Capítulo 19 parte 2
Olá pessoal,
o texto não passou por correção ortográfica. Se tiver algum erro gritante, me avise.
Naty
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(Ainda dentro das lembranças de Helô)
HELOÍSA
O terceiro imóvel que visitamos era o meu preferido. Além de ser recém-construído, o lugar tinha algo diferente, um tipo de sofisticação sóbria e minimalista. Detalhes de acabamentos como pias, bancadas e armários se misturavam nas cores cinza e preto. Os quartos eram espaçosos e todos tinham sacadas. Fiquei encantada com a grande janela da sala, que ocupava horizontalmente uma parede inteira, trazendo muita claridade ao ambiente.
Estávamos na cozinha quando o corretor de imóveis que nos acompanhava precisou atender uma chamada telefônica. Hans aproveitou nosso momento a sós para me perguntar:
- O que você achou?
- É o melhor de todos. – respondi apoiando as mãos sobre a bancada ilha.
– Sério? – ele disse, surpreso, e eu respondi confirmando com a cabeça. – Não acha que é grande demais? Eu não preciso de três quartos e uma cozinha desse tamanho.
– Esse apartamento é o mais bem localizado. Está no caminho entre o hospital e a universidade. Você não ficará tanto tempo no trânsito.
– Isso é verdade. – ele concordou e também apoiou as mãos na bancada, do lado oposto ao que eu estava.
- Sem contar que a área de lazer é ótima! – minha voz saiu baixa, mas com uma crescente empolgação. - A academia é bem equipada, a piscina é limpa e o playground... meu Deus! O playground é maravilhoso! Até eu fiquei com vontade tomar um chazinho naquela casinha de bonecas e depois pular na cama-elástica!
Hans pressionou os lábios segurando a vontade de rir.
- Boa observação, até porque brincar em parquinhos é algo que eu faço com frequência.
Revirei os olhos com o que ele tinha acabado de dizer e me expliquei:
- André tem uma filha e logo a Karen e o Leandro terão filhos. A meninada vai achar a casa do tio Hans a mais legal de todas!
Dessa vez ele não aguentou e sorriu, mostrando os dentes.
- Eu tô falando sério, Hans! Uma hora você vai se cansar dessa sua vida de solteiro e vai querer outras coisas! Sua casa precisa estar preparada para um programa social mais tranquilo, como receber os amigos e os filhos que eles estão tendo. Você não é mais um moleque pra viver numa kitnet e ter a alimentação à base de macarrão instantâneo.
- Pior é que nem miojo eu sei fazer na cozinha.
- Pois é! Tô vendo que vou ter que te ensinar.
- Você? Desde quando você sabe cozinhar? – perguntou estreitando os olhos.
- Sou neta de dona Margarida Alvares Willians. É claro que eu sei me virar no fogão! – escolhi a resposta mais bem-humorada. A verdade era que durante o período em que ficamos afastados, segui em frente com a minha vida e era óbvio que eu tivesse aprendido coisas que ele nem sequer imaginava.
- O preço está um pouco acima dos outros apartamentos. – falou, correndo os olhos no ambiente em que estávamos.
- Mas ainda está dentro do seu orçamento. – retruquei, sem perder o humor. – Vamos lá, Hans! Tire o escorpião do bolso!
Ele voltou a me olhar, mas permaneceu calado. Ele era desse jeito, não gostava de agir por impulso e, quando precisava encarar uma situação importante, esquecia do que estava acontecendo ao redor e imergia dentro das próprias reflexões.
De modo automático, abri a minha bolsa e verifiquei as horas no celular.
- Estou tomando o seu tempo? – perguntou, preocupado.
- Não. Meu compromisso será só daqui uma hora.
- Vai se encontrar com o Otávio?
Sua pergunta me deixou surpresa. Hans nunca mencionava o meu ex, exceto na vez em que ameaçou quebrar a cara dele.
Desfiz o sorriso e olhei para a porta que dava para a sala. A voz do corretor soava longe, talvez ele estivesse dentro de algum quarto.
Voltei a encarar Hans e disse em tom de voz baixo:
- Você acha que eu participaria de uma masturbação em dupla com você sendo a namorada de outro homem?
- Então vocês não estão mais juntos. – ele concluiu mal mexendo a face para falar.
- É, Hans. – suspirei. – Não estamos mais juntos.
- Você está bem? – perguntou e senti uma certa apreensão no seu olhar.
- Estou. Obrigada por perguntar.
Ele continuou sério, rígido como uma pedra. Contudo por uns milésimos de segundos me pareceu vacilante. Então, finalmente soltou uma pergunta:
- Com quem você vai se encontrar depois que acabar aqui? – sua voz não soou evasiva, apenas curiosa.
- Com meu instrutor de direção. Em alguns dias vou tentar tirar a carta de motorista e não consigo fazer controle de embreagem.
- Sério? Isso é algo simples de aprender.
- Pois é, mas eu não consigo.
- Posso te ajudar. – ele se prontificou rapidamente.
Levantei as sobrancelhas com vontade de rir.
- Não, você não pode. Seu carro é automático.
- Eu arrumo um carro manual. – ele falou e antes que eu pudesse retrucar, se adiantou: - Se você não aprendeu até agora com o seu instrutor, não será em poucos dias que resolverá seu problema.
- Sei não, Hans. Talvez não seja uma boa ideia.
- Eu sei dirigir, tenho experiencia e quero te ajudar.
Apesar do seu jeito durão, Hans era naturalmente proativo. Além do mais, eu sabia que com ele eu aprenderia rápido, pois possuíamos a mesma linguagem. Então, sem me prolongar, concordei com a cabeça e disse:
- Tá bom.
Hans deixou escapar um sorriso satisfeito e eu acabei sorrindo também.
- E o apartamento? – resolvi retomar o assunto principal daquela conversa. - Decidiu se vai ser esse?
- Acho que sim. Vou conversar e tentar negociar o valor.
- Negociar o valor? – ri com vontade. - Deixa de ser mão de vaca! Você tem dinheiro de sobra!
- Justamente por isso que meu dinheiro sobra, eu sei economizar. – falou piscando com charme.
- Ah, por favor... – debochei, ainda rindo e gostando daquele momento.
O silêncio pairou, mas continuávamos sorrindo. Sem conseguir me conter, acabei falando espontaneamente:
- Senti sua falta. – pigarreei e logo me expliquei melhor: - Bem... eu quero dizer que senti falta disso. – apontei para mim e para ele. – Da nossa amizade. Sempre fomos bons amigos.
Nesse exato momento o corretor apareceu e foi logo desculpando pela demora na chamada telefônica. Depois disse que nos mostraria mais dois imóveis. Contudo meu primo, que ainda me encarava de um jeito enigmático, disse:
- Não precisamos conhecer outros apartamentos. – ele cortou nossa conexão visual e olhou na direção do homem. – Vai ser esse.
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Minha ajuda não ficou somente na procura por um apartamento. Tive que entrar em ação quando Hans se mostrou perdido na hora de escolher os móveis e decidir os detalhes da decoração. Os anos dedicados (quase que exclusivamente) a carreira médica limitavam seus conhecimentos sobre coisas cotidianas. Ficou ainda mais evidente que já tinha passado da hora de ele sair da casa de seus pais. Morar sozinho o tiraria, pelo menos um pouco, do mundinho à parte no qual ele vivia.
Lembrei que certa vez estávamos numa loja eletrodomésticos. Eu admirava uma elegante batedeira. Já conseguia imaginá-la exposta sobre uma das bancadas da cozinha de Hans ostentando todo o seu refinamento e beleza.
- Não preciso disso.
Ao ouvi-lo resmungar atrás de mim, revirei os olhos e falei:
- Precisa sim.
- Pra quê? Se nem ovo sei fritar, quem dirá usar esse troço!
- Toda casa precisa ter uma batedeira. – respondi deixando claro que aquela aquisição era necessária.
- A minha casa não precisa. Se eu quiser comer um bolo, vou na padaria e compro. Além disso, já viu o preço? Essa geringonça tem o mesmo valor da minha cama!
- Não é geringonça! É uma batedeira planetária! Bate até massa de pão!
- Até parece que vou perder tempo com assando coisas.
- Cozinhar é terapêutico, sabia? Acho que você deveria tentar.
- Não preciso de uma batedeira e muito menos ajuda psicológica. O que eu gosto e o que eu não gosto de fazer já está bem resolvido. Deixo essas crises malucas para os jovens da sua geração.
- Minha geração? Ai, Hans... você fala como se tivesse noventa anos! Cara, como você é rabugento!
- Heloísa, olha bem pra mim! – ele pediu. Virei na sua direção e o encarei. – Por acaso pareço o tipo de gente que sabe sovar massa de pão? Você me imagina fazendo isso?
- Não mesmo. – respondi tão rápido que acabei rindo. Fiquei imaginando aquele homão numa cozinha, com seu jeito desengonçado derrubando panelas e fazendo uma imensa bagunça.
- Então vamos embora daqui. – falou sem muita paciência. - Já gastei muito dinheiro nessa loja.
- Tem certeza que não vai comprar a batedeira? Ela é tão linda! – olhei mais uma vez para aquela belezura e passei a mão em sua tigela de inox. – Esse prateado combina tanto com a decoração da cozinha!
Ouvi Hans bufar, mas não me importei. Tudo que eu queria era admirar cada detalhe daquele clássico do design dos eletrodomésticos.
Após um tempo de imersão apreciativa, senti meu primo cutucar o meu braço para chamar a minha atenção.
- Por que a gente não leva essa outra aqui? – apontou para uma batedeira que estava num canto discreto. – Ela também é prata, tem a mesma função e é quatro vezes mais barata.
- Não é a mesma coisa. - respondi fazendo bico.
- Por que não?
- Porque não é a melhor!
- Mas tem a mesma função.
- Assim como suas ex-namoradas. – resmunguei bem baixinho e voltando a minha atenção para o objeto de meu interesse.
- O que você disse? – perguntou, mas ele ouviu muito bem o que eu tinha acabado de dizer.
- Nada. – fiquei de frente para ele e fiz cara de dissimulada. – Leve a batedeira mais barata. A casa é sua e o dinheiro é seu.
- Vai ficar chateada por causa de uma batedeira?
- Hans, meu querido, se você tem condições de ter a melhor, por que quer levar uma inferior? Essa batedeira... - apontei para o eletrodoméstico barato. – ...quase faz as mesmas coisas. Quase! Mas ela jamais estará à altura do seu apartamento.
- Não importa se eu comprar uma ou outra, no final elas servirão apenas como um objeto de decoração.
Dei um passo em sua direção ficando bem próxima dele.
- Se comprar a batedeira que eu quero, prometo fazer o seu bolo preferido sempre que você sentir vontade.
- Peste. – falou o meu velho apelido. – Sei exatamente o que está fazendo.
Sim, ele sabia. Mas não liguei. Eu jogaria pesado para ele não optasse pelo eletrodoméstico mais barato. Por isso continuei:
- Pense no seu bolo de amendoim, na sua cozinha... – sussurrei. – na hora que você quiser.
- Sempre que eu quiser, peste?
- Sempre.
Vi sua glote subir e descer.
- Tudo bem. Vamos levá-la. – concordou.
Imediatamente mudei meu semblante. Sem me conter, pulei de alegria e o abracei. Ele permaneceu imóvel, um tanto sem jeito diante da minha demonstração de infantilidade. Ele não entendia que a escolha por algo de qualidade significava muito para mim. Dentro da minha cabeça, nomeei as batedeiras de Heloísa e Carolina e as imaginei numa disputada. Uma comparação ridícula e maldosa, disso eu não tinha dúvidas.
Porém, isso não me importava, porque no final de tudo me senti vencedora.
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Até dia 20 de novembro
Naty
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