• VINTE • PEDRO
Algo não estava bem. Meu estômago dava voltas bruscas dentro de mim. Salto de minha cama tão alto quanto posso, a superfície atraente quase me seduzindo a ficar mais um pouco, outra onda de enjôo decide por mim. Vou correndo para o banheiro. Coloco meu jantar para fora, minha garganta ardente.
Me sentindo cansado, escovo meus dentes com apenas um olho fechado e tomo um banho rápido. Com roupas leves e a cabeça palpitando dou passos calmos até a cozinha, de onde flui o aroma maravilhoso de café preto, forte e sem açúcar. Da maneira que gosto. Minha mãe na certa está em casa.
No corredor eu já ouço palavras e piadas ditas em voz alta. Reviro meus olhos pensando que juntamente com minha mãe, meus primos vieram tirar a barriga da miséria curando por tabela a ressaca que estarão sentindo se suas vozes exaltadas logo pela manhã, fossem algum indício.
Com apenas um olho aberto, meio que cambaleio em direção ao alvoroço não tão bem vindo pela manhã. Ou seria tarde? Está tão quente, penso comigo mesmo. Venho em uma parada abrupta quando vejo uma cabeleira loira aparada conhecida. Arthur está lhe falando algo enquanto os gêmeos apenas concordam silenciosamente.
- Oh, a bela adormecida se fez presente! - meu primo pisca seus cílios escuros em minha direção. Lhe mostro o dedo do meio, mamãe me acerta com o pano de prato. A coisa pega no meu rosto.
- Merda mãe!
- Senta bebê, já vou colocar seu café!
- Não precisa, eu mesmo faço. - André tem os olhos fixos em mim. Aceno debilmente em sua direção me esquecendo momentaneamente da presença de todos aqui. - Ei André!
Ele sorri minimamente para mim. Enquanto me sento entre Murilo e Victor, tento me lembrar se ele dormiu aqui ou se chegou cedo para o café.
- Só tem o André aqui? Onde está o amor pela família? Me sinto excluído! - os gêmeos dizem em uníssono.
- Dramáticos! - um guardanapo boa na direção deles, desviam habilmente. - Como foi ontem lá na Xtreme? - pego minha caneca favorita, enchendo - a com o líquido escuro e fumegante. Aspiro o cheiro hipnotizante do café.
- Foi o paraíso. - Victor tinha um rosto tão iluminado, que logo peguei a dica.
- Com quantas?
- Nada dessas conversas estranhas na mesa! - reviramos nossos olhos, ignorando - a sigo esperando pela resposta. Murilo me lança seu costumeiro sorriso sacana. Arthur massacra seu pão enchendo - o de presunto além da conta.
- Vai dizer que não gosta tia?
- Jesus menino! - agora o pano de prato acerta o ombro de Murilo.
- O tio dançou com um vibrador uma vez, lembra? Então não reclama! - um engasgo é ouvido. André bate fracamente no peito. Seguro uma risada.
- Rick vai matar o Ariel!
- Oh, se vai! Adoro um combate!
- Me conta! - e assim mesmo contra a vontade de minha mãe, os meninos se animam em contar suas aventuras noturnas. Eles disseram que só foram para casa às seis da manhã o que não seria nenhuma surpresa, meus primos curtem uma noite ao máximo e não se importam em virar noites em claro.
Com meu estômago pouco preparado para receber alimento sólido, me contento em apenas ficar com meu café. O café da manhã robusto que minha mãe fez foi bem aproveitado por meus primos. Meu convidado que não me lembro de convidado a passar a noite, não que eu esteja reclamando de sua presença em minha casa. Muito pelo contrário, estou até que conformado. Estou divagando penso enquanto ajudo a tirar a mesa e lavar a louça. André silenciosamente ajuda a seca - la. Estamos ombro a ombro. Seu perfume flutuando o ar que nos cerca.
Enquanto seus músculos dos braços trabalham levemente no movimento de secar e colocar a louca no lugar correspondente no armário, observo - o de esguelha. Nem um fio de cabelo fora de lugar. Isso é injusto pelo fato de ter acordado parecendo uma merda. Me distraio ao extremo e quando vou lhe passar os talheres já limpos, eles escorregam de minha mão. O tilintar soa alto em meus ouvidos.
- Ah porcaria!
- Desculpe!
- Você me desculpe, estava distraído! - seguramos uma mesma colher. Estamos ambos agachados, nossos olhos no mesmo nível. Engolimos em seco, reparo que até seu pomo de Adão é bonito.
- Sem problemas!
- Algum problema aí bebê? - ouço seu grito da sala. A parede que divide a sala da cozinha nos ocultando aos seus curiosos olhos. Praguejando baixinho me coloco de pé um tanto envergonhado. Mamãe nunca perde a mania de me chamar de bebê.
- Está tudo bem dona Luana!
- Pelo amor de Deus homem! Eu já disse, nada de "dona". Me sinto uma velha!
- Ok, sem dona! Está tudo bem!
Aos poucos voltamos a nossa atividade. A tensão sexual entre nós é grande, quase palpável ao toque. Seguimos o ciclo de lavar e secar. Toco seu ombro com o meu atraindo sua atenção. Os olhos perspicazes se fixam em meu rosto.
- Me diga que não te ataquei ontem!
- Não atacou! Bem, pelo menos soube me defender bem! Quase usurpou minha honra de menino bom! - olho - o por segundos para então me render as gargalhadas.
- Você usando de humor? Não acredito! - levo uma mão cheia de sabão ao peito, o teatro em cada gesto meu. Dando de ombros cruza os braços firmemente em frente ao peito amplo.
- Posso ser engraçado ok?
- Nunca disse que não podia!
- Mas pensou?
- Talvez! Não passamos muito tempo juntos, nos conhecemos faz pouco tempo. Mas é bem sério!
- Reservado talvez!
- Quantos anos tem? - encosto meu quadril contra a borda metálica da pia.
- Trinta e sete! E você?
- Vinte e sete! - mantendo sua atenção em mim, olha para os pés. - Não me respondeu, te ataquei ontem?
- Não! Consegui te controlar, fique tranquilo.
- Peço desculpas, passei dos limites ontem. A notícia de que Felippe vai embora me colocou um pouco fora de ordem.
- Entendo! São irmãos, sempre estiveram juntos a vida toda. Uma separação assim pode ser de abalar.
- Eu prometi não chorar! E ontem me desmanchei como uma menininha. - dá um passo a frente. Sua mão esquerda se ergue suavemente. As pontas de seus dedos acariciam meu rosto, a quentura de sua pele me conforta em um nível preocupante.
- Ninguém é forte em todo o tempo Pedrinho!
- Mas eu preciso!
- Não todo o tempo! Faz bem chorar como disse ontem para você! - uma carranca perpassa seu rosto.
- Tudo bem! Eu só queria fazer mais por ele. Sei que está sofrendo, ele é a cópia do meu pai nesse aspecto. Sofre em silêncio.
- Sua ajuda pode vir através do fato de que aceite que ele precise de um tempo longe de tudo.
- Você tem razão, mas é difícil aceitar sabe? - assentindo devagar, dá outro passo. Depois outro até estar em meu espaço pessoal. Respirando o mesmo ar que ele, sinto seus lábios em minha testa. A suavidade de seus lábios fazendo - me esquecer de tudo ao meu redor. Esquentando - me rapidamente. - Me beija?
Sussurro para que só ele escute. Estou parecendo um tanto carente. Mas eu só preciso sentir seus lábios nos meus. Ainda que for a única coisa que consiga dele. Desse homem tido reservado e contido. Preso em si mesmo. Mas que emite uma energia apaixonante, uma energia da qual me vejo totalmente viciado.
- Ah meu Deus! Que notícia maravilhosa! Ah acho que vou passar mal! - pisco algumas vezes, como se algum encantamento tivesse sido rompido, trazendo - me para a vida real de forma abrupta.
- Mãe! - corro até a sala com ele atrás de mim. A mulher tem a mão no peito e parece realmente a ponto de cair dura. - Mãe, o que está sentindo? Arthur cara, liga para meu pai! Minha mãe está passando mal! - arranco o celular de sua mão, meu convidado surge em um piscar de olhos com um copo d'água que oferece a ela, que bebe avidamente. Vejo na tela o número do hospital. Levo ao ouvido. - Alô, aqui é Pedro Bianco Melo, com quem eu falo?
- Oh, senhor Bianco! Era com você que queríamos falar inicialmente. Tentamos contato com seu celular mas não tivemos resposta. - olho freneticamente ao redor e não há sinal do meu celular. Merda!
- Desculpe, eu realmente não o ouvi tocar.
- Por isso ligamos para os números secundários. E o da Senhora Luana Bianco era um deles.
- Tudo bem! - massageio minhas têmporas. A dor de cabeça, um resquício da ressaca com a qual acordei voltando com força total. Pigarreio gravemente. - Aconteceu alguma coisa com Antonella?
- Ela vai receber alta hoje a tarde! Precisa vir ao hospital pois Dr. Carlos o pediatra precisa conversar com você! - me deixo cair ao lado de minha mãe, minhas pernas tremiam de repente. Tomo o copo de água de minha mãe, bebendo em um fôlego só. - Alô, ainda está aí senhor Bianco?
- Hum...sim!
- Nos vemos as quatro da tarde então!
- Nos vemos! - digo automaticamente. O som de que a chamada foi encerrada apita em meus ouvidos.
É real.
Antonella é minha. Um bebê frágil, necessitando de cuidados extremos. Manuela, me ajuda de onde estiver. Foi você quem me meteu nisso. Envolvo os ombros de minha mãe, ela ainda está um pouco mole. Não sei quanto tempo ficamos ali, somente olhando para lugar nenhum. Meus primos ao nosso redor com expressões preocupadas mas não podíamos falar ou expressar nada.
Papai chega parecendo um touro bravo passando através da porta, sua maleta médica batendo contra suas coxas enquanto abre caminho até nós. Apertando meu ombro, se foca na esposa. Toma seu pulso e por alguns instantes conta o ritmo de sua pulsação. Ouve seus batimentos cardíacos e tantas coisas mais.
- É sua pressão amor! O que aconteceu para ela abaixar tanto?
- Ligaram do hospital pai!
- Algo errado com a menina? - diz ainda de joelhos. Os cabelos como fios de ouro bagunçados.
- Nada grave! Terá alta hoje! - sua mão de detém na medição que está preparando. Ergue os olhos idênticos aos do meu irmão. A emoção que vejo ali é esmagadora. Ele parece radiante com a notícia, ainda que somente seus olhos mostrem isso.
- Que horas?
- As quatro! - digo lentamente.
- Vou te examinar também filho!
- Não precisa....
- Precisa sim, ele esteve a ponto de cair senhor Delgado! - lanço um olhar atravessado em direção a André. Meus primos soltam uma risadinha. Duas almofadas encontram seus rostos.
- Não precisa pai!
- Precisa sim! - dizem juntos. Bufando como uma criança birrenta, me deixo cair entre as almofadas restantes em meu sofá.
- Topa jogar bola com a gente André? - Victor diz a partir da cozinha, de onde está assaltando a geladeira.
Silencioso.
O ambiente se tornou. Meu queixo simplesmente ficou frouxo. Lanço olhares indagadores na direção de meus primos, em busca de respostas.
- Hum...Faz tempo que não jogo bola.
- É como andar de bicicleta, vai ver!
Estou sem palavras, em todos os anos que namorei com Lucas, eles nunca o chamaram para uma partida. Meu ex namorado sempre foi fã do time onde jogam fora do Brasil. Mas meus primos sempre foram reservados em relação a ele, o que nunca entendi. E se eles o chamam para uma partida, é como se eles aceitassem em seu meio. Não faz sentido algum.
- Mas...
- Então André? Aceita?
- Tudo bem!
Bem, isso vai ser interessante. Penso quando chega a minha vez de ser examinado. Constatando que estou bem, ajudo - o a levar minha mãe até o seu carro, ele a levaria para casa. Combinamos de nos encontrar no hospital mais tarde. Me despedi de André que recebeu uma ligação de tio Mika e me deixei cair no sofá, sendo levado por um sono que não sentia antes mas que foi bem - vindo, assim eu estaria mais relaxado mais tarde.
Na hora que teria minha...filha em meus braços.
[....]
Depois de assinar muitos papéis, uma enfermeira de sorriso simpático e movimentos fluidos me encaminhou até a sala onde o pediatra me esperava. Deixei meus familiares na recepção, eles pareciam muito animados. Minhas tias e primos trouxeram até bolas multicoloridas tornando a recepção uma vez uniforme, um mar de cores.
Uma batida na porta, em seguida um "entre" murmurado chega até nossos ouvidos. O médico e eu nos cumprimentamos com um aperto firme de mãos, ele indica uma cadeira a frente de sua ampla mesa de vidro para que eu me sente, assim o faço. Cruzando minhas mãos sobre meu colo, o fito intensamente.
- Fui informado de que queria falar comigo, algo sobre a bebê?
- Sim! Quando conseguiu respirar por conta própria. Fizemos mais uma bateria de exames. Todos estavam bem, exceto um. O teste do olhinho não deu bons resultados.
- O que quer dizer?
- Antonella precisará passar por mais consultas do que o aceitável a um recém nascido. Além do pediatra, passará a consultar desde muito cedo com um oftalmologista. Para sabermos a procedência da deficiência visual. Se é por ordem genética ou por exemplo, tenha sido exposta ao vírus da rubéola ainda no ventre da mãe.
- Mas...- perco as palavras no meio do caminho.
- Fique calmo sim, não é nada definitivo. Por isso é importante que seja feito o teste do olhinho, assim como o do pezinho e da orelhinha logo ao nascer. São importantes para que se veja a real situação da saúde do recém nascido.
- Posso leva - la para casa?
- Você está bem?
- Estou. Posso leva - la? - longos segundos se passam até que aos poucos ele assente devagar.
Andando pelos corredores já tão conhecidos por mim, chego juntamente com o médico na sala onde ela ficou por tantos dias. A encubadora onde estava, agora se vê vazia. Procuro com olhos ansiosos por ela, encontro a enfermeira que me levou para conversar com o médico, com ela nos braços.
Ela veste uma calça branca com flores vermelhas, sapatinhos da mesma cor e um casaco vinho. Suas pequenas mãos se movem sem controle algum. Ela resmunga um pouco enquanto desaparece de minha linha de visão. Meu coração se estilhaçando aos poucos. O sentimento de impotência que senti ao ouvir que possivelmente teria problemas em relação a sua visão, sendo substituído por um amor tão puro.
Em minutos a tenho a dois passos de mim. Seu perfume doce e suave me envolvendo aos poucos. Com um aceno ela me é entregue. Chorando baixinho, procura por algo em meu peito. Dou uma risadinha, sou instruído a me sentar na cadeira mais próxima. Na mão da enfermeira há uma minúscula mamadeira, ela entrega para mim e com um jeito um tanto desordenado lhe dou de mamar. Seus pequenos e rosados lábios capturam o bico da mamadeira de forma certeira sugando com força. É bonito, penso enquanto acaricio seus cabelos loiros quase brancos. Os fios lisos estão um pouco fora de lugar mas isso a deixa mais bonita.
Em um movimento inesperado, sua mão de dedos finos porém firmes, se enrolam em meu dedo indicador. Então seus olhos antes meio fechados se abrem, focando - se em meu rosto. São imóveis mas parecem invadir minha alma. A cor cinzenta deles me imobiliza e diante de um médico e uma enfermeira, juro interiormente protege - la de todo o mal que há nesse mundo.
Alimentada e dormindo encontro com minha família esperando ansiosamente na recepção. Minha mãe chega a pular de um pé para o outro. Há tinta em seu queixo, imagino que estivesse pintando e saiu às pressas. Tia Lu pede suavemente para pega - la. Sem discussão eu a entrego em seus braços, lágrimas abundantes escorrem por suas bochechas. Foram poucas as vezes que vi minha tia chorar, não comento nada no entanto.
Uma roda se forma ao redor dela. Meu pai e tia Lu discutem sobre ela ir no carro de quem. Pois nos três carros há uma cadeirinha comprada para ela. Logo sou esquecido mas não ligo. Ela merece todo o amor e atenção do mundo. No fim meu pai vence a discussão, enquanto ele acomoda a bebê dormindo em seu carro, sinto meu celular vibrar em meu bolso. Um grande sorriso dança em meus lábios ao identificar o número.
"Sorte para o mais novo papai! Vai conseguir, verá!"
Ella finalmente estará em casa. Está aí mais um capítulo. Espero que gostem e por favor comentem.
03/08/19
Recebi essa imagem no grupo que temos no WhatsApp. Cortesia da Ale,( não consegui te achar nessa merda!) Kkkkkk a cisma que André tem com a bunda de Pedrinho
Obrigada Ale, quase caí da cadeira lkkkk
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