Capítulo 12 parte 2
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NO CAPÍTULO ANTERIOR
A segunda lembrança aumentava ainda mais os meus questionamentos. Eu queria saber com detalhes o que tinha acontecido antes e o que aconteceu depois.
Peguei meu telefone, pronta para pedir ajuda. Mas desisti ao me lembrar que não via Hans desde o dia anterior, quando nos desentendemos dentro de seu carro. Ele não voltou para minha casa como havia combinado. Passei a noite de sexta-feira na esperança de receber pelo menos um telefonema que explicasse a sua ausência. Contudo, eu tinha noção do quanto as coisas estavam cansativas para meu primo. Não era fácil cuidar de uma pessoa amnésica, ainda mais se tratando de alguém como eu, que falava e agia sem pensar.
Respirei fundo tentando resolver meus conflitos internos sozinha. Em parte, consegui prosseguir e me distrair até o sábado acabar.
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CAPÍTULO 12 PARTE 2
HELOÍSA
Era domingo, mas não haveria o tradicional almoço em família. Meus avós estavam numa viagem de excursão para a terceira idade. Eles ficariam duas semanas em Faro dentre outras cidades mediterrâneas de Portugal.
Meu pai também estava pronto para sua viagem a Nova Iorque. Ele partiria no final da tarde. Tomamos café da manhã e almoçamos juntos. Não senti que era o momento de contar sobre minha nova lembrança. Pensei que revelá-las pudesse atrapalhar seus planos com minha mãe.
No início da tarde, fiz Helena dormir e a coloquei no centro da minha cama. Eu não sabia quem estava escalado para ficar comigo naquele horário. A calmaria daquela tarde de domingo me deixou ociosa. As duas únicas lembranças que eu tinha não conseguiam resolver minhas batalhas internas. Pelo contrário, elas aumentavam ainda mais os meus questionamentos.
Então, numa decisão impulsiva, fui para o meu escritório. Como eu já tinha invadido o local, as medidas cautelosas de antes se afrouxaram. Ele já não estava trancado, a porta apenas ficava fechada.
Reabri uma das caixas de papelão e retirei de dentro o mesmo álbum de fotografias que há algumas semanas tive medo de ver até o final. No entanto, algo dourado me chamou a atenção dentro da caixa. Era um porta-joias pequeno e delicado. A curiosidade fez com que eu o pegasse também.
Voltei para meu quarto e coloquei o álbum sobre meu criado-mudo. Não resisti, acabei abrindo a caixinha de joias primeiro. Dentro, avistei uma linda pulseira cheia de pingentes no formato de estrelas. Apesar da ser infantilizada, coube perfeitamente em meu punho. Percebi que aquela peça era de ouro. A amnésia não tinha me tirado alguns dos conhecimentos vindos da boa formação que recebi. Eu sabia reconhecer o que era refinado e de bom gosto.
O brilho amarelado me fez devanear. O cômodo ao lado do meu quarto, o tal escritório-almoxarifado, continha histórias de tempos vividos que, de algum modo, deveriam ser preservadas. Eram anos de bilhetes, presentes, flores secas, frascos de perfumes, dentre outras coisas juvenis. Encaixotar e guardar aqueles objetos tinha vários significados. Um deles martelava frequentemente em minha mente: era como se a antiga Heloísa quisesse guardar no canto mais escuro de suas memórias algo verdadeiramente bonito, mas ao mesmo tempo dolorido de olhar no dia a dia. Sem forças para dar fim aos objetos, essa Heloísa desiludida escondeu tudo que pudesse lembrar todas as fases de seu relacionamento com o primo. Só não contava que o destino pudesse agir em seu favor, trazendo uma amnésia e apagando tudo. Em parte, era sorte, em outra, era azar não recordar do restante da sua vida além Hans.
Assim, fiquei perdida em meus questionamentos e auto conclusões. Até ser interrompida por barulhinhos tão conhecidos. Helena tinha acordado e estava mordendo sua mão. A menina sorria de um jeito tão inocente que acabei sorrindo de volta.
– Ei Bolotinha, você gosta de comer a mãozinha, não é mesmo? – me deitei ao seu lado e ela balbuciou algo engraçado.
A porta do meu quarto estava aberta mas, mesmo assim, escutei o som de batidas sobre a madeira. Não precisei permitir a entrada de quem quer que fosse, pois ouvi passos de alguém se aproximando. Ao olhar para o lado vi Hans entrando e parando em frente à minha cama. Ele me encarava sério como se fosse dar alguma notícia importante. Me sentei sem saber o que fazer ou dizer. Sua presença era tão totalizante que cheguei a prender o ar nos pulmões. A verdade era que ele parecia uma perturbação viva, que ocupava espaços físicos e emocionais da minha vida.
Os segundos se prolongaram de um jeito desconfortável. Até que Helena, novamente, balbuciou algo. Isso fez com que nosso contato visual fosse quebrado. Ele sorriu para minha filha mas, contrariando sua expressão facial, se afastou e entrou no banheiro. Escutei barulho de água saindo da torneira. Meu primo já tinha demonstrado que era extremamente meticuloso quando se tratava de salubridade e Helena.
Ao voltar, ele se aproximou devagar. Num certo momento, seus olhos observadores se fixaram na joia em meu braço. Ele ensaiou um sorriso que logo foi contido. Mas se encurvou em minha direção e deu um beijo rápido nos meus lábios. Depois deitou atravessado na cama, bem ao lado da minha filha. Com muito cuidado, suas mãos grandes acariciaram os fios ralinhos da bebê. Ele a admirava em silêncio. Finalmente começou a sorrir, achava graça de qualquer gesto que ela fazia. Sem se conter, beijou sua testa, beijou as solas dos dois pezinhos da menina e, quando percebeu que eu os observava com muita atenção, pegou minha mão e me puxou devagar. Acabei me deitando com eles. Helena estava entre nós dois, balançando braços e pernas. Nós três, tão juntos, parecíamos o retrato de uma família. De fato, éramos da mesma família, nosso sobrenome provava isso. Mas não do modo que meu íntimo desejou naquele momento. Eu quis, por uma fração de segundos, que a ligação entre Hans e Helena fosse muito além de primos de segundo grau.
A lucidez me veio rápido, joguei esse pensamento para longe.
Antes que eu pudesse contar para Hans sobre a nova lembrança, ele começou a falar:
– Conversei com o tio Antônio sobre os dias em que ele estará fora. – ele parou de falar e não deu continuidade, parecia pensar no que dizer.
– Sobre o que vocês conversaram?
– Quero que faça as malas, vocês duas ficarão comigo no meu apartamento. – falou rápido e voltou a dar atenção exclusivamente para minha filha.
Fiquei estagnada, sem saber como reagir diante daquela informação. Eu gostava de Hans, gostava da companhia dele, mas ficar uma semana em seu apartamento não parecia uma ideia racional.
– Hans... – eu não sabia o que dizer sem causar mais um mal-estar, ou possivelmente uma discussão. – Não sei se isso é uma boa ideia.
– Por que não? – ele perguntou ainda brincando com Helena.
– Porque na sua casa não tem tudo o que a Helena precisa. Bebês são pequenos, mas precisam de muitas coisas.
– Quem disse que não tem?
– Hans, mal tem comida na sua casa.
– Eu fiz compras no supermercado.
– Mas ainda não vejo sentido em ir para lá. Seria mais fácil se você viesse pra cá.
Ele me olhou e tomou uma longa respiração antes de falar.
– Nossos avós estão fora do país. Viktor está participando de um congresso. Seu pai, Maurício e até sua amiga Laila viajarão. Lise está ocupada com o bufê. Meu pai ficará sobrecarregado na empresa com a ausência do seu irmão...
– E você está se preparando para defender sua tese, trabalha muito, fazendo plantão à noite... ou seja, está todo mundo ocupado. O melhor é que eu fique por aqui, aos cuidados da Julieta.
– A universidade está de férias, só verei meu orientador daqui um mês.
– E os plantões? E o trabalho na clínica?
– Estou de férias do hospital. Essa madrugada foi meu último plantão. Quando eu for trabalhar na clínica, minha mãe ficará com vocês.
– Eu juro que não quero te contrariar, mas ainda não quero ir.
– Helô, só junta suas coisas sem me questionar.
– Não vou juntar nada! – exclamei como uma criança birrenta.
Ele bufou levantando da cama. Pensei que estava irritado e tinha decidido ir embora, mas ele caminhou na direção do guarda-roupa infantil. Abriu as portas e as gavetas. Pegou algumas peças de roupas de bebê e foi jogando tudo dentro de uma bolsa de saída.
– O que você está fazendo, Hans?
– Não sou louco de deixar vocês duas sozinhas. Ainda não é seguro.
– Eu já disse que não quero ir para seu apartamento. – me levantei da cama.
– Por que não? Você gostava ficar lá. – disse de costas para mim. Vi que ele segurava duas faixinhas de cabeça, uma em cada mão, parecia decidir se levava a rosa ou a lilás. Mas perdeu a paciência e jogou as duas dentro da bolsa. – Seu pai ficará mais tranquilo, já combinei tudo com ele.
– E vocês saem decidindo sobre minha vida sem me consultar? Ótimo! Agora que não vou mesmo! – Cruzei os braços deixando aflorar o mau gênio. Hans virou de frente e veio em minha direção a passos largos. Bem diferente do Hans carinhoso de alguns minutos atrás.
– Olha aqui, menina! – Apontou o dedo no meu rosto. – Deixa de ser teimosa e pensa na sua filha. Na noite que você surtou, ainda bem que Helena dormia em outro quarto com a Julieta. Não estou dizendo que você é capaz de fazer algum mal a ela, mas porra, eu e o tio Antônio somos médicos, ambos neurologistas! Entendemos do assunto! Quer saber mais que a gente?
Ele tinha razão. Não deveria ser por mim, deveria ser por Helena. Engoli meu orgulho tomando uma longa respiração. Além do mais, eu estava sendo difícil de novo, esse constante embate era cansativo demais para Hans e para mim também.
Numa atitude decisiva, tomei um par de meia infantil das mãos de meu primo e disse emburrada:
– Me dá isso aqui. Você não sabe fazer mala de criança. – fui até a bolsa para refazer a mala de Helena.
– Como posso ajudar? – escutei sua voz mais calma.
– Carregue um pouco a menina. Já tem muito tempo que ela está deitada na cama.
Ele não disse nada, mas sabia que estava fazendo o que eu tinha pedido. Desfiz parte do trabalho que ele havia feito e escolhi roupas mais quentes. Pela minha visão lateral percebi que ele se acomodou na poltrona de amamentação com Helena nos braços.
– Por que você não dorme aqui? – resmunguei ainda ressentida por não ter razão. - É muito mais fácil um se deslocar do que dois. Vou encher seu carro de tralhas de bebês e...
– Tá querendo entrar nessa discussão de novo?
– Não, Hans. Eu só quero saber mesmo.
– Onde moro tem tudo que precisamos. Farmácia, supermercado, padaria e hospital infantil. Além disso, essa casa aqui parece um museu.
Sorri dobrando um pequeno casaco de lã. Foi interessante saber que ele pensava e se preocupava com tudo. Mas, obviamente, eu e minha boca grande tínhamos que retrucar:
– Essa casa não parecerá um museu quando Helena for maior e trouxer os amigos para brincar.
– Você sempre disse que assim que pudesse se mudaria daqui.
– Eu disse isso? – fechei a bolsa e virei na direção em que eles estavam. – Mudei de ideia então. – Fui até meu closet e continuei falando de lá. – Aqui tem espaço, terra pra sujar, piscina pra refrescar e Julieta para ficar com minha filha quando eu precisar sair.
Hans não deu continuidade à nossa conversa. Peguei e abracei as roupas escolhidas em meus braços, e voltei para o quarto despejando tudo sobre a cama. Com uma mão na cintura e outra coçando a cabeça tive uma dúvida.
– Agora só falta descobrir onde guardo as malas. – resmunguei mais para mim mesma do que para Hans.
– As menores ficam na lateral do guarda-roupa direito do closet. Já as maiores, que pelo visto é de uma dessas que precisará, ficam na parte superior do mesmo guarda-roupa.
Ele disse sem me olhar e dando toda a atenção para minha filha.
– Como pode saber tanto a respeito da minha vida? – perguntei perplexa. Ele continuou brincando com Helena sem se preocupar em me responder.
Dobrei as peças de roupas, peguei calçados no closet e, quando tudo estava sobre minha cama, fiz outra pergunta:
– Pode me ajudar a pegar uma mala?
– Não. – respondeu com naturalidade.
– Não?
– Não. Prefiro ficar com a Galeguinha. Ela é muito mais gente boa do que você. – ele falava ao mesmo tempo em que balançava a girafa de brinquedo e arrancava sorrisos da minha filha.
– É sério? Não vai ajudar a sua prima doente?
– Seu problema não é físico.
Suspirei alto e dei passos decididos até o closet, sem deixar de resmungar:
– Dinamarquês de araque difícil de amansar, viu? Adora me deixar no vácuo.
Encontrei uma escadinha própria para o que eu pretendia fazer. Mas não precisei movê-la, Hans apareceu logo em seguida, colocou Helena em meus braços e com muita facilidade abriu o maleiro retirando uma bagagem. Tomou novamente a bebê em seu colo. Antes de sair, se curvou até que nossos lábios encostassem um no outro. Recebi um beijo casto e logo em seguida, ouvi:
– Você não faz ideia do quanto fui amansado, menina.
Ele me deu as costas e caminhou de volta para o quarto. Fiquei parada no mesmo lugar por alguns minutos. Cheguei à conclusão que realmente seria uma péssima ideia passar a semana em seu apartamento.
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Eita, pessoal! Já digo que esses dois ainda vão discutir e fazer as pazes muitas vezes.
Aguardem!
Até dia 28/08
Naty
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