Capítulo 9: O pacto
O ataque veio em alta velocidade, nada pôde ser feito para desviar. Houka fechou os olhos assustada, prevendo o impacto contra o seu corpo. Os segundos se passaram e nada aconteceu. Ela abriu lentamente os olhos e percebeu que estava com as costas apoiadas no tronco de uma árvore. A mesma árvore que sua irmã chocou-se ao ser atacada. A rosada sentiu uma leve dor de cabeça, estava fraca mas ao menos conseguia andar. Ergueu o olhar para frente e viu as bruxas dando as costas, saindo do seu campo de visual em poucos segundos.
- Hein...?
Olhou ao redor e ficou surpresa ao ver um corpo caído mais à frente. Longos cabelos azulados ao redor desse corpo. Ela sabia quem era e sentiu seu sangue gelar. Levantou-se rapidamente, cambaleando para os lados, indo de forma desesperada até a irmã. Houka ajoelhou-se aos pés de Kaori vendo-a toda machucada. Sua roupa estava destruída, sangue por todo o corpo e um enorme ferimento em sua barriga. Ela mal conseguia respirar, a boca entreaberta permitindo que um pouco de ar entrasse e saísse.
- M-Maninha... – Houka murmura com lágrimas nos olhos. – O que você fez...?
- Troca de... – Tossiu um pouco de sangue. – Corpos...
- Por que...?
- Não... – Desviou o olhar para a irmã. – Não suportaria te perder...
- Eu... Eu... – A rosada tentava falar mas não conseguia. As palavras ficaram presas em sua garganta. Suas lágrimas caíam sobre o rosto da garota, soluçando baixinho. – Eu não quero te perder... EU NÃO POSSO TE PERDER! – Exclama olhando no fundo de seus olhos.
- Você... – Cada palavra causava uma imensa dor na azulada mas ela precisava falar. – Você precisa ser forte...
- Eu não consigo. – Abaixava a cabeça chorando. – Você sempre me deu forças, eu não sou capaz de seguir em frente sem a sua presença. Eu preciso de você aqui!
Kaori erguia a mão machucada e tocava de leve o peito da irmã, fitando-a com um sorriso no rosto. Um fio de sangue escorria por seus lábios, ela estava no seu limite. Murmurou: "Eu sempre estarei aqui". Houka apenas negava com a cabeça, não queria perde-la. Seu corpo tremia enquanto mais lágrimas saíam de seus olhos azuis. A garota sentiu o toque da mão da azulada em seu rosto, ficando surpresa. Kaori a acariciava ainda sorrindo, o cabelo de ambas misturava-se naquele momento.
- Houka... – Sentiu todo o corpo estremecer, esse era o seu fim. – Eu... Estou orgulhosa... De você...
E então, os olhos dela fecharam-se lentamente. O silêncio se instaurou naquele ambiente enquanto a vida da garota ia embora. Houka abraçou o corpo da irmã chorando descontroladamente, soluçava mais alto ainda pedindo para que ela voltasse. Não suportaria essa dor, era o que pensava. Apertou com tanta força a azulada desejando que tudo isso fosse um pesadelo. Ela acordaria e estaria na mesa do almoço, conversando animada com Kaori e sua mãe. Todas iriam rir das piadas malucas de Maeka.
Porém, ela não acordou. Não estava dormindo, essa era a realidade. A triste e dura realidade. Nunca mais ouviria a voz da sua irmã, não veria o seu sorriso e nem sentiria o calor de seu abraço. Tinha medo de esquecer dos momentos importantes que viveu com Kaori. Chorava sem parar ao perceber que não teria um futuro para a azulada, todos os sonhos dela morreram junto com seu corpo.
- Não... Não... Não...
A rosada erguia a cabeça gritando durante o choro, as lágrimas escorriam por suas bochechas e tocavam o chão. O seu longo cabelo rosado fazia o mesmo. Ela estava com a boca aberta permitindo que os gritos saíssem. A dor de perder quem amava era grande demais para uma garotinha ingênua. Como lidar com isso?
As bruxas já estavam longe, não ouviram o desespero da rosada e nem imaginavam que ela havia sobrevivido. Continuavam a avançar em direção à Kyoto, estavam mais determinadas do que antes.
(...)
Houka ainda estava ao lado do corpo da irmã, analisando os seus belos cabelos azulados. Lembrou que não teve a chance conhecer o pai mas Maeka vivia dizendo que Kaori era a cara dele. Suspirou baixo, desejando voltar no tempo e mudar tudo que aconteceu.
- O que eu fiz de errado para merecer isso...? – Falava consigo mesma de cabeça baixa.
- Nada, elas que mereciam algo assim. – Diz uma voz masculina e grossa atrás dela.
Houka vira o rosto vendo um homem alto, ombros largos, usava uma roupa preta e segurava uma bengala. Parecia um pouco velho, aparentando ter seus cinquenta anos. Algumas mechas de cabelo grisalho entre o longo cabelo preto que tocava o seu ombro. Ele vestia um sobretudo e aproximava-se, arrastando a ponta da roupa pelo chão. Era possível ouvir os passos das botas dele em meio àquele silêncio.
- Q-Quem é você? – Ela pergunta confusa.
- Sou aquele que vai livrar a sua dor. – O homem diz abrindo um sorriso, expondo os dentes amarelos.
Aqueles olhos vermelhos ardentes como as chamas eternas. O tom de voz rude como um animal pronto para o ataque. A expressão sádica em seu rosto e o sorriso macabro. Ele só podia ser...
- L-Lúcifer! – Exclama a rosada.
- Você é uma garota inteligente, gostei de você desde a primeira vez que te vi. – Ele diz dando voltas entorno dela e do corpo de sua irmã. – Parece que uma batalha ocorreu aqui. – Olhou de canto para o corpo mantendo o sorriso frio. – Que pena, ela tinha tanto potencial.
- Seu desgraçado! – Grita irritada. – Tudo isso foi por sua causa! Aquelas malditas viraram suas seguidoras e com os poderes que você as concedeu, mataram a minha irmã! – Rapidamente se levantou e caminhou até ele, ficando frente a frente com o homem. Não se intimidaria mesmo sabendo quem ele era.
- Essa determinação é magnífica mas eu não sou o culpado. – Responde com firmeza. – Eu não as mandei atacar vocês. Elas que decidiram fazer isso. Sabe, Houka... – Voltava a andar entorno da rosada. – Eu apenas ofereço os meus poderes, as pessoas que decidem o que fazer com eles. Muitos me chamam de manipulador mas eu acho uma grande blasfémia.
- Que irônico...
- Não sou o vilão aqui. Eu não matei a sua irmã. Aliás, arrependo-me amargamente de ter feito o pacto com aquelas três. Elas são sem graça e mortas de determinação. Apenas querem que o mundo as note, algo extremamente desnecessário. – Para de andar ficando atrás da garota. – Mas você... Você tem um imenso poder dentro de si, carrega sentimentos fortes e puros. Luta pelo que é certo e não faria nenhum sacrifício por razões egoístas. – Diz apoiando as mãos nos ombros dela e sussurrando em seu ouvido. – Você é quem eu preciso.
- Saía! – Grita girando o seu corpo para chutar a barriga do homem. Porém, ele não estava lá.
- Não seja assim, minha pequena. – Ele aparece na sua frente, dizendo com o tom de voz calmo. – Não deseja fazer um pacto?
- Pacto...? – Houka estava novamente com lágrimas nos olhos. – Eu perdi a minha amada irmã e você vem falar sobre pacto?! – Engolia seco perdendo a calma que lhe restava. – PARA O INFERNO COM O SEU PACTO!
- Mas acabei de sair de lá. – Fala ironicamente. – Eu posso te dar o poder necessário para a sua vingança.
- O que?! Desista!
Virava de costas para ele e caminhava de volta para o corpo da irmã. Seu olhar estava direção aos próprios pés. Sentia um leve desconforto no peito, como se algo precisasse ser feito.
- Elas não podem sair impunes. Precisa fazer algo, sabe muito bem que suas cartas não são o suficiente para derrota-las e também não tem poder para isso.
-...
- Vamos lá, Houka. Acha que as assassinas da sua irmã deverão sair impunes? Logo elas estarão na casa da sua mãe. A barreira da Kaori foi desfeita com sua morte, ela está totalmente desprotegida.
O coração da rosada acelerou ao lembrar da sua mãe indefesa e machucada, sendo atacada por aquelas terríveis bruxas. Ela rapidamente virou-se para o homem e era possível ver a angustia em seu olhar. Não suportaria perder outra pessoa amada, queria chorar novamente apenas por lembrar da irmã.
- Eu não vou cair em seus truques, Lúcifer. – Ela diz séria como nunca esteve. – Não farei parte dos seus joguinhos... Não serei manipulada por você... – Aproximava-se novamente e respirou fundo. – Mas eu aceitarei o seu poder para proteger a única pessoa que me resta. Não quero vingança, não quero nada dessas baboseiras. Apenas quero a minha mãe segura, é o mínimo que posso fazer. – Olhou por cima dos ombros para o corpo da irmã. – E é o que ela queria.
- Você continua me surpreendendo! – Ele exclama com um leve brilho no olhar. – Ótimo! Aceita o pacto?
- Aceito mas com algumas condições.
- Hum?
- Não quero a aparência deformada como aquelas três, é ridículo. – Suspira baixo. – Mesmo seguindo esse caminho das trevas... Não quero assustar a minha mãe.
- Tudo bem. – Responde calmamente. – Não pretendia deixa-la com essa aparência. Você é tão forte que pode resistir a esse efeito do pacto. Mesmo assim, quanto mais usar o poder mais afetada ficará.
- Isso não importa mais. – Ajoelhava-se diante do corpo de Kaori, olhando-a com algumas lágrimas nos olhos. – Nada importa... – Fitava-o seriamente. – E não pretendo ser uma serva sua.
- Você é bem determinada em suas decisões. Esse seria um pacto muito desvantajoso para mim mas... Eu o farei. – Inclinava levemente o corpo para baixo e segurava o queixo da rosada. – Vou me divertir muito com o que estou prestes a presenciar.
- Humpf...
Um pentagrama formava-se abaixo da garota, ele brilhava em um tom vermelho. Ela começou a sentir uma dor de cabeça e fraqueza em seu corpo, tudo parecia girar. O homem cortou a própria mão com uma adaga que carregava no bolso. Ele ergueu o punho e pediu para que a rosada abrisse a boca. E assim o fez. As gotas de sangue entraram em contato com a superfície da língua dela, assinando o contrato.
Houka tossiu baixo apoiando a mão na boca, queria vomitar. O homem apenas sorriu de canto e observou o sofrimento da garota. Ela sofria ao sentir a sua alma ser corrompida.
- Agora terá a sua recompensa.
- Quero os poderes... – Murmura limpando o sangue que escorria pelo canto da boca.
- Eu tenho uma carta na manga.
- Hã?
- Literalmente. – Lúcifer continuava a sorrir, tirando uma carta preta que estava escondida na manga de seu sobretudo. – Aqui. Eu sincronizei o meu poder com o seu, assim poderá ativá-lo usando a sua magia com cartas. Apenas precisa coloca-la em seu peito e aceitar o poder fluir. – Entregava a carta para ela. Havia o símbolo de um par de chifres com chamas azuis atrás deles. – Aconselho usá-la somente quando for necessário. Cada vez que essa carta for ativada, uma parte de sua vida é levada.
- Quanto da minha vida está em risco?
- Eu deixarei esse detalhe em segredo... Boa sorte, garotinha.
Houka encarava a carta ainda confusa, sentia uma imensa energia negativa vindo dela. Ergueu o olhar para o demônio mas ele havia sumido. Ela girava entorno do próprio corpo, procurando-o desesperadamente. Porém, parecia que tinha voltado para as profundezas do inferno.
Seu olhar focou na carta novamente. Sabia que sua vida seria levada logo mas precisava fazer algo. Virou-se para a irmã e mordeu levemente o lábio, derramando uma lágrima. Algo dizia que o mesmo aconteceria com a sua mãe se nada fosse feito. Respirou fundo e apontou a carta para o seu peito.
- Empreste-me o seu poder... – Murmurou de cabeça baixa.
A carta atravessou lentamente o peito da moça, abrindo uma pequena fenda que sumiu quando ela entrou por completo. Houka sentiu um imenso poder fluir pelo seu corpo. Os músculos vibravam, o coração acelerado e mechas do cabelo erguidas como se dançassem ao vento.
Porém, a pior parte da transformação começou. Sentia sua pele se rachar como se ficasse em pedaços. O longo cabelo era puxado com força para cima e percebeu que sua bela cor rosa ia embora, deixando apenas o tom branco e sem vida. A roupa havia sumido ficando com o corpo despido. Uma armadura de metal formava-se em suas pernas, saindo de dentro da pele por isso ela gritava de dor. Chifres nasciam em sua cabeça, abrindo um pequeno espaço no crânio.
- Argh!
Erguia a cabeça gritando alto de dor. Podia sentir uma cauda nascer, ela era dura como ferro e pontuda como a melhor lança já feita. A armadura continuava a crescer em sua pele, estendendo-se para os braços, ombros e cabeça. O resto do corpo ficou exposto, exceto por algumas partes cobertas por um fino pano preto. Houka ainda gritava, o fios de seu cabelo eram puxados ao extremo e podia senti-los maiores do que antes. Eles tocavam o chão e espalhavam-se por ele.
A respiração pesada, tentando sobreviver àquela dor incessante. A garota estava com a visão embaçada, a sua íris mudava de cor tornando-se vermelha. Recuou um pouco dando alguns passos para trás. Olhou as próprias mãos vendo as garras afiadas, logo apoiou as mãos na cabeça. Ela doía tanto. Houka não parava de gritar, fechando os olhos com força. Mal notou que seu poder foi liberado com tanta intensidade que o solo do local foi completamente danificado. As árvores ao redor destruídas e algumas estavam mortas.
- Hora... De... Brincar... – Ela sussurra com a voz mais firme do que antes. Seus olhos vermelhos brilhavam de ódio.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro