11. Pessoa Indesejada
"Não, eu não vou sorrir, mas lhe mostrarei meus dentes."
— Halsey, Nightmare
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PALÁCIO DE LEONTIUS, PORTO REAL
REINO DE LEONTIUS
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A FEBRE VEIO PELA MANHÃ, tirando-me as forças até mesmo para abrir os olhos, e eu não tive outra escolha senão chamar os médicos. Chrysaor também havia vindo, acompanhando-os, e se encontrava em meu quarto de dormir com os braços cruzados, encarando-me com reprovação; foi só quando os médicos se retiraram que ele começou a falar.
— Você se esforçou muito indo para Vrachos — balançou a cabeça — Era uma boa ideia ir, mas você sabia que deveria ter feito paradas necessárias!
O mal-estar não deixou que eu respondesse com as palavras que queria; havia dormido mal, com pesadelos dominando meu sono — claramente causados por ter relembrado tantas coisas noite passada —, e acordara com a pele quente e calafrios.
— Eu aviso tanto que não deve se esforçar! — Chrysaor continuava — Eu aviso tanto!
— E o que espera que eu faça? — não consegui mais conter meu aborrecimento — Eu sou a rainha. O peso da coroa está sobre minha cabeça. Terei tempo de sobra para descansar quando eu morrer!
— O que não irá demorar para acontecer se você continuar agindo assim! — Chrysaor gritou, fazendo com que me sobressaltasse.
Arregalei os olhos para depois os estreitar; encarando Chrysaor de forma séria e pressionei os lábios.
— Está se esquecendo de quem eu sou, senescal? — perguntei, em voz baixa
Chrysaor ficou estático; era raro que usasse um tom duro com alguém, entretanto, eu sabia muito bem como usá-lo.
— Perdoe-me, minha rainha — ele se curvou — Mas não retiro minhas palavras.
— É claro que não retira — interrompi, franzindo o nariz.
— Andromeda, estou fazendo todo o possível para que os médicos descubram uma cura, e estamos tendo poucos avanços. Então preciso que você colabore e descanse!
Fechei os olhos sentindo-me subitamente amargurada por alguns segundos; não havia cura. Eu sabia que não havia cura.
— Chrysaor, você não entende que em minha posição eu não posso demonstrar fraqueza? — questionei por fim, começando a ficar agitada — Sabe muito bem quem chegará nesse palácio em dois dias para uma reunião comigo. Scaios Teresi, o maldito barão de Aíma. E nós sabemos que ele vem aqui tentar entrar em minha corte e tentar se casar comigo para se tornar rei! Aquele homenzinho insistente e desprezível!
A tosse veio no exato momento em que eu me exaltei, e na mesma hora Chrysaor estava ao meu lado na cama com uma taça cheia de água. Demorou um pouco para que minha respiração se acalmasse, mas quando retirei o lenço da boca, vi que ali havia sangue.
— Pelos céus, Andromeda, pelos céus... — Chrysaor murmurou, parecendo assustado — A tosse voltou a vir com sangue...
— Parece que sim — fechei os olhos, respirando fundo, enquanto apertava o lenço na mão, exausta.
— Eu vou pedir que tragam castanhas e laranjas, irá ajudar a fortalecer sua saúde — falou.
Eu não o respondi, apenas voltei a deitar o corpo na cama e fechei os olhos.
— Você veio até aqui, então é porque precisa me dizer alguma coisa — falei, ainda do mesmo jeito — O que houve?
Chrysaor passou uns segundos em silêncio, o que me fez forçar os olhos a se abrirem de novo; sua expressão não era nada boa, o que significava mais algum problema.
— Os prisioneiros de Basilides e Eurynax se mataram em suas celas — rosnou, por fim, indo até a mesinha e servindo-se de uma taça de vinho — Amanheceram mortos, tinham veneno consigo, assim como Phillip.
Respirei fundo, apertando o lenço sujo de sangue em minha mão.
— Como isso foi possível? Não deram ordens aos guardas para que os revistassem?
— E eles foram revistados — tomou um gole do vinho — Foram tiradas suas capas, as armaduras, os mantos... Mas em nenhum momento foi pensado em revistar o interior das botas.
Ergui a mão e esfreguei o rosto; as coisas cada vez mais se tornavam complicadas.
— Investigue os arredores de onde Basilides e Eurynax os enfrentaram — pedi — Precisamos descobrir se tiveram contato com alguém, ordene que tavernas e bordéis sejam visitados, são os dois lugares mais prováveis de homens visitarem. Lembre-se, concentração nos arredores.
— Sim, Andromeda — ele assentiu — Enviarei homens agora mesmo.
— Bom — sorri, deixando os olhos fecharem — Agora, por favor, preciso descansar mais um pouco, a febre e a medicina estão fazendo meus olhos pesarem.
Não pude ver Chrysaor se retirar antes de adormecer. Depois de tudo pelo passei, tinha muita dificuldade em adormecer, precisando tomar chás e poções calmantes — algo que detestava — ou estar realmente muito cansada. E, muitas vezes, nem no mundo dos sonhos tinha paz.
Mal havia notado o quão profundo estava meu sono até que as aias vieram me acordar para que me banhasse e me vestisse, pois era exatamente o meio do dia e estava na hora do almoço. Os médicos apareceram para me examinaram novamente enquanto comia, Chrysaor cuidara para que houvesse castanhas e laranjas na refeição; minha febre cedera um pouco, o que era bom, mas não tão bom, pois ela deveria ter ido embora completamente duas horas após a medicina, como Aléxandros me explicara, em tom preocupado.
Passei a tarde em meu quarto de dormir, sem me erguer da cama; tinha tanto o que fazer, mas seria melhor perder um dia do que uma semana, poderia trabalhar em dobro amanhã se estivesse bem.
Sentia vontade de levantar e caminhar um pouco pelo jardim ou pelo palácio; queria ver os soldados treinando e imaginar como seria a sensação de saber manusear uma espada ou uma adaga. Sabia usar arco e flechas, mas isso fora antes de Halius Exekias quebrar minha mão direita.
Halius Exekias fora o barão responsável por minha tutela e pela regência do reino, assim como pelo inferno que minha vida se tornou. Quando o maldito visitou meu quarto pela primeira vez, consegui socá-lo para me defender, e isso o enfurecera. Ele agarrara minha mão, torcendo meu braço, jogando-me na cama, e a dor se espalhara de meu pulso para meus dedos.
Nem todos os esforços de Aléxandros foram suficientes para fazer com que eu voltasse a ter a mesma firmeza que antes tinha na mão.
As lágrimas vieram aos meus olhos antes que pudesse evitá-las.
Contara parte de meu passado para Basilides Ariti enquanto jogávamos xadrez noite passada, porém essa parte não chegava a ser nem mesmo a metade de tudo. Essa fora apenas a parte que era capaz de falar.
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Apesar de ter passado o dia anterior repousando em meu quarto de dormir, sentia-me fraca e febril.
Novamente não dormira bem, mas isso não era novidade, fazia anos desde a última vez que tivera uma noite de sono tranquila; na maioria das vezes somente acordava em sobressalto após pesadelos que pareciam completamente reais.
Fechei os olhos brevemente, pousando a pena que usava para escrever na mesa, e massageei a testa. Respirei fundo, tentando me concentrar no aroma das flores que o vento trazia de meu jardim particular; observei por um tempo as finas e longas cortinas dançarem ao vento, pois as grandes portas de vidro que ligavam minha sala particular ao meu átrio particular estavam abertas. Toda essa área, as salas, o átrio a céu aberto, os quartos, costumavam ser os aposentos de meu pai. Lembrava de brincar no jardim, em silêncio sempre que meu pai e meu irmão recebiam alguém na sala. Quando encerravam, o rei passava direto por mim em direção ao quarto, mas meu irmão vinha até mim e segurava minha mão, levando-me até as cozinhas para comermos tortas salgadas e doces.
A lembrança era agridoce.
Voltei a colocar a pena no tinteiro e juntei as folhas ao lado esquerdo da mesa, e quando terminei uma batida soou na porta da sala.
— Entre — falei, já sabendo quem era.
Scaios Teresi, o barão de Aíma, entrou na sala sozinho e elegantemente. Os cabelos escuros estavam penteados para trás e os olhos esverdeados se focaram em mim, antes que ele se curvasse em uma reverência; a maioria tinha em mente que monarcas adoravam serem bajulados, e isso era verdade. Porém, essa verdade não se aplicava à mim. Eu não era vaidosa, portanto nenhuma adulação funcionava verdadeiramente comigo.
— Majestade — a voz era calma e macia, quase como estivesse imitando minha própria voz, embora houvesse uma pontada de frieza na sua — É bom vê-la novamente.
— Barão Scaios — inclinei a cabeça em um cumprimento — Mais uma vez o senhor encontra-se em minha presença. Por favor, sente-se
Scaios se aproximou com passos leves em direção à minha mesa, sentando-se em uma das poltronas. Observei-o tranquilamente, aguardando que falasse primeiro.
— Chrysaor me recebeu quando cheguei — comentou, retribuindo meu olhar — Considera realmente sensato permitir que um bastardo legitimizado seja senescal? Alguém assim não deveria ser a segunda pessoa mais poderosa de Leontius.
Franzi o cenho, não gostando da forma que ele se referia à Chrysaor.
— Provavelmente meu reinado talvez ainda esteja confuso para você, então deixe-me ser um pouco mais clara: Chrysaor Cirillo é meu senescal, e meu senescal é Chrysaor Cirillo — falei — O cargo de Senescal é um lugar para pessoas competentes e merecedoras, não para ambiciosos ou entediados.
Nos encaramos por alguns segundos, nenhum de nós vacilou. Precisava admitir que a máscara de frieza que Scaios usava era realmente perfeita.
— Não foi minha intenção ofendê-la — era o máximo que ele iria dizer — De qualquer forma, vim tratar novamente de um assunto importante para nós dois.
Puxei minha taça para perto de mim e enchi de água fresca, que se encontrava na jarra ao meu lado direito. Já sabia o que Scaios queria.
— Sei do que se trata, Scaios, e não quero ouvi-lo — pressionei os lábios, desgostosa — Ao contrário dessa taça e dessa jarra, meu futuro matrimônio não está à mesa. E você faria bem em não se intrometer em meus assuntos.
— Você é orgulhosa demais, rainha Leontius — o barão não se deu por vencido — Não a culpo, este é um traço que muitos reis e rainhas possuem, mas devo insistir que mude. A senhorita sabe que tenho ligações com Prásinos e Vrachos, sou um homem influente e com dinheiro. Juntos formaríamos uma boa aliança, sou sua melhor opção se quiser permanecer sendo rainha. Faça de mim seu rei. Será o melhor para Leontius.
Ergui a taça e tomou um gole de água, enquanto ouvia as palavras de Scaios.
— Não presuma saber o que é melhor para Leontius, barão — respondi, sem me alterar, embora começasse a ficar inquieta por dentro — Eu lutei para recuperar o trono de minha família que foi usurpado por barões. Lutei para retirar este reino da lama que os barões o colocaram. E luto todos os dias para mantê-lo estável e próspero. Como se atreve dizer o que seria melhor para Leontius quando eu sou Leontius?
— Minha senhora, — Scaios Teresi não pareceu intimidado — entendo e admiro tudo o que fez, realmente admiro. Mas no fundo, eu sei que a senhorita sabe que nunca nenhum nobre, príncipe ou rei, de Leontius ou de fora, se curvará ao sexo frágil. Nunca respeitarão uma mulher por livre e espontânea vontade. Muito menos uma em suas condições.
Suas palavras me afetaram apesar de eu não demonstrar. Sabia que ele não estava errado, infelizmente a maioria nunca iria me aceitar totalmente. Eu era uma mulher em um mundo governado por homens, e ainda por cima era doente.
Entretanto, não poderia permitir que ele me intimidasse em meu próprio palácio.
— Não faço questão que seja por livre e espontânea vontade — pestanejei — Os barões podem me respeitar, ou podem morrer. A escolha é de cada um.
— Mas sabe que não deve governar um reino assim? — Scaios se inclinou levemente em direção à mesa, apoiando uma mão na mesma — Não é bom manchar o reino com o sangue de barões, principalmente de barões com amigos que lhe podem ser úteis... ou podem lhe trazer muitos problemas. Devo insistir mais uma vez para que a senhorita tome uma decisão sensata.
Ouvi tudo em silêncio, correndo o dedo indicador por minha taça de água e mantendo os olhos na mesma.
— Bem, Scaios, eu soube que é um homem que aprecia muito a leitura. Como o senhor parece não entender minhas respostas negativas, irei lhe contar uma estória que poderia muito bem estar em um de seus livros — larguei a taça e pousei as mãos sobre a mesa, encarando o homem a minha frente — Certa vez, um homem nobre e muito rico viajou até a corte de uma jovem porém sábia rainha, e a pediu em casamento. A rainha, é claro, recusou seu pedido e mandou que ele se retirasse de sua corte, mas o homem parecia não entender e continuou a insistir com a jovem e sábia rainha. Ela então ordenou que o homem nobre e rico fosse enforcado e seu castelo destruído. Fim da estória.
Puxei novamente as folhas e peguei a pena, ignorando o barão de Aíma.
— Ao que parece, há uma lição nessa estória — continuei, dando os ombros, sem olhá-lo — Eu não sei qual é, mas você é um homem inteligente, irá entender.
— Majestade, eu acho... — Scaios Teresi tentou dizer.
O encarei de forma séria, fazendo com que ele se calasse.
— Reflita sobre a estória — falei, calmamente — E retire-se de minha corte.
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