16. Memórias da Makedóvia
"Se você conhece o inimigo e conhece a si mesmo, não precisa temer o resultado de cem batalhas."
— Sun Tzu, A Arte da Guerra
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CIDADE DA MAKEDÓVIA, NÓTOS
18 ANOS ATRÁS
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OS PRIMEIROS MESES APÓS a morte de sua mãe foram vagos, mas ele se lembrava claramente das emoções que sentiu. A tristeza, o medo, a raiva. Na maioria das vezes, era raiva porque as pessoas tendiam a forçá-lo ao limite. Havia sido acolhido por seu pai, um homem que nunca tinha visto em sua vida até o momento. Ele se parecia consigo: tinham o mesmo queixo e o mesmo nariz. O resto, Basilides herdou de sua mãe. O homem também era alto e maciço. Músculos e olhos afiados que assustavam as pessoas em um aviso para não mexer com ele. Além disso, a cor de seu cabelo havia desbotado, tinha cabelos grisalhos desde tenra idade.
Cada vez que eles se cruzavam na fortaleza, Basilides lançava-lhe um olhar mortal, quase o culpando por todo o seu infortúnio. O homem era severo e estóico, mas nunca mau para ele; simplesmente carecia das qualidades que o tornariam carismático e empático. Basil não conseguia se relacionar com ele de forma alguma.
Ele dispôs de alguns meses para se recuperar da morte de sua mãe e se ajustar à sua nova vida, mas o progresso foi lento. Sempre que dava um passo à frente, algo o atingia e ele dava dois passos para trás. Também era considerado insuportável para a maioria. Rude. Irritável. Barulhento. Todas essas falhas pareciam horríveis em uma criança de tão boa aparência como ele. Também era violento algumas vezes, embora ainda não soubesse lutar. As pessoas ao seu redor começaram a se perguntar se era uma boa ideia incluí-lo na Irmandade, e se ensiná-lo a lutar não pioraria as coisas.
O encarregado de sua educação era um jovem chamado Akaios, seus pais eram de Greekia, mas ele estava separado de sua família há anos. Era um lutador muito talentoso para sua idade e também era talentoso em ensinar, sua única falha era a falta de paciência. Quando lhe disseram que precisava ensinar as técnicas de luta para Basilides, de doze anos, ele estava prestes a recusar até que lhe ofereceram dinheiro para fazê-lo. Para a primeira aula, eles encontraram um local na floresta da Makedóvia, no topo de uma colina, onde o solo era plano e havia grama. Tinha trazido consigo dois bastões de madeira, um maior para ele e outro menor para Basil. Sem o conhecimento deles, o pai do garoto observava das sombras.
— Escute aqui, criança — disse Akaios, plenamente consciente de que isso só iria irritar ainda mais Basilides — Você é um ser cheio de raiva e ressentimento, de um jeito que nunca testemunhei antes em minha vida. Então, em vez de tornar a vida de todos ao seu redor um inferno, talvez você deva considerar usar essa raiva de forma produtiva? Que tal isso?
— É hoje que irá me ensinar como bater em você? — zombou Basil.
— Não. Este é o dia em que eu o ensino como salvar seu traseiro quando eu bater em você.
Akaios golpeou à direita e Basil bloqueou seu golpe. O garoto fez isso com fraqueza no braço e seu corpo não estava suficientemente estabilizado, mas para uma primeira tentativa, foi bom.
— Você já lutou no passado? Isso não é nada como você já viu antes — o homem falou — A Irmandade de Mercinia é muito rigorosa e precisamos de lutadores de ponta que possam enfrentar qualquer inimigo. É por isso que devemos começar seu treinamento agora. Quanto mais jovem você começar, mais tempo terá para aperfeiçoar suas habilidades. Depois disso, você será enviado em missões pela Irmandade.
Basilides bufou.
— Eu nem sei do que se trata esta Irmandade. Você fala como um cultista!
— Eu falo a verdade — Akaios parecia cada vez mais irritado — E você deveria levar isso a sério. Seu pai conta comigo para colocar algum juízo em você, e isso é uma tarefa impossível se quer saber, mas irei encarar como um desafio.
Ele então bateu à esquerda. Basilides usou a outra ponta do bastão para bloquear o golpe. Akaios pareceu quase orgulhoso dele. O menino então virou todo o corpo sobre os calcanhares e usou o bastão para mirar em sua cabeça; atingiu-o no ouvido, fazendo-o sangrar um pouco. Perdendo o equilíbrio, o jovem homem caiu de joelhos e olhou para Basilides com raiva nos olhos, levantou seu próprio bastão e bateu na cabeça do garoto. O bastão fez um barulho de estalo, partindo-se em dois ao atingi-lo nas costas.
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Basilides estava de volta ao acampamento montado, encharcado de suor. Deixou cair todas as suas coisas aos pés de seu pai, que estava dentro de uma tenda sentado à mesa. O homem olhou para o equipamento de treinamento e depois para Basil; não havia nada de incomum na falta de contenção do garoto e em sua atitude que atraiu atenção negativa.
— Esta foi uma boa oportunidade para Akaios me usar como um saco de pancadas, e você permitiu! — Basilides rosnou, com raiva.
Seu pai largou a pena que segurava sobre a mesa.
— Treinar, no começo, é sempre difícil. Espero que tenha aprendido algo com esta lição.
Basilides arregaçou as mangas e levantou a barra da calça para mostrar a ele todas as marcas que Akaios havia deixado em seu corpo.
— Tem mais nas minhas costas, você pode imaginar o quanto dói!
Seu pai acenou com a cabeça como forma de dispensá-lo, pegou a pena mais uma vez e voltou ao trabalho. A conversa acabara e Basilides deveria ter entendido o silêncio dele como uma deixa para ir embora, porém puxou um banquinho e sentou-se em sua frente.
— Eu quero ir ver a mamãe — falou.
O homem olhou para o garoto e depois para a carta que estava escrevendo.
— Você sabe que não pode fazer isso — respondeu.
Havia um nó em seu peito que parecia apertar; Basilides engoliu em seco e prosseguiu:
— Posso sim, o vilarejo não fica tão longe daqui — insistiu.
— Você entendeu perfeitamente bem o que quero dizer.
Basilides bateu na mesa com as mãos, fazendo todos os objetos ali pularem no processo; seu pai teria dito algo, mas tentou manter a calma diante de seu comportamento imprudente.
— Basilides — o tom foi de aviso.
— Pai — o garoto zombou dele.
— Eu disse não, e essa é a minha palavra final.
Basil puxou suas cartas para longe dele e as manteve em uma distância fora de alcance; estava desesperado para chamar sua atenção sobre este assunto.
— Você não pode me proibir de ver minha própria mãe, ou de voltar para casa — elevou a voz — Na verdade, não quero nem mesmo estar aqui!
O homem se levantou subitamente, fazendo Basilides quase cair de joelhos pelo medo; ele o agarrou pelo pulso, pegou suas cartas de volta, mas não o soltou. O corpo inteiro do garoto tremia sob seu olhar severo. O pai sempre fora assustador, e para todos, mas Basil era estúpido e corajoso e se permitiu agir como se estivesse livre de consequências. Quanto mais pensava sobre isso, mais percebia que sua atitude difícil nunca lhe trouxera nada na vida.
— Eu sugiro que você se comporte quando seus superiores lhe derem ordens — o pai sibilou com rudeza — Vou repetir o que disse, e esta é a última vez que o farei: você não pode sair. Sabe muito bem que está sob minha supervisão agora e tem sorte de eu ser seu pai, caso contrário, não hesitaria em puni-lo pela maneira como fala comigo e trata os outros.
Ele o largou com um empurrão e Basilides caiu sentado. Estava prestes a se levantar quando o pai o chutou forte, fazendo-o cair no chão mais uma vez.
— Se a mamãe está morta, é por sua causa — cuspiu em direção ao homem, com ódio.
Ele não pensou muito antes de dizer isso, raramente pensava antes de falar, em geral, e a próxima coisa que viu foi o cotovelo de seu pai vindo em sua direção. Acertou-o no topo da cabeça, com força suficiente para embaçar sua visão; sentiu a dor passar pela cabeça, depois pela parte superior do corpo e caiu no chão, sentindo-se fraco.
Deste ponto em diante, o relacionamento deles foi permanentemente danificado. Basilides nunca perdeu a oportunidade de lembrá-lo o quanto o desprezava e o que ele representava.
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PALÁCIO DE LEONTIUS, PORTO REAL
REINO DE LEONTIUS
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O CLIMA ESTAVA PERFEITAMENTE agradável, com o sol entre as nuvens no céu, gerando um calor que não lhe faria suar deselegantemente, e ventos suaves e constantes sopravam; era um dia perfeito para se estar revisando documentos nos jardins ao ar livre, ou apenas tomando um bom vinho enquanto relaxava na sacada de seus aposentos. No entanto, ali estava Chrysaor, nos fundos da biblioteca do palácio tentando ensinar à Basilides Ariti tudo o que ele precisava saber sobre Vrachos. Ordens de Andromeda.
— Não — o senescal falou, asperamente — Observe outra vez as entradas e saídas do palácio de Vrachos. Como pode ver, as próximas das cozinhas são as menos vigiadas — apontou para a planta do palácio.
Basilides parecia querer cuspir fogo em sua direção, levando em consideração o cenho franzido e a expressão de raiva mal contida.
— Exatamente por isso é o lugar que irão esperar saída e entrada de espiões — Basilides rosnou — Caso haja alguma suspeita, os primeiros a serem interrogados serão os empregados das cozinhas, e eu acredito que eles não iriam mentir em um interrogatório perante os seus monarcas.
De fato, o rato de esgoto estava certo em partes; se usassem as saídas das cozinhas, os criados de Evios e Despoine iriam memorizar a aparência de Basilides, e deuses sabiam que raros eram os criados que conseguiam manter as línguas atrás dos dentes.
— Você com certeza saberá como lidar com os empregados de Vrachos, Basilides, de forma que eles, ah, não o vejam — falou — Manteremos nossa concentração nos caminhos próximos as cozinhas. — sorriu secamente.
Basilides não surtou, virando a mesa ou falando algo mordaz, apenas respirou fundo com a expressão fechada.
Surpreendentemente, ele estava colaborando com a "aula" que Chrysaor estava lhe dando naquele dia; o senescal não conseguia evitar erguer uma sobrancelha cada vez que o mercenário inclinava-se sobre a mesa para analisar os mapas de Vrachos e as plantas do palácio de Evios e Despoine.
— Fale sobre os monarcas de Vrachos — Basilides pediu — Evios e Despoine, não é?
— Evios Vrachos é o rei de fato, por nascimento — explicou, satisfeito por Basilides Ariti finalmente estar agindo de forma civilizada — Evios é um homem corajoso, excelente guerreiro, e sou forçado a admitir que ele possui certa inteligência. Os prazeres de Evios são harpas e mulheres. Três anos atrás, cinco poderosos barões de Vrachos se revoltaram contra o reinado de Evios, e Andromeda enviou tropas para ajudá-lo.
— Por que a rainha fez isso? — a pergunta de Basilides o surpreendeu.
A princípio, iria dizer que não era de sua conta, afinal... Não era mesmo de sua conta. Porém, como estranhamente ele parecia estar interessado nas explicações, decidiu respondê-lo. Pelo menos, com uma parte da verdade.
— Rainha Andromeda sempre procura servir o bem maior — explicou — Se Evios caísse, isso causaria grande desestabilidade na Ilha, já que os barões disputariam o trono de Vrachos. E se um monarca cai, todos podem cair, e ficaríamos à investidas de outros lugares. Por isso Leontius ajudou Vrachos. E também porque Andromeda não gosta de nobres, sejam eles nossos ou de outro reino. — riu, subitamente lembrando da expressão no rosto de Scaios Teresi, quando este partiu após sua breve reunião com a rainha.
Havia outro motivo pelo qual Andromeda socorrera Evios Vrachos, e sabia qual era, mas isso não interessava a ninguém senão Andromeda. Por isso manteve silêncio.
Basilides assentiu, mostrando que havia entendido.
— Continue — pediu.
— Agora, iremos falar sobre a rainha, a esposa de Evios. É a mulher mais bonita dos Três Reinos, sedutora e completamente astuciosa — começou a andar de um lado para o outro, algo que fazia quando estava raciocinando — Não me admiraria se estivesse governando Vrachos pelas sombras. Dizem que ela brinca com venenos e pratica feitiçarias macabras — não pode evitar o tom de desprezo — Em minha opinião, isso é apenas falácia, boatos supersticiosos de pessoas que não usam a razão.
— O que lhe garante que isso não seja verdade? — Basilides perguntou.
— Não me diga que você acredita nesta fantasia, Basilides — se assustou com o questionamento — Bem, se for verdade, então as feitiçarias de Despoine Pantazis alcançam todos os lugares menos Leontius — falou com orgulho — Agora, deixando de lado essa história sem sentido sobre feitiçarias, eu aconselho a ter cuidado com rainha Despoine durante nossa curta estadia em Vrachos. De preferência, fique longe dos olhares dela.
Sabia que Basilides Ariti era calculista, observador e um bom mentiroso quando queria, e saberia lidar com vários tipos de pessoas se assim quisesse. Porém, ao mesmo tempo sabia que a rainha Despoine era também tudo isso, em grau maior, além de possuir olhos pelo reino do marido. Queria evitar que o rato de esgoto atraísse a atenção dela e fosse vigiado... ou que fosse seduzido por ela, algo que infelizmente poderia ser provável de acontecer, caso a rainha de Vrachos decidisse agir pessoalmente.
— Muito bem — Basilides concordou, embora o encarasse de forma analítica — Por que desconfiam tanto de Vrachos?
— Andromeda recebeu uma carta de Despoine a convidando para ir até Vrachos quando rei Evios partiu para Gaheris — decidiu explicar honestamente — Lá, Despoine deixou escapar algumas coisas suspeitas, além de sua insistência para que nossa rainha se casasse com um barão de Vrachos. Talvez tenham sido apenas palavras vazias... mas preferimos não arriscar. Compreende?
Demorou alguns segundos para que Basilides respondesse.
— Sim.
— Ótimo — assentiu — Será informado sobre quando iremos partir em breve, e agora preciso lhe informar como será seu disfarce.
— Rainha Andromeda disse que iria em sua comitiva...
— Exatamente — voltou a assentir — Assim você irá. Como criado de Andromeda, assim terá permissão para estar junto a ela no banquete e caso ela participe de alguma refeição em particular com um dos monarcas. Essas serão as pequenas chances que você terá para observar Evios e Despoine, assim como alguns de seus barões, em primeira mão — franziu o nariz — Aproveite esta chance, como sempre digo, é uma grande vantagem conhecer seus inimigos. De preferência, melhor que eles próprios.
Basilides parecia pensativo. Na verdade, durante toda a tarde ele estivera pensativo; Chrysaor não sabia dizer se isso era bom sinal ou não, o que preocupava-o um pouco.
— Irei deixa-lo agora — avisou, juntando seus papéis novamente — Preciso conversar com nossa rainha.
— Como ela está? — a pergunta de Basilides veio rápida e impulsiva, como tivesse escapado dele.
O senescal ergueu as sobrancelhas e observou o loiro por alguns segundos.
— A rainha está bem — respondeu por fim, estreitando os olhos — Até breve, Basilides Ariti.
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