Sangue de Princesa (KAPPES, Mayrluci)
Título: Sangue de Princesa
Autor: Mayrluci M. Kappes
Tipo: Livro
Classificação Indicativa: Livre
Editora: Pandorga
Este é do tipo de livro que você encontra por acaso em uma livraria e pega na mão só para admirar a capa. Mesmo que você não queira admitir, já está quase se convencendo a comprar só por ela. E, vamos ser honestos, a capa de Sangue de Princesa é realmente linda, uma das mais bonitas que já vi. O capista arrasou de verdade, está de parabéns! Mas não se deixe enganar pela beleza da capa! Como dizem, quem vê capa não vê conteúdo – o que com certeza falta nesta história!
O livro fala sobre Aurora Avin, uma criada do reino de Gade, que ganhou de presente de aniversário de 17 anos uma festa no palácio. Por ser uma festa de máscaras, Aurora não é reconhecida por ninguém, inclusive pelo príncipe, que ela conhece por ter ganhado uma dança com ele. Também está presente na comemoração Cassian, que é melhor amigo dela e que, como em todo bom romance, é apaixonado pela amiga. Depois da festa, ela volta à sua rotina norma no palácio e acaba trabalhando diretamente com o príncipe. Sem contar muito mais do enredo e soltar spoilers, a relação de Aurora com ele, seu amigo Cassian e Roza, uma companheira e amiga, são o foco da história.
É uma típica história adolescente, com romance, mistério e algumas intrigas. Teoricamente, a ideia é boa. Um pouco clichê aqui e ali, mas nada que se tornasse um problema. Mas, a partir daí, tudo deixa a desejar.
A primeira vez que esta história chegou a ser vendida foi direto na Amazon, sendo publicada em e-book pela autora. Depois de assinar um contrato com a Editora Pandorga, a autora, Mayrluci Kappes, disse que o livro passaria por uma revisão. Não sei se passou mesmo ou se o revisor simplesmente não fez seu trabalho direito, porque o livro está cheio de erros!
Os erros de português são grandes como, alta defesa ao invés de autodefesa, majestade ao se referir ao príncipe (na verdade deveria ser usado o termo alteza) e erros em tempos verbais, sendo usados os verbos muitas vezes como tive-se (que simplesmente não existe!) em vez de tivesse, além de frases sem sentido e uso inadequado de alguns termos.
O livro não só parece não ter sido revisado, como também não deve ter passado por um preparador. A escrita é extremamente amadora, com repetições desnecessárias e infantis. Por exemplo, em um único paragrafo a autora conseguiu repetir mais de três vezes a palavra colar sem necessidade alguma, tornando a leitura chata e cansativa. É clara sua falta de habilidade ao descrever até mesmo as ações mais simples. Já a descrição dos acontecimentos e dos ambientes é ainda mais embaralhada, muitas vezes confundindo o leitor.
Como eu falei, a escrita deixa muito a desejar. Mas eu passaria por cima de tudo isso, se não fosse o desserviço que a autora parece ter feito questão de fazer às suas leitoras. O livro, indicado como livre e principalmente para garotas bastante novas, tem cenas de violência doméstica e lesão corporal.
Por exemplo, em uma parte da história, seu amigo e guarda do castelo, Cassian, a pressiona contra a parede para lhe roubar um beijo. A Aurora diz várias vezes a palavra não e tenta se desvencilhar, mas, em vez de entender que ela queria que ele parasse, seu querido amigo só a provoca, a desafiando a ser mais forte e conseguir se livrar dele. Mas o pior de tudo é o jeito romantizado que a autora usa para descrever, como se fosse aceitável um cara forçar a garota a aceitar um beijo e ignorar todas as vezes em que ela pediu para ele parar. Não tem nada de bonito nisso, é um abuso sim, é violência contra ela. E a autora claramente não percebe que está incentivando suas leitoras a verem algo assim como romântico.
Em outro trecho da história onde o Príncipe Matthew e Aurora estão no quarto dele, ele se irrita com algo que ela disse e segura seu braço com certa força enquanto fala com ela de forma grosseira (isso tudo sem motivos aparentes que tentassem justificar tal atitude). Logo depois disso, ele se arrepende e pede desculpas, e Aurora responde que ele não deve se preocupar com isso, que está tudo bem. Mas como assim está tudo bem? Ele segurou o braço dela com tal força que deixou roxo! É mais do que óbvio que não está tudo bem. Ele ser homem, príncipe, patrão, ou sei lá mais o que, não dá o direito de agir deste modo, isso não é normal e nem aceitável. O fato de Aurora tratar isso como se fosse nada demais só reforça o pensamento de que agressão que vem com um pedido de desculpas é okay, quando na verdade nada nunca justifica uma agressão.
E então, como se não pudesse piorar a situação, o príncipe oferece como recompensa (sim, a autora usa esta palavra) à Aurora um lindo vestido novo. Ela vai até a costureira e pede para que façam o vestido para ela por ordem do príncipe, e, depois de tirar suas medidas – e coloca-las no livro, (e a autora fazer questão de comentar como a personagem é magrinha e bonita), - a costureira faz o seguinte comentário:
- Bom, vejo que você tem porte de uma princesa!
Minha pergunta é, o que é um porte de princesa? Ser magra? Você só será uma princesa se tiver tal medida? Sabemos que vivemos em uma sociedade onde existem os mais diferentes tipos de corpo, cor de cabelo, de pele etc, mas é exatamente por conta disso que cada pessoa é tão especial, por ser diferente, único. A autora com certeza teve a péssima ideia de colocar esse tópico na sua história, quem sabe tenha passado despercebido, ou talvez seja normal aos seus olhos esse tipo de comentário, não se pode dizer ao certo, mas com certeza reforçou a problematização da visão corporal, que atualmente vem sendo tão trabalhada para a desconstrução de estereótipos. Isto é especialmente problemático para as garotas mais jovens, que nem deveriam se preocupar com seu corpo e sua aparência.
Eu poderia mesmo continuar mencionando coisas desagradáveis sobre a leitura aqui, já que, para aliviar minha tensão enquanto lia, marcava e sublinhava os trechos que mais chamavam minha atenção (e causavam minha indignação!). A história sinceramente não tem um foco principal, os acontecimentos são embananados, os capítulos parecem cortados em qualquer lugar, sem muita ordem ou propósito, e ficam várias, mas várias pontas soltas mesmo ao longo do livro.
Além da escrita amadora e das cenas problemáticas, existem vários erros no desenvolvimento, furos que não dariam muito para explicar e nem fazem sentido algum. Por exemplo, a autora não decidiu ainda onde se passa a história. Parece acontecer em um mundo diferente do nosso, mas ela descreve comidas típicas daqui, como brigadeiro, beijinho e sorvete, e que os guardas jogam futebol, mesmo que em momento algum ela tenha dito onde fica Gade. Não tem mapa nem nada no livro.
Pior do que isso é o fato de que a história teoricamente se passa em outro milênio no futuro, mas o Príncipe Matthew tem iPhone. Sobre essa inconsistência, sei que a autora estava ciente antes do livro passar por uma revisão, mas ela não se importou em corrigir. Aliás, ela não sabe muito bem sobre etiqueta ou regras da realeza, tampouco sabe as criar. O príncipe chega a fazer telefonemas secretos na presença da Aurora, sua criada, e tudo que ele pede é segredo. Falta um pouco de senso de realidade para a autora, que preferiu forçar cenas assim para a interação dos dois a dar qualquer sentido lógico à história.
Outra inconsistência é que Cassian já conhecia Aurora e eram melhores amigos (de infância!), mas no primeiro capítulo, quando eles se encontram pela primeira vez na história, os dois se apresentam como se não se conhecessem! Se a intenção da autora fosse fazer uma brincadeira entre eles, precisava ter deixado claro. Ou talvez ela quisesse mostrar que ninguém reconheceria a protagonista – só esqueceu de fazer a própria Aurora mencionar isso. Ou talvez não se apresentar pelo nome.
Aliás, a Aurora é apresentada durante o baile pelo próprio rei, por nome e sobrenome. Mas, no dia em que começa a trabalhar para o príncipe, aquele que dançou com ela e pareceu já ficar caidinho por ela em uma única noite, não a reconheceu nem mesmo quando ela disse seu nome. Ainda que ela não tenha dito seu sobrenome, máscaras não são tão eficazes em esconder alguém para que ele nem ao menos reconhecesse seus olhos, seus modos e, ao relacionar com seu nome, a descobrisse logo no primeiro dia. O livro inteiro se baseia em ele não a reconhecer, mas a explicação para isso é tão vaga e falha, que deixa a história inteira sem credibilidade.
Sobre o passado de Aurora, que a autora pode ainda desenvolver nos próximos livros, um buraco grande é em relação à sua mãe. Ela menciona pouco sobre ela, sem qualquer explicação concreta, mas o pior é o quanto a personagem parece bem insensível com a situação.
Enfim, são tantas questões que poderia ficar um bom tempo aqui comentando. Sangue de Princesa tem um esqueleto de enredo bom e tinha tudo para ser um ótimo livro, se a autora tivesse se importado um pouquinho mais. Ela visivelmente não se preocupou em fazer sentido, revisar, levar em consideração as críticas que já tinha recebido ou até mesmo reler a própria história, pois com o mínimo de atenção teria sido o suficiente para reparar nos erros grotescos que estava cometendo. Infelizmente, não vou continuar lendo a série e nem recomendo a leitura do livro a ninguém, tanto pela perda de tempo, quanto de dinheiro.
Com a opinião sincera de TalitaPC,
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