Capítulo 13 parte ESPECIAL
Heloísa
– Ontem eu tive uma nova lembrança. – falei, deitada em seu peito. – Eu estava com você e nossos pais no aeroporto. Pousamos numa cidade grande e praiana. Meus braços estavam arranhados, meu olho, roxo... – fiz uma pausa. – ... enfim, você apareceu, cuidou das minhas feridas e me levou para seu quarto.
– Isso foi tudo que lembrou?
– Foi.
Ele suspirou profundamente. Consegui sentir seu peito subir e descer.
– Você tinha treze anos e eu vinte e quatro. Estávamos em Fortaleza por causa dos negócios da nossa família. Lembro que inaugurariam a primeira loja na cidade alguns dias antes de iniciar a Semana da Criança. Não sei por que aceitei acompanhar nossos pais, acho que estava cansado com a rotina de estudos, precisando descansar e respirar ares diferentes. Minha surpresa foi te encontrar no aeroporto. O tio Antônio é o tipo de homem que não gosta quando as coisas saem fora do seu plano.
– Ele não teve outra saída. – levantei a cabeça e passei a encará-lo. – Parece que fui suspensa da escola.
– Sim. Você foi suspensa porque se meteu numa briga. Deu uma surra numa menina que tinha o dobro do seu tamanho.
– Isso é sério? – comecei a rir, mas ele não fez o mesmo. – Eu fiz isso?
– Não tem graça, Heloísa. Você também saiu bem machucada nessa história.
– Mas a outra menina deve ter apanhado feio.
– Com certeza. Você sempre foi esquentadinha e na época já praticava luta.
– Hum, pelo o que você me explicou, lutas marciais devem ser usadas como autodefesa.
– No seu caso, essa é uma regra fácil de ser quebrada.
Sentei na cama e girei meu corpo de modo que eu conseguisse olhar em seu rosto. Seu braço rodeou o meu quadril para me acolher melhor.
Eu tinha certeza que Hans sabia mais daquele acontecimento.
– Me conta o que sabe.
– Contar o quê? – franziu o cenho.
– Tudo o que você sabe.
– Isso é tudo o que sei. Você brigou e foi quase expulsa do colégio.
– Não se faça de bobo, Hans. Eu sei que sabe detalhes dessa história toda.
– O que você quer saber?
– Ué! Tudo! Eu sei que te contei minúcias sobre essa briga que tive na escola. Também quero saber como foram os dias que passamos em Fortaleza, o que aconteceu depois daquela vez em que dormimos na mesma cama e se foi nessa época que começamos a... – fiz uma pausa pensando nas palavras que seriam ditas. – ...bem, você sabe, quero saber se foi nessa época que começamos a fazer sexo.
– A gente não transou nessa viagem. – disse sério, mas seu braço rodeando e acariciando meu quadril me mostrava que estava tudo bem prosseguir naquele assunto.
– Não?
– Não. Você tinha apenas treze anos.
– E daí?
– E daí que você tinha treze anos, Heloísa.
– Por acaso a gente só começou a transar quando fiz dezoito anos? Tive que esperar tanto tempo assim?
– Se você começar com essas gracinhas, não contarei nada sobre sua briga e a viagem de Fortaleza.
– Parei! Sou toda ouvidos.
Meu sorriso prometia que eu me comportaria dali em diante. Hans analisou bem o meu rosto e começou a falar:
– O tio Antônio não tinha com quem te deixar. Acho que nossos avós estavam viajando com minha mãe para a fazenda e o restante da família cuidava da própria vida. O jeito foi te levar junto. Quando você apareceu no aeroporto com o olho roxo e cheia de arranhões, agradeci por ter aceitado viajar. Você estava visivelmente triste e arisca. – ele me fez uma rápida pausa, pensando em como prosseguir. – Quando chegamos ao hotel, nossos quartos eram ligados, mas você trancou a sua porta. Não apareceu em meu quarto, não mexeu no meu frigobar, não deitou de sapatos na minha cama e não ficou atrás de mim insistindo para que déssemos uma volta pela cidade. Você não quis sair para jantar com a gente e eu só conseguia pensar nas suas feridas expostas. Meu tio jamais te deixaria sem alguma medicação, mas eu duvidei que estivesse usando qualquer pomada que ele tivesse comprado para você.
– O resto eu sei. Você conseguiu entrar no meu quarto, cuidou de mim, me ouviu declarar o meu amor por você, ignorou esse fato com sensatez, depois me levou para o seu quarto, me deitou na sua cama, pensou que eu estava dormindo e perguntou o que faria comigo. Ok. Entendi tudo! Quero saber o que aconteceu depois. – falei tudo tão rápido que Hans ameaçou a dar um sorriso.
– No outro dia, fiz você vestir uma roupa de praia. Fomos dar um passeio nas dunas, andar de utv* e depois mergulhar no mar. Um passeio simples que em outra ocasião te faria agir como a moleca arteira que costumava ser. Mas as dunas não conseguiram te animar, mal fez cinco minutos de rally no utv e, quando fomos à praia, não quis entrar no mar. Preferiu apenas me ver nadando. Eu até pensei que estava evitando contato entre as feridas e a água salgada. Mas a Heloísa que eu conhecia não ligava para esse tipo de dor quando a intenção era se divertir. Então saí da água e caminhei em sua direção. Ordenei que ficasse em pé. Se você não me obedecesse, eu estava prestes a te carregar em meus ombros e entrar na água com você a qualquer custo. Mas você me obedeceu. Desfiz o laço do seu vestido de praia e o que vi me fez querer socar a mim mesmo por ser tão distraído. Na mesma hora entendi que a briga tinha sido desonesta, estava claro que você tinha lutado com mais de uma pessoa. Os arranhões inflamados, esfolados na pele e o olho roxo não foram o bastante para os infelizes dos agressores. Havia salpicos avermelhados espalhados pela lateral da sua cintura. Típico em costela lesionadas. Dali em diante, não vi mais nada além da sua dor física. Imediatamente fomos para um hospital. Seu corpo estava febril e te perguntei como estava suportando a dor. Você disse que tomava analgésicos quando ela ficava mais forte.
– Eu te disse como foi essa briga?
– Você disse que vivia discutindo com uma garota que era duas séries mais velha que você. Parece que um dia vocês discutiram durante um campeonato de futsal. Mais tarde, ela e outros garotos te cercaram. A ideia deles era assistir vocês duas se engalfinharem. Mas eles não contavam que você estava aprendendo a se autodefender. Acontece que depois de um tempo se protegendo, você partiu para a briga e a garota começou a apanhar de verdade. Quando perceberam o erro que estavam cometendo, garotos partiram para cima de você aos socos e pontapés. Os arranhões e tapas ficaram por conta dessa menina, que se chamava Jordana. No final de tudo, eles conseguiram fazer que você parecesse culpada. Em nenhum momento você se defendeu e ainda confirmou tudo o que eles disseram à diretora da escola. A verdade é que você não aguentava mais essa turma de adolescentes covardes. Seu desejo era ser expulsa do colégio, mas a influência de nossa família impediu que isso acontecesse.
– Não acho que passei os anos guardando rancor desse ocorrido. É certo que revivi alguns sentimentos ruins daquela época, tipo raiva e vergonha, mas...
– Acho melhor eu parar por aqui. – ele me interrompeu, querendo se levantar da cama.
– Não! – falei e me deitei em seu peitoral impedindo que ele saísse de perto. – Eu estou bem. Por favor, continue contando.
– Já falei demais, Helô.
Hans estava relutante, mas beijei rápido seus lábios e disse:
– Estou bem, de verdade. O que aconteceu quando cheguei no hospital?
– Eu chamei nossos pais. Foi a primeira vez e única vez que gritei com o tio Antônio. Contei sobre os sobre os garotos que te atormentavam, disse que chamaria a polícia e que deveríamos mover uma ação contra aquela escola estúpida. Meu pai tentava me acalmar em vão. Vi o tio empalidecer. Mas ele não disse nada. Apenas me deu as costas e saiu rumo ao quarto que você passaria a noite em observação. Chegando lá, ele beijou sua testa, acariciou sua mão enquanto você o recebia com um sorriso. Era como se aquele gesto fosse justamente o que você queria receber dele. Aquela foi a forma mais esquisita que vi alguém pedir perdão a outra pessoa, mas você aceitou e fechou os olhos feliz. Quando você voltou para o hotel, ficou sob os meus cuidados. Não pudemos fazer passeios extravagantes. Mas todos os dias tomávamos sol na piscina do hotel, víamos os melhores filmes de ação e conversávamos sobre muitas coisas. No final, foi uma grande viagem, Heloísa. Tanto para mim quanto para você.
Quando ele terminou de falar, me senti como um aluno superdotado que sabe mais do que o professor. Ao dar o assunto como encerrado, tive a certeza que meu primo omitia o mais importante para mim.
– Isso foi tudo o que aconteceu, Hans?
– Está achando pouco? Você brigou, quase foi expulsa da escola e viajou para o nordeste com a costela trincada.
Sorri e dei um beijo rápido em sua boca.
– Tudo bem. Obrigada por me contar. – me virei, deitando de costas para ele. Logo senti seu corpo me abraçando por trás. – Entendo que você é um homem de poucas palavras. Até me surpreendi com o tanto que falou agora. Mas eu só não entendo uma coisa...
– O que você não entende? – sua voz sonolenta aqueceu meu pescoço.
– Por que não me contou que nessa viagem nós nos beijamos pela primeira vez?
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*Utv: é um veículo pequeno com tração nas quatro rodas muito comum em rally.
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Esse capítulo vai para a Sarinha SarahSiqueira , que viu pontos importantíssimos na história da Helô. A Sarinha conseguiu captar a mensagem e levantou questões que eu estou expondo aos poucos em Resetar. Gente inteligente é dose, né?? Rsrsrs
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