"Zahir (exp.)

Em árabe: algo ou alguém que uma vez tocado ou visto jamais é esquecido. Situação que ocupa o pensamento e pode levar à loucura"

Tomás

Eu estou em um campo gigantesco. 

Sinto meu corpo pesado quando dou um passo a frente, tendo dificuldades ao me mover. Observo ao redor do campo e vejo um lago próximo a mim e ando até lá. Quando olho meu reflexo na água, fico chocado. 

Eu sou um hipopótamo. 

Será que estou em uma nova versão do livro de Franz Kafka, A Metamorfose*? 

Pelo menos no meu caso sou um hipopótamo e não um inseto monstruoso. 

Um passarinho passa voando ao meu lado, me encarando. 

Se eu tivesse uma sobrancelha, estaria com ela franzida. 

A ave volta voando em minha direção e para na minha frente. Quando abre seu bico, como se fosse falar algo, o som que sai dele é a Dominic. 

- Acorda, cara.

Nessa hora, acordo quando alguém joga um travesseiro na minha cara. Sento - me assustado e me deparo com Dominic, Emma e Greta com travesseiros nas mãos, a postos para me bombardear com eles.

Só tenho tempo de me encolher antes deles jogarem primeiro os travesseiros e depois de jogarem para cima de mim. Solto um gemido de dor.

- Vocês vão me sufocar - tento dizer no meio de tanto peso, mas não consigo evitar de soltar uma gargalhada.

Meus amigos saem de cima de mim e eu me sento na cama, passando a mão em meu cabelo.

- Ainda bem que você dorme de roupa, cara, porque, porra, seria um trauma para mim - diz meu amigo.

Reviro os olhos e todos nós caímos na risada. Emma e Greta se sentam na ponta da cama, enquanto Dominic fica de pé. 

- Resolvemos vir te acordar, já que, você não foi jantar com a gente ontem - diz Greta, dando um sorriso reconfortante.

Quando conheci a menina dos cabelos rosas e estilo punk, achei que ela fosse uma pessoa séria e fechada em seus ideias, mas é impossível não gostar de Greta e seu jeito de cuidar de todos nós da banda. 

- Eu sei, eu não estava muito bem. 

- A distância é complicada mesmo - fala Emma, com um olhar de pena.

- Nada disso - Greta levanta o dedo indicador - Tomás, você e a Camila nasceram um para o outro e eu não aceito que meu shipp não se casem, tenham filhos, um cachorro e um gato. 

Sorrio para minha amiga. 

- Shipp? - pergunta meu amigo, franzindo a testa para sua namorada.

-  Shipp, honey, é a abreviação de shippar que é quando você apoia e ama um casal - ela  explica.

- Mas certos shipps são exagerados - Emma diz antes de levantar da cama e jogar seus cabelos pretos para trás - Encontro vocês no ensaio. 

Troco um olhar confuso com Dominic. 

- O que aconteceu com ela? - pergunto para Greta. 

- Deve ser TPM, Greta também fica... - ele para quando vê o olhar cortante da namorada, mas continua: - Ainda mais radiante do que já é.

- Claro - ela pisca para ele antes de olhar para mim novamente - Você está melhor? 

- Hã, mais ou menos, tive um sonho bizarro... Eu era um hipopótamo. 

Dominic solta uma gargalhada estranha. Já Greta me olha pensativa e com os olhos cerrados.

- Qual é seu signo? - pergunta por fim. 

- O quê? - eu e Dominic perguntamos ao mesmo tempo. 

Ela me encara até que eu diga:

- Leão.

- Faz sentido - coça o queixo e fica reflexiva novamente - Você tem um signo que não tolera nenhum tipo de fracasso, por isso, se cobra muito de si mesmo. Você ser um hipopótamo pode ser um recado de sua mente para você pegar mais leve e saber que errar é humano. O peso do animal é o quanto tentar ser perfeito lhe custa caro.

Fico olhando estático para ela. 

- Acertei, não? Os astros não mentem. 

- Uau! - Dominic exclama e olha encantado para a moça dos cabelos coloridos. 

- O que foi, honey? 

- Você fica sexy para um caralho falando assim. 

- Você acha? 

Os dois se encaram intensamente e eu limpo a garganta, os fazendo me encarar.

- A gente se encontra nos ensaios. 

Greta levanta da cama e pega na mão do namorado, puxando-o na direção da porta. 

- Talvez a gente se atrase - grita antes de sair. 

Sorrio com a cena ao me deitar novamente. Eu amo Greta e Dominic, mas não posso evitar de sentir uma certa inveja e um aperto no coração de saudades de meus momentos com Mila. Esconde-me embaixo da cama até ser obrigado a ir para os ensaios.

***

Antes de sairmos de turnê, ensaiamos por um mês, contudo, segundo Roger, nosso preparador vocal e Lavínia, nossa empresária, é importante mantermos uma rotina de ensaios antes dos shows, além das passagens de som. Visto uma simples camiseta branca e calças jeans azuis e vou até o lugar combinado. 

Chegando lá, vejo que sou o primeiro a chegar, por isso, me sento em uma cadeira e tiro meu celular do bolso. Nenhuma chamada de Camila, apenas uma de um número desconhecido. Suspiro exasperado. Não entendo do porquê Mila não teve apenas um segundo para me avisar que está bem. 

Estou tão submerso em pensamento que só me dou conta que Emma chegou depois que ela tromba com uma mesa. 

- Merda! - xinga.

- Tudo bem? - me levanto e vou até ela. 

- Hã...Sim, não se preocupe. 

A baterista foge de mim como se eu tivesse uma doença contagiosa assim que chego perto dela. 

- Emma? O que está acontecendo? 

Emma me olha, fingindo confusão. 

- Não está acontecendo nada, por quê?

Abro a boca para falar que ela vem agindo estranho, contudo, nessa hora Dominic e Greta chegam dando risadinhas. Eles param quando sentem o climão do ambiente. 

- Tudo certo? - pergunta meu amigo.

Nesse momento Lavínia entra na sala toda esbaforida, mexendo no celular, segurando várias sacolas e seus cabelos curtos e pretos estão bagunçados, provavelmente, pelo vento. Ela para ao nos ver parados lhe olhando. 

- Por que ainda não estão ensaiando? Vamos, vamos - faz sinal para irmos logo. 

Vamos todos para seus lugares: Greta pega seu baixo, Emma vai até sua bateria, Dominic pega sua guitarra e eu me posiciono em frente ao microfone. Como já aqueci a voz em meu quarto, posso apenas cantar e sentir a música.

O momento de cantar é mágico para mim, mesmo sendo apenas nos ensaios, sinto meu coração se encher de alegria. 

Lavínia senta em uma cadeira para nos assistir. Segundo ela, nunca enjoa de nossa harmonia. 

- Vamos de cover? - pergunto para meus amigos - Take me to church? 

- Pode crer - confirma Dominic. 

A música começa, fecho meus olhos e deixo as letras saírem de minha boca. 

My lover's got humour
She's the giggle at a funeral
Knows everybody's disapproval
I should've worshipped her sooner
If the heavens ever did speak
She is the last true mouthpiece
Every Sunday's getting more bleak
A fresh poison each week

***

Algumas músicas depois, começo a sentir meu celular em meu bolso.

Camila.

Faço sinal para parar tudo e aponto para meu celular. Nem olho para ver quem está ligando, sei que é ela. Corro para o corredor e atendo:

- Mila? 

- Infelizmente não, mas sou tão bonito quanto - diz Diego do outro lado da ligação.

- Ah! - não consigo evitar minha decepção.

- Bom saber que também está feliz em falar comigo, maninho - fala com ironia.

- Desculpa, Dig. Claro que estou feliz em falar com você. Como estão as coisas aí?

- Está tudo certo, meu colega de quarto é maneiro, mas não quero falar de mim quando você claramente não está bem. Qual é o lance com a Cami? 

Conto tudo para meu irmão, das minhas preocupações, da voz masculina que ouvi ao fundo e Diego me ouve em silêncio. 

- Você sabe que Joana foi visitar a Cami, né? - pergunta quando acabo de falar.

- Não - franzo a testa com o fato de estar sabendo da vida de minha namorada por terceiros. 

- Entendo suas chateações, mas ela acabou de chegar na faculdade, Tom. Pega leve. Jô está lá cuidando dela e tenho certeza que ela vai te ligar.

Suspiro fundo. 

- Você tem razão, preciso me acalmar. Hoje é a estreia da turnê da Reconvexo.

- Exatamente, cara. Você não pode perder a cabeça, existem pessoas que precisam de você. 

- Sim - sussurro.

- Daqui duas horas eu vou entrar na live do Instagram de vocês e quero ver meu irmão dar tudo de si. Estamos entendidos. 

- Sim, você tem toda razão, Dig. Preciso me concentrar. 

- É isso aí, irmão. Força, cara. 

- Obrigada, irmão. 

- Estamos juntos sempre. 

Quando eu desligo, me sinto mais confiante. Preciso focar no meu show, Camila está bem e logo me ligará. Volto para dentro da sala e encontro a banda e nossa empresária reunida, me esperando retornar. 

- Tudo bem? - pergunta Lavínia, colocando a mão em meu ombro. 

- Tudo certo. Estou feliz por estar realizando com vocês este sonho que eu nem sabia que tinha - digo para o grupo. 

- Eu amo vocês - diz Greta com a voz embargada. 

Dominic estende a mão para o meio de nossa pequena roda nos incentivando a colocar nossas mãos em cima da dele e assim o fazemos. 

- 1, 2, 3... Reconvexo - falamos juntos e colocamos a mão para cima, como um grito de guerra. 

***

Estamos caminhando em direção ao palco. Meu coração bate loucamente em meu peito, já sentindo a adrenalina do palco. É incrível como existe pessoas por detrás de cada show, tudo pensado nos mínimos detalhes desde a estrutura do palco até nossos figurinos (que estão de tirar o fôlego).Tanto Emma quanto Greta estão usando vestidos curtos, justos e brilhantes, já eu e Dominic estamos usando calças pretas, regata branca por baixo de uma jaqueta de couro. 

Chegamos próximos o suficiente e nos entregam o ponto para colocarmos no ouvido. Respiro fundo, ansioso ao mesmo tempo para entrar logo cantar e por querer ouvir a voz de Camila antes de começar o show.

- Prontos? - pergunta Júnior, um ajudante de palco. 

Estou prestes a confirmar quando ouço alguém me chamando.

- Tomás! - é Lavínia correndo toda desengonçada com seu salto gigantesco e segurando algo enquanto balança em cima da cabeça. 

Cerro os olhos para ver o que é que está segurando e vejo ser meu celular. 

Começo a correr de encontro com ela, já sabendo do que se trata. 

- É Camila - ela anuncia ofegante antes de me entregar o celular. 

Olho a tela de meu celular e vejo a foto do lindo rosto de Mila. Atendo rapidamente.

- Mila? - atendo e abro a boca para continuar, mas ela me interrompe.

- Deixa eu falar antes, pois não temos muito tempo - sua voz suave aquece meu coração - Me desculpa não ter te ligado antes, meu celular ficou sem bateria, tentei te ligar do celular de um amigo, mas você não atendeu. Assim que minhas aulas acabaram eu corri o campus inteiro para conseguir te ligar antes do show.

Ela para recuperar o fôlego e eu aguardo, amando ouvir sua linda voz. 

- Eu tenho muito orgulho de você, da pessoa ainda mais incrível que se torna a cada dia. Agradeço todos os dias por você ter batido aquela porta no meu carro - rimos juntos com a lembrança de nosso primeiro encontro - Agora vai lá dar o seu melhor e mostrar para o mundo o talento que mora dentro de você. Eu amo você, Tomás Ferraz. 

Sorrio, comovido com sua declaração inesperada. 

- Eu também amo você, Camila Bian. Muito. 

Desligamos o telefone e eu volto de encontro aos meus amigos. 

- Prontos? - pergunto sorrindo de orelha a orelha. 

Todos confirmam e nós entramos no palco, ouvindo o grito da platéia e sendo tomados pela adrenalina de estar em frente a tantas pessoas. 

*A Metamorfose de Franz Kafka é um livro em que o protagonista Gregor Samsa, certa manhã, acorda metamorfoseado num inseto monstruoso. Todo o decorrer do livro gira em torno de sua família descobrindo o ocorrido e como todos lidam com isso.

Nota importante: esta humilde escritora não sabe muito de signos, por isso, se alguém mais especialista que eu ler e não concordar, não brigue comigo, me avise <3

O que acharam desse capítulo mais longo? 

Me contem o que acharam. 

Lembrando que a música que Tomás cantou está no início do capítulo.

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Beijos e até a próxima <3