para uma das maiores instituições de ensino do mundo?
Hans, sério além do normal, prestava atenção a tudo que eu falava.
– Os gênios ficam tão focados em seus objetivos que as coisas corriqueiras são esquecidas. Sabe por quê? Porque elas são irrelevantes diante da herança que mentes brilhantes deixam para a humanidade. Mas não é só isso! – Dei um passo para trás e apoiei o corpo na minha cômoda. Desviei o olhar de Hans para contemplar imagem que vinha da porta da sacada e continuei. – Gênios não se criam sozinhos. Todo mundo já ouviu alguém dizer que Mozart foi Mozart por causa do pai, Leopold Mozart. Esse sim sabia o que estava fazendo! Mas tem também exemplos nacionais, como Carlos Gomes. Se não fosse o imperador D. Pedro II, que queria apresentar o Brasil como uma nação ao mundo, talvez o nosso amado compositor não conseguisse realizar tantos feitos. Sem o patrocínio do império, ele não iria para a Itália construir sua carreira. Talvez não existisse O Guarani, Lo Schiavo e Fosca*! Não sobraria tempo se ele tivesse que se preocupar com a sobrevivência. Ah, não dá para esquecer de Santos Dumont! O pai dele era considerado um dos três reis do café, ou seja, o homem não tinha mais onde enfiar dinheiro. Sabiamente, ele investiu nos filhos. Você já imaginou se Santos Dumont tivesse que trabalhar para pagar as contas do mês? Se ele tivesse que perder tempo lavando louça ou varrendo a casa? Ele tinha um propósito maior! Um ser humano grande, acima de mediocridades cotidianas!
Terminei de falar me sentindo mais viva do que nunca! Era bom me sentir assim!
Ao olhar para Hans, percebi que ele não me acompanhava naquele entusiasmo. Então parti para outro o assunto.
– Estou pensando em fazer aulas de teatro.
– Isso é bom, Helô. Muito bom mesmo. – Disse com mansidão. – Mas vá com calma.
– No dia que a oportunidade de trabalhar na televisão aparecer, eu quero estar preparada.
Ele não falou mais nada, só concordou com a cabeça.
Eu sabia que ele tinha o costume de falar pouco, mas naquele momento o seu silêncio me incomodava. Resolvi mudar a estratégia. Dei alguns passou até ficar entre as suas pernas. Levantei o seu queixo com os meus dedos, abracei os seus ombros e comecei a beijá-lo. Ele me acompanhou sem nenhuma resistência. Notei que não era de diálogo que ele precisava.
Mas quando minhas mãos desceram com a intenção de tirar a sua camisa, meus punhos foram segurados e o beijo foi interrompido. Confusa, perguntei:
– O que foi?
– O seu pai está em casa.
– E daí? – Sorri e dei uma leve mordida em seu pescoço. Em resposta, sua pele arrepiou e suas mãos apertaram a minha cintura. Sussurrei no seu ouvido: – Isso nunca nos impediu de fodermos como dois coelhos. Além disso, você sabe que ninguém vai vir nos perturbar.
– Não é um bom momento. – Justificou numa voz vacilante.
– Por favor, Hans. Estou com tanta saudade. Faz tanto tempo que a gente não transa.
Roubei um beijo demorado. Uma das minhas mãos desceram até sua ereção já tão evidente sob o jeans.
– Melhor não. – Sua voz saiu baixa. Ele estava se controlando.
– Por quê, Hans? – Distribuí beijos no seu maxilar ao mesmo tempo que apertava o seu membro. – Você não me quer?
– Não é isso.
– Faça amor comigo, Hans.
– Helô....
– Por favor. – Choraminguei enquanto me roçava em seu corpo.
– Não. – Mais uma vez ele segurou os meus punhos. – Hoje não!
Ao ouvir sua voz sair mais firme com essa última negativa, me desvencilhei do toque e dei um passo para trás.
– É por que estou gorda?
Ele franziu a testa como se tivesse ouvido um absurdo e respondeu:
– Não fala bobagem.
– Eu sei que tô acima do peso. Mas, poxa vida! Estou disposta a correr atrás do prejuízo!
– Heloísa, você está perfeita pra mim. Não precisa mudar nada.
O belo elogio não foi capaz de me convencer pois, assim como eu, Hans nunca negava sexo.
– Me diga então por que não me quer. Estamos há meses sem transar. – Ao ouvir da minha própria voz aquela constatação, minha cabeça descompensada começou a cogitar hipóteses. – Está saindo com outra pessoa? Tem transado com outra mulher?
– O quê? – Ele fechou o semblante ainda mais. – Claro que não.
– Não sei se devo acreditar tão fácil assim. Nós nunca conversamos sobre exclusividade. Eu nem sei se você é uma pessoa monogâmica!
Ele abaixou a cabeça e a balançou de um lado para o outro. Depois resmungou:
– Quanta loucura.
– Está me chamando de louca? – Levei as mãos até a cintura.
– Hoje não é um dia bom para brigar, Heloísa.
– Que se dane você! – Comecei a andar de um lado para o outro. – Fique à vontade pra transar com quem quiser! Eu sou uma idiota por pensar que um safado como você, que não consegue controlar o próprio pau, ficaria só comigo!
Foi então que ele se levantou furioso. Com determinação, me imobilizou pelos ombros e disse:
– Não tenho ninguém além de você! Ouviu bem? Ninguém!
– Você é o tipo de homem que não tem relacionamentos longos, mas ao mesmo tempo não consegue ficar sem sexo. Por que eu devo confiar? O que me faz acreditar em você?
– Porque é a minha palavra! Se eu digo que estou só com você, é porque essa é a verdade!
Hans me olhava duro e seus dedos apertavam os meus ombros. Sua postura firme mostrava o quanto ele se esforçava para me fazer entender que sua palavra tinha valor. Mas eu estava confusa, não conseguia enxergar as coisas com clareza.
Merda! Aquilo era insano! Uma onda de desatinos sem fim! Eu estava deixando meu primo no limite! Por que eu agia daquela maneira? Como foi que meu o humor mudou tanto em tão pouco tempo?
Enquanto duelávamos com osnossos olhares, vi seu semblante esmorecer aos poucos.
– Estou ficando cansado. Eu não sei mais o que fazer para que você fique boa, Heloísa. – Sua voz saiu cheia de angústia. – Às vezes penso que a minha presença em vez de ajudar só atrapalha.
Ouvir seu lamento foi como levar uma facada no peito. Minha sensibilidade exagerada só via as suas palavras como um insulto. Naquele momento não consegui entender que ele já vivia uma rotina repleta de chateações e tristezas em seus plantões, que lidar com a fragilidade da vida era a sua realidade.
– Vai embora então. – Falei baixo, controlando a mágoa e a raiva.
Hans tirou as mãos dos meus ombros e as esfregou no rosto.
– Helô, você está entendo tudo errado.
– Entendi muito bem. Saia daqui e não volte.
– Eu não vou fazer isso. – Resmungou enquanto passava a mão na cabeça e olhava para o teto.
– A partir de agora não quero o seu sacrifício. Fique longe de tudo que diz respeito a mim.
– Não diga isso. – Ele voltou a me encarar.
– Acabou. Eu e você acabou. – Minha voz saiu trêmula na tentativa de controlar a ira. – Não está dando certo.
– Helô....
Quando percebi que ele levantou o braço na intenção de acariciar o meu rosto, dei um passo para trás.
– Saia da minha vida! Eu te odeio! – Gritei.
Droga! Eu tinha acabado de perder o pouco de domínio próprio que me restava. Respirei fundo e falei entredentes:
– Vá viver do jeito que você gosta. Fique no seu mundinho, na sua zona de conforto fodendo bocetas oferecidas. Aproveita que agora André é um divorciado e volte a acompanhá-lo nas putarias. Porque eu sei que você sente falta dessa vida mansa! Seja um solteirão, um filho da puta egoísta, continue não chamando a sua família para participar das suas conquistas, defenda suas dissertações e teses num auditório vazio e morra sozinho com seus diplomas pendurados na sua parede!
Fui cruel em não medir as palavras, mas ali já não era mais eu.
O rosto de Hans estava vermelho. O maxilar travado e a respiração profunda faziam seu peito subir e descer. Eu finalmente tinha conseguido provocar a sua ira.
– Você tem razão. Acabou. – Disse baixo, mas decidido. – Espero que consiga se recuperar.
Ele virou de costas e caminhou em direção à porta. De repente, senti uma agonia descomunal ao vê-lo partir daquela forma. Eu me odiei por causar tantos desgastes na nossa relação.
– O que eu fiz? – Me perguntei e imediatamente corri atrás dele. – Me perdoa! Sou uma idiota! Por favor!
Ultrapassei o seu caminho e fiquei de frente para ele.
Num ato de desespero, me agarrei à sua cintura.
– Hans, não sei o que deu em mim. Sou uma estúpida. Não vá embora, por favor.
Mas seu corpo não correspondeu ao meu gesto. Por alguns instantes ele permaneceu imóvel até segurar os meus braços e desfazer o meu abraço.
– Eu fiz tudo que estava ao meu alcance, mas não foi o suficiente. – Ele falava me olhando nos olhos com lamento. – Vamos assumir, Heloísa, eu vir aqui todos os dias não está fazendo bem para nenhum de nós. Tire a sua obstinação do nosso relacionamento e cuide de você, da sua saúde.
– Não! Não posso permitir que você saia da minha vida mais uma vez! – Meus olhos lacrimejaram.
– Eu não sairei da sua vida, menina. Isso é algo impossível de acontecer. Apenas vou te assistir de longe, por enquanto.
Hans deu um beijo na minha cabeça e foi embora.
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*O Guarani, Lo Schiavo e Fosca: são três das nove óperas de Carlos Gomes.
A surpresinha é esse link abaixo. A moça do vídeo sou eu cantando Mia Piccirella, uma ária da ópera Salvator Rosa composta por Carlos Gomes.
Não é a minha melhor performance, mas espero que gostem.
https://youtu.be/fCHx1KyH550
Até breve,
Naty
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